3 questões para entender o conflito entre
Índia e Paquistão e o papel da Caxemira na disputa
O ataque com mísseis da Índia ao
Paquistão nas primeiras horas de 7 de maio é o episódio mais recente de um
longo conflito com raízes que remontam a mais de sete décadas.
Até
1947, a Índia e o Paquistão faziam parte do
mesmo território sob o domínio colonial britânico.
Quando
a Índia declarou independência, o território foi dividido em duas partes: uma
com maioria muçulmana (o Paquistão) e
outra com maioria hindu (a Índia).
Foi um
processo que desencadeou uma onda de violência que deixou aproximadamente um
milhão de mortos e 15 milhões de refugiados. As consequências desse episódio se
estendem até hoje.
Um novo
capítulo desse conflito aconteceu na quarta-feira (7/5), quando a Índia lançou
ataques contra vários alvos no Paquistão.
A Caxemira, onde ocorreram
alguns dos bombardeios, é o centro da discordância entre os dois países.
A
seguir, explicamos em três pontos as origens do conflito, que é de particular
preocupação para o mundo porque envolve duas nações com armas nucleares.
>>>>
1. Por que a divisão aconteceu?
Em
1946, a Grã-Bretanha anunciou que concederia a independência à Índia.
O país
não conseguia mais arcar com o domínio sobre o país e queria sair o mais
rapidamente possível da região.
O
último vice-rei, Lord Louis Mountbatten, marcou a data para 15 de agosto de
1947.
Naquela
época, a população da Índia era aproximadamente 25% muçulmana. O restante era
sobretudo hindu. Mas havia também sikhs, budistas, cristãos e membros de outras
religiões minoritárias.
"Os
britânicos usaram a religião como uma forma de dividir as pessoas na Índia em
categorias", diz a professora Navtej Purewal, membro indiana do Conselho
de Pesquisa em Artes e Humanidades (AHRC, na sigla em inglês) do governo
britânico.
"Por
exemplo, eles criaram listas separadas de eleitores muçulmanos e hindus para
eleições locais. Havia cadeiras reservadas para políticos muçulmanos e cadeiras
reservadas para hindus. A religião se tornou um fator na política."
"Quando
parecia provável que a Índia obteria a independência", diz Gareth Price,
do instituto de política externa Chatham House, com sede no Reino Unido,
"muitos indianos muçulmanos ficaram preocupados em viver em um país
governado por uma maioria hindu".
"Eles
pensaram que seriam oprimidos", afirma ele.
"E
começaram a apoiar líderes políticos que faziam campanha por uma pátria
muçulmana separada."
Mahatma
Gandhi e Jawaharlal Nehru, líderes do movimento de independência, disseram que
queriam uma Índia unida que abraçasse todas as religiões.
No
entanto, Muhammad Ali Jinnah, líder da Liga Muçulmana, exigiu a divisão como
parte do acordo de independência.
"Teria
levado muito tempo para chegar a um acordo sobre como uma Índia unida
funcionaria", diz Price.
"A
divisão parecia ser uma solução rápida e simples."
>>>>
2. Quanto sofrimento a divisão causou?
As
novas fronteiras entre a Índia e o Paquistão foram traçadas em 1947 por um
funcionário público britânico, Cyril Radcliffe.
Ele
dividiu o subcontinente indiano a grosso modo em uma parte central e sul, onde
os hindus eram maioria, e duas partes no noroeste e nordeste, em que os
muçulmanos eram maioria.
No
entanto, havia comunidades hindus e muçulmanas espalhadas por toda a Índia
britânica. Isso fez com que, após a divisão, aproximadamente 15 milhões de
pessoas se deslocassem — muitas vezes centenas de quilômetros — para cruzar as
fronteiras recém-criadas.
Em
muitos casos, as pessoas foram expulsas de suas casas pela violência
comunitária. O primeiro exemplo disso foram os chamados Assassinatos de Calcutá
de 1946, no qual cerca de 2 mil pessoas foram mortas.
"A
Liga Muçulmana formou milícias, assim como grupos hindus de direita",
conta Eleanor Newbigin, professora de história do Sul da Ásia na Universidade
SOAS, em Londres.
"Grupos
terroristas expulsaram as pessoas de suas vilas para obter mais controle do seu
próprio lado."
Estima-se
que entre 200 mil e um milhão de pessoas foram assassinadas ou morreram em
decorrência de doenças em campos de refugiados.
Dezenas
de milhares de mulheres, tanto hindus quanto muçulmanas, foram estupradas,
sequestradas ou desfiguradas.
>>>>
3. Quais foram as consequências da divisão?
Desde a
divisão, a Índia e o Paquistão disputam quem tem o controle sobre a província
da Caxemira.
Eles
travaram duas guerras por causa disso (em 1947-1948 e em 1965), e também
entraram em confronto na crise de Kargil, em 1999, na Caxemira.
Ambos
os países reivindicam a província como sua — e atualmente administram
diferentes partes dela.
Os dois
países também se enfrentaram em 1971, quando a Índia interveio para apoiar o
Paquistão Oriental (agora Bangladesh) em sua guerra de independência contra o
Paquistão.
Menos
de 2% da população do Paquistão é hoje hindu.
"O
Paquistão se tornou cada vez mais islâmico, em parte porque grande parte de sua
população é agora muçulmana, e há muito poucos hindus lá", diz Price.
"E
a Índia está agora mais sob a influência do nacionalismo hindu."
"O
legado da divisão é perturbador", avalia Newbigin.
"Criou
maiorias religiosas poderosas em ambos os países. As minorias se tornaram
menores e mais vulneráveis do
que eram antes."
A
divisão poderia ter sido evitada, segundo a professora Navtej Purewal.
"Poderia
ter sido possível em 1947 criar uma Índia unida. Poderia ter sido uma federação
de estados, incluindo estados em que os muçulmanos eram a maioria", diz
ela.
"Mas
Gandhi e Nehru insistiram em ter um Estado unificado, controlado a partir do
centro. Eles, na verdade, não consideraram como uma minoria muçulmana poderia
viver nesse tipo de país."
¨
O que se sabe do ataque da Índia lança contra o Paquistão
A Índia afirma ter
lançado ataques com mísseis contra nove locais no Paquistão e na Caxemira administrada
pelo Paquistão. Moradores foram
acordados por enormes explosões.
O
governo indiano afirmou que a ação militar focou na "infraestrutura
terrorista" de maneira "focada, comedida e sem escalada", e
acrescentou que não atingiu nenhuma instalação militar paquistanesa.
O
Paquistão classificou o ataque de "covarde" e detalhou que seis
locais foram atingidos. O governo do país ainda afirma ter abatido cinco caças
indianos.
O
exército indiano afirmou que pelo menos dez pessoas foram mortas e outras 32
ficaram feridas por bombardeios paquistaneses em seu lado da fronteira.
Já o
Paquistão contabilizou 26 mortos e 46 feridos em ataques indianos ao longo da
zona que divide a região.
As
tensões entre os países, que possuem armas nucleares, aumentaram após um ataque
mortal realizado por militantes contra turistas indianos na cidade de Pahalgam,
que fica na região da Caxemira administrada pela Índia, no mês passado.
A Índia
afirma ter "evidências que apontam para o claro envolvimento de
terroristas externos baseados no Paquistão" no ataque. O Paquistão negou
qualquer ligação com o ocorrido.
A
Caxemira administrada pela Índia vive há décadas numa situação frágil e
instável, que já ceifou milhares de vidas.
Tanto a
Índia quanto o Paquistão reivindicam toda a Caxemira como território seu.
<><>
Semanas de tensão
A Índia
alegou estar agindo em retaliação ao ataque de 22 de abril que matou pelo menos
26 pessoas, a maioria turistas, próximo à pitoresca cidade de Pahalgam, na
parte Caxemira administrada pela Índia.
Militantes
abriram fogo contra visitantes no Vale do Baisaran, uma região de pradaria
muito procurada pela natureza.
Alguns
dos sobreviventes disseram que homens hindus foram alvos específicos dos
atiradores.
O
Paquistão negou envolvimento nos ataques, mas a polícia indiana alega que dois
dos quatro militantes suspeitos eram cidadãos paquistaneses.
As
forças de segurança indianas ainda estão no encalço dos suspeitos. O
primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, chegou a dizer que o país os
perseguiria "até os confins da Terra".
Desde a
tragédia, tanto a Índia quanto o Paquistão vinham anunciando medidas de
retaliação mútuas, incluindo o fechamento de fronteiras e a suspensão de um
tratado de compartilhamento de águas fluviais. Tropas de ambos os lados também
já haviam trocado tiros com armas de pequeno porte.
<><>
Operação Sindoor
Segundo
o governo indiano, os ataques acontecem no âmbito da "Operação
Sindoor" e miram a infraestrutura ligada ao terrorismo no Paquistão e na
Caxemira administrada pelo Paquistão, onde ataques terroristas contra a Índia
teriam sido planejados.
"Nossas
ações foram focadas, ponderadas e não tiveram a intenção de escalar. Nenhuma
instalação militar paquistanesa foi atacada. A Índia demonstrou considerável
contenção na seleção de alvos e no método de execução", afirmou o governo
indiano um comunicado.
Um
porta-voz militar paquistanês disse que Islamabad "responderá no momento e
local de sua escolha".
"Todos
os nossos caças estão no ar. Este é um ataque vergonhoso e covarde realizado a
partir do espaço aéreo indiano", acrescentou o porta-voz.
A Índia
acusa o Paquistão de apoiar o terrorismo transfronteiriço, algo que o governo
paquistanês nega.
A
Caxemira, uma região montanhosa ao sul do Himalaia, tem sido alvo de um longo
conflito — e duas guerras — entre as duas potências nucleares.
Os
problemas começaram em 1947, com a partição da região do sul da Ásia até então
colonizada pelo Reino Unido em dois países, o Paquistão e a Índia.
O
antigo principado da Caxemira ficou de fora da divisão e desde então tem sido
disputado por ambas as nações (saiba mais a seguir).
<><>
Reação internacional
Questionado
sobre os ataques entre Índia e Paquistão, o presidente dos EUA, Donald Trump,
lamentou o ocorrido
Ele
disse que só soube dos últimos acontecimentos quando estava entrando no Salão
Oval, na Casa Branca, em Washington.
"Só
espero que isso acabe logo", acrescentou Trump.
O
Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou no X (o antigo Twitter) que
monitora a situação de perto.
Hoje, a
embaixada indiana nos EUA informou que o Conselheiro de Segurança Nacional da
Índia, Ajit Doval, conversou com Rubio "e o informou sobre as medidas
tomadas".
Rubio
disse que concordava com os comentários do presidente dos EUA e espera que
"isso termine rapidamente".
Ele
também afirmou que continuaria a dialogar com as lideranças indianas e
paquistanesas "para uma resolução pacífica".
Um
porta-voz do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou
estar "muito preocupado com as operações militares indianas".
"Ele
[Guterres] pede a máxima contenção militar de ambos os países. O mundo não pode
se dar ao luxo de um confronto militar entre a Índia e o Paquistão."
<><>
'Escalada dramática'
Anbarasan
Ethirajan, editor de Sudeste Asiático do Serviço Mundial da BBC, classifica a
situação como uma "escalada dramática" e lembra que os dois rivais
têm armas nucleares.
"Embora
houvesse expectativas de que a Índia pudesse lançar algum tipo de ação militar,
a intensidade dos ataques com mísseis dentro do Paquistão surpreendeu
muitos", escreve ele.
"A
Índia afirma que alguns dos locais bombardeados estavam ligados a militantes, e
que eles não tinham como alvo instalações militares paquistanesas. O Paquistão
prometeu retaliação, e a natureza e os alvos dessa retaliação determinarão a
contra-reação de Delhi."
"Ambos
os países acreditam que podem administrar a escalada, mas as tensões estão
altas e é difícil prever o curso de qualquer conflito militar."
Ethirajan
destaca que, no passado, os EUA e outros países intervieram para conter as
tensões na região.
"Com
o foco do governo Trump desviado a outras questões globais, resta saber com que
rapidez Washington intervirá para apaziguar a situação. Líderes políticos em
ambos os países vão querer mostrar ao público que agiram de forma decisiva e
reivindicar a vitória", analisa o editor.
Já
Jeremy Bowen, editor de Internacional da BBC, pontuou que Índia e Paquistão
sabem o que está em jogo numa retomada do conflito.
"Será
necessário um grande esforço diplomático para impedir que as tensões se
intensifiquem", antevê ele.
<><>
Histórico de conflitos
Desde a
criação dos Estados em 1947, a Índia e o Paquistão travaram múltiplas guerras —
a maioria centrada na Caxemira.
A
primeira eclodiu poucos meses após a fundação dos dois países, e terminou num
cessar-fogo mediado pela ONU em 1949.
A
região foi dividida, mas as duas nações continuaram a reivindicar controle
total do território.
Em
1965, o conflito foi retomado quando as forças paquistanesas cruzaram para a
Caxemira administrada pela Índia, o que gerou a ferozes batalhas terrestres e
aéreas.
Em
1971, a guerra eclodiu no Paquistão Oriental, onde a Índia apoiava as forças de
independência, o que levou à criação de Bangladesh.
O
conflito de Kargil, em 1999, viu tropas paquistanesas infiltrarem-se na
Caxemira administrada pela Índia. Foi o primeiro confronto entre os rivais com
armas nucleares, o que gerou um alarme global.
Nos
últimos anos, as tensões aumentaram após ações de grupos militantes: a Índia
lançou "operações cirúrgicas" em 2016 após um ataque em Uri e
realizou ações militares perto de Balakot em 2019, após um bombardeio em
Pulwama.
O
Paquistão respondeu com incursões aéreas, o que marcou uma das escaladas mais
perigosas em duas décadas.
Fonte: BBC News

Nenhum comentário:
Postar um comentário