Papa Francisco foi 1º pontífice não-europeu
em mais de mil anos — mas não foi o único
Nascido na Argentina como Jorge Bergoglio, o
papa Francisco foi o primeiro pontífice latino-americano e também o primeiro da
ordem dos jesuítas — mas ele não é o primeiro papa de fora da Europa.
Mas é preciso voltar mais de mil anos na
história para se achar outros papas não-europeus.
A começar pelo primeiro dos papas. São Pedro,
o apóstolo de Jesus que é considerado o primeiro papa da história, não era
europeu. Ele nasceu na província romana da Judeia, onde hoje fica o Oriente
Médio.
O sexto papa da Igreja Católica também veio
do Oriente Médio. O santo Evaristo era filho de um judeu grego, originário de
Belém, a cidade de Cristo, que fica hoje na Cisjordânia. Ele é tradicionalmente
considerado um mártir, mas não há documentação do evento. Acredita-se que ele
está sepultado no Vaticano, perto de São Pedro.
Mais de meio século depois, em 642, Teodoro
1º, nascido em Jerusalém, mas de origem grega, tornou-se papa.
Houve também pelo menos três papas nascidos
na África. O papa São Vítor nasceu no que hoje é conhecido como Léptis Magna,
na Tunísia.
Ele foi o 14° papa da história da Igreja
Católica e provavelmente viveu entre os anos de 155 e 199, tendo sido bispo de
Roma em sua última década de vida.
Seu pontificado foi marcado por algumas
modernizações no cristianismo, sobretudo na liturgia. A começar pelo idioma.
Ele estabeleceu que as missas deveriam ser celebradas em latim, não mais em
grego, como era o costume na época.
Essa mudança favorecia a inserção cristã no
meio romano, contribuindo para a consolidação de uma ocidentalização da
religião.
Ele também facilitou a prática do batismo,
estabelecendo que qualquer água, não necessariamente a água benta, poderia ser
utilizada no sacramento.
Outra mudança foi a celebração da Páscoa.
Dissociando-a completa e definitivamente da Páscoa judaica, Vitor determinou
que a festa ocorresse sempre em um domingo, "para marcar a ressurreição de
Cristo".
O papa Melquíades (311 a 314) era natural do
norte da África e assumiu o trono pontifício em Roma em 311. Sabe-se pouco
sobre sua figura histórica, mas é certo que Melquíades era filho de pais
africanos que imigraram para a Espanha e que ele sofreu com a perseguição de
Diocleciano e Maximiano.
Durante seu papado, o imperador romano
Constantino, O Grande publicou o Édito de Milão, que acabou com a perseguição
aos cristãos no império romano.
O terceiro papa nascido na África é Gelásio
1º (492-496). Gelásio provavelmente nasceu na região da Cabília, onde hoje é o
norte da Argélia. Quadragésimo-nono papa, viveu entre 410 e 496 e comandou a
Igreja nos seus últimos quatro anos de vida — após a queda do Império Romano.
Ele tem um papel fundamental no próprio
entendimento contemporâneo de que o bispo de Roma está, hierarquicamente, acima
de outros bispos. Foi também no pontificado de Gelásio que ficou estabelecido o
cânone das escrituras, ou seja, quais livros — hoje constantes na Bíblia —
poderiam ser considerados oficiais do cristianismo e quais mereceriam ser
chamados de apócrifos.
Pelo menos cinco papas vieram da região que
hoje é a Síria: Aniceto (154 a 166), João 5º (685 a 686), Sinísio (que foi papa
por apenas 20 dias, em 708, tendo sido eleito já idoso e doente), Constantino
(que foi seu sucessor, de 708 a 715) e São Gregório 3º (de 731 a 741).
Depois de Gregório 3º, o próximo papa
não-europeu seria Francisco, eleito no conclave de 2013.
Na história, foram 12 não europeus — contra
uma maioria esmagadora de 254 papas europeus. A Itália foi o país que mais teve
pontífices (217), seguido por França (16), Alemanha (6) e Grécia (4).
• Anfitrião
do papa Francisco no Brasil se prepara para 1º conclave e diz o que espera do
próximo pontífice
Arcebispo do Rio de Janeiro desde 2009, o
cardeal Orani João Tempesta, monge cisterciense nascido em São José do Rio
Pardo, no interior paulista, não figura nas listas de papáveis no conclave que
deve ocorrer nos próximos dias.
Mas nenhum de seus oponentes viveu a
experiência que para ele foi um grande mérito: ter sido o anfitrião do papa
Francisco na primeira viagem de seu pontificado.
Quando Francisco visitou o Rio de Janeiro em
julho de 2013, para a Jornada Mundial da Juventude que ocorreu ali, o papado do
argentino tinha um frescor que exalava novidade.
A espontaneidade e o carisma do recém-eleito
papa impressionavam um mundo que estava acostumado com uma certa sisudez do
Vaticano.
Confortavelmente acomodado em uma sala do
Colégio Pio Brasileiro, organização religiosa mantida pela Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) que se autointitula "um pedacinho do Brasil em
Roma", ele atendeu à reportagem da BBC News Brasil por chamada de vídeo no
fim da tarde de quinta-feira (24/4).
Frisou que não se vê como aspirante ao posto
máximo da Igreja e lembrou-se com carinho da convivência com Francisco.
Pareceu medir cuidadosamente as palavras
quando perguntando sobre o perfil que imagina ser o ideal para um papa no mundo
contemporâneo.
Mas deixou claro que espera uma continuidade,
ou seja, alguém alinhado ao perfil deixado pelo religioso argentino que morreu
na última segunda (21/4).
Caçula de nove filhos, Tempesta ingressou no
mosteiro de Nossa Senhora de São Bernardo, em sua cidade natal, São José do Rio
Pardo, em 1968. Ele tinha 17 anos.
Em 1974 foi ordenado sacerdote. Tornou-se
bispo em 1997, nomeado por João Paulo 2º (1920-2005). Assumiu a arquidiocese do
Rio, uma das mais importantes do Brasil, em 2009.
Foi Francisco quem o elevou ao cardinalato,
em fevereiro de 2014. Para muitos, ali estava um gesto de gratidão do argentino
pelos momentos felizes vividos em sua primeira viagem internacional, no Rio.
Nos próximos dias, Tempesta, que completa 75
anos em junho, participará de seu primeiro conclave.
LEIA A ENTREVISTA:
• Como
estão os preparativos para o conclave?
Tempesta - No primeiro momento, é oração pelo
repouso do Santo Padre [o papa Francisco]. […] Rezamos muito para que Deus
acolha sua alma no céu e sabemos que temos uma grande missão [a continuar], a
questão dos pobres e a simplicidade de Francisco, a proximidade com as pessoas,
a preocupação com a ecologia, com o meio ambiente, com nossa casa comum, a
preocupação também com o diálogo interreligioso, ecumênico, com a paz no mundo,
com as guerras que estamos vivendo… Enfim, tanta coisa…
Por isso deixamos nossos compromissos no Rio
de Janeiro e viemos logo no dia seguinte para cá, para Roma. Participamos da
segunda e da terceira congregação [as reuniões que os cardeais realizam
sistematicamente neste período]. […]
É a primeira vez que participo de um
conclave, fui criado cardeal já pelo papa Francisco. É sempre um momento de
orar, de pedir a Deus, já que em nossas mãos, em nosso grupo, está uma grande
responsabilidade: a de eleger o que Deus escolheu para papa, a presença da
Igreja na sociedade, no mundo, uma referência no mundo, não só para a Igreja,
para a sociedade. […]
Aos poucos [nas congregações], começamos a
falar um pouquinho sobre as preocupações maiores da Igreja no mundo de hoje.
Mas tudo ainda está no início.
Na verdade, as coisas vão acontecendo aos
poucos.
• No
mundo de hoje, quais seriam as características ideais de um papa? Que papa a
Igreja precisa ter?
Tempesta - Eu creio que [o modelo é] aquilo
que o papa Francisco viveu em suas viagens, encontros e acolhida. E realmente é
o que tem de ser levado para a frente como um legado: esse diálogo com a
sociedade, com as culturas, com os países, o diálogo com o mundo que está aí, o
diálogo interreligioso ecumênico, ou seja, a Igreja presente na sociedade. Papa
Francisco deu esse belo exemplo.
Assim foi sua vida. Ao mesmo tempo,
trabalhando com a Igreja. Ao falar para o mundo inteiro, que a Igreja possa
cada vez mais viver a sua missão cristã, ser aquela que transmite com Jesus
Cristo o mundo de hoje.
A gente sabe muito bem que a visão do papa
não é só dentro da Igreja, mas é uma missão que transmite muros e vai muito
mais para longe.
Sem dúvida, [precisamos de] alguém que
trabalhe intensamente pela Igreja, para a missão evangelizadora, para a
caminhada eclesial e, depois, também que tenha essa preocupação de poder ser
uma presença, uma referência para o mundo.
Nesses aspectos, o papa Francisco sempre
viveu intensamente. Acho que esse mesmo ritmo vai ser levado para a frente pelo
seu sucessor.
• Vivemos
em um contexto geopolítico que tem Donald Trump, Vladimir Putin, guerras,
polarização e extremismos. Qual será o papel do futuro papa neste mundo
tumultuado?
Tempesta - O papel de continuar pedindo pela
paz no mundo, para o entendimento entre os povos. É a missão da Igreja.
A Igreja sempre teve essa missão, de ir além
de seu trabalho interno, poder ser a Igreja em saída e tratar também das
preocupações com o mundo todo, já que o papa é uma liderança mundial e tem essa
grande responsabilidade de pedir, de falar nas suas homilias, que são ouvidas
mundo afora, que o mundo só tem a perder com as guerras, que nós somos chamados
a dar as mãos como irmãos e irmãs uns dos outros. […]
As políticas variam, por exemplo, o grupo
comandando a política no país A, B ou C, amanhã tem outro ao contrário, mas a
Igreja tem uma doutrina, tem Jesus Cristo que nos faz conviver com todos, em
todas as áreas e regiões, com o coração aberto. […]
Somos chamados a conviver em todas as várias
questões, com todos os políticos que têm seus interesses e seus pensamentos,
cumprindo bem a nossa missão: conviver, exortar, falar e levar adiante tudo o
que o evangelho nos ensina, que somos irmãos, somos chamados a viver em paz, a
ajudar o mundo a ser melhor e progredirmos todos juntos para o bem de todos.
• O
senhor se vê como o futuro papa?
Tempesta - Não, claro que não. Acho que vou
pedir a ação do Espírito Santo para poder escolher algum nome [para votar], vou
escutar meus irmãos cardeais que vão falando suas grandes preocupações e
realmente pedir a ação do Espírito Santo para que eu escolha bem. Mas eu não
estou na lista, não [dos papáveis], tranquilamente.
Quero voltar para casa e continuar minha vida
lá no Brasil.
• Mas
o cardeal Jorge Bergoglio não estava na lista dos favoritos em 2013…
Tempesta - É… Não estava… Não sei… São as
questões todas, mas eu creio que na minha parte não há nenhum desejo de assumir
essa grande missão. Que é realmente uma grande cruz, um grande sacrifício.
Temos de pedir a Deus que aquele que escolhermos seja realmente aquele que vai
levar para a frente essa bela e importante missão de poder ser presença da
Igreja no mundo de hoje.
• Quais
são suas principais lembranças do convívio com Francisco?
Tempesta - Foi um convívio muito bom. Tivemos
vários encontros [quando ele esteve no Rio em julho de 2013], passávamos
praticamente o dia inteiro juntos.
Tomávamos café da manhã, almoço e jantar… A
ida a Copacabana, o papamóvel, o helicóptero também… Aquilo era muito
agradável.
Tive a oportunidade de ver a proximidade do
papa, nas suas perguntas sobre o que estava acontecendo, qual era a programação
do dia, conversas sobre as questões todas do mundo, da sociedade. Trocávamos
ideias.
Uma das coisas que me marcou bastante foi
quando saíamos de helicóptero para Copacabana e ele, sempre que passávamos em
frente ao Cristo Redentor ele fazia uma oração, fazia o em-nome-do-pai. Ele
oferecia o seu trabalho, a sua missão que ia ser dali a pouco ao mundo inteiro
ao Cristo de braços abertos.
Depois, a sua espontaneidade: no papamóvel
deram um chimarrão para ele tomar e ele me ofereceu: "Quer tomar? Está
muito bom!"
Essas questões todas me chamaram a atenção
nesse convívio com o Santo Padre em todos esses dias no Rio. Depois, é claro,
tivemos os encontros aqui em Roma […]. Sempre pedia a bênção ao Rio de Janeiro
[…] e ele acabava nos reconhecendo muito bem e, claro, nos levou para o céu,
levou o Rio de Janeiro em seu coração.
• A
Igreja Católica enfrenta um cenário de perda de fiéis e avanço dos evangélicos.
O papa deve agir de que forma diante disso?
Tempesta - O papa tem uma grande missão
universal, tem todos os tipos de situações: lugares em que a Igreja vai bem,
caminha muito bem, o número de pessoas cada vez mais crescendo como as regiões
da África […]; regiões mais antigas como o caso da Europa, em que há o cansaço
de algumas coisas; um lugar mais estabilizado como é o caso das Américas.
Mas as Américas ainda hoje têm quase metade
dos católicos do mundo, 48%. E o Brasil é o que tem o maior número de
católicos. Então, nesse aspecto, há uma diversidade muito grande.
O papa tem essa missão. Está olhando para
tudo e todos, preocupado com os lugares todos. Para dialogar com todo mundo,
tanto religiões, com culturas, como países. Trabalhar pela paz.
E, ao mesmo tempo, poder ajudar os católicos
a perseverarem na caminhada.
• Papa
Francisco, ao imprimir uma Igreja que vai ao encontro das pessoas, criou um
novo paradigma para seus sucessores?
Tempesta - Sim. Acho que cada papa traz uma
contribuição, tanto de dar continuidade à tradição da Igreja como também as
grandes preocupações [de seu pontificado].
Sem dúvida que a questão ecológica, o meio
ambiente, são importantíssimos. […] Ou ainda a questão da fraternidade. […]
Marcam bastante a originalidade das preocupações do Santo Padre. […] Sem dúvida
o papa Francisco respondeu a isso.
Outro assunto que surgiu há pouco tempo é o
da inteligência artificial, embora já embutido em várias questões do passado.
Surgiu com intensidade ainda. São preocupações.
A Igreja está presente em várias questões e o
papa que o suceder, além de levar para a frente toda a tradição, ele recebe de
seus antecessores, de Pedro até hoje, os novos desafios que a cada dia a
humanidade, a ciência e a sociedade vão estar colocando. E a presença da Igreja
é dar respostas e iluminação para os cristãos católicos e também para que o
mundo seja melhor.
• E
como fica o papel social de um papa? Toda vez que Francisco se posicionava, uma
ala mais crítica a ele, dentro do catolicismo, o criticava, o tachava de
comunista. Como lidar com isso em uma sociedade polarizada?
Tempesta - Sempre teve polarização. Mas
agora, ultimamente, devido às mídias sociais, a gente não recebe somente a
notícia, mas todo mundo dá a sua opinião.
Não é apenas um lado que passa, mas alguém
que responde. Essa polarização é muito grande. E críticas à igreja e a questões
que o papa coloca, sempre tivemos. Mas agora aparece muito mais, tem aparecido
muito mais.
Temos de lidar com essa liberdade de opinião
que existe e levar para a frente o nosso trabalho, a nossa missão. As
contradições e as oposições existem e podem nos ajudar a olhar bem o que
estamos fazendo.
Mas uma vez que temos a direção a seguir,
temos de escutar e levar para a frente aquilo que vemos que é importante. Mesmo
porque o papa tem a graça de estado de poder ver algumas questões que nem todo
mundo vê.
E ele, como tem a visão universal de tudo.
[…] Temos de lidar com tranquilidade [com as críticas] e levar para a frente a
nossa bela e importante missão.
Fonte: BBC News

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