quarta-feira, 30 de abril de 2025

Alstair Crooke: O esquema Kellogg é um desastre para Trump

Todas as premissas subjacentes de Kellogg careciam de qualquer base na realidade. No entanto, Trump aparentemente as aceitou como verdadeiras.

A guerra política em Washington é endêmica. Mas o número de baixas no Pentágono começou a subir vertiginosamente. Três dos principais assessores do Secretário de Defesa Hegseth foram afastados e depois demitidos. A guerra continua, com o próprio Secretário agora na linha de fogo.

<><> Por que isso importa? : 

A saída de Hegseth ocorre em meio a acalorados debates internos no governo Trump sobre a política em relação ao Irã. Os falcões defendem a eliminação definitiva de todas as capacidades nucleares e bélicas do Irã, enquanto muitos moderados alertam contra uma escalada militar. Segundo relatos, Hegseth estava entre os que advertiam contra uma intervenção no Irã.

O General Kellogg também é a provável fonte do otimismo de Trump de que o fim da guerra na Ucrânia poderia vir com um estalar de dedos – por meio da aplicação limitada de pressões e ameaças assimétricas de Trump sobre ambos os beligerantes – e com o tempo decidido em Washington.

Em resumo, o plano representava um consenso da elite política de Washington de que os EUA poderiam impor um fim negociado com termos alinhados aos interesses estadunidenses e ucranianos.

As premissas implícitas de Kellogg eram: que a Rússia é altamente vulnerável a ameaças de sanções (sua economia sendo vista como frágil); que sofreu baixas insustentavelmente altas; e que a guerra estava em um impasse.

Assim, Kellogg convenceu Trump de que a Rússia concordaria prontamente com os termos do cessar-fogo proposto – embora esses termos se baseassem em premissas claramente equivocadas sobre a Rússia e suas supostas fraquezas.

A influência de Kellogg e suas falsas premissas ficaram evidentes quando Trump, em janeiro, afirmou que a Rússia havia perdido um milhão de homens (na guerra) e acrescentou que "Putin está destruindo a Rússia ao não fechar um acordo", sugerindo ainda que Putin já poderia ter decidido "não negociar". Ele também afirmou que a economia russa estava em "ruínas" e, mais notavelmente, disse que consideraria impor sanções ou tarifas à Rússia. Em uma postagem posterior no Truth Social, Trump escreveu: "Vou fazer à Rússia – cuja economia está falhando – e ao Presidente Putin, um grande FAVOR".

Todas as premissas de Kellogg careciam de qualquer base na realidade. Ainda assim, Trump aparentemente as aceitou como verdadeiras. E, apesar das três longas reuniões pessoais de Steve Witkoff com o Presidente Putin – nas quais Putin repetidamente afirmou que não aceitaria qualquer cessar-fogo antes de um acordo político prévio –, o grupo de Kellogg continuou a presumir, de forma ingênua, que a Rússia seria forçada a aceitar asua détente devido às supostas "derrotas graves" sofridas na Ucrânia.

Diante desse histórico, não surpreende que os termos do cessar-fogo apresentados por Rubio em Paris esta semana refletissem aqueles mais adequados a uma parte à beira da capitulação, e não a um Estado que antevê a conquista de seus objetivos por meios militares.

Em essência, o Plano Kellogg visava garantir uma "vitória" dos EUA em termos que mantivessem aberta a opção de continuar uma guerra de desgaste contra a Rússia.

·        Então, o que é o Plano Kellogg?

Basicamente, ele busca estabelecer um conflito congelado – congelado ao longo da "Linha de Contato"; sem proibição definitiva da adesão da Ucrânia à OTAN (mas prevendo uma adesão adiada para um futuro distante); não impõe limites ao tamanho do exército ucraniano no futuro nem restrições ao tipo ou quantidade de armamentos das forças ucranianas. (Pelo contrário, prevê que, após o cessar-fogo, os EUA poderiam rearmar, treinar e apoiar militarmente um futuro exército ucraniano) – ou seja, um retorno à era pós-Maidan de 2014.

Além disso:

  • Nenhum território seria cedido pela Ucrânia à Rússia, exceto a Crimeia, que seria reconhecida pelos EUA como russa (a única concessão a Witkoff?).  
  • A Rússia apenas "exerceria controle" sobre os quatro oblasts que já reivindica, mas apenas até a Linha de Contato; territórios além dessa linha permaneceriam sob controle ucraniano (veja aqui o mapa de Kellogg): 
  • A Usina Nuclear de Zaporozhye seria território neutro, administrado pelos EUA.  
  • Não há menção alguma às cidades de Zaporozhye e Kherson, já incorporadas constitucionalmente à Rússia, mas que ficam além da linha de contato.

Nada sobre uma solução política foi delineado no plano, que deixa a Ucrânia livre para continuar reivindicando todos os seus antigos territórios – exceto a Crimeia.

O território ucraniano a oeste do rio Dnieper seria dividido em três zonas de responsabilidade: britân ica, francesa e alemã (ou seja, administradas por forças da OTAN). Por fim, nenhuma garantia de segurança estadunidense foi oferecida.

Rubio repassou os detalhes do plano ao chanceler russo Lavrov, que calmamente afirmou que qualquer proposta de cessar-fogo deveria primeiro resolver as causas profundas do conflito na Ucrânia.

Witkoff voa para Moscou esta semana para apresentar esse plano absurdo a Putin – buscando seu consentimento. Europeus e ucranianos se reunirão na próxima quarta-feira em Londres para dar sua resposta a Trump.

·        O que vem a seguir?

Obviamente, o Plano Kellogg não vai vingar:

  • A Rússia não o aceitará.  
  • Zelensky provavelmente também não (embora os europeus tentem persuadi-lo,  esperando "colocar Moscou em xeque" ao pintar a Rússia como a "grande sabotadora"). Relatos indicam que Zelensky já rejeitou a cláusula sobre a Crimeia.

Para os europeus, a falta de garantias de segurança ou respaldo dos EUA pode ser fatal para a sua aspiração de enviar tropas de dissuasão à Ucrânia sob um cessar-fogo.

Trump realmente lavará as mãos em relação à Ucrânia? Improvável, já que a liderança neoconservadora dos EUA dirá a ele que isso enfraqueceria a narrativa de "paz através da força"estadunidense. Trump pode adotar uma postura de apoio "em fogo baixo" à Ucrânia, enquanto declara que "a guerra nunca foi dele" – buscando uma "vitória" na frente comercial com a Rússia.

·        Conclusão

Kellogg não serviu bem ao seu patrocinador. Os EUA precisam de relações eficazes com a Rússia. O grupo de Kellogg contribuiu para a leitura grotesca de Trump sobre a Rússia. Putin é um ator sério, que diz o que pensa e cumpre o que diz.

O Coronel Macgregor resume isso tudo assim:"Trump tende a ver o mundo pela lente de negócios. [Acabar com a guerra na Ucrânia] não é sobre fazer negócios. É sobre vida ou morte de nações e povos. Não há interesse em um acordo de curto prazo que eleve Trump ou seu governo à grandeza. Não haverá vitória pessoal para Donald Trump nisso. Nunca seria o caso".

¨      Quais os riscos do reconhecimento da anexação da Crimeia?

Os EUA supostamente enviaram a seus aliados europeus um documento confidencial com propostas para um cessar-fogo na guerra da Rússia contra a Ucrânia. Um de seus pontos mais importantes seria o reconhecimento do controle russo sobre a península ucraniana da Crimeia, anexada por Moscou em 2014. Isso foi relatado inicialmente pela agência de notícias Bloomberg, pelo canal de notícias americano CNN, pelos influentes jornais The Washington Post e The Wall Street Journal.

Segundo os relatos, os americanos esperavam uma resposta da Ucrânia até 23 de abril. No entanto, um encontro que deveria reunir chefes da diplomacia em Londres foi rebaixado em cima da hora a diplomatas menos graduados após o cancelamento de representantes de Alemanha, Reino Unido, França e Ucrânia. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, também não compareceu.

"A Crimeia permanecerá com a Rússia. Zelenski entende isso, e todo mundo entende que ela está com eles há muito tempo", disse o presidente dos EUA, Donald Trump, em uma entrevista publicada na sexta-feira pela revista Time. Neste domingo (27/04), Trump disse a repórteres acreditar que o presidente ucraniano esteja disposto a abrir mão da Crimeia para selar um acordo de paz,aumentando a pressão sobre Kiev para um acordo com Moscou.

Nos mais de 11 anos desde a anexação, em violação à lei internacional, a questão da Crimeia tem sido um tópico recorrente na mídia. 

Nesta sexta-feira, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, havia dito que a Ucrânia "não reconhecerá legalmente nenhum território ocupado temporariamente". 

<><> Riscos do reconhecimento

Em um ensaio, o Instituto Americano Robert Lansing para Estudos de Ameaças Globais e Democracias (RLI) listou vários riscos do reconhecimento da anexação da Crimeia para a ordem internacional. De acordo com a análise, isso significaria uma "mudança fundamental na política externa dos EUA e marcaria uma ruptura com décadas de princípios legais em defesa da integridade territorial". Os especialistas do Instituto enfatizam:

Em primeiro lugar, o reconhecimento da anexação da Crimeia seria um golpe estratégico nas normas internacionais. Isso minaria o princípio da integridade territorial consagrado no direito internacional e enfraqueceria a ordem jurídica estabelecida após a Segunda Guerra Mundial. Isso incentivaria outros Estados autoritários, como a China ou a Turquia, a se envolverem em revisionismo territorial.

Em segundo lugar, isso levaria a uma irritação entre aliados dentro do campo ocidental. A Ucrânia veria essa medida como uma traição e, acima de tudo, os membros do Leste Europeu da Otan e da UE a veriam como uma capitulação à agressão russa.

Em terceiro lugar, essa medida teria um impacto na política interna dos EUA. Provocaria uma reação bipartidária e levantaria questões sobre os verdadeiros motivos de Trump, especialmente devido à especulação sobre seus possíveis laços de longa data com Moscou.

O RLI também alerta que o reconhecimento da anexação da Crimeia prejudicaria gravemente a credibilidade do apoio americano à democracia e ao Estado de direito em todo o mundo. Especialmente em países que são suscetíveis à pressão autoritária.

<><> "Precedente extremamente perigoso"

O cientista político ucraniano Volodimir Fesenko compartilha dessa avaliação. Em uma entrevista à DW, ele diz que a Crimeia é "uma linha vermelha" e que sua perda é "absolutamente inaceitável para a Ucrânia". Reconhecer legalmente a anexação da Crimeia criaria, segundo ele, "um precedente extremamente perigoso". E não apenas para a Ucrânia, mas para o mundo inteiro, se as reivindicações da China contra Taiwan e outros lugares forem levadas em consideração. Fesenko acredita que a desvalorização da reunião em Londres mostra que as propostas dos EUA divulgadas na mídia foram de fato rejeitadas e não serão mais implementadas.

Andras Racz, do Conselho Alemão de Relações Exteriores (DGAP), também não está esperando um avanço rápido na diplomacia. "Não é surpreendente que o lado ucraniano tenha rejeitado a proposta dos EUA", diz ele. De acordo com o cientista político, isso exigiria que Kiev reconhecesse oficialmente a anexação da Crimeia e, de fato, renunciasse ao território ucraniano ocupado pela Rússia.

Agora que a reunião em Londres aparentemente deu errado, os observadores estão especulando sobre o rumo que Washington tomará. Na quarta-feira passada, o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, declarou que tanto a Ucrânia quanto a Rússia teriam que abrir mão de parte dos territórios que ambos os lados controlam atualmente. Os EUA haviam feito uma "proposta muito clara" à Rússia e à Ucrânia. Vance advertiu: "Agora é hora de eles dizerem sim ou de os EUA se retirarem desse processo".

 

Fonte: Brasil 247/DW Brasil

 

Nenhum comentário: