'Partido de Francisco' escolherá próximo
papa? O que se sabe sobre as divisões no conclave
A
escolha do sucessor do papa Francisco é uma decisão
política, ainda que cumpra ritos religiosos e seja resultado de uma eleição na
qual os votantes são um seleto grupo de sacerdotes eminentes que, segundo a
doutrina da Igreja Católica, agem por inspiração
divina. Para que o novo pontífice seja anunciado, é preciso que os diferentes
grupos de cardeais que formam o chamado conclave, todos com seus
interesses diversos, firmem alianças e acordos ao longo do processo. Quando os
135 cardeais eleitores — aqueles com até 80 anos têm direito a voto — estiverem
fechados na Capela Sistina, começarão as
sessões de votação e algumas convergências e muitas discordâncias já estarão
consolidadas, quer nas reuniões prévias ou em contatos informais nas últimos
dias, semanas e até meses.
Na
reunião secreta que deve começar entre os dias 6 e 11 de maio, outras posições
serão construídas, sobretudo após a apuração de cada rodada de votação. No
conclave, o papa só é eleito quando dois terços dos eleitores chegam a um mesmo
nome e, enquanto isso não acontece, há momentos em que a palavra está aberta
para reflexões e debates entre os cardeais, chamados purpurados, uma
referências às suas vestimentas vermelhas. "Como o papa estava muito
enfermo e idoso, é normal que os participantes do conclave já estivessem
conversando discretissimamente sobre possíveis sucessores e realizando
sondagens, obviamente orais", aposta o teólogo, filósofo e jornalista
Domingos Zamagna, professor na Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP) e
na Faculdade São Bento, em entrevista à BBC News Brasil. "Mas não costumam
deixar transparecer esses bastidores do poder eclesiástico", completa,
ressaltando que alguns "fornecem pequenos indícios a amigos e
colaboradores mais íntimos".
"Francisco
tinha o desejo de que o futuro papa fosse alinhado a ele. E isso não é um
desejo personalista, mas o desejo de uma tendência", diz à BBC News Brasil
o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade
Presbiteriana Mackenzie. "Ele preparou, no campo da política, as mudanças
no colégio de cardeais para que o vento das mudanças continuasse depois da sua
morte." Entender a sucessão como um jogo de facetas partidárias não é
unanimidade.
O
sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, editor do jornal O São Paulo, da
Arquidiocese de São Paulo, discorda da visão do conclave como uma disputa
meramente política. "Imaginar [o processo] como uma grande assembleia onde
os deputados escolhem o seu presidente […] não é adequado", frisa ele, à
BBC News Brasil. Na sua visão, os cardeais buscam um consenso para a
"proposta eclesial" mais urgente para o mundo atual. E, ao analisar o
cenário, ele vê duas linhas: de um lado, "a grande demanda dos setores
conservadores"; de outro "a necessidade de uma igreja mais
acolhedora, mais capaz de amar os excluídos, os que mais sofrem, os que se
sentem injustiçados e marginalizados". "Eu não acredito que a gente
possa pensar o processo sucessório para o papa como uma questão de linhas ou de
partidos, de estarem filiados, não estarem filiados, estarem juntos numa mesma
estratégia ou não. Não é por aí que as coisas andam", justifica ele.
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Sucessor natural?
Considerando
que, dentre os 135 eleitores atuais, 108 foram indicados pelo próprio papa
Francisco, é natural imaginar que o "partido de Francisco" seja o
mais forte no conclave. Mas esse partido existe de fato?
Não há
consenso entre especialistas e religiosos da hierarquia católica, quer seja
porque nem todos os nomeados pelo pontífice morto em 21 de abril eram alinhados
a ele, quer seja porque rejeitem que a escolha passa por critérios apenas
políticos e circunstanciais. "O que não sabemos é se os cardeais agora
serão fiéis ao seu projeto iniciado há 12 anos. Porque o mundo mudou nesses 12
anos. A Igreja avançou, mas, por outro lado, os reacionários também colocaram
suas manguinhas de fora", diz Moraes.
E há
nuances a serem observadas. Embora despontem nomes muito alinhados a ele, como
é o caso do italiano Matteo Maria Zuppi ou mesmo do filipino Luis Antonio
Tagle, especialistas concordam que Francisco não deixou um único sucessor
natural — nos corredores da Santa Sé, Bento 16 (1927-2022), por exemplo, era há
muito visto como o sucessor de João Paulo 2º (1920-2005), pela proeminência
adquirida durante o pontificado deste. "Francisco nomeou mais cardeais
[dentre os eleitores atuais] do que os papas anteriores. Isso haverá de influir
na sucessão", pontua Zamagna. "Mas não vejo o papa maquiavelicamente
planejando a sucessão como num tabuleiro de xadrez. Ele fez o que achou que
devia ser feito, nunca foi de seu feitio querer enquadrar as pessoas, pensando
sempre no bem da Igreja e dos povos."
Professora
na Universidade Lusófona, em Portugal, e autora do recém-lançado livro Cristianismo
no Feminino, a antropóloga e historiadora Lidice Meyer Pinto Ribeiro
ressalta à BBC News Brasil que "era a esperança de Francisco que seu
sucessor mantivesse suas reformas e as levasse mais adiante". Mas nem só
de "partido de Francisco" vive a Igreja atual. Ela nota que a
instituição milenar "acha-se dividida em um grupo conservador
contrário" às medidas implementadas nos últimos anos.
O
teólogo e escritor Frei Betto, frade dominicano, vê com cautela e chama de
"imprevisível" o cenário. Para ele, "nem todos os cardeais
escolhidos por Francisco são progressistas" e isso ocorreria também porque
o papa não adotou um critério de escolha "pensando em sua sucessão". "O
critério foi dotar as várias regiões do planeta de bispos revestidos das
insígnias de cardeais, título meramente honorífico", afirma ele, à BBC
News Brasil. Betto diz que o papa argentino "também nomeou cardeais
conservadores". E ele teria feito isso pela convicção de que era
importante respeitar "o consenso dos bispos locais". "Jamais
nomearia um progressista para um país de episcopado majoritariamente
conservador", explica.
O
sociólogo Ribeiro Neto também salienta que o critério de Francisco para a
escolha dos cardeais "não parece ter sido a linha pastoral, mas, sim, a
ideia de descentralização em relação a uma igreja que foi inicialmente
italianocêntrica, e depois eurocêntrica". Quando Francisco se tornou papa,
eram 28 os cardeais italianos. Hoje são 17. "Foi o país que mais perdeu
representantes", nota ele. "Ele não nomeou todos os cardeais à sua
imagem e semelhança", concorda Moraes. "Francisco respeitou o
trabalho de outras tendências."
Betto
dá como exemplos de conservadores nomeados por Francisco os casos do italiano
Marcello Semeraro, do chileno Fernando Natalio Chomali Garib e do peruano
Carlos Castillo Mattasoglio. A antropóloga Pinto Ribeiro elenca também nesse
rol o congolês Fridolin Ambongo Besungu. Dentre os nomeados para o cardinalato
por Bento 16, também são nomes fortes da oposição, como o americano Raymond Leo
Burke e o guineense Robert Sarah. O húngaro Péter Erdő é um raro remanescente
dos nomeados por João Paulo 2º.
A ala
chamada de conservadora da cúpula da Igreja pode ser pequena em número, mas é
bastante ruidosa. Entre os americanos, o cardeal Burke, considerado um dos
maiores críticos do papado do argentino, é visto como um dos líderes da
oposição. "Todos sabemos que houve e há cardeais que desaprovam a
renovação trazida por Francisco", diz Zamagna. Francisco sabia disso, é
claro. Tanto que, recentemente, despejou Burke de seu apartamento funcional no
Vaticano e afastou-o de algumas funções administrativas que ele tinha na Cúria
Romana. Esta foi a principal tática de Francisco para conseguir governar em
meio a dissonâncias: colocar amigos em posições-chave. E mexer os pauzinhos
para que seus detratores tivessem cada vez menos poder.
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O processo eleitoral
Mesmo
que os nomes alinhados a Francisco sejam a maioria, analistas entendem que se
um opositor despontar logo nas primeiras rodadas de votação e acabar
concentrando para si os votos de todos os que tiverem alguma discordância ao
modelo de Francisco, este papável tem chances de emplacar com um discurso de
mudança. Que, neste caso, significaria uma volta às tradições. "Francisco
enfrentou uma oposição que hoje tem apoio da extrema direita do mundo. Não há
dúvidas que muitos católicos estão torcendo para a volta de uma tendência mais
conservadora. Então esse conclave será muito interessante: dele sairá como a
Igreja Católica vai se posicionar nos próximos anos", afirma Moraes,
professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Pode haver uma
coalização reacionária em torno de algum nome de oposição? Pode",
acrescenta.
O
próprio papa Francisco contou, em sua autobiografia Esperança, lançada
recentemente, que o processo de escrutínio costuma ter uma primeira rodada
"de cortesia". "Vota-se em um amigo, em uma pessoa
respeitada…", relatou. Nesse sentido, é como se fosse uma homenagem, uma
deferência a alguém. "Então começa um mecanismo bastante conhecido e
consolidado: quando há vários candidatos fortes, os indecisos, como era o meu
caso, concedem seus votos a quem sabem que não vencerá. São substancialmente
votos 'em depósito', que aguardam o quadro se desenvolver e se desenrolar com mais
clareza", explicou ele, sobre os bastidores, contando sobre sua
experiência em 2013. No primeiro dia do conclave ocorre apenas uma votação. A
partir do segundo, são duas — uma de manhã, outra à tarde. Com base nas
apurações, alguns nomes acabam se fortalecendo mais do que outros. Até que há
uma imensa maioria depositando a confiança em um dos religiosos — e ele acaba
eleito.
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Peso brasileiro
Pelo
número de votantes, o Brasil terá um peso inédito nesta
eleição —
sete participantes; no último conclave, em 2013, eram cinco.
Com a
estratégia de Francisco de pulverizar as nomeações, é a primeira vez que a
Europa não tem a maioria dos votantes, de acordo com dados levantados pelo
teólogo Fernando Altemeyer Júnior, professor na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP) — há representantes eleitores de 71 países
diferentes no colégio cardinalício. "O número de países representados
quadruplicou [desde o início do século 20]", analisa Altemeyer Júnior.
Esse
processo de internacionalização foi iniciado por João 23 e prosseguiu com Paulo
6º e João Paulo 2º, mas foi intensificado no papado de Francisco. Altemeyer
observa que o argentino "equilibrou o colégio em relativas quatro partes
com número aproximado de eleitores". Por essa divisão feita pelo
professor, são 31 cardeais de várias partes do mundo atuando na Cúria Romana,
34 espalhados pela Europa, 30 espalhados pelas Américas e 40 no restante do
mundo.
A média
de idade dos cardeais eleitores é de 70,4 anos. São 18 representantes de 17
países africanos (13,34% do total), 53 eleitores de 18 países europeus (39,26%
do total), 23 votantes de 17 países asiáticos (17,03%), 37 oriundos de 15
países americanos (27,4%) e quatro cardeais de quatro países da Oceania
(2,97%). O Brasil é o terceiro país com mais eleitores no processo. Com sete
representantes, vem depois da Itália (17) e dos Estados Unidos (10). Na opinião
do jornalista e escritor argentino Luis Rosales, biógrafo do papa e autor do
livro Francisco: El Argentino Que Puede Cambiar El Mundo ("Francisco:
o argentino que pode mudar o mundo", em tradução livre), isso por dar ao
grupo brasileiros "um peso relativo" na decisão. Mas, se isso
ocorrer, deve significar mais a escolha em conjunto por um nome estrangeiro do
que a escolha de um brasileiro propriamente dito. "Vejo que há uma
intenção de dar uma representação, mais do que à América Latina, à África e à
Ásia", diz ele, à BBC News Brasil.
Frei
Betto tem opinião semelhante. "O Brasil não tem chance", crava.
"Também é um país 'do fim do mundo' [como Francisco costumava se referir
sobre sua origem argentina] e dificilmente seria escolhido um segundo
latino-americano [na sequência]", diz "Além disso, nenhum de nossos
cardeais se destaca com potencial de dirigir a Igreja Católica, […] não
distingo nenhum brasileiro papável", prossegue.
Em
geral, os especialistas entendem que o cardinalato brasileiro se manteve
alinhado a Francisco. Para Pinto Ribeiro, o grupo deve "favorecer a ala
progressista" no conclave, portanto. Ela lembra que, embora nenhum nome do
Brasil esteja despontando como favorito, "há algum apoio para dois"
deles: ex-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e
atual arcebispo de Salvador Sérgio da Rocha, primaz do Brasil; e o arcebispo de
Manaus Leonardo Ulrich Steiner, o primeiro cardeal
da Amazônia. "O Brasil tem um grande peso moral em qualquer
conclave", diz o sociólogo Ribeiro Neto. "Tem a maior população
católica do mundo. Isso sem dúvida confere um peso, uma certa respeitabilidade
dentro do conclave."
Ele
concorda que os "cardeais brasileiros têm uma certa unidade interna"
mas afirma que não se pode esperar "que eles votarão em bloco simplesmente
por serem todos brasileiros". "Eles votarão em bloco se de fato
houver um candidato que represente as aspirações deles. E que unifique as
aspirações deles", argumenta.
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Assembleia que elegerá o
novo Papa é bem mais 'global' do que a que elegeu o papa Francisco em 2013
Após
a morte do papa Francisco, na última
segunda-feira (21), um conclave mais diverso, com 133 cardeais, de 70
países diferentes, decidirá quem será o novo pontífice da Igreja Católica. “Temos a tendência a olhar para o conclave
como olharíamos para a eleição de presidente da Câmara [dos
Deputados]. Essa imagem não funciona, porque os cardeais são pessoas muito
independentes: cada um é como um ‘senhor feudal’ dentro da sua diocese”, afirma
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo especialista em religião e
ex-coordenador do departamento de fé e cultura da PUC-SP.
- Quantos países
estão representados?
Em
2013, no conclave que elegeu o papa Francisco, os cardeais haviam nascido em 48
países diferentes. Desta vez, são 71 nações representadas (Mongólia, Laos,
Papua-Nova Guiné e Mali, por exemplo, “estrearão” na assembleia). “Francisco
aumentou muito a proporção de cardeais que não são europeus nem
norte-americanos. E, nesses outros países, a Igreja Católica está mais
enfraquecida e minoritária. A tendência é que esses cardeais de fora da Europa
e dos EUA busquem uma opção de papa mais firme”, diz o especialista. “Os
africanos, por exemplo, provavelmente levarão mais em conta o sentido mítico:
qual opção dá mais confiança para a vida extremamente difícil que a população
leva? É um olhar diferente do europeu.”
O
historiador Gian Luca Potestà, professor da Universidade Católica de Sacro
Cuore, em Milão, afirma que a assembleia mais "global" reflete não só
a mudança no perfil dos fiéis ao redor do mundo, mas também o desejo do
Papa Francisco de valorizar igrejas locais engajadas com causas sociais e
políticas. E atenção: o conclave não deve ser interpretado como uma disputa
entre países. "Não se trata de um campeonato de futebol entre
nações", explica Potestà. "Mas é claro que a afinidade linguística e
cultural entre cardeais de uma mesma região pode influenciar nas articulações
internas."
- Quantos foram
indicados por cada papa?
Entre
os 133 votantes, a maioria (108) foi nomeada pelo papa Francisco. Outros 21
assumiram o cargo por escolha de Bento XVI, e quatro, por decisão de João Paulo
II.
➡️Mas, atenção: um cardeal indicado por
Francisco, por exemplo, não necessariamente votará em um candidato com a mesma
linha de atuação. “Nenhum membro deste conclave fez a carreira inteira só na
gestão do último papa, simplesmente porque ninguém vai de padre a cardeal em
apenas 12 anos. Tirando casos extremos, a maioria [dos votantes] tem sua
história construída pelos dois lados: de Francisco e de Bento”, explica o
sociólogo Ribeiro Neto. Exemplo: O brasileiro Odilo Scherer, que participará do
conclave, foi nomeado bispo em 2001 por João Paulo II e só se tornou cardeal em
2007, já durante o pontificado de Bento XVI.
- Qual é a faixa
etária dos votantes?
Apenas
os cardeais de até 80 anos podem votar. Na lista dos que vão fazer parte
do conclave, a idade média é de 69 anos. O representante mais jovem é o
ucraniano Mykola Bychok, de 45 anos, que atua na Austrália. E o mais velho é
Jean-Pierre Kutwa, de 79 anos, da Costa do Marfim.
🕊️Por que a votação não
é um 'Fla x Flu' de conservadores e progressistas?
No
noticiário de política, estamos acostumados a analisar um grupo de votantes sob
a ótica de seus posicionamentos ideológicos. No entanto, no caso do conclave
atual, dificilmente será esse o critério que pautará a decisão de cada cardeal.
“Existe uma polarização: um grupo vai querer radicalizar e acelerar as
propostas de Francisco, enquanto outro desejará um retrocesso do que foi
decidido pelo último papa. Mas esses extremos não têm força para decidir o
resultado. São grupos minoritários”, afirma Ribeiro Neto.
Abaixo,
veja o que é polêmico e avançou ou permaneceu com Francisco (os 5
primeiros pontos são mais progressistas, e os 2 últimos, mais conservadores):
- a acolhida
aos casais em situações consideradas irregulares (divorciados em
segunda união, convivendo sem estarem formalmente casados) e à comunidade
LGBTQI+;
- o acolhimento
dos mais pobres não por assistencialismo, mas como compromisso com a
transformação social;
- a maior
presença das mulheres nas instâncias decisórias da Igreja;
- a busca pela
sinodalidade em todos os níveis da instituição (maior participação de toda
a comunidade na tomada de decisões);
- a permissão
da missa em latim apenas com anuência do bispo (para evitar o
nascimento de “seitas” no interior da Igreja);
- a condenação
à “ideologia de gênero” (vista como uma propaganda ostensiva para que
as pessoas se assumissem como homossexuais);
- a manutenção
do sacerdócio católico romano nos termos atuais (celibatário e
restrito aos homens).
>>>>
Os mais conservadores querem:
- a condenação
explícita às situações “irregulares" (a acolhida só deve ser
permitida após uma “conversão dos costumes”);
- o cuidado
com os pobres apenas como uma política assistencialista, desvinculada da
transformação social.
- a menor
participação da comunidade na tomada de decisões, retomando uma Igreja
mais hierárquica;
- a volta ao
rito tridentino (pré-concílio, normalmente celebrado em latim) como
liturgia preferencial da Igreja;
- um menor
reconhecimento das religiões não católicas —permaneceria o diálogo,
mas considerando explicitamente que são crenças não verdadeiras
(atualmente, são vistas como manifestações imperfeitas da verdade).
Só que,
como explicado por Ribeiro Neto, os "extremos" são parcelas
minoritárias. Quem realmente deverá pautar o resultado é o
“Centrão” (usando uma analogia com a política brasileira): cardeais
moderados, com diferentes posicionamentos políticos. “Alguns vão ter um
compromisso maior com as relações homoafetivas, enquanto outros terão medo
desse tema. Mas, no conjunto, eles estão unidos pelo mesmo
objetivo: promover avanços cuidadosos, mantendo a unidade da Igreja”, diz
o docente. Essa mentalidade tem total relação com o contexto global. No
conclave que elegeu o papa Francisco, a crise era maior, e esperava-se alguém
que desse um caminho para a instituição. “Agora, ninguém vai querer inventar a
roda nem promover mudanças radicais. Por isso, as diferenças entre
progressistas e conservadores pouco importarão.”
⛪O que realmente vai pautar as escolhas
dos cardeais, então?
Serão
três pontos fundamentais:
- Abertura ou
resistência a riscos: cardeais mais prudentes, que promovam
uma continuidade ao que estava sendo feito por Francisco, devem levar
vantagem.
- Espiritualidade: tem maior
chance aquele candidato que demonstra ser mais espiritualizado e menos
“mundano”.
- Transparência: provavelmente,
aqui há um consenso, e todos devem defender decisões mais claras e abertas
dentro da instituição.
➡️É importante lembrar que a maioria dos
cardeais votantes não se conhece — com exceção dos que já têm algum cargo
no Vaticano, o restante não faz ideia do trabalho feito pelo seu colega em
outro país. Por isso, o momento do conclave em que os membros podem se
pronunciar é tão decisivo: será a oportunidade de cada um mostrar que tem a
capacidade de responder aos desafios atuais da Igreja. “É isso o que define o
voto de um cardeal. Todos estão procurando alguém que faça com que a igreja
universal seja mais tranquila. Se os votantes virem que um cardeal identifica
os mesmos problemas que eles próprios veem na instituição, essa pessoa terá
mais chances de ser eleita. Não é uma questão de votação ideológica ou
doutrinal. É de percepção”, diz o sociólogo. “Alguém precisaria terminar o
trabalho de Francisco. Ou seja, estão procurando um avanço seguro neste
momento. Mesmo quem fazia oposição ao papa sabe que reforçar as diferenças
seria algo danoso para a instituição que busca ser ‘Una Santa Católica’. A unidade
é importante.”
Para
Potestà, o desafio do próximo conclave será justamente encontrar este
equilíbrio. "Não acho que será eleito alguém que continue integralmente a
linha de Francisco, mas também não acredito que veremos alguém completamente
contrário a ele, como foi, em certos aspectos, o cardeal Müller, da
Alemanha", analisa. A tendência, diz o italiano, é por um nome que
"mitigue algumas das aberturas feitas, mas sem reverter totalmente a
direção do pontificado atual". "Na história da Igreja, já houve
movimentos de avanço e retrocesso. Mas, hoje, acho difícil um retorno ao
passado, principalmente pelo estilo que Francisco imprimiu à imagem da Igreja
no mundo."
Fonte: BBC News Brasil/g1

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