terça-feira, 6 de maio de 2025

Democracia: retrocessos e dissensões sob Trump

Há 100 dias, Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos, marcando um período de profundas incertezas e retrocessos na política norte-americana. Este momento, serve como um indicador do rumo que o governo Trump pretende seguir, sem respeito pelos direitos humanos, sem respeito ao meio ambiente, sem respeito a convenções, tratados e contratos internacionais, sem respeito à Democracia.

Entre as ações mais controversas, estão as ordens executivas relacionadas à imigração, que afrontam a dignidade de milhares de pessoas, além da tentativa de reformar o sistema de saúde de forma a beneficiar as grandes corporações, deixando milhões de americanos sem acesso a cuidados essenciais. Há uma forte pressão para reduzir regulações ambientais e incentivar o uso de combustíveis fósseis, o que coloca em risco o futuro do planeta Terra.

Não causou qualquer surpresa. Os slogans de campanha diziam tudo: “América First”! “Make América Great Again”. Eleito, Trump rompe acordos comerciais de forma a favorecer interesses corporativos americanos, impõe impensáveis tarifas de até três dígitos a importações de antigos parceiros comerciais bagunçando o comércio mundial e a ordem econômica internacional, promove uma política de fortalecimento das forças armadas que aumenta o risco de conflitos. 

O momento é confuso. A reforma do Sistema Bretton Woods, construído ao final da Segunda Guerra Mundial, que favoreceu a hegemonia norte-americana, há muito vinha sendo questionada pelos países em desenvolvimento que sempre se consideraram em posição de submissão e reclamavam maior participação. Com certeza não é essa reforma que Trump e seus asseclas têm em mente. 

“Os primeiros 100 dias do segundo mandato do presidente Trump causaram mais danos à democracia americana do que qualquer outra coisa desde o fim da Reconstrução”, ressaltou O Conselho Editorial do New York Times na quinta-feira, primeiro de maio.

A "Reconstrução" nos Estados Unidos refere-se ao período após a Guerra Civil Americana (1861-1865), de 1865 a 1877, durante o qual o país tentou restaurar o Sul, que havia se separado da União, e integrar os afro-americanos à sociedade.  Foi um período complexo e conturbado da história dos EUA durante o qual houve a abolição da escravidão, a reintegração dos estados confederados e os esforços para garantir direitos civis aos afro-americanos. 

O Conselho Editorial é composto por líderes do departamento de Opinião do Times, que se baseiam em pesquisa, debate e expertise individual para chegar a uma visão compartilhada sobre questões julgadas importantes e dignas de um pronunciamento aos seus leitores.

De forma resumida, o editorial de 01/05 aponta o caos desses três meses iniciais de governo, argumentando que as ações de Trump, além de representarem uma ameaça sem precedentes à democracia americana, desde a segunda metade do século XIX, buscam consolidar um poder presidencial autocrático, que ignora freios e contrapesos constitucionais. Os analistas identificam cinco pilares da democracia sob ataque:

1. Separação de poderes: Trump desrespeita o Judiciário e o Congresso, ignorando ordens judiciais e leis aprovadas de forma bipartidária pelo Congresso e mantidas por unanimidade pela Suprema Corte (como a venda do TikTok). Trump insultou juízes chamando-os de lunáticos e radicais e pediu o impeachment daqueles com quem discorda. Ele e seus aliados criticaram juízes de forma tão dura e pessoal que muitos estão preocupados com sua segurança física.

2. Devido processo legal: Decisões unilaterais, como deportações sumárias de imigrantes sem direito à defesa, violam procedimentos estabelecidos.
Ele demitiu funcionários federais sem o aviso prévio de 30 dias exigido por lei. Tentou cortar verbas universitárias alegando antissemitismo, sem seguir os procedimentos estabelecidos para tais casos de direitos civis. Emitiu ordens executivas punindo escritórios de advocacia por irregularidades inventadas.

A mais flagrante negação do devido processo legal foi a deportação de 238 imigrantes para uma notória prisão em El Salvador. As autoridades o fizeram às pressas durante um fim de semana em março, invocando a Lei dos Inimigos Estrangeiros, uma lei que não era usada desde a Segunda Guerra Mundial.

3. Justiça igualitária: Uso político do Departamento de Justiça para proteger aliados (ex.: perdões a manifestantes de 6 de janeiro) e perseguir opositores (ex.: investigação à ActBlue). A investigação é um exercício de poder político bruto, com o objetivo de impedir que o partido da oposição vença as eleições. E o inquérito do ActBlue faz parte de um padrão. Trump se inspirou no manual de aspirantes a autocratas, como o primeiro-ministro Viktor Orban, da Hungria, e o presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, que usam o poder de proteger o governo como um instrumento contra seus oponentes políticos

4. Liberdade de expressão e imprensa: O Sr. Trump gosta de dizer que "trouxe de volta a liberdade de expressão à América". O Conselho Editorial aponta várias circunstâncias que comprovam que isso é apenas retórica: “A Academia Naval removeu centenas de livros de sua biblioteca, principalmente sobre raça, escravidão ou gênero, incluindo um romance de Geraldine Brooks, um livro de memórias de Maya Angelou e histórias dos acadêmicos de Harvard Randall Kennedy e Imani Perry . Trump também processou a ABC, a CBS e o The Des Moines Register por reportagens das quais não gostou. Ele usou ordens executivas para punir pessoas por coisas que disseram, incluindo Chris Krebs, um funcionário de segurança cibernética de seu primeiro mandato que reconheceu a legitimidade das eleições de 2020.”

O editorial enfatiza, também, que “entre os maiores alvos estão imigrantes que criticaram publicamente Israel. O Departamento de Estado cancelou vários de seus vistos. Em um caso, agentes mascarados prenderam Rumeysa Ozturk, uma estudante turca de pós-graduação na Universidade Tufts, autora de um ensaio de opinião pró-palestina no jornal estudantil. Sr. Trump descaracteriza discursos legítimos como falsos ou antiamericanos e usa poderes governamentais para disciplinar o orador. A mensagem para todos os outros é: cuidado com o que você diz.”

O quinto pilar relaciona-se com enriquecimento ilícito que apadrinha Trump, familiares e amigos.

5. Governo para o povo: Enriquecimento pessoal via esquemas de criptomoedas ($Trump/$Melania) e favorecimento de aliados, corroendo a integridade governamental.

O Conselho Editorial do NYT defende uma oposição estratégica a partir da construção de uma coalizão ampla (conservadores, progressistas, religiosos, seculares etc.). Como exemplos positivos citam a resistência legal de Harvard, que combinou autocrítica com firmeza contra exigências absurdas, e decisões judiciais ponderadas da Suprema Corte, que limitaram ações presidenciais.

O editorial sugere que como Trump está enfraquecido politicamente (aprovação em queda), sua impopularidade pode dificultar seu projeto autoritário, e faz um apelo à defesa da democracia pelos norte-americanos: “Os últimos 100 dias feriram este País, e não há garantia de que nos recuperaremos totalmente. Mas ninguém deve desistir. A democracia americana recuou antes, durante a era pós-Reconstrução, as leis de Jim Crow, o Pânico Vermelho, Watergate e outros períodos. Ela se recuperou não porque sua sobrevivência fosse inevitável, mas porque os americanos — incluindo muitos que discordavam uns dos outros em outros assuntos — lutaram bravamente e com inteligência pelos ideais deste país. Esse é o nosso dever hoje”, conclui O Conselho Editorial do New York Times.

Trump é narcisista e neofacista. Elogia seu governo dizendo que é o "melhor início de 100 dias de qualquer presidente na história", mas quase todas as análises de especialistas e comentaristas na mídia internacional e na dos Estados Unidos avaliam no sentido oposto: os primeiros três meses do segundo mandato do Sr. Trump foram caóticos sob quase todos os aspectos, marcados por retrocessos, conflitos e muitas controvérsias. Sua postura de intolerância e autoritarismo preocupa a sociedade americana e causa medo e insegurança ao mundo como um todo. 

¨      Tirania americana: juízes que decidiram contra Trump se tornam alvo de ataques a suas famílias, com ação direta de Musk

Uma investigação da agência Reuters revelou uma preocupante escalada de ameaças e assédio direcionados a familiares de juízes federais que proferiram decisões contrárias ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em seu segundo mandato iniciado em 2025. Ao menos 11 magistrados viram seus entes queridos se tornarem alvo de intimidação, ataques pessoais e até ameaças de morte após decisões desfavoráveis à nova administração.

Entre os casos mais graves está o do juiz James Boasberg, que determinou em abril que autoridades da administração Trump poderiam ser responsabilizadas por desrespeitar uma ordem judicial sobre deportações. A resposta veio em forma de violência digital e ameaça física. Elon Musk, bilionário e aliado do presidente, compartilhou uma postagem distorcendo o trabalho da filha do juiz. Imediatamente, seguidores exigiram sua prisão. Alguns pediram a execução da família Boasberg.

Play Video

O juiz John McConnell também passou por situação semelhante após declarar ilegal o congelamento de verbas federais por parte do presidente. A ativista de extrema-direita Laura Loomer publicou uma foto da filha do magistrado, ex-funcionária do Departamento de Educação. Musk republicou o conteúdo para seus mais de 219 milhões de seguidores. A campanha rendeu mais de 600 telefonemas e e-mails ameaçadores à corte de Rhode Island, incluindo ameaças de morte.

<><> Campanha sistemática e efeitos sobre a democracia

A ofensiva contra os magistrados é parte de uma estratégia mais ampla de intimidação, denunciada por juristas entrevistados pela Reuters. Desde que reassumiu a presidência, Trump e seus aliados têm atacado membros do Judiciário que se opõem ao avanço de medidas autoritárias, como a expansão do poder executivo e o desmonte de agências federais. Desde janeiro, mais de 60 juízes ou tribunais de apelação bloquearam iniciativas da Casa Branca.

“Ameaças contra juízes e suas famílias são, em última instância, ameaças ao governo constitucional. É simples assim”, afirmou o juiz Richard Sullivan, do Tribunal de Apelações, que preside o comitê de segurança da magistratura federal.

Juízes ouvidos pela Reuters — muitos sob anonimato — relatam preocupação crescente com a própria segurança e a de seus familiares. A situação é agravada pela propagação de postagens difamatórias em redes sociais como o X (antigo Twitter), controlado por Musk, e em sites da extrema-direita como Gateway Pundit e Patriots.win.

<><> Mensagens de ódio, apelos por violência e “doxxing”

Entre fevereiro e abril de 2025, a Reuters identificou mais de 600 publicações em redes sociais com ataques a familiares de juízes. Desses, ao menos 70 pediam abertamente retaliação física ou prisão. Em um dos casos mais graves, posts pediam que a filha de Boasberg fosse “introduzida a membros do MS13”, uma violenta gangue salvadorenha, e exigiam “a construção de forcas” para executar a família.

O “doxxing” — prática de expor dados pessoais como endereço e local de trabalho — também foi usado como forma de intimidação. Em março, Boasberg determinou a suspensão de uma deportação baseada em uma lei do século XVIII usada pela Casa Branca para expulsar migrantes sob alegações não comprovadas. A retaliação veio rapidamente: sua filha teve fotos e informações pessoais amplamente divulgadas por Musk e Loomer.

A organização onde a filha de Boasberg trabalhava, uma ONG que oferece assistência jurídica a imigrantes de baixa renda, removeu suas informações do site. A família passou a contar com escolta dos U.S. Marshals após as ameaças.

<><> Risco real e precedentes trágicos

Casos de violência contra magistrados já deixaram marcas na história judicial dos Estados Unidos. Em 2005, a juíza Joan Lefkow perdeu o marido e a mãe, assassinados por um litigante descontente. Em 2020, o filho da juíza Esther Salas foi morto a tiros por um ex-advogado que buscava vingança. “Não é uma preocupação teórica”, disse o ex-juiz David Levi, apontando para o risco real enfrentado pelos familiares.

A escalada recente acendeu o alerta nas instituições. O Comitê Judicial do Congresso recebeu um pedido oficial para reforçar a segurança dos magistrados. A juíza da Suprema Corte, Ketanji Brown Jackson, afirmou em conferência: “As ameaças e o assédio são ataques à nossa democracia.”

A investigação da Reuters mostra que, desde o início do segundo mandato de Trump, os ataques à magistratura adquiriram um novo patamar, com uso intensivo de redes sociais, campanhas de difamação coordenadas e tentativas sistemáticas de intimidar juízes e seus familiares.

<><> A resposta do governo Trump e o impacto institucional

O governo nega estimular qualquer tipo de ataque. Em nota à Reuters, o porta-voz da Casa Branca, Harrison Fields, afirmou: “Ninguém leva ameaças à segurança mais a sério do que o presidente Trump — um líder que sobreviveu a duas tentativas de assassinato.” Fields acrescentou que a segurança de todos os americanos é prioridade, e que ameaças serão investigadas e punidas.

Apesar disso, o próprio presidente e membros do governo mantêm discursos agressivos contra o Judiciário. Em comício recente, Trump declarou: “Não podemos permitir que um punhado de juízes comunistas radicais da esquerda obstrua a aplicação da lei e assuma as funções que pertencem apenas ao presidente dos Estados Unidos.”

A retórica encontra eco em apoiadores e figuras públicas como Musk, que chegaram a sugerir punições capitais para magistrados e seus parentes. “Estamos todos apavorados com onde isso pode chegar”, confessou um juiz federal sob anonimato à Reuters.

<><> Consequências para o futuro da Justiça americana

Especialistas jurídicos alertam para o risco de um efeito paralisante (“chilling effect”) entre juízes e candidatos à magistratura. “Há uma chance de que pessoas qualificadas evitem a função com medo das consequências”, declarou Paul Grimm, da Universidade Duke.

O cenário traçado pela reportagem da Reuters revela uma erosão preocupante na independência do Judiciário — um dos pilares do sistema democrático norte-americano — diante da ofensiva de um presidente que tenta consolidar seu poder com métodos cada vez mais autoritários. A intimidação de juízes e suas famílias, longe de ser um caso isolado, parece parte de uma estratégia sistemática de enfraquecimento das instituições.

 

AJUDE-NOS A CONTINUAR

PRECISAMOS DE SUA COLABORAÇÃO

PIX 75981805156 (Francklin R. de Sá)

SUA CONTRIBUIÇÃO É IMPORTANTE PARA QUE POSSAMOS CONTINUAR.

DESDE JÁ AGRADECEMOS

 

Fonte: Por Maria Luiza Falcão Silva, em Brasil 247

 

Nenhum comentário: