Como
a vida nas cidades nega o meio ambiente
O
século 20 conseguiu consolidar o apartheid entre a humanidade e as dinâmicas
próprias dos ecossistemas e da biosfera. Até o final do século 19, quando
nasceu meu avô, a vida na terra, em qualquer que fosse o país, tinha estreitos
laços com os produtos e serviços da natureza.
O homem
dependia de animais para a maior parte do trabalho, para locomoção e mal
começava a dominar máquinas capazes de produzir força ou velocidade. Na maioria
das casas o clima era regulado ao abrir e fechar as janelas e, quando muito,
acender lareiras, onde madeira era queimada para produzir calor.
Cem
anos depois a vida é completamente dominada pela tecnologia, pela mecânica,
pela química e pela eletrônica, além de todas as outras ciências que tiveram um
exponencial salto desde o final do século 19.
Na
maior parte dos escritórios das empresas que dominam a economia global a
temperatura é mantida estável por equipamentos de ar condicionado, as
comunicações são feitas através de telefones sem fio e satélites posicionados a
milhares de quilômetros em órbita, as dores de cabeça são tratadas com
comprimidos e as comidas vêm em embalagens com códigos de barra.
Não se
trata aqui de fazer uma negação dos benefícios do progresso científico, que
claramente ajudou a melhorar a qualidade de vida de bilhões de pessoas, e
também deixou à margem outros bilhões, mas de fazer uma reflexão sobre o quanto
de tecnologia é realmente necessário e o que se pode e o que não se pode
resolver a partir da engenharia.
As
distâncias foram encurtadas e hoje é possível ir a qualquer parte do mundo em
questão de horas, e isso é fantástico. No entanto, nas cidades, as distâncias
não se medem mais em quilômetros, mas sim em horas de trânsito. E isso se
mostra um entrave para a qualidade de vida.
Computadores,
internet e telecomunicações tornaram o mundo menor e abriram as portas de um
universo de conhecimento inimaginável poucos anos atrás.
Ainda
na década de 1990 fiz uma entrevista com o pensador norte-americano Alvin
Toffler , autor de A Estrada do Futuro e perguntei porque o futuro que se
desenhava era tão diferente do que havia sido previsto poucos anos atrás, da
década de 1970. “Simples”, respondeu ele.
“Ninguém
foi capaz de prever que os computadores se tornariam eletrodomésticos, e mais
ainda, que eles seriam ligados em rede possibilitando comunicação universal
entre pessoas e bancos de dados”, concluiu. Ou seja, a web, a internet como
conhecemos hoje, 20 anos depois daquela entrevista, não foi uma evolução
previsível.
• Romantismo pragmático
Há um
certo romantismo em pensar na vida em comunhão com a natureza, onde as pessoas
dedicam algum tempo para o contato com plantas, animais e ambientes naturais.
Eu
pessoalmente gosto e faço caminhadas regulares em praias e trilhas. Mas não é
disso que se trata quando falo na ruptura entre a engenharia humana e as
dinâmicas naturais.
Há uma
crença que está se generalizando de que a ciência, a engenharia e a tecnologia
são capazes de resolver qualquer problema ambiental que surja.
E esse
é um engano que pode ser, em muitos casos, crítico para a manutenção do atual
modelo econômico e cultural das economias centrais e, principalmente, dos
países que agora consideramos “emergentes”.
Alguns
exemplos de que choques entre a dinâmica natural e o engenho humano estão
deixando fraturas expostas. A região metropolitana de São Paulo está
enfrentando uma das maiores crises de abastecimento de água de sua história.
As
nascentes e áreas de preservação que deveriam proteger a água da cidade foram
desmatadas e ocupadas, no entanto a mídia e as autoridades em geral apontam a
necessidade de mais obras de infraestrutura para garantir o abastecimento, como
se a produção de água pelo ecossistema não tivesse nenhum papel a desempenhar.
No caso
da energia também existe uma demanda incessante por mais eletricidade, mais
combustíveis e mais consumo. Isso exige o aumento incessante da exploração de
recursos naturais e não renováveis.
Pouco
ou nada se fala na elaboração de programas generalizados de eficiência
energética, de modo a economizar energia sem comprometer a qualidade de vida
nas cidades.
Outro
ponto de descolamento é a gestão de resíduos. Grande parte dos ambientes
naturais está contaminada por plásticos e outros resíduos produzidos pelo
descarte de produtos usados e embalagens.
A
gestão de resíduos tem sido encarada como um problema de engenharia, fala-se
muito em aterros sanitários e em “queima energética” dos resíduos, o que
levaria a agravar outro problema presente na agenda ambiental do século 21, as
mudanças climáticas, causadas principalmente pelas emissões de gás carbônico
das atividades humanas. Pouco ainda se faz em direção a uma eficaz redução da
geração de resíduos ou da utilização maior de materiais reciclados e/ou
biodegradáveis.
• Serviços Ambientais
Há
também o desmatamento em todos os biomas brasileiros e ao redor do mundo.
Monitora-se muito os dados sobre a Amazônia, mas há problemas sérios na Mata
Atlântica, cujos dados recentes mostram aumento da área desmatada, no Cerrado,
onde estão as nascentes de alguns dos grandes rios brasileiros, e até na
Caatinga, que sofre periodicamente com longos períodos de estiagem.
Todos
esses dilemas, porém, parecem alheios ao cotidiano das grandes cidades, onde o
trânsito e o tempo (medido em horas) ocupam os espaços de preocupação. Não há
no imaginário de pessoas que vivem em ambientes artificiais de edifícios,
automóveis e espaços urbanos degradados uma clara noção dos vínculos existentes
entre suas vidas e os serviços ambientais prestados pelos ecossistemas.
A
desconexão vai além da simples percepção, nas cidades as pessoas se recusam a
mudar comportamentos negligentes como o descarte inadequado de resíduos ou
desperdícios de água e energia. Há muito a mudar.
Pessoas,
empresas, governos e organizações sociais são os principais atores de
transformação, mudanças desejáveis e possíveis, mas que precisam de uma
reflexão de cada um sobre o papel do meio ambiente na vida moderna.
A
profunda descrença na capacidade humana em mudar é, na verdade, uma atitude
inconsequente de uma geração acomodada no individualismo e no consumismo, onde
as relações sociais se dão mais em redes cibernéticas do que no bom e velho
calor humano.
As
sociedades humanas vivem em constante mutação, como mostra a história. Negar a
possibilidade de que o futuro seja um bom lugar para se viver é violentar os
direitos de nossos filhos e netos de ter uma existência digna.
Fonte:
Por Dal Marcondes, no Envolverde

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