As 4 mudanças de Trump que estão criando uma
nova ordem mundial
Uma
nova ordem mundial em menos de cem dias.
É assim
que muitos líderes mundiais e analistas estão enxergando os primeiros meses do
segundo mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.
Em
poucas semanas, Trump redefiniu alianças globais, voltou-se contra
parceiros estratégicos, atacou regras internacionais e atingiu em
cheio a economia global ao dar início a uma guerra comercial.
Seria
esse um ponto de virada na história mundial — semelhante ao
que aconteceu após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, ou a queda do Muro
de Berlim, em 1989? Ou será que o mundo está apenas atravessando um momento
temporário de tensão que duraria apenas até o final do mandato do presidente
americano, em 2028?
A BBC
News Brasil conversou com especialistas em relações internacionais para
entender como Trump está redefinindo a ordem
mundial.
Para eles, ainda não está claro quão duradouros serão os efeitos das políticas
anunciadas até agora — e também se Trump será bem-sucedido em todas suas
tentativas.
Para os
especialistas, em muitos temas, sequer é possível quais são os objetivos
específicos de Trump — já que ele é um líder volátil e imprevisível, ora
anunciando uma política, e em seguida recuando ou revertendo dessa posição.
Mas
eles concordam que algumas das políticas anunciadas por Trump são tão
impactantes no mundo que já alteraram de forma irreversível a ordem mundial
vigente.
"Eu
diria que não há dúvida de que estamos presenciando o fim da ordem mundial que
tínhamos até agora", afirma à BBC News Brasil o especialista em relações
internacionais Stefan Wolff, da universidade inglesa de Birmingham, que
escreveu diversos artigos sobre a nova ordem mundial que Donald Trump estaria
construindo.
"A
ideia de uma ordem cada vez mais globalizada e liberal, na qual as regras e o
direito internacional importa, foi por água abaixo. Mas ainda não está claro o
que realmente a substituirá. E acho que isso contribui para toda essa sensação
de incerteza."
Confira
abaixo quatro formas como Trump está mudando a ordem mundial, segundo os
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
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1. Fim do respeito a territórios internacionais
Até o
começo do século 20, as potências mundiais cresciam expandindo seus
territórios.
Após a
Segunda Guerra Mundial, houve uma grande expansão territorial da União
Soviética — mas nos países ocidentais houve diminuição do território, com
movimentos de descolonização. E a integridade territorial virou um dos pilares
do direito internacional.
Nas
últimas décadas, países ocidentais promoveram invasões de outros países — como
no caso do Afeganistão e do Iraque — mas não houve incorporação dessas regiões
ao território americano ou europeu.
O
Ocidente arrogava a si o papel de protetor de territórios internacionais,
advogando contra a expansão territorial da Rússia com invasões da Geórgia e da
Ucrânia, e trabalhando para conter a ameaça da China sobre Taiwan.
Mas
agora, segundo os analistas, os próprios EUA parecem ter abandonado esses
princípios — e estão eles próprios com intenções expansionistas.
Trump
tem sugerido que quer mudar o mapa dos EUA ao rebatizar o Golfo do México de
Golfo da América, controlar a Groenlândia e o Canal do Panamá e tornar o Canadá
o "51º Estado americano".
"Temos
uma espécie de desintegração de algumas regras básicas da ordem, como não
invadir outros países ou anexar territórios", diz Wolff.
"O
problema que temos com Trump agora é que ele está normalizando isso, dando à
Rússia bastante margem de manobra em negociações, e também replicando a
linguagem de [Vladimir] Putin quando ele fala sobre retomar o Canal do Panamá,
obter a Groenlândia, e tornar o Canadá o 51º Estado americano. Nesse sentido, a
velha ordem está agora ameaçada tanto pela Rússia, o disruptor mais
tradicional, mas também pelos EUA, que eram seu principal garantidor."
Para
Leslie Vinjamuri, diretora do programa para EUA da entidade britânica Chatham
House, as falas de Trump representam um perigo para as normas internacionais.
"A
recente conversa de Trump sobre a aquisição da Groenlândia e a anexação do
Canadá ameaça tornar as invasões à soberania uma proposta aberta, aumentando os
temores de que seu desrespeito aberto à soberania possa levar a uma
reorganização fundamental das normas internacionais", escreveu Vinjamuri
em artigo.
"Isso
acarretaria sérios riscos para os EUA: se as restrições normativas e legais à
soberania forem enfraquecidas, isso colocará mais pressão sobre a dissuasão (e
também sobre a credibilidade da dissuasão) para impedir que outras grandes
potências usem coerção ou força militar direta para alterar fronteiras — uma
questão séria em qualquer conflito com a China, especialmente em relação a
Taiwan."
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2. Redefinição do papel da China
Um país
fundamental na nova ordem mundial, que está tendo seu papel redefinido pelas
políticas de Trump, é a China.
Na era
da Guerra Fria, analistas diziam que o mundo era "bipolar", com duas
grandes superpotências que rivalizavam entre si: EUA e União Soviética.
No
começo dos anos 1990, com o colapso da União Soviética, especialistas já
falavam em um mundo unipolar — em que havia apenas os EUA como superpotência.
Mas o
novo milênio viu a rápida ascensão da China no cenário internacional. O mundo
voltou a uma situação de bipolaridade, mas com uma nova superpotência no lugar
da União Soviética.
A
relação do mundo ocidental com a China tem várias ambiguidades. Por um lado,
todos os países do planeta dependem muito dos bens produzidos na China. O país
é vital no comércio internacional.
Por
outro, existe um temor de que a China não compartilha valores fundamentais do
Ocidente, como democracia e liberdades individuais.
E a
China também desconfia do Ocidente — a quem acusa de usar esses valores
ocidentais —que para os chineses não são valores universais — apenas para
barrar a sua ascensão econômica.
Pois
essa relação do Ocidente com a China está sendo mudada radicalmente com a
guerra comercial declarada por Trump.
"Se
você me perguntasse antes de janeiro ou fevereiro de 2024 qual seria a posição
da China neste novo mundo, eu diria que ela lideraria um bloco do qual a Rússia
faz parte e alguns outros países da região que se sintam ideologicamente
afiliados à China e à Rússia", afirma Elisabeth Braw, especialista em
relações internacionais do instituto americano Atlantic Council, à BBC News
Brasil.
O maior
alvo da guerra comercial de Trump é a China. Mas o presidente americano também
anunciou tarifas pesadas contra grandes aliados ocidentais, como Canadá, México
e a Europa.
"Agora
vimos os EUA imporem tarifas injustas. E tarifas também à China. E agora, de
repente, a China parece um país mais responsável do que os EUA no comércio. E
isso é algo extraordinário."
Para
ela, a guerra comercial de Trump contra os próprios aliados tradicionais dos
Estados Unidos tem potencial para fazer todos os países se aproximarem da
China.
"Os
EUA cometeram muitos erros ao longo dos anos, mas sempre tentaram agir de forma
responsável sob uma perspectiva global. E agora estamos vendo os EUA agindo de
forma muito imprudente, impondo tarifas desnecessárias e prejudicando toda a
economia global. E, em contraste, a China parece relativamente
responsável", afirma Braw.
"E
acredito que isso levará não apenas a negociações mais próximas entre a China e
a Europa, e a China e outros países.Mas também a mais comércio entre esses
países, porque se houver menos comércio com os EUA por causa dessas tarifas,
então você terá que negociar mais com os demais."
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3. Redefinição do papel da Europa e da Rússia
Uma das
relações mais estáveis do pós-Guerra está sendo radicalmente modificada: entre
EUA e Europa.
Até
Trump chegar ao poder, a aliança EUA-Europa nunca esteve ameaçada — e foi um
dos pilares da ordem mundial existente por quase 80 anos.
Após a
Segunda Guerra Mundial, os EUA ajudaram a reconstruir a Europa com o Plano
Marshall. E desde então, os EUA são praticamente os garantidores da segurança
do continente através da aliança militar Otan, cuja maior parte dos custos é
coberta pelos EUA.
A
invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 aproximou ainda mais europeus e
americanos — então sob a liderança de Joe Biden — diante do temor de que
Vladimir Putin tentasse expandir sua influência na Europa.
Mas
Trump alterou radicalmente a relação com europeus.
Isso
ficou claro em um discurso dado pelo vice-presidente J.D. Vance em fevereiro em
uma conferência de segurança na Alemanha, no qual ele praticamente anunciou o
fim da aliança histórica.
"A
ameaça que mais me preocupa em relação à Europa não é a Rússia, não é a China,
não é qualquer outro ator externo. O que me preocupa é a ameaça interna, o
recuo da Europa em relação a alguns de seus valores mais fundamentais,
compartilhados com os EUA", disse Vance.
"E,
infelizmente, quando olho para a Europa hoje, às vezes não fica tão claro o que
aconteceu com alguns dos vencedores da Guerra Fria."
"Olho
para Bruxelas, onde os comissários da UE alertam os cidadãos que pretendem
desativar as redes sociais durante períodos de agitação civil no momento em que
identificarem o que julgam ser, entre aspas, conteúdo de ódio."
Vance
também sinalizou o fim dos moldes atuais da Otan, em que os EUA custeiam a
maior parte da segurança do continente.
"Embora
o governo Trump esteja muito preocupado com a segurança europeia e acreditemos
que possamos chegar a um acordo razoável entre a Rússia e a Ucrânia, nós
achamos que é importante que a Europa se empenhe significativamente nos
próximos anos para prover sua própria defesa", disse o vice-presidente.
Essa
divisão entre EUA e Europa ficou mais clara ainda na famosa visita do
presidente ucraniano à Casa Branca em março, que terminou em um grande
bate-boca entre Volodymyr Zelensky, Donald Trump e J.D. Vance.
A
reação da Europa à nova política da Casa Branca foi quase imediata. Os europeus
prometeram que vão investir 150 bilhões de euros nos próximos anos para se
tornarem independentes dos EUA em segurança.
"A
mensagem principal para Donald Trump é: a Alemanha está de volta. A Alemanha
cumprirá suas obrigações em termos de defesa e está disposta a fortalecer sua
própria competitividade. Faremos a União Europeia avançar", disse o
provável futuro chanceler alemão Friedrich Merz.
Para o
analista Stefan Wolff, vai demorar para a Europa reconstruir sua defesa — mas a
tarefa é possível. E isso provavelmente vai levar a um equilíbrio de poderes
maiores entre europeus e russos no futuro.
"Tem
sido interessante ver como a Europa, pelo menos em parte, está se recompondo.
Eu acho que provavelmente nos próximos 5 a 10 anos, a Europa vai ressurgir como
um desses grandes centros de poder, porque economicamente, ela definitivamente
é um deles. É um dos três principais atores: China, UE/Europa e EUA",
afirma Wolff.
E como
fica a Rússia de Vladimir Putin na nova ordem mundial?
Para
Elisabeth Braw, do Atlantic Council, por mais que Moscou tenha ganhado algum
poder com a decisão de Trump de enfraquecer a aliança com os americanos, na
Nova Ordem Mundial, a Rússia seguirá sendo um país com menos influência do que
a China e Estados Unidos na geopolítica internacional.
"O
papel da Rússia continuará sendo o de um país que perturba a ordem global,
causando caos e desordem. É um país que inspira medo, o que, aparentemente para
Putin, é melhor do que ser um país que segue as regras e não inspira
medo", afirma a especialista.
"Outro
aspecto interessante do papel da Rússia no mundo atual é que, economicamente
falando, ela é completamente dependente da China. É o parceiro júnior da China.
E durante a Guerra Fria, a relação era completamente oposta. A União Soviética
era, em grande parte, um parceiro sênior e a China, um parceiro júnior."
Wolff
também acredita que a influência russa no novo mundo é limitada — assim como a ameaça
que ela representa para a Europa.
"A
Rússia é, até certo ponto, mais uma potência militar, principalmente em termos
de seu arsenal nuclear. Em um sentido convencional, a Rússia não representa
realmente uma grande ameaça militar para a Europa. Se você olhar para o tamanho
da economia, para o tamanho da população", diz Wolff.
"A
Europa terá algum trabalho a fazer para desenvolver sua própria base industrial
de defesa, investir mais em exércitos permanentes, e assim por diante."
"A
Rússia não é um gigante de 3 metros que consegue facilmente marchar até
Bruxelas. Eles não conseguiram muito progresso nem mesmo na Ucrânia nos últimos
três anos."
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4. Fim da era dourada da globalização
Outro
ponto levantado pelos especialistas sobre a nova ordem mundial sob Donald Trump
é o possível fim da era dourada da globalização.
A
globalização foi uma construção lenta da economia global, que aconteceu ao
longo de décadas e resultou em uma cadeia complexa de produção e consumo. Hoje
produtos complexos — como carros e telefones celulares — têm seus componentes
produzidos em diversas partes do mundo.
Uma
reportagem da BBC mostrou por exemplo que 80% dos iPhones vendidos nos EUA são
produzidos na China — e os outros 20% são produzidos na Índia. Uma tarifa de
importação de mais de 140% — como a que chegou a ser anunciada por Trump, e
posteriormente modificada — provocaria uma disparada no preço pago pelos
americanos pelo telefone.
Para
Elisabeth Braw, a guerra comercial de Trump é um ataque a essa globalização.
O
presidente diz que quer que muitas empresas que vendem produtos aos EUA fechem
suas operações no exterior e abram fábricas no país — gerando empregos para os
americanos.
A noção
é justamente o oposto da globalização — em que cada país se especializa em
produzir algum produto, e o comércio internacional integra todas as cadeias,
gerando bens mais baratos para todos.
Segundo
os especialistas, o fim da globalização não é uma tendência nova que surge com
Trump — mas ela é acelerada com a chegada do republicano ao poder.
No ano
passado, antes da eleição de Trump, Elisabeth Braw havia escrito o livro Goodbye
Globalisation ("Adeus à Globalização"), no qual ela mostra
como o movimento antiglobalização ganhou força no mundo.
A
ascensão de Trump teria se dado justamente por eleitores que se dizem
prejudicados pela globalização.
E como
seria um mundo pós-globalização? Ele seria mais fragmentado, segundo a
especialista do Atlantic Council.
"O
subtítulo do meu livro é 'O Retorno de um Mundo Dividido'. E é isso que
veremos: países negociando mais com nações com ideias semelhantes", diz
Braw.
"No
que diz respeito à Europa, até algumas semanas atrás, as nações com ideias
semelhantes, de uma perspectiva europeia, incluíam outras nações europeias e
também os EUA."
"Mas
agora estamos vendo que os EUA provavelmente não farão parte desse grupo de
democracias liberais ocidentais com ideias semelhantes. Mas o que estamos vendo
com certeza é países se unindo para negociar mais dentro desse grupo."
"E,
francamente, devo dizer que tivemos sorte que a globalização tenha durado
tanto, porque ela se baseia no comportamento dos países, no cumprimento das
regras."
·
Ponto de virada ou tensão passageira?
Apesar
de haver um debate atual sobre o surgimento de uma nova ordem mundial, não
existe ainda uma perspectiva concreta de quão sólidas serão essas mudanças no
mundo.
Será
que as mudanças vistas no mundo hoje vão se concretizar mesmo?
Estamos
vivendo um ponto de virada na história mundial? Ou só um momento temporário de
tensões?
Os
especialistas não têm uma resposta definitiva para isso. Mas eles dizem que
mesmo que essa nova ordem mundial não se consolide, algumas coisas já mudaram
para sempre nesses primeiros meses de governo Trump.
"Acho
que o que está ficando muito claro é que não se pode mais confiar nos EUA.
Vamos imaginar que o governo Trump tenha terminado em 2028. E que o presidente
agora seja J.D. Vance ou um presidente democrata. Isso significaria que a
Europa suspiraria aliviada, voltando aos velhos hábitos, sabendo que Washington
vai consertar tudo?", diz Wolff.
"Acho
que Trump, agora, em menos de 100 dias, destruiu completamente essa confiança,
não apenas na Europa, mas também entre alguns aliados importantes na Ásia, de
que os EUA são um parceiro confiável. Acho que, nesse sentido, já temos uma
mudança na forma como o sistema internacional funciona que não pode ser
desfeita."
Elisabeth
Braw concorda que algumas mudanças parecem definitivas.
"Não
saberemos o quão grande é essa mudança até que alguns anos se passem e saibamos
como o governo Trump termina", diz.
"Mas
o que sabemos é que esta é a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que os
EUA essencialmente se voltaram contra seus aliados europeus em um ponto
fundamental, dizendo que não precisamos de aliados, somos um país importante,
só vamos lidar com outros países importantes como Rússia e China, e eles serão
nossos parceiros de negociação, e vocês, nossos aliados europeus, simplesmente
não são tão importantes."
Já
Leslie Vinjamuri vê com certo ceticismo as intenções de Trump e quão duráveis
suas políticas podem ser.
"O
desafio para os líderes é como decifrar as intenções de Trump. Pode ser que
Trump esteja planejando, fundamentalmente, manter a posição atual dos EUA nas
relações internacionais e esteja simplesmente usando táticas não convencionais
para obter melhor acesso aos mercados e alianças mais fortes e equilibradas.
Nesse caso, conciliação, diplomacia, visitas, presentes e medidas para atender
às suas solicitações podem ser uma resposta inteligente", escreve a
diretora da Chatham House.
"Mas
se Trump tem intenções genuínas em relação ao Canadá e à Groenlândia e planeja
abandonar Taiwan e a Ucrânia como parte de um grande projeto para uma nova
ordem internacional, então os parceiros e aliados dos EUA devem adotar uma
resposta mais estratégica, mas também mais firme e de longo prazo."
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Fonte: BBC News Mundo

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