Fraude no INSS: associações autorizaram
desconto para o mesmo aposentado em um único dia
Investigações da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral
da União (CGU) identificaram que associações filiaram e autorizaram descontos
nos pagamentos para os mesmos aposentados em um único dia. Dois casos são
citados pelos investigadores como exemplo da irregularidade.
A ação faz parte de uma fraude no Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), segundo PF e CGU. Os desvios ocorreram entre
2019 e 2024 e podem chegar a R$ 6,3 bilhões, segundo as estimativas. A TV Globo
teve acesso aos documentos.
Os investigadores veem indícios de uma
"indústria de produção de termos de descontos ilegítimos" para filiar
os aposentados às entidades que faziam os descontos nas aposentadorias.
"A CGU identificou o envio, no mesmo
dia, de autorizações de desconto para o mesmo beneficiário por entidades
diferentes, indicando possível utilização indevida da informação cadastral dos
beneficiários", indica a investigação.
Um dos casos citados envolve um aposentado do
Piauí, que foi cadastrado no mesmo dia na Associação dos Aposentados e
Pensionistas Nacional (AAPEN) e na Associação de Assistência Social a
Pensionistas e Aposentados (Aaspa).
As duas entidades filiaram o idoso com fichas
cadastrais que contém o mesmo erro de grafia em um dos sobrenomes do aposentado
- duas letras "A" em vez de uma.
As inscrições dos aposentados como
beneficiários dos descontos associativos foram feitas por funcionários do INSS
que atuam na Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão.
Este é o setor da entidade responsável por
firmar e supervisionar os Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) entre as
associações de aposentados e o INSS.
De acordo com as investigações da PF e da
CGU, os suspeitos das fraudes em aposentadorias cobravam mensalidades
irregulares, descontadas dos benefícios de aposentados e pensionistas, sem a
autorização deles.
Ao todo, 11 entidades foram alvos de medidas
judiciais. Os contratos de aposentados e pensionistas com essas entidades foram
suspensos, segundo o ministro da CGU.
A CGU entrevistou uma amostra de 1.273
aposentados e pensionistas. A maioria — 97% dessa amostra — afirmou nunca ter
autorizado descontos em seus benefícios.
O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto,
foi demitido, e cinco servidores públicos foram afastados de suas funções.
A operação ocorreu em 13 estados e no
Distrito Federal, com 211 buscas e apreensões em 34 municípios. De acordo com
Lewandowski, foram apreendidos pela PF nesta manhã carros de luxo, joias, obras
de arte e dinheiro vivo.
• Entidades
filiaram sem autorização aposentados em cidades distantes até 957 km de suas
casas
Entidades suspeitas de praticarem descontos
irregulares em aposentadorias filiaram aposentados em associações de cidades
que ficam a até 957 km de distância de onde elas moravam. A informação chamou a
atenção da Polícia Federal (PF) sobre um golpe no Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS).
A investigação apontou que ocorreram
descontos irregulares de até R$ 6,3 bilhões em aposentadorias e pensões e a
Justiça Federal do Distrito Federal autorizou uma operação da Polícia Federal
contra fraudes no INSS. A TV Globo teve acesso aos documentos.
Entre as suspeitas está a Confederação
Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer): de 15 autorizações
apresentadas, 14 informavam que os aposentados e pensionistas contribuintes
estavam vinculados a sindicados ou associações localizados em cidades diferentes
da que residiam. As distâncias variavam de 34 km a 957 km.
A decisão diz que os investigadores acharam
"pouco provável que os aposentados, todos acima de 60 anos, se deslocariam
para outro estado para se associar a um sindicato ou associação distante,
inclusive pela dificuldade de contar com a assistência dessas entidades quando
precisassem".
<><> Viagens de 27 horas até as
entidades
Um dos exemplos fornecidos é o de um
aposentado de 78 anos, morador da cidade de Manacapuru (AM), que estaria
vinculado à Associação de Desenvolvimento Rural Família Feliz, sediada na
cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM) – cidades 957 km distantes uma da
outra.
Os investigadores apontam que uma viagem de
ônibus entre elas, que envolveria, ainda, o uso de táxi e barco, tem uma
duração prevista de, aproximadamente, 27h30min.
"É improvável que um aposentado de 78
anos fosse percorrer tamanha distância para se associar, assim como também é
improvável que funcionários da associação fossem percorrer tantos quilômetros
em busca de associados. E, ainda que a vinculação associativa exista, seria
muito difícil a prestação de quaisquer serviços pela entidade a tão longa
distância", diz o documento da Justiça Federal do DF.
Outra situação relatada no documento é a de
duas aposentadas que moram no município de Raposa (MA) entrevistadas pela
equipe da Controladoria-Geral da União (CGU). As duas negaram ter autorizado o
desconto e o vínculo com qualquer associação.
Segundo as autorizações de desconto
apresentadas pela Conafer, elas estariam associadas ao Sindicato dos Pescadores
Profissionais, Artesanais, Aquicultores, Criadores de Peixe e Trabalhadores na
Pesca do Município de São João do Caru, na cidade de mesmo nome no Maranhão,
que fica a 386 km de Raposa (MA).
"É pouco provável que tais aposentadas
fossem buscar vinculação e assistência sindical tão longe quando o município de
Raposa (MA), cidade do litoral maranhense, conta com sindicato de
pescadores", diz o documento da CGU.
A decisão aponta ainda exemplo de duas
aposentadas de Alagoas, que moravam nas cidades de Porto Real do Colégio e
Girau de Ponciano, respectivamente. Elas estariam vinculadas ao Sindicato
Intermunicipal dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais e
Patronal do Município de Cacimbinhas e Região Sertaneja, sediado na cidade de
Cacimbinhas, no Maranhão.
A distância entre a cidade de residência das
duas aposentadas até a sede do sindicato é de 138 km e 67 km, nesta ordem.
A investigação entrevistou o presidente do
Sindicado de São João do Caru, que disse que o sindicato é mantido pela
contribuição de trabalhadores ativos e que não há cobrança de aposentados e
pensionistas e que, apesar de estar vinculado à Conafer, não recebe
contribuições ou valores pecuniários da confederação.
• 742
mil aposentados apontaram descontos indevidos no 1º semestre de 2024
Um levantamento feito pela
Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que 742.389 beneficiários
registraram pedidos para cancelamento do desconto associativo no primeiro
semestre de 2024.
As reclamações foram feitas em canais de
atendimento do INSS.
Em 709 mil desses casos – 95,6% do total –,
os aposentados informaram que não haviam autorizado previamente o desconto
feito pelas associações direto da folha.
"O quantitativo de requerimentos de
exclusão de descontos de mensalidades associativas efetuados [...] sinalizam
que não é possível assumir como parâmetro balizador das decisões e ações sob a
responsabilidade do INSS a boa-fé, em especial considerando os reflexos diretos
no valor do benefício pago aos segurados do INSS em virtude da realização
desses descontos", afirmou a CGU.
Ao todo, essas associações registraram 6,54
milhões de beneficiários com algum percentual de desconto em folha. Ainda não
se sabe quantos desses foram vítimas de fraude.
Em julho de 2024, a CGU enviou para o
Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), à época presidido por
Alessandro Stefanutto, esses dados e outros documentos de uma auditoria feita
pelo órgão.
A controladoria pediu para a suspensão do
repasse de mensalidades de oito associações. Nenhuma providência foi tomada.
O levantamento feito pela Controladoria-Geral
da União foi utilizado como suporte para a realização da operação em conjunto
com a Polícia Federal e serviu de suporte para a decisão judicial de bloquear
os descontos das entidades.
• Entidades
que movimentaram R$ 663 milhões tinham 'representantes de fachada', diz CGU
Relatório da Controladoria-Geral da União
(CGU) divulgado nesta segunda-feira (28) aponta que três entidades associativas
– que movimentaram R$ 663 milhões entre os anos de 2019 e 2025 – tinham
"representantes de fachada".
As três entidades estão na lista das 11
investigadas pela CGU e pela Polícia Federal por suposta fraude com descontos
sem autorização de mensalidades associativas. Os descontos eram feitos em
pensões e aposentadorias pagas pelo INSS.
Segundo a CGU, as entidades e os valores
movimentados no período investigado são:
• Associação
dos Aposentados e Pensionistas Nacional (AAPEN) - R$ 270.837.348,47
• União
Nacional de Auxílio Aos Servidores Públicos (Unaspub) - R$ 233.274.586,45
• Associação
dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB) - R$ 159.242.344,69
Chamou a atenção dos investigadores que os
"representantes de fachada" – pessoas com procurações que davam a
elas amplos poderes para responder pelas entidades – eram homens e mulheres com
idade avançada ou de baixa renda, inclusive beneficiários de programas sociais,
como o Bolsa Família.
"As associações [suspeitas de
irregularidades] possuem presidentes com idade avançada, o que poderia
comprometer suas ações à frente da entidade, beneficiários de aposentadoria por
incapacidade permanente e/ou sem experiência empregatícia formal, o que pode
indicar eventual comprometimento da capacidade para gerenciamento das
entidades", afirmou a CGU.
O documento do órgão com os indícios de
irregularidades foi encaminhado, em julho de 2024, para o INSS para que fossem
tomadas as providências cabíveis sobre o caso.
Na semana passada, a Polícia Federal e a CGU
realizaram a Operação Sem Desconto, que apura um esquema que pode ter desviado
até R$ 6,3 bilhões de aposentadorias e pensões de beneficiários do INSS com as
chamadas "mensalidades associativas".
De acordo com as investigações, entidades que
supostamente representavam aposentados e pensionistas do INSS descontavam, de
forma indevida, uma parte do pagamento sem autorização dos beneficiários,
usando, por exemplo, assinaturas falsas.
Muitas entidades sequer tinham estrutura para
prestar serviços que afirmavam realizar.
<><> 'Confusão empresarial'
Também chamou a atenção dos investigadores o
que a CGU classificou como "confusão empresarial" entre duas
entidades investigadas: a mesma mulher, Cecília Rodrigues Mota, foi presidente
da AAPEN (antiga ABSP) e da AAPB ao mesmo tempo entre 29 de março de 2017 e 14
de fevereiro de 2020.
As associações também já funcionaram no mesmo
endereço, situado à Rua Pedro Borges nº 33, Palácio Progresso, Fortaleza (CE),
e, de forma concomitante, entre 14 de junho de 2016 e 17 de setembro de 2020.
"Tal relacionamento, assim como o
compartilhamento de endereço, sinalizam para a possibilidade de se tratar de
uma organização única, dividida para possibilitar ganhos de mercado", diz
o relatório da CGU.
Na operação da semana passada, Cecília Mota
foi alvo de mandado de busca e apreensão. O g1 busca contato com as entidades e
pessoas citadas nesta reportagem.
• PF
afirma que investigados em postos de chefia deram guarida ao esquema
A Polícia Federal afirmou à Justiça ter reunido
elementos que indicam que a direção do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) tomou medidas que acabaram garantindo a manutenção do esquema de
descontos indevidos de benefícios.
Relatório da PF obtido pela TV Globo afirmou
ainda que o fato de investigados ocuparem cargos de chefia conferia
"guarida à perpetuação dos descontos associativos ilícitos
praticados".
A partir dos elementos reunidos pelos
investigadores, a Justiça Federal determinou o afastamento do então presidente
do INSS, Alessandro Stefanutto, que estava no cargo desde 2023, e outros cinco
servidores da cúpula do instituto. Após a operação da PF, Stefanutto acabou
demitido.
As investigações reuniram diversas
declarações de Stefanutto ressaltando que não seria permitida a inclusão de
novos descontos de mensalidades associativas na folha de pagamentos do INSS em
2024, assegurando que seria feita checagem dos dados e tomadas outras
providências.
O relatório cita ainda que, em novembro de
2023, o INSS autorizou o desbloqueio em lote dos descontos associativos.
De acordo com a PF, o comando do INSS não
agiu dentro do protocolo. E cita, como elementos que deveriam ter barrado essa
autorização:
1. "reiteradas
manifestações da ocorrência de descontos indevidos";
2. "multiplicidade
de notícias veiculadas na imprensa acerca da ocorrência de descontos sem
autorização dos beneficiários";
3. acórdão
do Tribunal de Contas da União "requerendo a suspensão desses
descontos" até a adoção de biometria;
4. solicitações
efetuadas ao INSS para a exclusão de descontos associativos (conforme números
posteriormente registrados nos relatórios produzidos pela Controladoria-Geral
da União e pela Auditoria Geral do INSS);
5. solicitação
à unidade de auditoria interna do INSS para que apurasse as situações
veiculadas na mídia.
"[A despeito de tudo isso] Não foram
cumpridas, pela direção do INSS, as medidas preventivas preconizadas
normativamente".
Os investigadores dizem que "em direta
violação à previsão normativa e à realidade dos fatos, a direção do INSS atende
ao pleito solicitado pelas entidades e concretiza medida alternativa,
provisória, precária e transitória, sob a garantia do “compromisso” das
entidades de que seus sistemas estariam em aderência aos requisitos técnicos e
sem considerar o potencial e efetivo prejuízo aos beneficiários".
"A implementação da solução transitória
evidenciou riscos significativos, como a perpetuação de falhas nos processos de
averbação e a potencial continuidade de descontos indevidos, fatos que
ensejaram a suspensão cautelar dos descontos pelo INSS em abril de 2024".
A PF listou ainda uma série de repasses para
servidores do INSS em um amplo esquema de triangulação. As entidades
associativas, que recebiam valores dos descontos, faziam transferências para
empresas, que na sequência ficavam responsáveis por enviar para familiares dos
funcionários ou escritórios de advocacia. Há repasses de cifras milionárias.
"Não bastasse isso, foram apontadas
movimentações financeiras originadas nas entidades associativas e recebidas,
direta ou indiretamente, por servidores do INSS, em especial pela direção da
Autarquia, sem motivo razoável conhecido para tanto. Os crimes pelos quais os
agentes públicos estão sendo investigados, portanto, são diretamente ligados ao
exercício funcional, pois praticados no desempenho abusivo da função. São
crimes que trazem efeito deletério à reputação, à imagem e à credibilidade do
INSS".
A PF cita que há indícios suficientes da
prática dos crimes de corrupção passiva, inserção de dados falsos em sistema de
informações e violação de sigilo funcional, no âmbito do INSS, vinculados aos
descontos indevidos de contribuição associativa em benefícios de aposentados ou
pensionistas do RGPS.
Os investigadores classificaram o caso como
grave e disseram que há "dano e risco de reiteração de dano ao Estado e
aos beneficiários lesados do INSS".
"Portanto, é inaceitável que os
investigados, descambando para a ilegalidade, valham-se das relevantes funções
que o Estado lhes confiou para enriquecer ilicitamente, sobretudo quando
verificado concretamente que o cargo público teria sido utilizado para
viabilizar a empreitada criminosa".
• Sindicato
enviou R$ 26 milhões fracionados a 15 pessoas e empresas, aponta Coaf
A Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Agricultura (Contag) repassou a 15 pessoas e empresas R$ 26 milhões de maneira
fracionada. Foi o que apontou um relatório do Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) na investigação sobre as fraudes no INSS que,
segundo investigações iniciais, representam R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024.
O Coaf emitiu o relatório com base na
investigação da Polícia Federal. "Dentre as atipicidades, destacou-se a
movimentação incompatível com o faturamento cadastrado e o recebimento de
depósitos em espécie, de maneira fracionada, efetuados em terminais de
autoatendimento, onde não foi possível identificar depositantes", apontou
a PF.
A Polícia Federal (PF) investiga a Contag por
suspeita de descontos irregulares em aposentadorias e pensões. Entidades de
classe, como associações e sindicatos, firmavam Acordos de Cooperação Técnica
(ACTs) com o INSS e permitiam descontos de mensalidades associativas
diretamente na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS, sem
autorização dos beneficiários. Cerca de 97% dos beneficiários entrevistados não
autorizaram o desconto, segundo a Controladoria-Geral da União.
O desconto na folha de pagamentos do INSS em
favor de entidades é previsto em lei desde 1991. No entanto, de acordo com a
legislação, essa mensalidade só pode ser cobrada com autorização prévia dos
segurados. Caso concordem com o desconto, eles podem ter acesso a benefícios
como auxílio funerário, assistência odontológica e psicológica, consultoria
jurídica e academia.
<><> Posicionamento da Contag
A Contag afirmou que "reitera seu
respeito às instituições democráticas e o compromisso com a legalidade em todas
as suas ações".
A confederação declarou ainda que está à
disposição da Justiça para colaborar com as investigações em curso,
"defendendo a total transparência do processo investigativo e a apuração
devida dos fatos".
Fonte: g1/Brasil 247

Nenhum comentário:
Postar um comentário