terça-feira, 13 de maio de 2025

Como a raivosa direita católica brasileira tem  “engolido” o novo Papa Leão XIV

Foi dada a largada do novo pontificado. E, como já era esperado, começaram a pipocar as primeiras análises: algumas precipitadas, outras conspiratórias e algumas mais ponderadas.  

Está claro que, de modo geral, o novo Papa tem sido bem recebido por esses setores, inclusive pelos mais tradicionalistas, que interpretaram seus primeiros gestos e palavras com otimismo. Os membros do CDB, por exemplo, enquanto acompanhavam ao vivo a proclamação do novo pontífice, reagiram ao nome “Leão XIV” com o entusiasmo de um gol em Copa do Mundo. Entre risos e especulações esperançosas, chegaram a cogitar: “Acho que agora o Centro Dom Bosco vai ser recebido no Vaticano”. 

Mas não foi só o nome escolhido pelo novo Papa — evocando Leão XIII, símbolo de ortodoxia, opositor do socialismo e da maçonaria, promotor do tomismo com a encíclica Aeterni Patris (1879) e pioneiro da “verdadeira” doutrina social da Igreja — que entusiasmou os conservadores. Outros sinais estéticos também agradaram: Leão XIV usou o latim em sua primeira celebração e entoou a oração do Regina Caeli em canto gregoriano durante a missa dominical de 11 de maio, gerando entusiasmo entre os conservadores e tradicionalistas. O novo Papa retomou ainda o uso de vestes e objetos litúrgicos tradicionais, como a férula (bastão de prata exclusivo do Papa) e a mozeta (pequena capa vermelha de veludo usada sobre os ombros, tradicionalmente vestida pelos papas ao se apresentarem ao público — prática abandonada por Francisco). 

Também causou entusiasmo o tom com que o Papa criticou o “ateísmo prático” em seu primeiro sermão, ao rejeitar a imagem secularizada de Jesus como mero “líder carismático ou super-homem”, reafirmando sua dimensão divina. 

Como observei em artigo anterior publicado no Le Monde Diplomatique¹, alguns dias antes do conclave, os setores conservadores desejavam um Papa menos político e mais doutrinal, menos pastoral e mais litúrgico. As falas iniciais de Leão XIV parecem cumprir essas expectativas. A socióloga Tabata Tesser, em texto recente também publicado no Le Monde, captou bem uma distinção estética e discursiva entre os papas: “Francisco: o político. Leão XIV: o religioso”². 

Um meme que circula intensamente entre perfis conservadores reforça essa leitura: uma montagem com as primeiras aparições dos últimos cinco papas, na qual Francisco aparece como o único a não usar as vestes tradicionais — em contraste com Leão XIV, que surgiu plenamente paramentado. 

Além disso, influenciadores como Bernardo Küster resgataram a memória de São Leão Magno, o primeiro Papa a adotar esse nome, celebrado como defensor heroico da Igreja. Segundo a tradição, Leão Magno enfrentou Átila, o Huno, e conteve sua invasão a Roma apenas com o poder da palavra e da autoridade espiritual. Essa imagem de um pontífice guerreiro, firme diante de ameaças, reforça o imaginário da Igreja militante, tão caro à direita católica desde a Ação Católica, o Centro Dom Vital e a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). 

No entanto, é preciso destacar também algumas tensões e desconfianças iniciais. Logo após a euforia em torno do nome “Leão XIV”, surgiram suspeitas sobre sua referência à Rerum Novarum de Leão XIII — ainda mais quando, em reunião com cardeais em 10 de maio, o novo Papa afirmou ter escolhido esse nome pensando na mensagem social de Leão XIII frente à Primeira Revolução Industrial, e na necessidade de aplicar a doutrina social da Igreja aos “desafios da inteligência artificial”. O receio entre conservadores é que tal discurso esconda uma adesão à chamada “agenda globalista”. 

Outro incômodo persistente entre esses setores diz respeito à continuidade da Igreja sinodal, reiterada por Leão XIV como um dos legados centrais de Francisco. Durante seu pontificado, Francisco denunciou o clericalismo como “uma das piores perversões da Igreja” e promoveu reformas significativas: nomeou mulheres para cargos antes restritos ao clero, fortaleceu a participação de leigos e incentivou um modelo sinodal e horizontal de decisão. Essas mudanças, vistas por seus opositores como ameaças à “ordem tradicional”, alimentaram boa parte da resistência à sua figura. 

Por tudo isso, Leão XIV aparece, neste início de pontificado, como uma figura ambígua e estratégica, aparentemente comprometida com um projeto de moderação e apaziguamento no interior da Igreja, como afirmou a socióloga Brenda Carranza³. Seus acenos à tradição litúrgica agradam os conservadores; seu histórico pastoral — como missionário agostiniano na América Latina — aponta para uma sensibilidade voltada aos pobres e às periferias. 

Só o tempo dirá quais rumos seu papado seguirá. Por ora, parece provável que vejamos o retorno de solenidades ritualísticas abandonadas por Francisco, ao mesmo tempo em que o novo Papa não se furtará a discutir os efeitos nocivos de um sistema econômico centrado no lucro, e não na vida humana. 

¨      ‘Questão social’, explica novo papa sobre escolha do nome Leão 14

O papa Leão 14 disse, neste sábado (10), que o nome escolhido para sua jornada na condução da Igreja Católica se dá por uma “questão social”. O pontífice comentou o assunto durante audiência com cardeais no período da manhã, no Vaticano. A manifestação do religioso confirma as análises que vinham sendo feitas pela comunidade católica e pela imprensa em geral: a escolha do nome se referencia na história de Leão 13, papa que liderou a Igreja de 1878 até 1903 e ficou conhecido por sua preocupação com a agenda social, especialmente naquilo que se refere à ordem econômica e seus métodos de opressão da classe trabalhadora.

“Na verdade, são várias as razões, mas a principal é que o papa Leão 13, com a histórica encíclica ‘Rerum novarum’, abordou a questão social no contexto da primeira grande Revolução Industrial. E, hoje, a Igreja oferece a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”, disse o novo pontífice, na conversa com os cardeais.

Publicada em 1891, a encíclica Rerum novarum iluminou os passos da Igreja nos rumos da defesa da massa operária daquele tempo, configurando uma postura institucional de busca por justiça social. Com isso, o italiano Gioacchino Vincenzo Raffaele Luigi Pecci, o Leão 13, adotou uma linha inovadora na condução da Igreja e deixou um rastro de mudanças que marcaram época na história do Vaticano.

Nascido Robert Prevost, o agora Leão 14 é o primeiro papa estadunidense e foi eleito na última quinta (8) para suceder o papa Francisco na liderança dos católicos. Ele chega ao cargo máximo da Igreja aos 69 anos e após receber o apoio de pelo menos 89 dos 133 cardeais que participaram do último conclave. Prevost nasceu em Chicago, no estado de Illinois, mas sedimentou boa parte de sua trajetória religiosa na América Latina, em especial no Peru, onde conquistou cidadania. No país andino, começou a alçar postos mais elevados na Cúria Romana, braço administrativo da Santa Fé.

¨      Nome Leão 14 traz expectativa de posição contra capitalismo

Ao escolher o nome Leão 14, o novo papa Robert Francis Prevost acendeu expectativas sobre o rumo que pretende dar à Igreja Católica. O título remete ao pontífice do fim do século 19 que inaugurou a doutrina social da Igreja com a encíclica Rerum Novarum, sobre a condição dos operários.

“Grande parte das leis trabalhistas do ocidente, como o direito às férias e ao 13º salário, têm origem nas ideias de Leão 13”, comentou o sociólogo André Ricardo de Souza, professor e coordenador de sociologia e política na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em entrevista ao Conexão BDF, da Rádio Brasil de Fato.

A associação simbólica a esse legado reforça a cobrança por um posicionamento claro diante das desigualdades e das pressões do capitalismo contemporâneo. “Esperamos que ele se mostre mesmo com coragem, com firmeza para fazer jus ao nome que escolheu, de alguém que se posicionou contrariamente ao capitalismo liberal, bastante opressor do fim do século 19″, disse Souza.

A escolha também ganha contornos políticos e eclesiais diante da recusa de outro nome ventilado nos bastidores: João 24. “João 24 seria o nome de um papa comprometido com mudanças expressivas na Igreja, quem sabe até com a convocação de um novo concílio”, afirmou.

Segundo ele, um eventual Concílio Vaticano 3 poderia abrir espaço para debates sobre o celibato e a ordenação de homens casados, por exemplo. Prevost, no entanto, optou por um nome que carrega um peso social mais direto.

Papa tem ligação com Sul Global, mas deve ser mais moderado que Francisco

Embora tenha nascido nos Estados Unidos, Prevost tem longa trajetória na América Latina, especialmente no Peru, onde atuou por anos como missionário agostiniano. Foi alçado rapidamente ao posto de cardeal e comandava o dicastério dos bispos antes de ser eleito papa. Segundo o professor, sua vivência no Sul Global pode trazer ressonâncias importantes em seu pontificado, ainda que ele represente um perfil mais moderado do que progressista.

“Quem esperava um sucessor progressista, parecido com o papa Francisco, se frustrou”, avalia Souza. O papa Leão 14 voltou a usar as vestimentas mais tradicionais do papado, por exemplo, em contraste com as vestimentas mais simples adotadas pelo antecessor. Ainda assim, o especialista pondera que Prevost não representa o polo conservador mais duro da Igreja. “Ele não é alguém fechado ao diálogo”, destaca.

¨      Leão 13 defendeu vida digna aos trabalhadores e cobrou fim da escravidão no Brasil

O papa Leão 14, eleito para o cargo no conclave encerrado nesta quinta-feira (8), escolheu homenagear o pontífice mais importante do século 19.

Leão 13 foi líder da Igreja Católica entre 1878 e 1903, em meio à Revolução Industrial, e ficou conhecido por defender os direitos da nascente classe operária no início do desenvolvimento do sistema capitalista.

O pontífice italiano, nascido Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci Prosperi Buzzi, também se destacou por estabelecer uma relação harmônica entre fé e ciência.

“Ele escreveu em uma cíclica social, no final do século 19, chamada Rerum Novarum, ou ‘As Coisas Novas’, a questão dos operários dentro do capitalismo, que estava corroendo suas vidas e as de suas famílias”, disse o teólogo Jorge Claudio Ribeiro.

De acordo com a Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), o documento “lançou as bases da Doutrina Social da Igreja e ainda hoje é referência em debates sobre justiça social e direitos dos trabalhadores”.

“É um documento que busca fazer um diálogo com o mundo moderno, que se abria à Revolução Industrial, às novas formas de produção. E também ao contexto de guerra que vivia o mundo daquela época”, completa o padre Victor da Silva Almeida Filho, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puccamp).

O então papa, conhecido por ser um diplomata habilidoso, escreveu uma encíclica direcionada para o episcopado brasileiro em 1888. Chamado de In plurimis, o documento foi publicado em 5 de maio, defendia a abolição da escravatura no país e comemorava os esforços nesse sentido. A abolição aconteceu apenas oito dias depois.

Ainda que defendesse os trabalhadores, Leão 13 não concordava com os ideais socialistas. Sua linha era moderada, em que defendia direitos para os operários, mas não questionava a estrutura econômica. “O papa Leão 13 vai ser um grande contestador do modo do capitalista que não pagava salários dignos pros operários, ao mesmo tempo em que vai ter uma fala bastante crítica com relação ao marxismo e ao socialismo”, lembra Almeida.

Diálogo com o mundo contemporâneo

O fato de Leão 13 ter sido papa em um mundo em transformação é citado pelos especialistas como um possível ponto de inspiração para Leão 14. Para Almeida, a escolha dos cardeais foi por um perfil que esteja “em diálogo com o mundo contemporâneo, com as novas atividades que estão surgindo e ao mesmo tempo que faça diálogo também com essas formas de conflito que estão existindo no nosso tempo, esse radicalismo, esse extremismo que acontece com retorno do fascismo em alguns países no mundo”.

Outro ponto de destaque na atuação de Leão 13 foi a valorização da ciência. Entre seus feitos está a reabertura do Observatório do Vaticano, um instituto de pesquisa astronômico. “Leão 13, na sua época, promoveu esse estudo das ciências naturais e reabriu, inclusive, o Observatório Astronômico do Vaticano”, lembra Almeida. “Esse diálogo com a ciência no nosso tempo hoje é muito complicado, porque até dentro de setores da igreja a gente vê pessoas que desvalorizam a ciência, a pesquisa científica, o carinho com a busca pela verdade por meio dos meios científicos”, diz.

Jorge Claudio Ribeiro acredita que o nome escolhido por Leão 14 simboliza uma esperança sobre a inclinação do seu papado. “Esse nome é altamente simbólico, me enche de esperança”, diz.

Se essa promessa se cumprirá, no entanto, é impossível saber. “Qualquer papa recém-eleito é uma espécie de recém-nascido. Ele vai amadurecer, vai dar os passos que os bebês dão e aos poucos vai amadurecendo, vai consolidando as suas possibilidades. Foi assim como Francisco também”, afirma.

¨      Papa faz apelo a jornalistas contra ‘guerra das palavras’ 

 O papa Leão 14 pediu aos jornalistas o fim de uma “guerra de palavras” polarizadora durante o primeiro encontro com profissionais da imprensa mundial no Vaticano na manhã desta segunda-feira (12), durante a primeira coletiva de imprensa oficial. Ele falou ao longo de 10 minutos. O discurso foi ovacionado pelos jornalistas presentes.

“A paz começa com cada um de nós, com a forma como olhamos para os outros, ouvimos os outros e falamos sobre os outros. Nesse sentido, a maneira como nos comunicamos é de importância fundamental. Precisamos dizer não à guerra de palavras, de imagens”, afirmou Leão 14.

O papa ainda pediu a libertação de jornalistas presos ao redor do mundo. “O sofrimento dos jornalistas presos desafia a consciência das nações e da comunidade internacional, convocando todos nós a salvaguardar o precioso dom da liberdade de expressão e de imprensa”, disse o pontífice.

“A forma como nos comunicamos é de fundamental importância. Devemos dizer não à guerra das palavras, das imagens. Devemos deixar de lado o paradigma da guerra. Eu gostaria de confirmar hoje a solidariedade da Igreja Católica que foram presos por tentar falar a verdade”, disse ao ser aplaudido pelos jornalistas.

“O sofrimento desses jornalistas presos faz um apelo à consciência das nações. E um chamado a todos nós para que possamos proteger a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa”, reiterou o papa ao ser aplaudido mais uma vez.

O papa recém-eleito será formalmente empossado em cerimônia marcada para as 10h (horário local, 5h em Brasília) do próximo dia 18, na Praça de São Pedro.

¨      Em primeira bênção dominical, Papa Leão 14 pede paz no mundo

A primeira bênção dominical do Papa Leão 14 foi marcada por pedidos de paz em diversas regiões do mundo. Da Basílica de São Pedro, o pontífice falou para cerca de 100 mil pessoas neste domingo (11).

Ele citou a efeméride de 8 de maio, que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial e usou a expressão do Papa Francisco, “terceira guerra mundial em pedaços”, para se referir aos conflitos que ocorrem no planeta atualmente.

“No atual cenário dramático de uma terceira guerra mundial em pedaços, como tantas vezes afirmou o Papa Francisco, também eu me dirijo aos poderosos do mundo, repetindo o apelo sempre atual: ‘Nunca mais a guerra!’”

Leão 14 pediu cessar-fogo imediato, ajuda humanitária e liberação de reféns em Gaza. “Sinto a dor daquilo que acontece na Faixa de Gaza”, disse ele. A autoridade religiosa também pediu que se alcance “paz autêntica, justa e duradoura” na Ucrânia.

O pontífice expressou satisfação com o anúncio do cessar-fogo entre Índia e Paquistão. Os apelos foram feitos após ele ter conclamado a multidão a fazer a oração Rainha do Céu, dirigida à Virgem Maria em celebração à ressurreição de Jesus Cristo.

Ele também mencionou a santa ao pedir paz no mundo. “Quantos outros conflitos no mundo. Confio à Rainha da Paz este forte apelo, para que seja Ela que apresente ao Senhor Jesus, para que alcancemos o milagre da paz.”

Ao finalizar as preces do domingo, o papa lembrou do Dia das Mães, celebrado em diversos países do mundo hoje. “Envio uma saudação carinhosa a todas as mães, com uma oração por elas e por aquelas que já estão no Céu.”

 

Fonte: Por Renan Baptistin Dantas, no Le Monde/Brasil de Fato

 

Nenhum comentário: