'Albergue
e amor': como funciona a Mansão do Caminho, fundada por Divaldo Franco
O
médium Divaldo Franco, que morreu na última terça-feira por causa de
complicações de um câncer na bexiga, foi um dos fundadores da Mansão do
Caminho, instituição social localizada em Salvador.
• Mansão do Caminho atende cinco mil
pessoas diariamente
Divaldo
Franco e Nilson de Souza Pereira, conhecido como Tio Nilson, fundaram a Mansão
do Caminho em 1952. O nome do local é uma homenagem à Casa do Caminho, criada
pelos primeiros cristãos, os discípulos Pedro, João e Thiago. Inicialmente, as
instalações ficavam no bairro da Calçada e, em 1955, a instituição foi
transferida para o local onde funciona atualmente, no bairro de Pau da Lima. Na
casa, a equipe trabalha com orientações "morais, cristãs e
espíritas", segundo o portal oficial.
Atualmente,
a Mansão do Caminho recebe diariamente mais de cinco mil pessoas. Em uma área
de 78 mil metros quadrados, o complexo tem 44 edifícios. Cercado por mata
nativa, o terreno tem amplos bosques e um lago. Segundo a instituição, os
visitantes procuram "auxílio material, educacional e espiritual".
Em sua
frente educacional, a casa atende quase dois mil alunos. Os estudantes têm
acesso ao ensino completo, desde a creche A Manjedoura, o Jardim de Infância
Esperança, a Escola Alvorada Nova, as escolas de ensino fundamental Jesus
Cristo e Allan Kardec, e finalizam os estudos no ensino médio, no Colégio
Nilson de Souza Pereira. Na creche, as crianças recebem alimentação, vestuário
e atendimento médico e pedagógico.
Os
alunos matriculados têm acesso a atividades extraescolares. Cursos artísticos e
profissionalizantes são oferecidos pela casa e oficinas de diferentes segmentos
também fazem parte das atividades da Mansão. Entre as opções, estão aulas de
música, de informática, de panificação, de bordado e de tapeçaria.
Para
oferecer cuidados com a saúde, a Mansão tem o Centro de Saúde Dr. José Carneiro
de Campos. A unidade oferece 34 especialidades e laboratório de análises
clínicas.
No
campo religioso, a casa afirma seguir duas vertentes. O estudo e a difusão da
Doutrina Espírita se unem à prática da caridade, seguindo os princípios de
Allan Kardec, revivendo o Evangelho de Jesus.
“Nós
pensamos em fazer um lugar onde todos encontrassem albergue, oportunidade de
amar, mas, sobretudo, fossem amparados e tivessem as suas dores diminuídas.”
- Divaldo Franco, ao portal da Mansão do
Caminho no YouTube.
• Quem foi Divaldo Franco?
Nascido
em 1927 em Feira de Santana (BA), Divaldo era reconhecido ao redor do mundo por
quase 80 anos dedicados à oratória espírita. O garoto começou a se perturbar
com o que via e passou a ser rejeitado por outras crianças e reprimido pelo
pai. Mesmo considerado louco por conhecidos, aos 17 anos passou a entender os
eventos como um dom. Foi quando sua mãe, Ana Alves Franco, levou o jovem para
Salvador, onde Divaldo disse ter começado a estudar a doutrina espírita sob
orientação do espírito de Joanna de Ângelis, sua guia.
Em
1947, fundou o Centro Espírita Caminho da Redenção, também em parceria com
Nilson de Souza Pereira. Ao longo dos anos, definiu-se como "fiel
mensageiro da palavra de Cristo pelas consoladoras e esperançosas lições da
Doutrina Espírita". Ele também participou de mais de 20 mil conferências e
seminários sobre sua fé em 71 países, razão pela qual ganhou o apelido de
"Semeador de Estrelas".
Como
escritor, lançou mais de 260 livros psicografados com cerca de 10 milhões de
exemplares vendidos. Algumas de suas obras foram traduzidas para outros 17
idiomas, totalizando mais de 50 mil páginas publicadas e 20 milhões de cópias
comercializadas globalmente. Os textos apresentam mais de 200 autores
espirituais. Em 2019, sua trajetória foi retratada nos cinemas, com o filme
"Divaldo, o Mensageiro da Paz".
Divaldo
dizia inspirar-se em Chico Xavier, de quem foi amigo por longos anos. "Pra
mim, ele é um grande mestre", afirmou em 2019, ao F5. "Não me sinto
um continuador do trabalho dele, mas me sinto como alguém envolto, como ele, da
propaganda do espiritismo", contou Franco, na época do lançamento de um
filme inspirado na sua trajetória. "Ele era 'o concur' [sic] pela sua
irradiação de amor e paz, por isso ele foi pra mim um grande mestre."
• Relação de Divaldo Franco e Bolsonaro
gerou racha entre espíritas
Nos
últimos anos de sua vida, o médium baiano Divaldo Franco, esteve envolvido em
polêmicas por ter sido visto como um defensor do ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) e seus apoiadores que tomaram Brasília em 8 de janeiro.
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Qual era a relação entre Divaldo e Bolsonaro?
Divaldo
ficou conhecido como "médium de direita" entre outros praticantes do
kardecismo. A afirmação foi de uma reportagem da revista Veja de 2019. Naquela
época, ele já havia manifestado simpatia a Bolsonaro e, apesar de não ter ido
às urnas em 2018 por ter esquecido o título, confirmou que teria votado em
Bolsonaro.
“O
atual presidente representava uma esperança, apesar de eu não aprovar seus
discursos a favor da tortura.” Relativizou Divaldo à Veja em 2019
Ele
também se dizia fã de Sergio Moro, era um entusiasta da Lava Jato e acreditava
que "ao prender Lula, deve ter cumprido a lei". Mesmo assim, ele
confessou ter votado no atual presidente petista em duas eleições anteriores e
o definia como "um nordestino que persistiu e venceu".
Laços
com o conservadorismo se estendiam à sua vida pessoal e obra, não apenas às
opiniões expressadas em palestras e vídeos. Um de seus políticos favoritos era
outro líder da direita, João Doria, que disse à revista ser um "homem
honrado e competente". Seu irmão, Raul Doria, produziu o filme sobre a
vida do médium: "Divaldo - O Mensageiro da Paz".
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Encontro de Divaldo e Bolsonaro causou saia-justa
Em
julho de 2022, o então presidente desembarcou em Salvador para motociatas em
cidades baianas e o médium se deslocou até a Base Aérea da capital para ser
homenageado com a Medalha da Ordem de Rio Branco — a mais alta honraria da
chancelaria brasileira. Ele também posou com Bolsonaro para fotos e a
aproximação não foi vista com bons olhos por outros espíritas.
“Alguns
parecem não ter entendido o que é a Lei de Amor, Justiça e Caridade de 'O Livro
dos Espíritos', embora possam recitá-la de cor. Aceitar honrarias já é
contrário à ética cristã-espírita. Com a proveniência luciférica de tal
honraria, é algo inadmissível! Que Cristo tenha piedade de nós!” - Rui Maia
Diamantino, presidente do Nefa (Núcleo Espírita Francisco de Assis)…
Para
Diamantino, era incompatível a aproximação de um líder espírita com "o
presidente de um governo com características nazifascistas", afirmou ao
UOL em 2022. "Que o preconceito, a xenofobia, o racismo, a homofobia, a
misoginia e toda forma de desprezo pela vida humana se espalhe pelo espiritismo
e ganhe apoio de seus líderes é anticristão."
Divaldo
tentou se justificar em um pronunciamento em sua instituição, a Mansão do
Caminho. Ele relatou que o Itamaraty o havia procurado no ano anterior e que
ele teria respondido não ter interesse em receber a honraria. Com a vinda de
Bolsonaro a Salvador e o novo contato do cerimonial da presidência, o médium
disse ter "meditado muito" antes de, finalmente, aceitar o convite.
Depois, transferiu a homenagem à Doutrina Espírita.
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Seguidores do médium se confrontaram por causa da simpatia dele por Bolsonaro
"Comenda
suja de sangue", reclamou um na página da Mansão do Caminho. "Quer
dizer que se Adolf Hitler decide condecorar Divaldo ele receberia o ditador?
Decepcionante!", perguntou outro. No entanto, houve quem o defendesse.
"Será que quem te caluniou tem alguma obra parecida com a que
construiu?", questionou uma terceira.
Ideias
do médium se alinhavam a pautas bolsonaristas, apesar da retratação. Seus
críticos recuperaram palestras, análises e exposições de Divaldo na internet em
que ele alertava sobre a ameaça comunista no mundo, se colocava contrário ao
que chamava de "ideologia de gênero" e tratava a homossexualidade
como "desvio de comportamento" —o que não foi bem recebido por
espíritas progressistas como Diamantino, que citam que o Livro dos Espíritos
afirma que espíritos não têm sexo.
Em
2023, saiu em defesa dos presos pelos ataques a Brasília em 8 de janeiro, o que
lhe rendeu críticas de figuras conhecidas como Chico Pinheiro e de seus pares,
outros líderes espíritas. Divaldo contestou que os presos fossem terroristas,
porque "ninguém estava com revólver, com faca, nem canivete, nem gilete,
nem cortador de unha".
“Estamos
vendo aí leis absurdas, prisões estúpidas sem julgamento. Como é que pegam
pessoas na rua, botam no ônibus e levam para a cadeia?” - Divaldo em vídeo
publicado na época
O
ex-presidente não se manifestou a respeito da morte do médium. Apesar de ter
recebido homenagens da prefeitura de Salvador e de figuras famosas como Ivete
Sangalo, Beth Goulart e Regiane Alves, Bolsonaro não falou em público sobre o
baiano.
Fonte:
UOL

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