Como a raivosa direita católica
brasileira tem “engolido” o novo Papa
Leão XIV
Foi dada a largada do novo
pontificado. E,
como já era esperado, começaram a pipocar as primeiras análises: algumas
precipitadas, outras conspiratórias e algumas mais ponderadas.
Está
claro que, de modo geral, o novo Papa tem sido bem recebido por esses setores,
inclusive pelos mais tradicionalistas, que interpretaram seus primeiros gestos
e palavras com otimismo. Os membros do CDB, por exemplo, enquanto acompanhavam
ao vivo a proclamação do novo pontífice, reagiram ao nome “Leão XIV” com o
entusiasmo de um gol em Copa do Mundo. Entre risos e especulações
esperançosas, chegaram a cogitar: “Acho que agora o Centro Dom Bosco vai ser recebido no Vaticano”.
Mas não
foi só o nome escolhido pelo novo Papa — evocando Leão XIII, símbolo de
ortodoxia, opositor do socialismo e da maçonaria, promotor do tomismo com a
encíclica Aeterni Patris (1879) e pioneiro da “verdadeira”
doutrina social da Igreja — que entusiasmou os conservadores. Outros sinais
estéticos também agradaram: Leão XIV usou o latim em sua primeira
celebração e entoou a oração do Regina Caeli em canto
gregoriano durante a missa dominical de 11 de maio, gerando entusiasmo
entre os conservadores e tradicionalistas. O novo Papa retomou ainda o uso de
vestes e objetos litúrgicos tradicionais, como a férula (bastão de prata
exclusivo do Papa) e a mozeta (pequena capa vermelha de veludo usada sobre os
ombros, tradicionalmente vestida pelos papas ao se apresentarem ao público —
prática abandonada por Francisco).
Também causou entusiasmo o tom com
que o Papa criticou o “ateísmo prático” em seu primeiro sermão, ao rejeitar a
imagem secularizada de Jesus como mero “líder carismático ou super-homem”,
reafirmando sua dimensão divina.
Como
observei em artigo anterior publicado no Le Monde Diplomatique¹,
alguns dias antes do conclave, os setores conservadores desejavam um Papa menos
político e mais doutrinal, menos pastoral e mais litúrgico. As falas iniciais
de Leão XIV parecem cumprir essas expectativas. A socióloga Tabata Tesser,
em texto recente também
publicado no Le Monde, captou bem uma distinção estética e
discursiva entre os papas: “Francisco: o político. Leão XIV: o
religioso”².
Um meme
que circula intensamente entre perfis conservadores reforça essa leitura: uma
montagem com as primeiras aparições dos últimos cinco papas, na qual Francisco
aparece como o único a não usar as vestes tradicionais — em contraste com Leão
XIV, que surgiu plenamente paramentado.
Além
disso, influenciadores como Bernardo Küster resgataram a memória de São Leão
Magno, o primeiro Papa a adotar esse nome, celebrado como defensor heroico da
Igreja. Segundo a tradição, Leão Magno enfrentou Átila, o Huno, e conteve sua
invasão a Roma apenas com o poder da palavra e da autoridade espiritual. Essa
imagem de um pontífice guerreiro, firme diante de ameaças, reforça o imaginário
da Igreja militante, tão caro à direita católica desde a Ação Católica, o
Centro Dom Vital e a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e
Propriedade (TFP).
No
entanto, é preciso destacar também algumas tensões e desconfianças iniciais.
Logo após a euforia em torno do nome “Leão XIV”, surgiram suspeitas sobre sua
referência à Rerum Novarum de Leão XIII — ainda mais quando,
em reunião com cardeais em 10 de maio, o novo Papa afirmou ter escolhido esse
nome pensando na mensagem social de Leão XIII frente à Primeira Revolução
Industrial, e na necessidade de aplicar a doutrina social da Igreja aos
“desafios da inteligência artificial”. O receio entre conservadores é que tal
discurso esconda uma adesão à chamada “agenda globalista”.
Outro
incômodo persistente entre esses setores diz respeito à continuidade da Igreja
sinodal, reiterada por Leão XIV como um dos legados centrais de Francisco.
Durante seu pontificado, Francisco denunciou o clericalismo como “uma das
piores perversões da Igreja” e promoveu reformas significativas: nomeou
mulheres para cargos antes restritos ao clero, fortaleceu a participação de
leigos e incentivou um modelo sinodal e horizontal de decisão. Essas mudanças,
vistas por seus opositores como ameaças à “ordem tradicional”, alimentaram boa
parte da resistência à sua figura.
Por
tudo isso, Leão XIV aparece, neste início de pontificado, como uma figura
ambígua e estratégica, aparentemente comprometida com um projeto de moderação e
apaziguamento no interior da Igreja, como afirmou a socióloga Brenda Carranza³.
Seus acenos à tradição litúrgica agradam os conservadores; seu histórico
pastoral — como missionário agostiniano na América Latina — aponta para uma
sensibilidade voltada aos pobres e às periferias.
Só o
tempo dirá quais rumos seu papado seguirá. Por ora, parece provável que vejamos
o retorno de solenidades ritualísticas abandonadas por Francisco, ao mesmo
tempo em que o novo Papa não se furtará a discutir os efeitos nocivos de um
sistema econômico centrado no lucro, e não na vida humana.
¨
‘Questão social’, explica novo papa sobre escolha do nome
Leão 14
O papa
Leão 14 disse, neste sábado (10), que o nome escolhido para sua jornada na condução da
Igreja Católica
se dá por uma “questão social”. O pontífice comentou o assunto durante
audiência com cardeais no período da manhã, no Vaticano. A manifestação do
religioso confirma as análises que vinham sendo feitas pela comunidade católica
e pela imprensa em geral: a escolha do nome se referencia na história de Leão
13, papa que liderou a Igreja de 1878 até 1903 e ficou conhecido por sua
preocupação com a agenda social, especialmente naquilo que se refere à ordem
econômica e seus métodos de opressão da classe trabalhadora.
“Na
verdade, são várias as razões, mas a principal é que o papa Leão 13, com a
histórica encíclica ‘Rerum novarum’, abordou a questão social no contexto da
primeira grande Revolução Industrial. E, hoje, a Igreja oferece a todos a
riqueza de sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e
aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da
dignidade humana, da justiça e do trabalho”, disse o novo pontífice, na
conversa com os cardeais.
Publicada
em 1891, a encíclica Rerum novarum iluminou os passos da
Igreja nos rumos da defesa da massa operária daquele tempo, configurando
uma postura institucional de busca por
justiça social.
Com isso, o italiano Gioacchino Vincenzo Raffaele Luigi Pecci, o Leão 13,
adotou uma linha inovadora na condução da Igreja e deixou um rastro de mudanças
que marcaram época na história do Vaticano.
Nascido
Robert Prevost, o agora Leão 14 é o primeiro papa estadunidense e foi eleito na
última quinta (8) para suceder o papa Francisco na liderança dos católicos. Ele
chega ao cargo máximo da Igreja aos 69 anos e após receber o apoio de pelo
menos 89 dos 133 cardeais que participaram do último conclave. Prevost nasceu
em Chicago, no estado de Illinois, mas sedimentou boa parte de sua trajetória
religiosa na América Latina, em especial no Peru, onde conquistou cidadania. No
país andino, começou a alçar postos mais elevados na Cúria Romana, braço
administrativo da Santa Fé.
¨
Nome Leão 14 traz expectativa de posição contra
capitalismo
Ao
escolher o nome Leão 14, o novo papa Robert Francis
Prevost acendeu expectativas sobre o rumo que pretende dar à Igreja Católica. O
título remete ao pontífice do fim do século 19 que inaugurou a doutrina social
da Igreja com a encíclica Rerum Novarum, sobre a condição dos
operários.
“Grande
parte das leis trabalhistas do ocidente, como o direito às férias e ao 13º
salário, têm origem nas ideias de Leão 13”, comentou o
sociólogo André Ricardo de Souza, professor e coordenador de sociologia e
política na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em entrevista ao Conexão BDF, da Rádio Brasil de Fato.
A
associação simbólica a esse legado reforça a cobrança por um posicionamento
claro diante das desigualdades e das pressões do capitalismo contemporâneo. “Esperamos que ele se
mostre mesmo com coragem, com firmeza para fazer jus ao nome que escolheu, de
alguém que se posicionou contrariamente ao capitalismo liberal, bastante
opressor do fim do século 19″, disse Souza.
A
escolha também ganha contornos políticos e eclesiais diante da recusa de outro
nome ventilado nos bastidores: João 24. “João 24 seria o nome de um papa
comprometido com mudanças expressivas na Igreja, quem sabe até com a convocação
de um novo concílio”, afirmou.
Segundo
ele, um eventual Concílio Vaticano 3 poderia abrir espaço para debates sobre o
celibato e a ordenação de homens casados, por exemplo. Prevost, no entanto,
optou por um nome que carrega um peso social mais direto.
Papa
tem ligação com Sul Global, mas deve ser mais moderado que Francisco
Embora
tenha nascido nos Estados Unidos, Prevost tem longa trajetória na América
Latina, especialmente no Peru, onde atuou por anos como missionário
agostiniano. Foi alçado rapidamente ao posto de cardeal e comandava o
dicastério dos bispos antes de ser eleito papa. Segundo o professor, sua
vivência no Sul Global pode trazer ressonâncias importantes em seu pontificado,
ainda que ele represente um perfil mais moderado do que progressista.
“Quem
esperava um sucessor progressista, parecido com o papa Francisco, se frustrou”,
avalia Souza. O papa Leão 14 voltou a usar as vestimentas mais tradicionais do
papado, por exemplo, em contraste com as vestimentas mais simples adotadas pelo
antecessor. Ainda assim, o especialista pondera que Prevost não representa o polo
conservador mais duro da Igreja. “Ele não é alguém fechado ao diálogo”,
destaca.
¨
Leão 13 defendeu vida digna aos trabalhadores e cobrou
fim da escravidão no Brasil
O
papa Leão 14, eleito para o cargo
no conclave encerrado nesta quinta-feira (8), escolheu homenagear o pontífice
mais importante do século 19.
Leão 13
foi líder da Igreja Católica entre 1878 e
1903, em meio à Revolução Industrial, e ficou conhecido
por defender os direitos da nascente classe operária no início do
desenvolvimento do sistema capitalista.
O
pontífice italiano, nascido Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci Prosperi
Buzzi, também se destacou por estabelecer uma relação harmônica entre fé e ciência.
“Ele
escreveu em uma cíclica social, no final do século 19, chamada Rerum Novarum,
ou ‘As Coisas Novas’, a questão dos operários dentro do capitalismo, que estava
corroendo suas vidas e as de suas famílias”, disse o teólogo Jorge Claudio
Ribeiro.
De
acordo com a Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), o documento
“lançou as bases da Doutrina Social da Igreja e ainda hoje é referência em
debates sobre justiça social e direitos dos
trabalhadores”.
“É um
documento que busca fazer um diálogo com o mundo moderno, que se abria à
Revolução Industrial, às novas formas de produção. E também ao contexto de
guerra que vivia o mundo daquela época”, completa o padre Victor da Silva
Almeida Filho, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(Puccamp).
O então
papa, conhecido por ser um diplomata habilidoso, escreveu uma encíclica
direcionada para o episcopado brasileiro em 1888. Chamado de In plurimis, o documento foi
publicado em 5 de maio, defendia a abolição da escravatura no país e comemorava
os esforços nesse sentido. A abolição aconteceu apenas oito dias
depois.
Ainda
que defendesse os trabalhadores, Leão 13 não concordava com os ideais
socialistas. Sua linha era moderada, em que defendia direitos para os
operários, mas não questionava a estrutura econômica. “O papa Leão 13 vai ser
um grande contestador do modo do capitalista que não pagava salários dignos
pros operários, ao mesmo tempo em que vai ter uma fala bastante crítica com
relação ao marxismo e ao socialismo”, lembra Almeida.
Diálogo
com o mundo contemporâneo
O fato
de Leão 13 ter sido papa em um mundo em transformação é citado pelos
especialistas como um possível ponto de inspiração para Leão 14. Para Almeida,
a escolha dos cardeais foi por um perfil que esteja “em diálogo com o mundo
contemporâneo, com as novas atividades que estão surgindo e ao mesmo tempo que
faça diálogo também com essas formas de conflito que estão existindo no nosso
tempo, esse radicalismo, esse extremismo que acontece com retorno do fascismo
em alguns países no mundo”.
Outro
ponto de destaque na atuação de Leão 13 foi a valorização da ciência. Entre
seus feitos está a reabertura do Observatório do Vaticano, um instituto de
pesquisa astronômico. “Leão 13, na sua época, promoveu esse estudo das ciências
naturais e reabriu, inclusive, o Observatório Astronômico do Vaticano”, lembra
Almeida. “Esse diálogo com a ciência no nosso tempo hoje é muito complicado,
porque até dentro de setores da igreja a gente vê pessoas que desvalorizam a
ciência, a pesquisa científica, o carinho com a busca pela verdade por meio dos
meios científicos”, diz.
Jorge
Claudio Ribeiro acredita que o nome escolhido por Leão 14 simboliza uma
esperança sobre a inclinação do seu papado. “Esse nome é altamente simbólico,
me enche de esperança”, diz.
Se essa
promessa se cumprirá, no entanto, é impossível saber. “Qualquer papa
recém-eleito é uma espécie de recém-nascido. Ele vai amadurecer, vai dar os
passos que os bebês dão e aos poucos vai amadurecendo, vai consolidando as suas
possibilidades. Foi assim como Francisco também”, afirma.
¨
Papa faz apelo a jornalistas contra ‘guerra das
palavras’
O
papa Leão 14 pediu aos
jornalistas o fim de uma “guerra de palavras” polarizadora durante o primeiro
encontro com profissionais da imprensa mundial no Vaticano na manhã desta
segunda-feira (12), durante a primeira coletiva de imprensa oficial. Ele falou
ao longo de 10 minutos. O discurso foi ovacionado pelos jornalistas presentes.
“A paz
começa com cada um de nós, com a forma como olhamos para os outros, ouvimos os
outros e falamos sobre os outros. Nesse sentido, a maneira como nos comunicamos
é de importância fundamental. Precisamos dizer não à guerra de palavras, de
imagens”, afirmou Leão 14.
O papa
ainda pediu a libertação de jornalistas presos ao redor do mundo. “O sofrimento
dos jornalistas presos desafia a consciência das nações e da comunidade
internacional, convocando todos nós a salvaguardar o precioso dom da liberdade
de expressão e de imprensa”, disse o pontífice.
“A
forma como nos comunicamos é de fundamental importância. Devemos dizer não à
guerra das palavras, das imagens. Devemos deixar de lado o paradigma da guerra.
Eu gostaria de confirmar hoje a solidariedade da Igreja Católica que foram
presos por tentar falar a verdade”, disse ao ser aplaudido pelos jornalistas.
“O
sofrimento desses jornalistas presos faz um apelo à consciência das nações. E
um chamado a todos nós para que possamos proteger a liberdade de expressão e a
liberdade de imprensa”, reiterou o papa ao ser aplaudido mais uma vez.
O papa
recém-eleito será formalmente empossado em cerimônia
marcada para as 10h (horário local, 5h em Brasília) do próximo dia 18, na Praça
de São Pedro.
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Em primeira bênção dominical, Papa Leão 14 pede paz no
mundo
A
primeira bênção dominical do Papa Leão 14 foi marcada por
pedidos de paz em diversas regiões do mundo. Da Basílica de São Pedro, o
pontífice falou para cerca de 100 mil pessoas neste domingo (11).
Ele
citou a efeméride de 8 de maio, que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial e
usou a expressão do Papa Francisco, “terceira guerra mundial em pedaços”, para
se referir aos conflitos que ocorrem no planeta atualmente.
“No
atual cenário dramático de uma terceira guerra mundial em pedaços, como tantas
vezes afirmou o Papa Francisco, também eu me dirijo aos poderosos do mundo,
repetindo o apelo sempre atual: ‘Nunca mais a guerra!’”
Leão 14 pediu
cessar-fogo imediato, ajuda humanitária e liberação de reféns em Gaza. “Sinto a
dor daquilo que acontece na Faixa de Gaza”, disse ele. A autoridade religiosa
também pediu que se alcance “paz autêntica, justa e duradoura” na Ucrânia.
O
pontífice expressou satisfação com o anúncio do cessar-fogo entre Índia e
Paquistão. Os apelos foram feitos após ele ter conclamado a multidão a fazer a
oração Rainha do Céu, dirigida à Virgem Maria em celebração à ressurreição de
Jesus Cristo.
Ele
também mencionou a santa ao pedir paz no mundo. “Quantos outros
conflitos no mundo. Confio à Rainha da Paz este forte apelo, para que seja Ela
que apresente ao Senhor Jesus, para que alcancemos o milagre da paz.”
Ao
finalizar as preces do domingo, o papa lembrou do Dia das Mães, celebrado em
diversos países do mundo hoje. “Envio uma saudação carinhosa a todas as mães,
com uma oração por elas e por aquelas que já estão no Céu.”
Fonte:
Por Renan Baptistin Dantas, no Le Monde/Brasil de Fato

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