quarta-feira, 30 de abril de 2025

Para além da Margem Equatorial: 5 desafios mais relevantes para o setor energético

A esquerda brasileira não tem hoje um projeto nacional para o setor energético. Sem um debate sobre nosso projeto nacional para o setor, a capacidade do nosso campo de intervir no combate à emergência climática será reduzida.

Um projeto nacional para o setor energético envolve reconhecer um balanço de riscos e possibilidades para a redução das emissões de gases de efeito estufa e redução do impacto ambiental das atividades econômicas. Hoje, o debate do nosso campo é dominado por perspectivas que não reconhecem a necessidade desse balanço: se apegam à defesa de um direcionamento “contra” ou a “a favor” de temas do momento, via de regra sem referência à realidade brasileira.

Nesse contexto, o debate interno do nosso campo sobre a liberação da busca (exploração) por petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, no Amapá, tem se tornado um debate de surdos. De um lado, a defesa da exploração é feita com base em um desenvolvimentismo simplista, que assume que a mera presença de um setor petrolífero será capaz de desenvolver a região. Em geral, é uma posição que reduz o peso da emergência climática e assume que as rendas petrolíferas vão “financiar a transição” sem dizer como isso ocorrerá.

Do outro lado, a resistência à exploração é feita de forma completamente alheia ao desafio do setor energético brasileiro, sem uma discussão séria sobre a realidade brasileira, onde as emissões de gases de efeito estufa não vem primariamente dos combustíveis fósseis. A resistência também não é feita acompanhada de um debate sobre a soberania energética, elemento crítico para o próprio enfrentamento da emergência climática.

Como eu já escrevi nesta coluna, a Margem Equatorial não é o principal desafio na atuação do Brasil diante da crise climática. Também não é a solução dos nossos desafios econômicos. Por isso, listo abaixo cinco tópicos que, a meu ver, são mais importantes para a formulação de um projeto nacional para o setor energético pelo campo popular. A apresentação será brevíssima, mas prometo aos leitores e leitoras expandir a discussão sobre cada tópico em colunas futuras.

•        Ampliação do espaço orçamentário para investimento público

A PLDO de 2026 deixou evidente a disputa que ocorrerá sobre o novo arcabouço fiscal no próximo mandato presidencial: o crescimento das despesas obrigatórias vai comprimir as despesas discricionárias, como eu já antecipei aqui nesta coluna. Isto reduzirá a zero o espaço para o investimento público, principalmente em infraestrutura. O enfrentamento à emergência climática requererá grandes investimentos em infra-estrutura: mudanças nos modais de transporte, no transporte público, na geração e transmissão de energia. Sem espaço orçamentário, um projeto nacional não serve de nada. Por isso, temos que brigar para retirar o investimento público das regras fiscais.

•        Reforma da governança das estatais

Além do orçamento, o investimento público pode vir das estatais, principalmente da Petrobras. No entanto, o golpe de 2016 desencadeou uma mudança na governança das estatais de economia mista que limita a capacidade de investir das estatais, sob o pretexto de limitar a corrupção. A lei das estatais e seus desdobramentos curto-prazistas dificultam investimento principalmente em novas atividades econômicas com retorno incerto, como são as novas energias e combustíveis.

Com as regras de hoje, a Petrobras não poderia descobrir o pré-sal: uma aposta tecnológica de alto risco e retorno de longo-prazo, que só pode ser feita pelo Estado (ou com garantias do Estado), não por entidades privadas. Mudar a governança das estatais é essencial para que o Estado brasileiro possa voltar a ter o papel de definir o horizonte da transição energética brasileira.

•        Controle popular do programa de biocombustíveis

Os biocombustíveis são uma das apostas principais do Brasil para o enfrentamento à emergência climática. O Brasil já tem um programa de biocombustíveis sólido que surgiu justamente da necessidade de substituir o petróleo importado na década de 1970. Graças a essa base, as emissões de transporte do Brasil são menores que a de países similares. Os biocombustíveis de segunda e terceira geração (etanol de segunda geração, biometano, diesel verde e querosene de aviação sustentável) prometem reduzir ainda mais nossas emissões.

No entanto, biocombustíveis dependem da produção agrícola, que é justamente a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa e de destruição do meio-ambiente. Sem controle popular e aumento da participação da agricultura familiar, a solução dos biocombustíveis pode se tornar um risco, inclusive para a soberania alimentar. Além disso, há constante pressão pela suspensão da mistura de biocombustíveis nos combustíveis fósseis por parte do setor de distribuição e abastecimento de combustível.

•        Transporte público (eletrificado ou renovável), ferrovias, trens de passageiro

O fortalecimento do programa de biocombustíveis tem que ser aliado a investimento em transporte público para as cidades e modais de transporte de longa distância mais eficientes. Só assim reduziremos a demanda por combustíveis fósseis e pela exploração de novas fronteiras petrolíferas.

Além dos benefícios sociais e econômicos, o transporte público reduz a frota de carros e a poluição. Um sistema de transporte público, que também pode ser eletrificado e baseado em biocombustíveis, vale muito mais do que uma frota de carros elétricos privados. A produção de carros para transporte individual ainda implica em altos custos climáticos e ambientais, seja pela fabricação em países com matriz elétrica fóssil ou pela exploração dos minerais raros para as baterias.

Nos transportes de longa-distância, substituir caminhões, ônibus e aviões por trens de carga e de passageiros também terá retornos sociais, econômicos e ambientais. Aqui é importante lembrar que estes projetos são inevitavelmente de grande porte e causam problemas próprios. Conciliar estes projetos muito necessários com o respeito a populações locais e ao meio-ambiente não é questão simples.

•        Defesa da Eletronuclear e revisão da estrutura do setor elétrico brasileiro

A eletrificação das atividades econômicas é uma das principais vias de redução do uso de combustíveis fósseis. Como o Brasil tem a matriz elétrica mais limpa entre todas as grandes economias do mundo, eletrificar é especialmente atrativo. No entanto, a privatização da Eletrobras retirou do Estado brasileiro a principal ferramenta de defesa da soberania do nosso sistema elétrico.

O recente acordo do governo com a Eletrobras privatizada foi um balde de água fria para quem busca um projeto nacional soberano para o setor. O campo popular não deve abrir mão da luta dos eletricitários, inclusive a luta pela manutenção (e ampliação!) dos investimentos da Eletronuclear. A energia nuclear é uma aposta complementar à expansão das energias não-fósseis intermitentes (eólica e solar), que já estão colocando grandes desafios para a estabilidade do sistema elétrico.

•        MPF propõe acordo à Eletrobrás para reparação de danos causados por hidrelétrica a indígenas e comunidades no Pará

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma proposta de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) à empresa Eletrobras Eletronorte para a regularização da licença ambiental da usina hidrelétrica Curuá-Una, em Santarém (PA). A proposta busca corrigir irregularidades identificadas na operação da usina, que vêm causando impactos socioambientais à Terra Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto e às comunidades ribeirinhas e extrativistas da região.

Uma escuta pública realizada pelo MPF em outubro de 2024 demonstrou graves impactos ambientais, como a poluição das águas dos rios Curuá-Una e Moju, efeitos danosos à saúde humana, com surtos de doenças gastrointestinais e malária, além de interferências na organização social das comunidades tradicionais.

A minuta do TAC, elaborada pelo procurador da República Vítor Vieira Alves, propõe a regularização da licença ambiental concedida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) para o funcionamento da usina, sem gerar suspensão da operação. A medida principal prevista é a realização de um diagnóstico socioambiental completo das comunidades e aldeias afetadas pela hidrelétrica.

De acordo com a proposta, a Eletrobras Eletronorte deverá apresentar, em até 30 dias após a assinatura do compromisso, um plano detalhado de trabalho para a realização do diagnóstico socioambiental, incluindo a participação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), dos indígenas e das comunidades tradicionais afetadas. O estudo deverá ser conduzido por equipe multidisciplinar independente da empresa e aprovada pelo MPF.

<><> Consulta prévia

Pelo TAC proposto, a Eletrobras Eletronorte deverá cumprir rigorosamente as previsões legais, constitucionais e convencionais relacionadas à proteção ambiental e aos direitos dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais, com especial atenção à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI), incluindo, entre outras medidas, a garantia de ampla participação dos indígenas e demais membros das comunidades nas reuniões e escutas agendadas, conforme estabelecem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Protocolo de Consulta da Terra Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto.

O TAC estabelece que o diagnóstico preliminar deve ser apresentado em até 180 dias após o início dos estudos, e o relatório final em até um ano. Esses dados servirão para subsidiar um futuro TAC, que tratará especificamente sobre compensação financeira e/ou disponibilização de políticas públicas às localidades afetadas.

A proposta também exige que a Eletrobras Eletronorte implemente imediatamente um sistema de alertas sonoros ou outros tipos de avisos para comunicar as comunidades sobre a abertura e fechamento das comportas da usina, além de criar canais de comunicação acessíveis para os indígenas e comunitários.

<><> Entenda o caso

A proposta de TAC foi elaborada pelo MPF como um dos resultados de inquérito instaurado inicialmente para apurar a instalação de uma quarta turbina na usina sem a consulta aos povos indígenas potencialmente afetados. No entanto, durante as investigações, foi constatado que desde a instalação da usina hidrelétrica, em 1977,  nunca houve medidas para identificar e reparar os danos sociais e ambientais causados às comunidades.

Na minuta do acordo, o MPF detalha que o contexto de instalação da hidrelétrica era o de plena Ditadura Empresarial-Militar, em que prevalecia o silenciamento de indígenas e ribeirinhos que tradicionalmente ocupam a Amazônia. Nesse cenário, qualquer reivindicação contra projetos do tipo poderia ser duramente reprimida.

“Embora a hidrelétrica Curuá-Una tenha iniciado seu funcionamento antes do início de vigência das principais normas ambientais, isso não impede a reparação dos danos socioambientais que permanecem a cada renovação da licença de operação. E a reparação desses danos causados pelo empreendimento ao longo dos anos se baseia não apenas no Direito Ambiental, mas também na Justiça de Transição, por se tratar de uma construção erguida durante a Ditadura Militar”, pontua o procurador da República Vítor Vieira Alves. Além do direito à memória e verdade, a Justiça de Transição também inclui o direito à reparação, inclusive coletiva.

•        Parlamentares pedem a Lula fim da exploração na foz do Amazonas

Um grupo de parlamentares lançou na última 6a feira (25/4) uma carta ao presidente Lula pedindo respeito à avaliação técnica do IBAMA em relação à exploração de petróleo no bloco FZA-M-59, na foz do rio Amazonas. Os técnicos do órgão ambiental são contrários à liberação da licença ambiental, mas o governo federal, incluindo o próprio presidente, seguem pressionando pelo licenciamento do empreendimento.

O texto foi subscrito por mais de 40 deputados federais, estaduais e vereadores progressistas, de partidos como PT, PSOL, Rede, PV e PDT, detalhou a Folha. O documento destacou que técnicos do IBAMA foram contrários à exploração de petróleo na foz, negando a licença para a Petrobras por duas vezes, em abril de 2023 e outubro de 2024. Ainda assim, o órgão está sendo pressionado por várias alas do governo, como o Ministério de Minas e Energia (MME) e a própria petroleira, além do presidente Lula, para liberar logo a atividade.

Na carta, os parlamentares afirmaram que “a expansão da exploração de petróleo no bioma amazônico é incompatível com as demandas urgentes da crise climática e com a mudança global em direção a uma transição energética justa e equitativa”, destacou o ICL Notícias. E ressaltaram estar “comprometidos em defender o bioma amazônico, salvaguardar sua biodiversidade e proteger os meios de vida sustentáveis de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais Povos e Comunidades Tradicionais que dependem dele”.

Um dos signatários do documento é o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que protocolou um projeto de lei para vedar a exploração de petróleo na Amazônia. Nenhum congressista da Amazônia assinou a carta, mas houve a adesão de políticos locais como a deputada estadual Lívia Duarte (PSOL-PA) e os vereadores Cézare Pastorello (PT), de Cáceres (MT) e Waldeir Reis (PSB), de Primavera (PA), destacou a Revista Cenarium.

Além de não explorar combustíveis fósseis na foz do Amazonas, o documento cobra do governo um plano de transição energética. Sempre que pode, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, diz que o petróleo da foz irá financiar a transição. No entanto, o Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE), que está a cargo de Silveira, é apenas uma ideia. E números recentes do INESC comprovam o que já se sabia: o dinheiro do petróleo quase não é usado para ações pelo clima, muito menos para transição energética.

Mas o movimento contra a exploração de petróleo na Amazônia não agrada os deputados estaduais do Amapá. Parlamentares do estado assinaram uma moção de repúdio ao PL do deputado Ivan Valente, informou o g1. Os parlamentares amapaenses destacaram a importância estratégica da exploração petrolífera para o desenvolvimento econômico do estado – outra falácia já comprovada pela experiência do Rio de Janeiro como “capital nacional do petróleo” e que continua com profundas desigualdades sociais.

•        Em tempo 1: Mesmo sem ainda ter sido autorizada pelo IBAMA, a exploração de petróleo na foz do Amazonas já cria problemas sociais no Amapá. Invasões e ameaças têm sido notadas com maior frequência no Kulumbú do Patuazinho, comunidade quilombola de Oiapoque, que será a principal base de apoio à perfuração do poço que a Petrobras quer abrir no bloco 59. Segundo moradores, os conflitos fundiários, presentes há anos, se intensificaram a partir de 2023, quando o debate sobre a exploração de petróleo na foz ganhou força no governo Lula, sob pressão do MME, destacou a Folha.

•        Em tempo 2: A bacia da foz do Amazonas é de “elevada sensibilidade” ambiental e configura uma situação “inédita” para o licenciamento federal, exigindo “intensa articulação” com o Itamaraty pela proximidade com a Guiana Francesa. A afirmação consta em um parecer técnico do governo de Jair Bolsonaro de 2020, à qual a Folha teve acesso. No entanto, três integrantes da atual gestão afirmam, sob reserva, que não encontraram registro de que o Itamaraty tenha sido procurado pelos ministérios de Meio Ambiente ou de Minas e Energia nos últimos cinco anos, como recomenda o parecer elaborado por IBAMA e Agência Nacional de Petróleo (ANP).

•        Em tempo 3: O ICMBio decidiu adiar a realização de consultas públicas sobre a criação de reservas marinhas na costa do Amapá. Segundo o comunicado, a “intensa campanha de desinformação e inverdades” foi o motivo do adiamento, relatou o g1. Na verdade, o anúncio do órgão sobre a criação das reservas foi seguido de protestos dos defensores da exploração de combustíveis fósseis no bloco 59 pela Petrobras, que insinuaram que a decisão do ICMBio era uma tentativa de impedir a emissão da licença pelo IBAMA.

 

Fonte: Por Pedro Faria, em Opera Mundi/MPF-PA/Cimi

 

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