terça-feira, 29 de abril de 2025

Papa Francisco foi 1º pontífice não-europeu em mais de mil anos — mas não foi o único

Nascido na Argentina como Jorge Bergoglio, o papa Francisco foi o primeiro pontífice latino-americano e também o primeiro da ordem dos jesuítas — mas ele não é o primeiro papa de fora da Europa.

Mas é preciso voltar mais de mil anos na história para se achar outros papas não-europeus.

A começar pelo primeiro dos papas. São Pedro, o apóstolo de Jesus que é considerado o primeiro papa da história, não era europeu. Ele nasceu na província romana da Judeia, onde hoje fica o Oriente Médio.

O sexto papa da Igreja Católica também veio do Oriente Médio. O santo Evaristo era filho de um judeu grego, originário de Belém, a cidade de Cristo, que fica hoje na Cisjordânia. Ele é tradicionalmente considerado um mártir, mas não há documentação do evento. Acredita-se que ele está sepultado no Vaticano, perto de São Pedro.

Mais de meio século depois, em 642, Teodoro 1º, nascido em Jerusalém, mas de origem grega, tornou-se papa.

Houve também pelo menos três papas nascidos na África. O papa São Vítor nasceu no que hoje é conhecido como Léptis Magna, na Tunísia.

Ele foi o 14° papa da história da Igreja Católica e provavelmente viveu entre os anos de 155 e 199, tendo sido bispo de Roma em sua última década de vida.

Seu pontificado foi marcado por algumas modernizações no cristianismo, sobretudo na liturgia. A começar pelo idioma. Ele estabeleceu que as missas deveriam ser celebradas em latim, não mais em grego, como era o costume na época.

Essa mudança favorecia a inserção cristã no meio romano, contribuindo para a consolidação de uma ocidentalização da religião.

Ele também facilitou a prática do batismo, estabelecendo que qualquer água, não necessariamente a água benta, poderia ser utilizada no sacramento.

Outra mudança foi a celebração da Páscoa. Dissociando-a completa e definitivamente da Páscoa judaica, Vitor determinou que a festa ocorresse sempre em um domingo, "para marcar a ressurreição de Cristo".

O papa Melquíades (311 a 314) era natural do norte da África e assumiu o trono pontifício em Roma em 311. Sabe-se pouco sobre sua figura histórica, mas é certo que Melquíades era filho de pais africanos que imigraram para a Espanha e que ele sofreu com a perseguição de Diocleciano e Maximiano.

Durante seu papado, o imperador romano Constantino, O Grande publicou o Édito de Milão, que acabou com a perseguição aos cristãos no império romano.

O terceiro papa nascido na África é Gelásio 1º (492-496). Gelásio provavelmente nasceu na região da Cabília, onde hoje é o norte da Argélia. Quadragésimo-nono papa, viveu entre 410 e 496 e comandou a Igreja nos seus últimos quatro anos de vida — após a queda do Império Romano.

Ele tem um papel fundamental no próprio entendimento contemporâneo de que o bispo de Roma está, hierarquicamente, acima de outros bispos. Foi também no pontificado de Gelásio que ficou estabelecido o cânone das escrituras, ou seja, quais livros — hoje constantes na Bíblia — poderiam ser considerados oficiais do cristianismo e quais mereceriam ser chamados de apócrifos.

Pelo menos cinco papas vieram da região que hoje é a Síria: Aniceto (154 a 166), João 5º (685 a 686), Sinísio (que foi papa por apenas 20 dias, em 708, tendo sido eleito já idoso e doente), Constantino (que foi seu sucessor, de 708 a 715) e São Gregório 3º (de 731 a 741).

Depois de Gregório 3º, o próximo papa não-europeu seria Francisco, eleito no conclave de 2013.

Na história, foram 12 não europeus — contra uma maioria esmagadora de 254 papas europeus. A Itália foi o país que mais teve pontífices (217), seguido por França (16), Alemanha (6) e Grécia (4).

•        Anfitrião do papa Francisco no Brasil se prepara para 1º conclave e diz o que espera do próximo pontífice

Arcebispo do Rio de Janeiro desde 2009, o cardeal Orani João Tempesta, monge cisterciense nascido em São José do Rio Pardo, no interior paulista, não figura nas listas de papáveis no conclave que deve ocorrer nos próximos dias.

Mas nenhum de seus oponentes viveu a experiência que para ele foi um grande mérito: ter sido o anfitrião do papa Francisco na primeira viagem de seu pontificado.

Quando Francisco visitou o Rio de Janeiro em julho de 2013, para a Jornada Mundial da Juventude que ocorreu ali, o papado do argentino tinha um frescor que exalava novidade.

A espontaneidade e o carisma do recém-eleito papa impressionavam um mundo que estava acostumado com uma certa sisudez do Vaticano.

Confortavelmente acomodado em uma sala do Colégio Pio Brasileiro, organização religiosa mantida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que se autointitula "um pedacinho do Brasil em Roma", ele atendeu à reportagem da BBC News Brasil por chamada de vídeo no fim da tarde de quinta-feira (24/4).

Frisou que não se vê como aspirante ao posto máximo da Igreja e lembrou-se com carinho da convivência com Francisco.

Pareceu medir cuidadosamente as palavras quando perguntando sobre o perfil que imagina ser o ideal para um papa no mundo contemporâneo.

Mas deixou claro que espera uma continuidade, ou seja, alguém alinhado ao perfil deixado pelo religioso argentino que morreu na última segunda (21/4).

Caçula de nove filhos, Tempesta ingressou no mosteiro de Nossa Senhora de São Bernardo, em sua cidade natal, São José do Rio Pardo, em 1968. Ele tinha 17 anos.

Em 1974 foi ordenado sacerdote. Tornou-se bispo em 1997, nomeado por João Paulo 2º (1920-2005). Assumiu a arquidiocese do Rio, uma das mais importantes do Brasil, em 2009.

Foi Francisco quem o elevou ao cardinalato, em fevereiro de 2014. Para muitos, ali estava um gesto de gratidão do argentino pelos momentos felizes vividos em sua primeira viagem internacional, no Rio.

Nos próximos dias, Tempesta, que completa 75 anos em junho, participará de seu primeiro conclave.

LEIA A ENTREVISTA:

•        Como estão os preparativos para o conclave?

Tempesta - No primeiro momento, é oração pelo repouso do Santo Padre [o papa Francisco]. […] Rezamos muito para que Deus acolha sua alma no céu e sabemos que temos uma grande missão [a continuar], a questão dos pobres e a simplicidade de Francisco, a proximidade com as pessoas, a preocupação com a ecologia, com o meio ambiente, com nossa casa comum, a preocupação também com o diálogo interreligioso, ecumênico, com a paz no mundo, com as guerras que estamos vivendo… Enfim, tanta coisa…

Por isso deixamos nossos compromissos no Rio de Janeiro e viemos logo no dia seguinte para cá, para Roma. Participamos da segunda e da terceira congregação [as reuniões que os cardeais realizam sistematicamente neste período]. […]

É a primeira vez que participo de um conclave, fui criado cardeal já pelo papa Francisco. É sempre um momento de orar, de pedir a Deus, já que em nossas mãos, em nosso grupo, está uma grande responsabilidade: a de eleger o que Deus escolheu para papa, a presença da Igreja na sociedade, no mundo, uma referência no mundo, não só para a Igreja, para a sociedade. […]

Aos poucos [nas congregações], começamos a falar um pouquinho sobre as preocupações maiores da Igreja no mundo de hoje. Mas tudo ainda está no início.

Na verdade, as coisas vão acontecendo aos poucos.

•        No mundo de hoje, quais seriam as características ideais de um papa? Que papa a Igreja precisa ter?

Tempesta - Eu creio que [o modelo é] aquilo que o papa Francisco viveu em suas viagens, encontros e acolhida. E realmente é o que tem de ser levado para a frente como um legado: esse diálogo com a sociedade, com as culturas, com os países, o diálogo com o mundo que está aí, o diálogo interreligioso ecumênico, ou seja, a Igreja presente na sociedade. Papa Francisco deu esse belo exemplo.

Assim foi sua vida. Ao mesmo tempo, trabalhando com a Igreja. Ao falar para o mundo inteiro, que a Igreja possa cada vez mais viver a sua missão cristã, ser aquela que transmite com Jesus Cristo o mundo de hoje.

A gente sabe muito bem que a visão do papa não é só dentro da Igreja, mas é uma missão que transmite muros e vai muito mais para longe.

Sem dúvida, [precisamos de] alguém que trabalhe intensamente pela Igreja, para a missão evangelizadora, para a caminhada eclesial e, depois, também que tenha essa preocupação de poder ser uma presença, uma referência para o mundo.

Nesses aspectos, o papa Francisco sempre viveu intensamente. Acho que esse mesmo ritmo vai ser levado para a frente pelo seu sucessor.

•        Vivemos em um contexto geopolítico que tem Donald Trump, Vladimir Putin, guerras, polarização e extremismos. Qual será o papel do futuro papa neste mundo tumultuado?

Tempesta - O papel de continuar pedindo pela paz no mundo, para o entendimento entre os povos. É a missão da Igreja.

A Igreja sempre teve essa missão, de ir além de seu trabalho interno, poder ser a Igreja em saída e tratar também das preocupações com o mundo todo, já que o papa é uma liderança mundial e tem essa grande responsabilidade de pedir, de falar nas suas homilias, que são ouvidas mundo afora, que o mundo só tem a perder com as guerras, que nós somos chamados a dar as mãos como irmãos e irmãs uns dos outros. […]

As políticas variam, por exemplo, o grupo comandando a política no país A, B ou C, amanhã tem outro ao contrário, mas a Igreja tem uma doutrina, tem Jesus Cristo que nos faz conviver com todos, em todas as áreas e regiões, com o coração aberto. […]

Somos chamados a conviver em todas as várias questões, com todos os políticos que têm seus interesses e seus pensamentos, cumprindo bem a nossa missão: conviver, exortar, falar e levar adiante tudo o que o evangelho nos ensina, que somos irmãos, somos chamados a viver em paz, a ajudar o mundo a ser melhor e progredirmos todos juntos para o bem de todos.

•        O senhor se vê como o futuro papa?

Tempesta - Não, claro que não. Acho que vou pedir a ação do Espírito Santo para poder escolher algum nome [para votar], vou escutar meus irmãos cardeais que vão falando suas grandes preocupações e realmente pedir a ação do Espírito Santo para que eu escolha bem. Mas eu não estou na lista, não [dos papáveis], tranquilamente.

Quero voltar para casa e continuar minha vida lá no Brasil.

•        Mas o cardeal Jorge Bergoglio não estava na lista dos favoritos em 2013…

Tempesta - É… Não estava… Não sei… São as questões todas, mas eu creio que na minha parte não há nenhum desejo de assumir essa grande missão. Que é realmente uma grande cruz, um grande sacrifício. Temos de pedir a Deus que aquele que escolhermos seja realmente aquele que vai levar para a frente essa bela e importante missão de poder ser presença da Igreja no mundo de hoje.

•        Quais são suas principais lembranças do convívio com Francisco?

Tempesta - Foi um convívio muito bom. Tivemos vários encontros [quando ele esteve no Rio em julho de 2013], passávamos praticamente o dia inteiro juntos.

Tomávamos café da manhã, almoço e jantar… A ida a Copacabana, o papamóvel, o helicóptero também… Aquilo era muito agradável.

Tive a oportunidade de ver a proximidade do papa, nas suas perguntas sobre o que estava acontecendo, qual era a programação do dia, conversas sobre as questões todas do mundo, da sociedade. Trocávamos ideias.

Uma das coisas que me marcou bastante foi quando saíamos de helicóptero para Copacabana e ele, sempre que passávamos em frente ao Cristo Redentor ele fazia uma oração, fazia o em-nome-do-pai. Ele oferecia o seu trabalho, a sua missão que ia ser dali a pouco ao mundo inteiro ao Cristo de braços abertos.

Depois, a sua espontaneidade: no papamóvel deram um chimarrão para ele tomar e ele me ofereceu: "Quer tomar? Está muito bom!"

Essas questões todas me chamaram a atenção nesse convívio com o Santo Padre em todos esses dias no Rio. Depois, é claro, tivemos os encontros aqui em Roma […]. Sempre pedia a bênção ao Rio de Janeiro […] e ele acabava nos reconhecendo muito bem e, claro, nos levou para o céu, levou o Rio de Janeiro em seu coração.

•        A Igreja Católica enfrenta um cenário de perda de fiéis e avanço dos evangélicos. O papa deve agir de que forma diante disso?

Tempesta - O papa tem uma grande missão universal, tem todos os tipos de situações: lugares em que a Igreja vai bem, caminha muito bem, o número de pessoas cada vez mais crescendo como as regiões da África […]; regiões mais antigas como o caso da Europa, em que há o cansaço de algumas coisas; um lugar mais estabilizado como é o caso das Américas.

Mas as Américas ainda hoje têm quase metade dos católicos do mundo, 48%. E o Brasil é o que tem o maior número de católicos. Então, nesse aspecto, há uma diversidade muito grande.

O papa tem essa missão. Está olhando para tudo e todos, preocupado com os lugares todos. Para dialogar com todo mundo, tanto religiões, com culturas, como países. Trabalhar pela paz.

E, ao mesmo tempo, poder ajudar os católicos a perseverarem na caminhada.

•        Papa Francisco, ao imprimir uma Igreja que vai ao encontro das pessoas, criou um novo paradigma para seus sucessores?

Tempesta - Sim. Acho que cada papa traz uma contribuição, tanto de dar continuidade à tradição da Igreja como também as grandes preocupações [de seu pontificado].

Sem dúvida que a questão ecológica, o meio ambiente, são importantíssimos. […] Ou ainda a questão da fraternidade. […] Marcam bastante a originalidade das preocupações do Santo Padre. […] Sem dúvida o papa Francisco respondeu a isso.

Outro assunto que surgiu há pouco tempo é o da inteligência artificial, embora já embutido em várias questões do passado. Surgiu com intensidade ainda. São preocupações.

A Igreja está presente em várias questões e o papa que o suceder, além de levar para a frente toda a tradição, ele recebe de seus antecessores, de Pedro até hoje, os novos desafios que a cada dia a humanidade, a ciência e a sociedade vão estar colocando. E a presença da Igreja é dar respostas e iluminação para os cristãos católicos e também para que o mundo seja melhor.

•        E como fica o papel social de um papa? Toda vez que Francisco se posicionava, uma ala mais crítica a ele, dentro do catolicismo, o criticava, o tachava de comunista. Como lidar com isso em uma sociedade polarizada?

Tempesta - Sempre teve polarização. Mas agora, ultimamente, devido às mídias sociais, a gente não recebe somente a notícia, mas todo mundo dá a sua opinião.

Não é apenas um lado que passa, mas alguém que responde. Essa polarização é muito grande. E críticas à igreja e a questões que o papa coloca, sempre tivemos. Mas agora aparece muito mais, tem aparecido muito mais.

Temos de lidar com essa liberdade de opinião que existe e levar para a frente o nosso trabalho, a nossa missão. As contradições e as oposições existem e podem nos ajudar a olhar bem o que estamos fazendo.

Mas uma vez que temos a direção a seguir, temos de escutar e levar para a frente aquilo que vemos que é importante. Mesmo porque o papa tem a graça de estado de poder ver algumas questões que nem todo mundo vê.

E ele, como tem a visão universal de tudo. […] Temos de lidar com tranquilidade [com as críticas] e levar para a frente a nossa bela e importante missão.

 

Fonte: BBC News

 

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