'Eleição de Leão 14 é uma reposta do Vaticano
a Trump': o que novo papa significa para presidente dos EUA
Nos dias que antecederam o conclave, havia
entre muitos observadores do Vaticano a preocupação sobre que tipo de
influência os Estados Unidos poderiam exercer na escolha do novo papa e na
busca por um nome mais conservador.
O país abriga uma pequena mas poderosa ala
conservadora da Igreja Católica, que se consolidou como o principal foco de
oposição ao papa Francisco (2013-2025) e de rejeição à visão mais liberal e às
reformas implementadas por ele.
Além disso, a relação de Francisco com o
presidente Donald Trump e outros membros do alto escalão do governo americano,
como o vice-presidente J.D. Vance, que é católico, sempre foi marcada por
tensão e discordâncias, muitas vezes públicas, tanto em questões políticas
quanto eclesiásticas.
Nesse contexto, a eleição histórica do
cardeal Robert Francis Prevost, nascido em Chicago, como papa Leão 14, o
primeiro americano a comandar a Igreja Católica, pode ser interpretada como uma
resposta do Vaticano.
Apesar de ser americano, o novo papa é
considerado um reformista e não um nome alinhado às prioridades de Trump ou dos
conservadores da Igreja nos Estados Unidos. A expectativa é de que dará
continuidade à visão de Francisco.
"Esta eleição papal é também uma
resposta a Trump, mas uma resposta oblíqua e não frontal contra ele",
disse o professor de teologia histórica Massimo Faggioli, da Universidade
Villanova, na Pensilvânia, em uma postagem no X (antigo Twitter).
Logo após o anúncio do resultado do conclave,
Trump parabenizou Prevost e descreveu a eleição do primeiro papa americano como
"uma grande honra". "Que emoção e que grande honra para o nosso
país. Estou ansioso para encontrar o papa Leão 14. Será um momento muito
significativo!", escreveu o presidente na rede Truth Social.
Em entrevista à BBC News Brasil, Faggioli
salienta que, até pouco tempo atrás, a ideia de um papa americano era
"impensável". Apesar de Prevost figurar em algumas listas de
possíveis favoritos, muitos analistas consideravam pouco provável a escolha de
um americano.
"O caos global que foi criado, em grande
parte pelos Estados Unidos, nestes últimos anos, tornou possível um papa
americano", diz Faggioli.
"Isso era impensável, mas agora tantos
tabus foram quebrados. Trump, de algumas maneiras, tornou essa eleição menos
impossível."
Faggioli lembra que os católicos
conservadores dos Estados Unidos não estavam felizes com Francisco e esperavam
a eleição de alguém completamente diferente, mais conservador, talvez
americano.
"Mas acabaram com um papa americano que
é, em grande parte, uma continuação (da visão) de Francisco", observa.
"E ele é um papa das Américas, não
somente dos Estados Unidos. É uma resposta muito criativa (por parte do
Vaticano)", avalia Faggioli.
Apesar de ter nascido nos Estados Unidos,
Leão 14 passou grande parte de sua carreira religiosa no Peru.
Além de ser um destacado especialista em
Vaticano, Faggioli também leciona na mesma universidade onde Leão 14 estudou. O
novo papa se formou em Matemática na Universidade Villanova, em 1977.
Segundo o professor, a reação no campus foi
de euforia. "Os sinos começaram a tocar alguns minutos depois do anúncio e
continuaram por horas."
A Villanova é a principal universidade
católica da ordem agostiniana (da qual o papa faz parte) nos Estados Unidos.
<><> Impacto na Igreja americana
Faggioli destaca que, assim como seu
antecessor, Leão 14 também "é muito crítico da posição de J.D. Vance sobre
imigração".
Francisco corrigiu Vance publicamente quando
o vice tentou usar a doutrina católica para justificar algumas das políticas do
governo. Também disse em carta aberta aos bispos americanos que os planos de
deportação em massa do governo Trump violavam a dignidade humana.
Na quinta-feira (8/5), logo após o anúncio em
Roma, começaram a circular pela internet antigos posts no X sob o nome de
Robert Prevost com críticas a Trump e Vance.
Entre os posts compartilhados por Prevost
estão artigos criticando a política de imigração de Trump e a interpretação de
Vance sobre o conceito católico de "Ordo Amoris", usada pelo vice
para justificar deportações. Há também posts defendendo reforma no controle de
armas e o fim do racismo na sociedade.
Segundo Faggioli, a ascensão de Leão 14 pode
significar um recomeço nas relações entre o papa e setores conservadores da
Igreja americana, depois de 12 anos de animosidade intensa sob Francisco.
"Não creio que a mensagem irá mudar. Mas
acho que adotará um estilo diferente, menos pessoal e mais institucional",
prevê.
"Desde a eleição (presidencial)
americana do ano passado, Trump e Vance tentaram dominar o catolicismo dos
Estados Unidos", opina Faggioli. "Agora, com um papa americano, isso
fica mais complicado."
Para Faggioli, com um papa americano, será
mais difícil que os católicos do país confiem na versão do catolicismo pregada
por Trump e Vance.
"A partir de hoje, não será Trump nem
Vance quem falará com os católicos americanos", afirma.
"Acho que Prevost é uma resposta muito
boa (do Vaticano), porque conhece os Estados Unidos bem, é um deles. Não pode
ser acusado de ser antiamericano", ressalta.
Faggioli acredita que os setores
conservadores que atacavam o papa Francisco terão de reestruturar sua
estratégia.
"Há um projeto conservador americano
para o catolicismo, para todo o catolicismo, que não depende de Donald Trump,
não depende do papa", afirma.
"Acho que eles têm um plano para o
futuro da Igreja. Mas terão de entender como levar adiante sua estratégia de
longo prazo de maneiras que levem em consideração que existe um papa dos
Estados Unidos. Será mais difícil ignorá-lo."
• 'Para
nós é como ganhar a Copa do Mundo': a reação de peruanos no Vaticano após
escolha do papa Leão 14
Robert Prevost, agora Leão 14, não estava
entre as grandes apostas para ser o novo papa, por isso, quando seu nome ecoou
nos alto-falantes da Praça São Pedro, no Vaticano, para muitos, a alegria foi
acompanhada pela curiosidade de saber quem ele era.
Não foi o caso de Guadalupe Tolentino.
"Não sabíamos que ele seria o novo papa,
mas é claro que todos os peruanos sabem quem ele é; nós vimos ele", ela
conta.
Segurando a bandeira peruana, esta nativa de
Lima diz, "com o coração repleto de emoção", que quando o falecido
papa Francisco visitou seu país, "o primeiro lugar que ele visitou foi
Chiclayo".
Foi lá, em Chiclayo, cidade costeira de
Lambayeque, no norte do Peru, que Leão 14 foi bispo, de 2014 a 2023.
"As pessoas iam até lá para vê-lo. Eu
queria ir, mas não podia porque envolvia tempo e dinheiro. Mas sabemos
perfeitamente quem ele é e seu trabalho lá", diz Guadalupe.
Robert Prevost, nascido nos Estados Unidos,
passou mais de 40 anos no Peru — e tem nacionalidade peruana desde 2015.
"Não tínhamos ideia de que seria ele;
havia outros cardeais favoritos. Mas agora, todos nós esperamos sem dúvida que
este novo papa supere nossas expectativas e seja um bom sucessor de
Francisco", acrescenta.
Guadalupe está em Roma há apenas um ano.
Ela se mudou em busca de novas oportunidades
e, enquanto espera a validação do seu diploma de professora, trabalha na casa
de uma família.
Mas o que ele não esperava era, como me
disse, "ter tido a oportunidade de testemunhar este momento
histórico" para o Peru.
"Quando era criança, eu sempre dizia que
veria essa fumaça branca de perto. E olha só, tive a sorte de presenciar isso
aos 34 anos. Agradeço à vida por isso."
Ao lado de Guadalupe, está sua irmã Ámbar,
que segura orgulhosamente uma edição especial do L'Osservatore Romano, um
jornal do Vaticano, onde se lê "Robertum Franciscum Prevost que sibi nomen
imposuit LEONEM XIV" (latim para 'Robert Francis Prevost, que deu a si o
nome de Leão 14)', com uma foto enorme do novo pontífice.
Ambas estavam na Praça São Pedro desde
quarta-feira (7/5), dia em que começou o conclave, à espera da fumaça branca.
A notícia de um papa peruano, diz ela,
transmite uma grande mensagem.
"Isso, para o Peru e para mim, é uma
mensagem de esperança. Ninguém esperava. O Peru está em uma situação muito
complicada, muito crítica. E acho que esta é uma mensagem de esperança para
todos."
Devido à mesma situação crítica que ela
descreve, "por causa da extorsão e da falta de apoio aos
profissionais", esta mulher formada em negócios internacionais também
migrou para Roma há apenas quatro meses em busca de uma vida melhor.
<><> Uma mensagem com 'um
espanhol bem peruano'
Leão 14 é o primeiro pontífice de origem
norte-americana, e também o primeiro com cidadania americana ou peruana.
Durante seus anos no Peru, ele atuou como
pároco, professor de seminário, juiz eclesiástico e membro do conselho
consultivo da diocese de Trujillo, além de ter dirigido o seminário agostiniano
naquela cidade por uma década. Ele também foi membro da Conferência Episcopal
Peruana (CEP) de 2018 a 2023.
"Estamos felizes e emocionados porque
agora somos famosos por um momento", afirma Rafael Aguilar, também
peruano, com sua bandeira vermelha e branca amarrada no pescoço, na Praça São
Pedro.
Ao lado dele, Ela Fernández, também segurando
a bandeira do país, diz que a notícia "significa muita fé e esperança para
nós, porque Prevost fez um grande trabalho no Peru e vai continuar fazendo isso
no mundo todo".
Ambos estavam emocionados porque, "como
peruanos e católicos, isso é o reconhecimento de um país que não está
exatamente passando por um bom momento; estamos sempre aos trancos e
barrancos".
Durante parte do seu primeiro discurso como
papa, Robert Prevost falou em espanhol:
"Saudações a todos, em particular à
minha querida diocese de Chiclayo, no Peru, onde um povo fiel acompanhou seu
bispo, compartilhou sua fé e deu tanto para continuar sendo a Igreja fiel de
Jesus Cristo."
Isso, além de ter sido inesperado, tocou o
coração de Rafael.
"Ele nos dedicou algumas palavras,
algumas pequenas frases, palavras em um espanhol bem peruano. E para nós, ele
dedicar essas frases foi como ganhar a Copa do Mundo", declarou Rafael,
emocionado.
Rafael e Ela vieram à Itália especificamente
para os dias do conclave, para ver a fumaça branca de perto, "um momento
em que todos nos unimos, deixamos nosso egoísmo de lado e esperamos por um
mundo melhor".
"Depois, sairemos às ruas e
continuaremos a ser os mesmos. Mas esses pequenos momentos são os que temos que
privilegiar", enfatiza Rafael.
Ainda assim, ele está ciente das limitações
da Igreja.
Ele conta que é divorciado. E isso poderia
ser um detalhe sem importância, mas aqueles que se divorciam e depois se casam
novamente não têm permissão para receber a comunhão, um dos sacramentos do
catolicismo.
"Quando me casei, eu sabia das
condições. O Vaticano vai ter tempo para se adaptar [aos novos tempos], mas
lentamente. É muito difícil para a Igreja Católica mudar. Mas Deus ama a todos
igualmente, sejam eles divorciados ou não, heterossexuais ou gays, tenham eles
dinheiro ou não", afirma.
<><> Expectativa para o futuro
papado
Em meio à alegria e à emoção pela nomeação
deste novo papa, as pessoas também se perguntam se ele vai seguir os passos de
Francisco. Um bom sinal é que ele dedicou algumas palavras para ele em seu
discurso.
Embora isso seja, em parte, um desafio menor
para Leão 14.
A Igreja que ele encontra está, assim como o
próprio cenário global, dividida em correntes mais reformistas e outras mais
conservadoras, um cabo de guerra no qual Prevost agora parece estar no meio.
Uma questão que marcou tanto o papado de
Bento 16 quanto o de Francisco foi o tema do abuso infantil dentro da Igreja. E
é provável que a questão continue a ser abordada no mandato do novo pontífice.
Prevost foi acusado de não investigar
denúncias de três supostas vítimas de abuso sexual na diocese de Chiclayo, algo
que tanto a diocese quanto seus apoiadores no Peru negam veementemente.
Este é um tema particularmente sensível no
Peru, onde a influente comunidade do Sodalício vinha acumulando denúncias
contra ela há anos, até que o papa Francisco ordenou sua dissolução em uma das
últimas decisões de seu pontificado.
Assim, nesta nova etapa como líder da Igreja,
este será um dos seus principais desafios.
Mas o papado de Leão 14 mal começou.
E os fiéis que foram à Praça São Pedro — como
Guadalupe, Ámbar, Ela e Rafael — celebraram um novo papa que consideram próximo
e que, para sua surpresa e alegria, conseguiu dar voz ao Peru.
Fonte: BBC News Mundo

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