Luís Nassif: Xadrez da ultradireita de Trump
e o fator Tarcisio de Freitas
Os Estados Unidos estão, na prática,
submetidos a um experimento ditatorial, com o presidente assumindo as funções
de monarca.
Vamos por partes.
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Peça 1 – o padrão da
ultradireita mundial
O governo Donald Trump é a comprovação
escarrada de que a ultradireita mundial – incluindo a brasileira de Jair
Bolsonaro e Tarcísio de Freitas – se vale do mesmo padrão desenhado por Steve
Bannon e, por aqui, divulgado por Olavo de Carvalho.
- Nacionalismo
exacerbado.
- Anti-imigração
- Questionamento
de todas as formas de regulação.
- Hostilidade
em relação a todos os organismos de defesa dos direitos individuais e
coletivos.
- Autoritarismo
e centralização de poder.
- Uso
estratégico da desinformação.
- Enfoque
na segurança e na defesa do armamentismo.
>>> O padrão se repete com a
ultradireita de todos os países:
<><> França — Rassemblement
National (RN) (antigo Front National, de Marine Le
Pen)
- Nacionalismo
forte:
“França para os franceses”, rejeição da imigração muçulmana.
- Ceticismo
europeu:
críticas pesadas à União Europeia.
- Costumes: defesa de
valores cristãos tradicionais.
- Segurança: propostas
duras contra crime e terrorismo.
<><> Itália — Fratelli d’Italia
(Irmãos da Itália) (Giorgia Meloni)
- Nacionalismo: “Deus, pátria
e família” é o lema.
- Anti-imigração: forte oposição
a fluxos migratórios vindos da África.
- Costumes: discurso
anti-LGBTQIA+ e defesa da “família tradicional”.
- Soberania: críticas
frequentes à União Europeia e ao “globalismo”.
<><> Estados Unidos — MAGA
Movement (Donald Trump e aliados)
- Nacionalismo: “America
First” como bandeira principal.
- Anti-imigração: muro na
fronteira com o México, política de tolerância zero.
- Anti-establishment: ataques
constantes à imprensa e instituições tradicionais.
- Autoritarismo: resistência a
investigações, tentativas de minar resultados eleitorais.
<><> Brasil — Aliança com
Bolsonaro / PL (Partido Liberal)
- Nacionalismo: discursos
fortes sobre soberania brasileira, Amazônia “não é de ninguém lá de fora”.
E seguidores usando o verde e amarelo e rezando pelo país, apesar de seu
líder bater continência para a bandeira americana.
- Costumes: oposição à
“ideologia de gênero” e defesa da família tradicional.
- Anti-imigração
e segurança:
discurso contra imigração ilegal e foco em “bandido bom é bandido morto”.
- Anti-elite: críticas a
ministros do STF e a políticos tradicionais.
<><> Polônia — Lei e Justiça
(PiS)
- Nacionalismo
católico:
defesa da identidade polonesa cristã.
- Ceticismo
europeu:
brigas com a União Europeia sobre Estado de Direito.
- Anti-imigração: recusa em
aceitar refugiados de países muçulmanos.
- Costumes: políticas
anti-LGBTQIA+ no nível municipal (“zonas livres de LGBT”).
<><> Hungria — Fidesz (Viktor
Orbán)
- Nacionalismo: “A Hungria
primeiro”.
- Anti-imigração: construção de
barreiras físicas nas fronteiras.
- Costumes: restrições a
direitos LGBTQIA+ e forte controle sobre a educação.
- Autoritarismo: concentração
de poder e controle sobre a imprensa.
>>>> O papel de Steve Bannon
Por trás dessa internacionalização, há o
papel central de Steve Bannon, que mantém conexões com Marine Le Pen (França),
Matteo Salvini (Itália), Viktor Orbán (Hungria), Santiago Abascal (Espanha), e
aliados de Bolsonaro (Brasil).
A divulgação se dá nas reuniões da CPAC
(Conservative Political Action Conference), que tem braços no Brasil e na
Hungria, e uma extensa rede de think tanks e portais de direita.
A estratégia é conhecida: a promoção dos
“pânicos morais”, como medo da imigração da “ideologia de gênero”, e do uso de
denúncias de corrupção contra adversários.
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Peça 2 – Trump e a
radicalização do modelo
Em muitos países, esses princípios se resumem
a discursos contra qualquer forma de organização moderna – incluindo os estados
nacionais. E valendo-se das táticas mais maliciosas.
O discurso anti-globalização, por exemplo,
atinge diretamente as organizações multilaterais, que têm, entre suas
atribuições, a defesa de direitos, mas também a articulação e a defesa dos
estados nacionais.
Atacam a globalização, as instituições
multilaterais, ao mesmo tempo em que reduzem radicalmente o poder de atuação do
Estado e das instituições constituintes da democracia: Universidades, mídia,
Justiça, políticas de inclusão etc. A ideia de pesos e contrapesos, que marca
as democracias modernas, é jogada no lixo. Chegando ao poder, o objetivo único
é o controle absoluto e o aprofundamento das desigualdades sociais e a
implantação do governo dos bilionários e poderosos.
É o que ocorre com o governo Donald Trump no
país que moldou o modelo democrático no século 20. Os Estados Unidos estão, na
prática, submetidos a um experimento ditatorial, com o presidente assumindo as
funções de monarca.
Na sexta-feira passada, a procuradora-geral
Pam Bondi, em memorando interno, decretou o fim do sigilo de fonte e da
proteção aos jornalistas. Disse que a mídia não deveria receber proteções de
sigilo de fonte. Apoia uma “imprensa independente e livre”, mas, porém,
contudo, todavia, o Departamento de Justiça investigará os registros
telefônicos dos repórteres e – atenção! – interrogará ou prenderá jornalistas
sempre que houver “divulgações não autorizadas que minem as políticas
governamentais e causem danos ao povo norte-americano”.
Ainda na semana passada, o governo Trump
ordenou a prisão de uma juíza que recorreu à Constituição americana para
impedir a deportação de um mexicano. A prisão foi feita pelo FBI. E o próprio
diretor do FBI, Kash Patei, acusou a juíza Hannah Dugan, do tribunal federal de
Milwaukee, no Wisconsin, de tentar obstruir a operação.
Os agentes do ICE (o departamento de
imigração) tinham um mandado administrativo de prisão. A juíza questionou a
validade do mandado e instruiu os agentes a procurarem o juiz-chefe do
Tribunal.
No futuro será reconhecida como uma heroína
da defesa da democracia, assim como a Universidade de Harvard. Agora, corre o
risco de ser condenada a 6 anos de prisão.
Repetiu-se um episódio de 2018, com a juíza
Shelley Joseph, do Tribunal Distrital do Estado de Massachusetts. Ela e um
oficial de justiça foram acusados de ajudar um imigrante indocumentado a escapar do
Tribunal Distrital de Newton, em Newton, Massachusetts, antes que um agente do
Serviço de Imigração e Alfândega pudesse detê-lo.
Promotores federais foram incumbidos de processá-la.
Posteriormente, já no governo Biden, ela foi inocentada.
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Peça 3 – O padrão da
mídia
Um dos principais componentes desse
fortalecimento da ultradireita brasileira é uma futura vítima: a imprensa,
encantada com o governador Tarcísio de Freitas e empenhada em uma campanha
diuturna de desmoralização do governo, em tudo similar à que precedeu o
impeachment de Dilma Rousseff.
Há várias maneiras de se mentir no
jornalismo. A mais óbvia é a notícia falsa. Outras maneiras são a definição
prévia do que se pretende, e a seleção dos fatos que se adequam a ela, as
manchetes que não refletem o conteúdo.
Estadão e Folha transformaram-se nos veículos
preferenciais desse jogo de desgaste da democracia, com a demonização diária do
governo Lula e do Supremo Tribunal Federal e a exaltação de Tarcísio de
Freitas.
As lições de Otávio Frias eram de um
jornalismo que ao menos aparentasse alguma isenção, abrindo espaço para ideias
divergentes – embora mantendo a partidarização da primeira página e dos
editoriais – e, com isso ampliando seu público e fortalecendo sua opinião.
O Estadão é historicamente parcial em relação
a Lula, mas não a ponto de colocar Carlos Andreazza e José Roberto Guzzo como
principais colunistas. O conservadorismo mais sólido de William Waack se perde
nesse meio.
Mas a intensidade da Folha, na manipulação
das notícias, espelha um sinal mais preocupante: a deterioração profunda na
qualidade do jornal. Caminha para se tornar um jornal inexpressivo.
Do mesmo grupo, a Uol pratica um jornalismo
de qualidade, abrindo espaço para opiniões divergentes e concentrando-se em
reportagens de bom nível, assim como O Globo, o Valor e a GloboNews.
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Peça 4 – o fator
Tarcísio
Tarcísio de Freitas tem todo o biotipo do
ultradireitista clássico.
- Nasceu
diretamente do militar-bolsonarismo.
- Eleito
governador de São Paulo, transformou a Polícia Militar em uma milícia
armada.
- Não
tem o menor pudor em privatizar empresas essenciais, sem nenhuma análise
dos efeitos sobre os consumidores.
- Propõe
a privatização das escolas.
- Investe
decididamente contra a ciência e contra o meio ambiente, colocando à venda
fazendas de pesquisa agronômica.
- Ameaçou
cortar 30% do orçamento da Fapesp e só
recuou devido à reação geral.
Ou seja, nenhuma política estruturante e uma
propensão sistemática para os grandes negócios com bens públicos. E age
estrategicamente. Não conseguiu, no início, avançar sobre as verbas da Fapesp e
das Universidades. Mas é tudo uma questão de melhoria da correlação de forças.
>>>> No período do governo
Bolsonaro, o tratamento à ciência foi similar:
- 2020: A verba do
FNDCT foi de R$ 5,7 bilhões, mas muitos desses recursos foram direcionados
para áreas fora da ciência, o que gerou protestos na comunidade
científica.
- 2021: O orçamento
para o FNDCT foi de cerca de R$ 4 bilhões, mas a maior parte foi
contingenciada, ou seja, retida pelo governo federal devido à necessidade
de ajuste fiscal.
- 2022: O fundo passou
a ser gerido de forma mais restritiva, com a comunidade científica
apontando a diminuição dos recursos como um obstáculo ao avanço da
pesquisa e inovação no Brasil.
Na tentativa de golpe de 8 de janeiro, a arma
central era a mobilização das Polícias Militares dos estados. Foi necessária
uma articulação do Procurador Geral da República e de procuradores estaduais,
decretando estado de emergência para, com isso, obrigar as tropas a
permanecerem nos quartéis.
Está aí o exemplo histórico do general
Olímpio Mourão Filho, comandante da 4a Região Militar, com sede em Juiz de
Fora, que colocou suas tropas em direção a Brasília, movimento decisivo para o
golpe contra Jango.
Alguém tem alguma dúvida sobre o
comportamento da PM paulista, sob o comando de Tarcísio de Freitas e do matador
Marco Antônio Derrite? Ainda está na memória o motim dos PMs de Fortaleza em
2020.
No ano passado, a PM paulista matou
760 pessoas.
A cada dia que passa, Derrite tem afastado coronéis legalistas e colocando no
comando policiais ligados ao BOPE (Batalhão
de Operações Policiais Especiais) com um largo histórico de violência.
O que seria a volta do bolsonarismo, com
Tarcísio de Freitas à frente?
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Peça 5 – os interesses
imediatos da frente pró-Tarcísio
Nada disso parece sensibilizar a mídia. A
expectativa de futuros grandes negócios à frente do governo federal, de uma
possível privatização da Petrobras, de uma destruição da estrutura de estado,
como Milei, de um suposto controle absoluto da economia pelo mercado, tudo isso
cria uma fantasia que contamina pessoas e veículos da imprensa de pouca visão.
Cria-se um clima de radicalização com
resultados previsíveis. Não se trata mais de encarar o governo
jornalisticamente, criticando o que consideram erro, admitindo os acertos, mas
entendendo que tudo faz parte do jogo democrático.
Claro que Lula erra, que o governo é
politicamente medíocre. Mas há um conjunto enorme de políticas de reconstrução
em andamento, em cima dos fundamentos da economia, seja na parte social,
tecnológica, econômica. E se esconde esses fatos, esconde-se a maneira como
Lula foi recebido no Japão, na China, os avanços da Nova Indústria Brasil, do
programa de transição energética, dos avanços dos projetos estruturantes. Essa
ignorância e má fé impede o aprimoramento de qualquer programa, porque a
crítica não visa aperfeiçoamentos, mas a destruição.
Voltou o jogo do delenda-Lula, em tudo
similar aos piores momentos da história, aos momentos que permitiram o advento
do autoritarismo mais opressivo. Não há diferenças expressivas entre a
ignorância das redes sociais e a linha editorial majoritária da mídia – com
alguns soluços de racionalidade.
O preço do subdesenvolvimento é a eterna
ignorância.
Fonte: Jornal GGN

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