quarta-feira, 7 de maio de 2025

Desembargadores de MS validaram golpe milionário em compra de fazenda

O conteúdo de mensagens no celular do desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) Sideni Soncini Pimentel, investigado por venda de sentença, indica uma atuação conjunta entre ele e seus colegas desembargadores Alexandre Bastos e Vladimir Abreu para manter a Fazenda Vai Quem Quer, de 5,9 mil hectares, localizada em Corumbá e avaliada em R$ 15 milhões, com um casal acusado de aplicar um golpe no vendedor da propriedade.

A decisão dos três desembargadores, que atuam na área cível, além de reformar decisão de primeira instância que invalidaria o negócio concretizado com um suposto golpe, contraria uma ação criminal de estelionato movida contra os compradores da terra – o casal Lydio de Souza Rodrigues e Neiva Rodrigues Torres – justamente pelo golpe aplicado no vendedor, Ricardo Pereira Cavassa.

O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) ajuizou a ação contra o casal, que responde criminalmente por não ter informado que as quatro fazendas no estado de São Paulo, oferecidas em troca da Fazenda Vai Quem Quer, estavam com gravames e bloqueios judiciais.

O conteúdo do celular de Pimentel, ao qual a Polícia Federal (PF) teve acesso após as apreensões realizadas na Operação Última Ratio, em 24 de outubro de 2024, mostra que, entre o fim de 2022 e o início de 2023, o desembargador teve acesso à minuta do voto de seu colega Alexandre Bastos, relator do processo.

Bastos, na minuta, manteria a sentença de primeiro grau que identificava fraude na compra da fazenda e desfazia o negócio, devolvendo a posse da propriedade a Cavassa.

Ocorre que, no julgamento, Alexandre Bastos mudou a direção de seu voto e, sob um argumento que a PF considera frágil, reformou a sentença de primeira instância. Foi seguido por Pimentel e Abreu, mantendo a propriedade com o casal acusado de golpe pelo MPMS.

<><> O golpe

Cavassa queixa-se do golpe porque as terras que o casal prometeu transferir, no município de Iguape (SP), estavam repletas de vícios, como penhoras, multas ambientais não pagas e áreas embargadas, o que inviabilizaria a fruição da propriedade.

Além disso, as quatro fazendas, que deveriam totalizar 2 mil hectares, tinham, na verdade, apenas 1,67 mil hectares. O golpe foi descoberto após a assinatura do contrato, em que os vendedores usaram documentos falsos para encobrir os vícios das fazendas e enganar o comprador.

Cavassa então entrou com uma ação judicial para rescindir o contrato e reaver a posse da fazenda. Em primeira instância, o juiz deu ganho de causa a Cavassa, declarando a rescisão do contrato e determinando a reintegração de posse.

No entanto, em segunda instância, a decisão foi reformada pelos desembargadores Alexandre Bastos, Sideni Soncini Pimentel e Vladimir Abreu da Silva, que julgaram improcedente a ação de Cavassa, validando o negócio com Lydio.

A investigação da PF, que culminou na Operação Última Ratio, encontrou fortes indícios de que a decisão dos desembargadores foi vendida. Em mensagens de WhatsApp apreendidas no celular de Pimentel, ele solicita ao assessor Neto que elabore uma minuta de voto divergente da do relator, Alexandre Bastos – que havia sido elaborada antes mesmo do voto ser proferido.

“Eu queria ver, eu quero contrariar, eu quero divergir dele. Eu quero... É porque a sentença, ela declarou rescindido o contrato. E eu quero mudar a sentença para não rescindir o contrato. Eu acho que não é caso de rescisão. Dá uma analisada para mim, por favor. Tá bom? Depois a gente conversa. Um abraço. Tchau, tchau”, diz Pimentel em um áudio enviado a Neto.

A mudança de voto de Bastos, que votaria pela procedência da ação de Cavassa, conforme minuta encontrada nos celular de Pimentel, mas depois votou pela improcedência, também levanta suspeitas.

Em sua minuta de voto, Bastos afirmava que “a parte autora logrou êxito em comprovar que sobre os bens permutados (entregues pelos requeridos) recaem gravames e pendências que não foram levadas ao seu conhecimento”.

No entanto, no voto realmente proferido, ele argumenta que Cavassa não poderia exigir o cumprimento do contrato pela parte contrária, pois “se a área a ser permutada pertencerá ao autor-apelado, como pode este exigir dos réus-apelantes, nesta oportunidade, providências que serão necessárias para quando chegar o momento da transmissão do domínio dos imóveis permutados?”.

<><> Denúncia

Processados criminalmente por estelionato e com uma ação cível para rescisão contratual por vícios ocultos, Lydio Rodrigues e Neiva Rodrigues foram rápidos em vender parte da fazenda ao advogado deles.

A propriedade foi parar nas mãos da empresa Sevilla Investimentos. O contrato de compra e venda, conforme a PF, condicionava o pagamento da primeira parcela da terra ao provimento do recurso de apelação no TJMS.

De fato, o casal foi vitorioso em segunda instância, graças aos votos de Bastos – que, segundo a Pf, mudou de ideia no decorrer do processo, conforme indicam documentos em posse de Pimentel —, Abreu e Pimentel.

Cavassa, inconformado com o golpe do qual foi vítima, elaborou uma denúncia de próprio punho à PF no ano passado, logo após a deflagração da Operação Última Ratio.

No trecho em que narra o contexto em que foi prejudicado, argumenta:

“Quem de boa-fé compraria uma propriedade em processo já perdido e com tantos gravames? Talvez o comprador já tivesse garantia de êxito, ou ciência da venda de sentença?”.

“Fiz um contrato particular de permuta de cessão de direito hereditário (anexo 01). Após seis meses, descobri que as fazendas de Iguape-SP (recebidas na permuta) tinham alguns gravames que não foram ditos pelos vendedores e corretores, os quais haviam apresentado certidões, em sua maioria, falsas”, explica Cavassa.

<><> Entenda o esquema

As conversas de Pimentel que mostram a validação do golpe na compra da Fazenda Vai Quem Quer estão em relatório da PF entregue ao ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Operação Ultima Ratio.

O processo tramita na Corte Suprema, em Brasília (DF), depois de suspeitas de que o esquema de venda de sentenças, que atinge o TJMS, também tinha ligações com o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No relatório, a PF solicitou a abertura imediata de ação penal contra cinco desembargadores do TJMS que estão na ativa, além de dois magistrados aposentados, entre eles Pimentel.

Segundo a investigação, os sete desembargadores estariam envolvidos em um esquema de venda de decisões judiciais na Corte sul-mato-grossense. A prática, segundo a PF, pode ser tipificada como crime de corrupção.

Apesar da gravidade das acusações, o pedido foi encaminhado sem o indiciamento formal dos magistrados, uma vez que o STF tem entendimento consolidado de que não cabe indiciamento durante investigações envolvendo pessoas com foro por prerrogativa de função.

De acordo com o relatório, os desembargadores Alexandre Aguiar Bastos, Marcos José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel, Vladimir Abreu da Silva e Sérgio Fernandes Martins, além dos aposentados Júlio Roberto Siqueira Cardoso e Divoncir Schreiner Maran, participaram da suposta venda de sentenças judiciais.

A PF sustenta que há evidências de que esses magistrados cometeram atos que configuram corrupção no exercício da função pública.

Dos cinco desembargadores ainda na ativa, apenas Martins permanece em exercício. Os demais seguem afastados de suas funções por decisão mantida pelo ministro Zanin na noite do dia 22 de abril, enquanto o processo segue sob análise do Supremo.

<><> Outro lado

Em contato com o Correio do Estado, a defesa de Sideni Pimentel enviou a seguinte manifestação:

“Todas as decisões do Desembargador Sideni foram fundamentadas e ele jamais recebeu qualquer vantagem indevida no exercício da jurisdição. A defesa apresentou um extenso parecer técnico contábil no qual aponta a origem de todas as receitas do desembargador, todas explicadas e lícitas. O desembargador prestou depoimento na Polícia Federal e esclareceu todos os fatos, não havendo motivo para continuidade de seu afastamento” — Pierpaolo Bottini, advogado

•        Filho de desembargador ganhou ação de R$ 16 milhões após pai intermediar reunião com magistrados

O desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul Vladimir Abreu da Silva, investigado pela Polícia Federal por venda de sentença, intermediou um encontro entre o filho, o advogado Marcus Vinícius Machado Abreu da Silva, com outros colegas da magistratura, que resultou em julgamento favorável de uma ação milionária na qual o filho atuava.

Conforme já noticiou o Correio do Estado, a PF apura um esquema de venda de decisões judiciais — também conhecido como venda de sentença — em que filhos de desembargadores têm papel preponderante no recebimento de vantagens financeiras em troca de decisões proferidas por seus pais ou por magistrados amigos deles.

No celular de Vladimir, que foi apreendido na operação, foram encontradas mensagens que apontam para a atuação do desembargador no patrocínio de interesses profissionais do seu filho, o advogado Marcus Vinícius Machado Abreu da Silva, junta a colegas da magistratura.

Em uma das mensagens, Vladimir encaminha ao filho uma mensagem de outro magistrado, informando que está a disposição, ao que o filho responde:

"Obrigado pai. Agradeça a ele. O juiz a quo retificou a decisão . Logo o agravo perdeu o objeto. Agora nós teremos que agravar".

Em outra ocasião, o desembargador solicita uma audiência do filho com desembargadores que julgariam a ação do filho, presencial. Ele pede para que o filho seja recebido no Tribunal, pois ele estava, na ocasião, em viagem com a esposa.

Ao questionar o filho sobre a reunião, o advogado responde que o desembargador que o recebeu "foi muito solícito".

No relatório, a Polícia Federal aponta que, pesquisando no site do TJMS os processos nos quais Marcus Vinicius atua como advogado, foi encontrada uma ação, no valor de R$ 16,9 milhões, que foi julgada pela Câmara integrada por três desembargadores.

"[...] Justamente os dois desembargadores para quem Vladimir teria solicitado uma audiência para seu filho advogado", aponta a PF.

Foram anexados ao relatório diversos comprovantes de de depósitos em espécie, que se tratam, ao que tudo indica, de uso de dinheiro proveniente de vendas de decisões, conforme a Polícia Federal.

Também no relatório, a PF aponta que Vladimir Abreu da Silva e o advogado Rodrigo Pimentel, filho do  também desembargador investigado Sideni Soncini Pimentel,  mantinham sociedade em um pesqueiro e trocavam mensagens em um grupo no WhatsApp.

O conflito de interesses, segundo a PF, se dá no fato de que o desembargador julgava ações do advogado, que era beneficiado.

Diálogos encontrados no celular indicadm que ele era integrante de um grupo de WhatsApp criado pelo advogado Rodrigo Pimentel para pescarias.

"Tal fato é relevante, pois, conforme exposto anteriormente no Ofício n. 70/2024/DELECOR (representação que resultou na Operação Ultima Ratio), Vladimir julga processos de Rodrigo Pimentel", diz o relatório.

"No dia 18/11/2020, uma quarta-feira, Rodrigo Pimentel cobra o pagamento de uma mensalidade até sexta (dia 20/11/2020), caracterizando que efetivamente os membros do grupo ora analisado integram uma espécie de sociedade, um grupo de pesca, que possui um patrimônio em comum, um rancho pesqueiro", conclui a PF.

<><> Entenda o esquema

As conversas estão em relatório da PF entregue ao ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Operação Ultima Ratio.

O processo tramita na Corte Suprema, em Brasília (DF), depois de suspeitas de que o esquema de venda de sentenças, que atinge o TJMS, também tinha ligações com o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No relatório, a PF solicitou a abertura imediata de ação penal contra cinco desembargadores do TJMS que estão na ativa, além de dois magistrados aposentados, entre eles Pimentel.

Segundo a investigação, os sete desembargadores estariam envolvidos em um esquema de venda de decisões judiciais na Corte sul-mato-grossense. A prática, segundo a PF, pode ser tipificada como crime de corrupção.

Apesar da gravidade das acusações, o pedido foi encaminhado sem o indiciamento formal dos magistrados, uma vez que o STF tem entendimento consolidado de que não cabe indiciamento durante investigações envolvendo pessoas com foro por prerrogativa de função.

De acordo com o relatório, os desembargadores Alexandre Aguiar Bastos, Marcos José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel, Vladimir Abreu da Silva e Sérgio Fernandes Martins, além dos aposentados Júlio Roberto Siqueira Cardoso e Divoncir Schreiner Maran, participaram da suposta venda de sentenças judiciais.

A PF sustenta que há evidências de que esses magistrados cometeram atos que configuram corrupção no exercício da função pública.

Dos cinco desembargadores ainda na ativa, apenas Martins permanece em exercício. Os demais seguem afastados de suas funções por decisão mantida pelo ministro Zanin na noite do dia 22 de abril, enquanto o processo segue sob análise do Supremo.

 

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Fonte: Correio do Estado

 

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