Dominik Leusder: Um declínio mais elegante
O declínio raramente é elegante. A
controversa segunda passagem de Cristiano Ronaldo pelo Manchester United
terminou após apenas quatro meses, em grande parte porque ele se recusou a
aceitar uma função e um salário reduzidos, apesar da idade; a passagem de dois
anos de Michael Jordan pelo Washington Wizards, durante a qual ele abusou de
sua posição como vice-presidente do time para fazer uma série de escolhas
imprudentes na seleção de jogadores e se posicionar como titular de 38 anos em
um time que tinha um dos piores recordes da NBA, foi marcada pela decepção. A
tentativa dos Estados Unidos de superar a China como potência industrial, após
décadas de subinvestimento e com apenas 9% de sua força de trabalho empregada
na indústria, provavelmente terminará de forma igualmente indigna.
Nos últimos anos, o fracasso dos legisladores
estadunidenses em lidar adequadamente com o declínio econômico do país e as
crises sociais que o acompanharam gerou uma reação anti-establishment tanto na
esquerda quanto na direita. Para evitar os altos custos políticos desse
fracasso, as elites estadunidenses buscaram bodes expiatórios externos. Embora
o comércio pareça ter emergido como a arena da atribuição de culpa, a China se
mostrou útil como o que o historiador Adam Tooze chamou de “bode expiatório de
amplo espectro” para a crise de reprodução social da classe trabalhadora
estadunidense.
O “choque” da entrada da República Popular no
sistema de comércio global e seu status de “mau ator” dentro dele são, na mente
de democratas e republicanos, a causa de uma série de crises sociais e
econômicas nos Estados Unidos: o declínio secular no emprego industrial;
“mortes por desespero”; e a crescente precariedade e as perspectivas estagnadas
da classe média, juntamente com a consequente ascensão do populismo
não-liberal, são todos, de alguma forma, o resultado da industrialização
chinesa.
Com o tempo, essa abordagem das causas de
seus males internos levou a uma mudança agressiva na política econômica externa
dos EUA. Essa mudança envolveu, notavelmente, a violação severa da soberania
chinesa (exemplificada pela doutrina de “quintal pequeno, cerca alta” de Jake
Sullivan) e atinge seu ápice com o choque da “tarifa recíproca” anunciado por
Donald Trump em 1 de abril. À luz desses acontecimentos, vale a pena relembrar
o precedente histórico recente —que, segundo todos os relatos, pesou muito na mente
de Trump nas décadas de 1980 e 1990, e que pode explicar sua crença dogmática
de que as barreiras comerciais são a cura para os males enfrentados pela
indústria estadunidense. Antes da China, havia o Japão.
• De
“Pax Nipponica” para “Pax Sinica”?
Não é por acaso que o enredo do thriller que
marcou uma era, Duro de Matar (1988), gira em torno de um terrorista alemão que
toma conta de um arranha-céu no centro de Los Angeles, de propriedade de um
conglomerado japonês. Essa mudança nas atitudes culturais foi acompanhada por
uma mudança na política estadunidense. Em parte, isso foi uma resposta ao
notável sucesso industrial da Alemanha, embora o Japão fosse o principal objeto
de obsessão das elites políticas.
“O espectro da ‘Pax Nipponica’ foi
substituído por uma ‘Pax Sinica’.”
A trajetória econômica do Japão se destaca
mesmo entre os milagres econômicos do pós-guerra, eclipsando Coreia, Taiwan e
Alemanha na velocidade com que convergiu e recriou a fronteira da tecnologia
industrial. E embora o Japão fosse visto como um dos aliados mais próximos e
dóceis dos Estados Unidos, a ascensão meteórica de sua economia estatal
desenvolvimentista estremeceu o relacionamento entre eles.
A competitividade industrial dos rivais
industriais mais produtivos dos Estados Unidos (em paralelo às tensões da
Guerra do Vietnã e ao subsequente choque do petróleo) alterou drasticamente a
composição da balança de pagamentos da economia mundial ao longo das décadas de
1970 e 1980. A partir de 1982, os Estados Unidos começaram a registrar seus
maiores déficits comerciais com o Japão. Finalmente, em 1985, o Japão tornou-se
o maior credor dos Estados Unidos, posição que permanece até hoje, por uma
ampla margem.
Naquele mesmo ano, um importante membro do
Congresso, o Deputado William Broomfield, preocupou-se com as “políticas de
aparência liberal” do Japão que “se revelam protecionistas na prática”,
acrescentando que “os Estados Unidos estão em pé de guerra […], a menos que
este aviso seja atendido, retaliações e possivelmente uma guerra comercial
generalizada estão logo ali, na esquina”. Durante a mesma sessão, o Deputado
John Dingell entoou que “o Japão deve começar a jogar por regras justas”. O
nervosismo na política do Congresso refletiu-se na comunidade empresarial, o
que alimentou os temores de um “Pearl Harbor econômico” e de uma “tomada
japonesa” (referindo-se à épica onda de compras de empresas japonesas nos
Estados Unidos na década de 1980). Um certo Donald J. Trump, embora todo o seu
negócio dependesse da existência dos déficits dos EUA e dos fluxos de capital
barato que ele tanto lamentava e, de fato, continua a lamentar, destacou-se
como um dos maiores defensores de políticas comerciais retaliatórias na época.
Quarenta anos depois, os formuladores de
políticas estadunidenses retomaram essa narrativa para atender às necessidades
da atual brigada de falcões contra a China, tanto nos governos Biden quanto
Trump. A natureza da ameaça não é apenas econômica, mas também geopolítica: o
espectro da “Pax Nipponica” foi substituído por uma “Pax Sinica”.
• O
que o Japão pode e não pode nos dizer sobre a China
Este precedente é elucidativo porque pode
lançar luz sobre a estrutura mental de alguns dos principais protagonistas das
guerras comerciais da atualidade. Uma rápida análise revela diferenças
gritantes entre a China contemporânea e o Japão da década de 1980. A natureza,
a escala, a intensidade e a velocidade do desenvolvimento industrial e da
urbanização chineses — ao contrário dos japoneses, explicitamente buscados a
serviço da construção da nação e da garantia da soberania nacional após um
“século de humilhação” — resistem à comparação histórica.
Até mesmo a Revolução Industrial parece mais
um prelúdio para o esforço da China em criar sua própria modernidade.
Crucialmente, embora os Estados Unidos não tenham conseguido deter seu próprio
declínio industrial ou reverter sua balança comercial a seu favor, pode-se
argumentar que conseguiram subverter o modelo de crescimento do Japão. Em
resposta à rápida valorização do dólar durante a era Volcker, quando Paul
Volcker, então presidente do Federal Reserve (Fed), aumentou drasticamente as
taxas de juros, os Estados Unidos e seus maiores aliados iniciaram uma
reconfiguração das políticas monetárias globais por meio do Acordo Plaza em
1985. Nesse mesmo ano, o Japão tornou-se o maior detentor de títulos do Tesouro
dos EUA.
Como esperavam os formuladores de políticas,
o dólar se desvalorizou (dando um novo fôlego às exportações estadunidenses),
enquanto o iene se valorizou acentuadamente em relação à moeda dos EUA. O
resultado foi uma grave recessão no Japão (apropriadamente chamada de Nihon no
endakafukyō, que significa “recessão causada pela valorização do iene
japonês”). O Banco do Japão respondeu com uma flexibilização drástica das taxas
de juros; o Acordo do Louvre, que não conseguiu reverter a tendência cambial
dólar/iene, estipulou uma flexibilização adicional em 1987.
Em resposta ao impacto recessivo nas
exportações de manufaturados e no investimento de capital japoneses, o Banco do
Japão e o governo japonês optaram por adotar um modelo de crescimento
impulsionado pelas finanças. Em consonância com políticas monetárias e fiscais
bastante acomodatícias, a especulação foi incentivada por meio de padrões de
crédito cada vez mais flexíveis e políticas que tornaram os ativos japoneses,
especialmente os imóveis, mais negociáveis. O resultado foi a mãe de todas as
bolhas de ativos. E, ao longo de 1990 a 1992, o Japão testemunhou o que foi,
sob certos aspectos, o maior colapso nos preços de ativos da história.
• A
política das obrigações de crescimento incorporadas
Acontece que, após três décadas de
urbanização vertiginosa, a China encontra-se em um ponto de inflexão semelhante
em sua trajetória de desenvolvimento. A questão-chave é se, após o colapso de
seu próprio modelo de crescimento, o Estado chinês consegue administrar as
consequências de sua enorme bolha de ativos com a mesma eficácia que o Japão.
Como milagres de crescimento impulsionados pela exportação, como o da China ou
do Japão, transitam de uma economia baseada principalmente em investimento de
capital, altas taxas de poupança e crescimento dos preços dos ativos para uma
economia mais estável, impulsionada principalmente pelo consumo interno?
Se a China conseguir um pouso relativamente
suave após sua bolha imobiliária, terá sido o maior feito de política
macroprudencial e financeira da história. Mas mesmo que a China evite uma
calamidade financeira como a que o Japão vivenciou no início da década de 1990,
é certo que a taxa de crescimento será menor do que a que teve durante a maior
parte deste século. E não está claro como essa mudança reestruturará os
incentivos e as expectativas das famílias, empresas e indivíduos chineses — e
quais poderão ser as consequências políticas.
Isso levanta uma questão geral: como as
economias industriais modernas lidam com o que poderíamos chamar de “obrigações
de crescimento inerentes” quando seu modelo de crescimento perde força. Nesse
sentido restrito, a experiência do Japão é pertinente ao futuro próximo da
China — e ao presente dos Estados Unidos.
“A experiência do Japão é pertinente ao
futuro próximo da China — e ao presente dos Estados Unidos.”
Afinal, o Japão oferece um vislumbre de uma
das respostas mais palatáveis à estagnação e ao declínio pós-industriais. No
entanto, os ingredientes que tornaram essa resposta possível não estão
prontamente disponíveis para outras nações. Antes de mais nada, é preciso a
combinação certa de macropolíticas. Nesse caso, o que impediu o Japão de
mergulhar na depressão da década de 1930, apesar de um colapso financeiro de
escala semelhante, foi uma política econômica do tipo “custe o que custar”. O
banco central do país tornou-se o principal ator da política fiscal,
financiando os déficits governamentais e mantendo as taxas de juros de curto e
longo prazo (e os custos associados ao serviço da dívida) baixas, comprando ou
anunciando planos de compra de títulos do governo de forma ilimitada.
Os formuladores de políticas japoneses, ao
manterem o crédito barato e os custos de empréstimos e serviços da dívida
baixos, puderam contar com uma bazuca permanente de inovações políticas
exóticas, como taxas de juros ultrabaixas e negativas, “flexibilização
quantitativa” e “controle da curva de rendimentos” para guiar o país através de
suas “décadas perdidas” de crescimento zero, deflação persistente e aversão ao
risco paralisante entre empresas e famílias traumatizadas (conceitualizada pelo
economista Richard Koo como uma “recessão do balanço”) , ao mesmo tempo em que
mantinham padrões de vida excepcionalmente altos e estabilidade política.
Não faz mal que, durante esse período, o
Japão tenha acertado em sua política habitacional (garantindo que a oferta
acompanhasse a demanda) e investido pesadamente em capital humano; o país se
saiu muito bem em ambos os domínios políticos. Isso não quer dizer que
problemas econômicos e sociais profundamente enraizados não persistam,
principalmente as tendências demográficas desfavoráveis e a solidão e alienação
generalizadas. Mas o que o Japão demonstra é que o declínio econômico não
necessariamente acompanha o colapso social.
• A
“Niponificação” não é um cenário aceitável nas democracias ocidentais…
Étentador concluir, então, que ao adotar a
“niponificação”, economias maduras na América do Norte, Europa Ocidental e a
Coreia ou Taiwan podem administrar suas próprias crises sociais de uma forma
que não seja autoliquidativa e, no caso dos Estados Unidos, não corra o risco
de uma conflagração militar global.
Mas a niponificação tem um preço. Ou seja, o
cenário japonês de declínio pós-industrial controlado tem certos
pré-requisitos. O principal deles é uma tecnocracia que não seja apenas
competente, mas também coesa. Não está claro se qualquer um desses pré-requisitos
será atendido em ambos os lados do Atlântico Norte.
Mas é pelo menos concebível que ambos possam
emergir com o tempo. Menos provável, porém, é que as elites tecnocráticas se
tornem tão ousadas quanto no Japão, a ponto de o Banco do Japão e as grandes
burocracias estarem efetivamente no comando. Mesmo que tal transição fosse
fácil de realizar, é provável que a maioria dos estadunidenses e europeus
optasse por uma democracia disfuncional em vez de um parlamento autossuficiente
e uma política em que o poder executivo esteja disperso entre uma pequena
camarilha de políticos partidários, industriais e burocratas.
O ex-líder da maioria no Senado, Robert J.
Dole, certa vez criticou “os burocratas de carreira que dirigem o governo em
Tóquio”, que “apenas ouvem educadamente e ignoram as instruções de seus
superiores políticos”. Em uma era de reação contra o Estado administrativo e as
classes profissionais, esse cenário é implausível no Ocidente.
Por fim, os níveis onerosos de rigidez social
(há muito mal interpretados como “harmonia” por ocidentais e conservadores
japoneses) que parecem permitir que as instituições japonesas — do mercado de
trabalho às empresas e às famílias — funcionem “tranquilamente” são difíceis (e
muito provavelmente não desejáveis) de replicar em sociedades mais liberais e
“individualistas”. Isso levou pessoas como Paul Krugman, um admirador da
política macroeconômica japonesa, a gracejar que a Europa corre o risco de se tornar
“o Japão, mas sem a coesão social”. As políticas de crescimento e mobilidade
social podem se mostrar particularmente desvantajosas nos Estados Unidos,
especialmente em uma era em que a cultura de enriquecimento rápido e soma zero
do capitalismo estadunidense corroeu as aspirações comuns da “classe média”
entre a maioria da população.
• …Mas
pode fornecer uma alternativa ao autoritarismo e à guerra
Aniponificação como objetivo de qualquer
democracia deveria ser repugnante para os progressistas de outras economias
avançadas. Mas o mesmo se aplica às alternativas à tentativa semi-bem-sucedida
do Japão de “reequilibrar” sua economia: austeridade quase permanente e novas
formas de excesso de ativos financeiros que deixam a maioria das pessoas na
mão, ou, no caso da China, uma grande contração do PIB e aumento do desemprego.
A ficção principal é que essas alternativas,
como estão se desenrolando atualmente, preservam mais a democracia e são mais
propícias à manutenção das perspectivas de crescimento e das liberdades
individuais do que a gestão tecnocrática. Evidentemente, esse não é o caso. A
fase final do neoliberalismo está se configurando como decididamente
autoritária e economicamente corrosiva. E embora seja tentador ver a
experiência do Japão como o primeiro grande experimento de pós-crescimento —
embora o crescimento tenha se congelado em níveis excepcionalmente altos de
bem-estar do consumidor, capital humano, padrões de vida e provisão de bens
públicos —, houve sinais de vida na economia do país. A inflação e os gastos do
consumidor têm aumentado persistentemente nos últimos anos. De fato, é uma
questão em aberto a rapidez com que essa reviravolta poderia ter ocorrido se
não fosse pela pandemia, o tsunami catastrófico e o colapso nuclear de 2011.
“Para países industriais avançados, o
declínio é relativo. E declínio relativo não significa necessariamente morte.”
Acima de tudo, o Japão não realizou de fato o
reequilíbrio necessário para a transição para um crescimento impulsionado pelo
consumo. Grande parte de sua renda nacional ainda é detida por entidades com
alta poupança (ou seja, empresas), pelo governo e por famílias ricas. Embora as
comparações com a China, comuns na imprensa financeira, sejam equivocadas, o
que se sustenta é que ambos precisam implementar programas massivos de
redistribuição que favoreçam as famílias de baixa renda que gastam mais de seus
rendimentos.
Nesse sentido, é muito cedo para dizer se a
niponificação pode ser mais aceitável. Se essa transição for bem-sucedida em
alterar a trajetória de crescimento do Japão, alguns dos aspectos desagradáveis
da niponificação podem não ser politicamente necessários. Portanto, vale a pena
explorar a possibilidade de adotar uma abordagem semelhante, mas que reflita as
normas democráticas e individualistas que, em teoria, seriam obstáculos à
“niponificação”.
Os riscos deste debate são maiores do que
parece óbvio à primeira vista. A inquietação com a perda da grandeza
estadunidense no cenário mundial levou sucessivos governos dos EUA a envolver a
China em uma guerra econômica, aumentando o risco de um conflito generalizado
e, ao mesmo tempo, perturbando a ordem econômica global.
A crença bipartidária no excepcionalismo
estadunidense impediu as elites do país de aceitarem a possibilidade de que o
declínio não precise ser entendido em termos absolutos. Uma razão para isso
pode ser que as elites dos EUA tenham transplantado a visão de mundo de soma
zero que caracteriza a política interna estadunidense — na qual as elites
costeiras se beneficiam às custas do coração do país — para a arena
internacional.
Reverter o curso da política estadunidense e
da guerra comercial global exige, no mínimo, abandonar as falsas promessas de
renovação nacional e um confronto político direto com uma elite descontente e
voraz, cujos rendimentos dependem da manutenção da ambição hegemônica. A
percepção que mais vale a pena internalizar, no entanto, é que, para os países
industriais avançados, o declínio é relativo. E o declínio relativo não
significa necessariamente a morte.
Fonte: Jacobin Brasil

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