quinta-feira, 8 de maio de 2025

3 questões para entender o conflito entre Índia e Paquistão e o papel da Caxemira na disputa

O ataque com mísseis da Índia ao Paquistão nas primeiras horas de 7 de maio é o episódio mais recente de um longo conflito com raízes que remontam a mais de sete décadas.

Até 1947, a Índia e o Paquistão faziam parte do mesmo território sob o domínio colonial britânico.

Quando a Índia declarou independência, o território foi dividido em duas partes: uma com maioria muçulmana (o Paquistão) e outra com maioria hindu (a Índia).

Foi um processo que desencadeou uma onda de violência que deixou aproximadamente um milhão de mortos e 15 milhões de refugiados. As consequências desse episódio se estendem até hoje.

Um novo capítulo desse conflito aconteceu na quarta-feira (7/5), quando a Índia lançou ataques contra vários alvos no Paquistão.

Caxemira, onde ocorreram alguns dos bombardeios, é o centro da discordância entre os dois países.

A seguir, explicamos em três pontos as origens do conflito, que é de particular preocupação para o mundo porque envolve duas nações com armas nucleares.

>>>> 1. Por que a divisão aconteceu?

Em 1946, a Grã-Bretanha anunciou que concederia a independência à Índia.

O país não conseguia mais arcar com o domínio sobre o país e queria sair o mais rapidamente possível da região.

O último vice-rei, Lord Louis Mountbatten, marcou a data para 15 de agosto de 1947.

Naquela época, a população da Índia era aproximadamente 25% muçulmana. O restante era sobretudo hindu. Mas havia também sikhs, budistas, cristãos e membros de outras religiões minoritárias.

"Os britânicos usaram a religião como uma forma de dividir as pessoas na Índia em categorias", diz a professora Navtej Purewal, membro indiana do Conselho de Pesquisa em Artes e Humanidades (AHRC, na sigla em inglês) do governo britânico.

"Por exemplo, eles criaram listas separadas de eleitores muçulmanos e hindus para eleições locais. Havia cadeiras reservadas para políticos muçulmanos e cadeiras reservadas para hindus. A religião se tornou um fator na política."

"Quando parecia provável que a Índia obteria a independência", diz Gareth Price, do instituto de política externa Chatham House, com sede no Reino Unido, "muitos indianos muçulmanos ficaram preocupados em viver em um país governado por uma maioria hindu".

"Eles pensaram que seriam oprimidos", afirma ele.

"E começaram a apoiar líderes políticos que faziam campanha por uma pátria muçulmana separada."

Mahatma Gandhi e Jawaharlal Nehru, líderes do movimento de independência, disseram que queriam uma Índia unida que abraçasse todas as religiões.

No entanto, Muhammad Ali Jinnah, líder da Liga Muçulmana, exigiu a divisão como parte do acordo de independência.

"Teria levado muito tempo para chegar a um acordo sobre como uma Índia unida funcionaria", diz Price.

"A divisão parecia ser uma solução rápida e simples."

>>>> 2. Quanto sofrimento a divisão causou?

As novas fronteiras entre a Índia e o Paquistão foram traçadas em 1947 por um funcionário público britânico, Cyril Radcliffe.

Ele dividiu o subcontinente indiano a grosso modo em uma parte central e sul, onde os hindus eram maioria, e duas partes no noroeste e nordeste, em que os muçulmanos eram maioria.

No entanto, havia comunidades hindus e muçulmanas espalhadas por toda a Índia britânica. Isso fez com que, após a divisão, aproximadamente 15 milhões de pessoas se deslocassem — muitas vezes centenas de quilômetros — para cruzar as fronteiras recém-criadas.

Em muitos casos, as pessoas foram expulsas de suas casas pela violência comunitária. O primeiro exemplo disso foram os chamados Assassinatos de Calcutá de 1946, no qual cerca de 2 mil pessoas foram mortas.

"A Liga Muçulmana formou milícias, assim como grupos hindus de direita", conta Eleanor Newbigin, professora de história do Sul da Ásia na Universidade SOAS, em Londres.

"Grupos terroristas expulsaram as pessoas de suas vilas para obter mais controle do seu próprio lado."

Estima-se que entre 200 mil e um milhão de pessoas foram assassinadas ou morreram em decorrência de doenças em campos de refugiados.

Dezenas de milhares de mulheres, tanto hindus quanto muçulmanas, foram estupradas, sequestradas ou desfiguradas.

>>>> 3. Quais foram as consequências da divisão?

Desde a divisão, a Índia e o Paquistão disputam quem tem o controle sobre a província da Caxemira.

Eles travaram duas guerras por causa disso (em 1947-1948 e em 1965), e também entraram em confronto na crise de Kargil, em 1999, na Caxemira.

Ambos os países reivindicam a província como sua — e atualmente administram diferentes partes dela.

Os dois países também se enfrentaram em 1971, quando a Índia interveio para apoiar o Paquistão Oriental (agora Bangladesh) em sua guerra de independência contra o Paquistão.

Menos de 2% da população do Paquistão é hoje hindu.

"O Paquistão se tornou cada vez mais islâmico, em parte porque grande parte de sua população é agora muçulmana, e há muito poucos hindus lá", diz Price.

"E a Índia está agora mais sob a influência do nacionalismo hindu."

"O legado da divisão é perturbador", avalia Newbigin.

"Criou maiorias religiosas poderosas em ambos os países. As minorias se tornaram menores e mais vulneráveis ​​do que eram antes."

A divisão poderia ter sido evitada, segundo a professora Navtej Purewal.

"Poderia ter sido possível em 1947 criar uma Índia unida. Poderia ter sido uma federação de estados, incluindo estados em que os muçulmanos eram a maioria", diz ela.

"Mas Gandhi e Nehru insistiram em ter um Estado unificado, controlado a partir do centro. Eles, na verdade, não consideraram como uma minoria muçulmana poderia viver nesse tipo de país."

¨      O que se sabe do ataque da Índia lança contra o Paquistão

Índia afirma ter lançado ataques com mísseis contra nove locais no Paquistão e na Caxemira administrada pelo Paquistão. Moradores foram acordados por enormes explosões.

O governo indiano afirmou que a ação militar focou na "infraestrutura terrorista" de maneira "focada, comedida e sem escalada", e acrescentou que não atingiu nenhuma instalação militar paquistanesa.

O Paquistão classificou o ataque de "covarde" e detalhou que seis locais foram atingidos. O governo do país ainda afirma ter abatido cinco caças indianos.

O exército indiano afirmou que pelo menos dez pessoas foram mortas e outras 32 ficaram feridas por bombardeios paquistaneses em seu lado da fronteira.

Já o Paquistão contabilizou 26 mortos e 46 feridos em ataques indianos ao longo da zona que divide a região.

As tensões entre os países, que possuem armas nucleares, aumentaram após um ataque mortal realizado por militantes contra turistas indianos na cidade de Pahalgam, que fica na região da Caxemira administrada pela Índia, no mês passado.

A Índia afirma ter "evidências que apontam para o claro envolvimento de terroristas externos baseados no Paquistão" no ataque. O Paquistão negou qualquer ligação com o ocorrido.

A Caxemira administrada pela Índia vive há décadas numa situação frágil e instável, que já ceifou milhares de vidas.

Tanto a Índia quanto o Paquistão reivindicam toda a Caxemira como território seu.

<><> Semanas de tensão

A Índia alegou estar agindo em retaliação ao ataque de 22 de abril que matou pelo menos 26 pessoas, a maioria turistas, próximo à pitoresca cidade de Pahalgam, na parte Caxemira administrada pela Índia.

Militantes abriram fogo contra visitantes no Vale do Baisaran, uma região de pradaria muito procurada pela natureza.

Alguns dos sobreviventes disseram que homens hindus foram alvos específicos dos atiradores.

O Paquistão negou envolvimento nos ataques, mas a polícia indiana alega que dois dos quatro militantes suspeitos eram cidadãos paquistaneses.

As forças de segurança indianas ainda estão no encalço dos suspeitos. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, chegou a dizer que o país os perseguiria "até os confins da Terra".

Desde a tragédia, tanto a Índia quanto o Paquistão vinham anunciando medidas de retaliação mútuas, incluindo o fechamento de fronteiras e a suspensão de um tratado de compartilhamento de águas fluviais. Tropas de ambos os lados também já haviam trocado tiros com armas de pequeno porte.

<><> Operação Sindoor

Segundo o governo indiano, os ataques acontecem no âmbito da "Operação Sindoor" e miram a infraestrutura ligada ao terrorismo no Paquistão e na Caxemira administrada pelo Paquistão, onde ataques terroristas contra a Índia teriam sido planejados.

"Nossas ações foram focadas, ponderadas e não tiveram a intenção de escalar. Nenhuma instalação militar paquistanesa foi atacada. A Índia demonstrou considerável contenção na seleção de alvos e no método de execução", afirmou o governo indiano um comunicado.

Um porta-voz militar paquistanês disse que Islamabad "responderá no momento e local de sua escolha".

"Todos os nossos caças estão no ar. Este é um ataque vergonhoso e covarde realizado a partir do espaço aéreo indiano", acrescentou o porta-voz.

A Índia acusa o Paquistão de apoiar o terrorismo transfronteiriço, algo que o governo paquistanês nega.

A Caxemira, uma região montanhosa ao sul do Himalaia, tem sido alvo de um longo conflito — e duas guerras — entre as duas potências nucleares.

Os problemas começaram em 1947, com a partição da região do sul da Ásia até então colonizada pelo Reino Unido em dois países, o Paquistão e a Índia.

O antigo principado da Caxemira ficou de fora da divisão e desde então tem sido disputado por ambas as nações (saiba mais a seguir).

<><> Reação internacional

Questionado sobre os ataques entre Índia e Paquistão, o presidente dos EUA, Donald Trump, lamentou o ocorrido

Ele disse que só soube dos últimos acontecimentos quando estava entrando no Salão Oval, na Casa Branca, em Washington.

"Só espero que isso acabe logo", acrescentou Trump.

O Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou no X (o antigo Twitter) que monitora a situação de perto.

Hoje, a embaixada indiana nos EUA informou que o Conselheiro de Segurança Nacional da Índia, Ajit Doval, conversou com Rubio "e o informou sobre as medidas tomadas".

Rubio disse que concordava com os comentários do presidente dos EUA e espera que "isso termine rapidamente".

Ele também afirmou que continuaria a dialogar com as lideranças indianas e paquistanesas "para uma resolução pacífica".

Um porta-voz do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou estar "muito preocupado com as operações militares indianas".

"Ele [Guterres] pede a máxima contenção militar de ambos os países. O mundo não pode se dar ao luxo de um confronto militar entre a Índia e o Paquistão."

<><> 'Escalada dramática'

Anbarasan Ethirajan, editor de Sudeste Asiático do Serviço Mundial da BBC, classifica a situação como uma "escalada dramática" e lembra que os dois rivais têm armas nucleares.

"Embora houvesse expectativas de que a Índia pudesse lançar algum tipo de ação militar, a intensidade dos ataques com mísseis dentro do Paquistão surpreendeu muitos", escreve ele.

"A Índia afirma que alguns dos locais bombardeados estavam ligados a militantes, e que eles não tinham como alvo instalações militares paquistanesas. O Paquistão prometeu retaliação, e a natureza e os alvos dessa retaliação determinarão a contra-reação de Delhi."

"Ambos os países acreditam que podem administrar a escalada, mas as tensões estão altas e é difícil prever o curso de qualquer conflito militar."

Ethirajan destaca que, no passado, os EUA e outros países intervieram para conter as tensões na região.

"Com o foco do governo Trump desviado a outras questões globais, resta saber com que rapidez Washington intervirá para apaziguar a situação. Líderes políticos em ambos os países vão querer mostrar ao público que agiram de forma decisiva e reivindicar a vitória", analisa o editor.

Já Jeremy Bowen, editor de Internacional da BBC, pontuou que Índia e Paquistão sabem o que está em jogo numa retomada do conflito.

"Será necessário um grande esforço diplomático para impedir que as tensões se intensifiquem", antevê ele.

<><> Histórico de conflitos

Desde a criação dos Estados em 1947, a Índia e o Paquistão travaram múltiplas guerras — a maioria centrada na Caxemira.

A primeira eclodiu poucos meses após a fundação dos dois países, e terminou num cessar-fogo mediado pela ONU em 1949.

A região foi dividida, mas as duas nações continuaram a reivindicar controle total do território.

Em 1965, o conflito foi retomado quando as forças paquistanesas cruzaram para a Caxemira administrada pela Índia, o que gerou a ferozes batalhas terrestres e aéreas.

Em 1971, a guerra eclodiu no Paquistão Oriental, onde a Índia apoiava as forças de independência, o que levou à criação de Bangladesh.

O conflito de Kargil, em 1999, viu tropas paquistanesas infiltrarem-se na Caxemira administrada pela Índia. Foi o primeiro confronto entre os rivais com armas nucleares, o que gerou um alarme global.

Nos últimos anos, as tensões aumentaram após ações de grupos militantes: a Índia lançou "operações cirúrgicas" em 2016 após um ataque em Uri e realizou ações militares perto de Balakot em 2019, após um bombardeio em Pulwama.

O Paquistão respondeu com incursões aéreas, o que marcou uma das escaladas mais perigosas em duas décadas.

 

Fonte: BBC News 

 

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