Para além da Margem Equatorial: 5 desafios
mais relevantes para o setor energético
A esquerda brasileira não tem hoje um projeto
nacional para o setor energético. Sem um debate sobre nosso projeto nacional
para o setor, a capacidade do nosso campo de intervir no combate à emergência
climática será reduzida.
Um projeto nacional para o setor energético
envolve reconhecer um balanço de riscos e possibilidades para a redução das
emissões de gases de efeito estufa e redução do impacto ambiental das
atividades econômicas. Hoje, o debate do nosso campo é dominado por
perspectivas que não reconhecem a necessidade desse balanço: se apegam à defesa
de um direcionamento “contra” ou a “a favor” de temas do momento, via de regra
sem referência à realidade brasileira.
Nesse contexto, o debate interno do nosso
campo sobre a liberação da busca (exploração) por petróleo na bacia sedimentar
da Foz do Amazonas, no Amapá, tem se tornado um debate de surdos. De um lado, a
defesa da exploração é feita com base em um desenvolvimentismo simplista, que
assume que a mera presença de um setor petrolífero será capaz de desenvolver a
região. Em geral, é uma posição que reduz o peso da emergência climática e
assume que as rendas petrolíferas vão “financiar a transição” sem dizer como isso
ocorrerá.
Do outro lado, a resistência à exploração é
feita de forma completamente alheia ao desafio do setor energético brasileiro,
sem uma discussão séria sobre a realidade brasileira, onde as emissões de gases
de efeito estufa não vem primariamente dos combustíveis fósseis. A resistência
também não é feita acompanhada de um debate sobre a soberania energética,
elemento crítico para o próprio enfrentamento da emergência climática.
Como eu já escrevi nesta coluna, a Margem
Equatorial não é o principal desafio na atuação do Brasil diante da crise
climática. Também não é a solução dos nossos desafios econômicos. Por isso,
listo abaixo cinco tópicos que, a meu ver, são mais importantes para a
formulação de um projeto nacional para o setor energético pelo campo popular. A
apresentação será brevíssima, mas prometo aos leitores e leitoras expandir a
discussão sobre cada tópico em colunas futuras.
• Ampliação
do espaço orçamentário para investimento público
A PLDO de 2026 deixou evidente a disputa que
ocorrerá sobre o novo arcabouço fiscal no próximo mandato presidencial: o
crescimento das despesas obrigatórias vai comprimir as despesas
discricionárias, como eu já antecipei aqui nesta coluna. Isto reduzirá a zero o
espaço para o investimento público, principalmente em infraestrutura. O
enfrentamento à emergência climática requererá grandes investimentos em
infra-estrutura: mudanças nos modais de transporte, no transporte público, na
geração e transmissão de energia. Sem espaço orçamentário, um projeto nacional
não serve de nada. Por isso, temos que brigar para retirar o investimento
público das regras fiscais.
• Reforma
da governança das estatais
Além do orçamento, o investimento público
pode vir das estatais, principalmente da Petrobras. No entanto, o golpe de 2016
desencadeou uma mudança na governança das estatais de economia mista que limita
a capacidade de investir das estatais, sob o pretexto de limitar a corrupção. A
lei das estatais e seus desdobramentos curto-prazistas dificultam investimento
principalmente em novas atividades econômicas com retorno incerto, como são as
novas energias e combustíveis.
Com as regras de hoje, a Petrobras não
poderia descobrir o pré-sal: uma aposta tecnológica de alto risco e retorno de
longo-prazo, que só pode ser feita pelo Estado (ou com garantias do Estado),
não por entidades privadas. Mudar a governança das estatais é essencial para
que o Estado brasileiro possa voltar a ter o papel de definir o horizonte da
transição energética brasileira.
• Controle
popular do programa de biocombustíveis
Os biocombustíveis são uma das apostas
principais do Brasil para o enfrentamento à emergência climática. O Brasil já
tem um programa de biocombustíveis sólido que surgiu justamente da necessidade
de substituir o petróleo importado na década de 1970. Graças a essa base, as
emissões de transporte do Brasil são menores que a de países similares. Os
biocombustíveis de segunda e terceira geração (etanol de segunda geração,
biometano, diesel verde e querosene de aviação sustentável) prometem reduzir
ainda mais nossas emissões.
No entanto, biocombustíveis dependem da
produção agrícola, que é justamente a maior fonte de emissão de gases de efeito
estufa e de destruição do meio-ambiente. Sem controle popular e aumento da
participação da agricultura familiar, a solução dos biocombustíveis pode se
tornar um risco, inclusive para a soberania alimentar. Além disso, há constante
pressão pela suspensão da mistura de biocombustíveis nos combustíveis fósseis
por parte do setor de distribuição e abastecimento de combustível.
• Transporte
público (eletrificado ou renovável), ferrovias, trens de passageiro
O fortalecimento do programa de
biocombustíveis tem que ser aliado a investimento em transporte público para as
cidades e modais de transporte de longa distância mais eficientes. Só assim
reduziremos a demanda por combustíveis fósseis e pela exploração de novas
fronteiras petrolíferas.
Além dos benefícios sociais e econômicos, o
transporte público reduz a frota de carros e a poluição. Um sistema de
transporte público, que também pode ser eletrificado e baseado em
biocombustíveis, vale muito mais do que uma frota de carros elétricos privados.
A produção de carros para transporte individual ainda implica em altos custos
climáticos e ambientais, seja pela fabricação em países com matriz elétrica
fóssil ou pela exploração dos minerais raros para as baterias.
Nos transportes de longa-distância,
substituir caminhões, ônibus e aviões por trens de carga e de passageiros
também terá retornos sociais, econômicos e ambientais. Aqui é importante
lembrar que estes projetos são inevitavelmente de grande porte e causam
problemas próprios. Conciliar estes projetos muito necessários com o respeito a
populações locais e ao meio-ambiente não é questão simples.
• Defesa
da Eletronuclear e revisão da estrutura do setor elétrico brasileiro
A eletrificação das atividades econômicas é
uma das principais vias de redução do uso de combustíveis fósseis. Como o
Brasil tem a matriz elétrica mais limpa entre todas as grandes economias do
mundo, eletrificar é especialmente atrativo. No entanto, a privatização da
Eletrobras retirou do Estado brasileiro a principal ferramenta de defesa da
soberania do nosso sistema elétrico.
O recente acordo do governo com a Eletrobras
privatizada foi um balde de água fria para quem busca um projeto nacional
soberano para o setor. O campo popular não deve abrir mão da luta dos
eletricitários, inclusive a luta pela manutenção (e ampliação!) dos
investimentos da Eletronuclear. A energia nuclear é uma aposta complementar à
expansão das energias não-fósseis intermitentes (eólica e solar), que já estão
colocando grandes desafios para a estabilidade do sistema elétrico.
• MPF
propõe acordo à Eletrobrás para reparação de danos causados por hidrelétrica a
indígenas e comunidades no Pará
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou
uma proposta de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) à empresa Eletrobras Eletronorte
para a regularização da licença ambiental da usina hidrelétrica Curuá-Una, em
Santarém (PA). A proposta busca corrigir irregularidades identificadas na
operação da usina, que vêm causando impactos socioambientais à Terra Indígena
Munduruku e Apiaká do Planalto e às comunidades ribeirinhas e extrativistas da
região.
Uma escuta pública realizada pelo MPF em
outubro de 2024 demonstrou graves impactos ambientais, como a poluição das
águas dos rios Curuá-Una e Moju, efeitos danosos à saúde humana, com surtos de
doenças gastrointestinais e malária, além de interferências na organização
social das comunidades tradicionais.
A minuta do TAC, elaborada pelo procurador da
República Vítor Vieira Alves, propõe a regularização da licença ambiental
concedida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará
(Semas) para o funcionamento da usina, sem gerar suspensão da operação. A
medida principal prevista é a realização de um diagnóstico socioambiental
completo das comunidades e aldeias afetadas pela hidrelétrica.
De acordo com a proposta, a Eletrobras
Eletronorte deverá apresentar, em até 30 dias após a assinatura do compromisso,
um plano detalhado de trabalho para a realização do diagnóstico socioambiental,
incluindo a participação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), dos
indígenas e das comunidades tradicionais afetadas. O estudo deverá ser
conduzido por equipe multidisciplinar independente da empresa e aprovada pelo
MPF.
<><> Consulta prévia
Pelo TAC proposto, a Eletrobras Eletronorte
deverá cumprir rigorosamente as previsões legais, constitucionais e
convencionais relacionadas à proteção ambiental e aos direitos dos povos
indígenas e demais comunidades tradicionais, com especial atenção à Consulta
Prévia, Livre e Informada (CPLI), incluindo, entre outras medidas, a garantia
de ampla participação dos indígenas e demais membros das comunidades nas
reuniões e escutas agendadas, conforme estabelecem a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Protocolo de Consulta da Terra
Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto.
O TAC estabelece que o diagnóstico preliminar
deve ser apresentado em até 180 dias após o início dos estudos, e o relatório
final em até um ano. Esses dados servirão para subsidiar um futuro TAC, que
tratará especificamente sobre compensação financeira e/ou disponibilização de
políticas públicas às localidades afetadas.
A proposta também exige que a Eletrobras
Eletronorte implemente imediatamente um sistema de alertas sonoros ou outros
tipos de avisos para comunicar as comunidades sobre a abertura e fechamento das
comportas da usina, além de criar canais de comunicação acessíveis para os
indígenas e comunitários.
<><> Entenda o caso
A proposta de TAC foi elaborada pelo MPF como
um dos resultados de inquérito instaurado inicialmente para apurar a instalação
de uma quarta turbina na usina sem a consulta aos povos indígenas
potencialmente afetados. No entanto, durante as investigações, foi constatado
que desde a instalação da usina hidrelétrica, em 1977, nunca houve medidas para identificar e
reparar os danos sociais e ambientais causados às comunidades.
Na minuta do acordo, o MPF detalha que o
contexto de instalação da hidrelétrica era o de plena Ditadura
Empresarial-Militar, em que prevalecia o silenciamento de indígenas e
ribeirinhos que tradicionalmente ocupam a Amazônia. Nesse cenário, qualquer
reivindicação contra projetos do tipo poderia ser duramente reprimida.
“Embora a hidrelétrica Curuá-Una tenha
iniciado seu funcionamento antes do início de vigência das principais normas
ambientais, isso não impede a reparação dos danos socioambientais que
permanecem a cada renovação da licença de operação. E a reparação desses danos
causados pelo empreendimento ao longo dos anos se baseia não apenas no Direito
Ambiental, mas também na Justiça de Transição, por se tratar de uma construção
erguida durante a Ditadura Militar”, pontua o procurador da República Vítor
Vieira Alves. Além do direito à memória e verdade, a Justiça de Transição
também inclui o direito à reparação, inclusive coletiva.
• Parlamentares
pedem a Lula fim da exploração na foz do Amazonas
Um grupo de parlamentares lançou na última 6a
feira (25/4) uma carta ao presidente Lula pedindo respeito à avaliação técnica
do IBAMA em relação à exploração de petróleo no bloco FZA-M-59, na foz do rio
Amazonas. Os técnicos do órgão ambiental são contrários à liberação da licença
ambiental, mas o governo federal, incluindo o próprio presidente, seguem
pressionando pelo licenciamento do empreendimento.
O texto foi subscrito por mais de 40
deputados federais, estaduais e vereadores progressistas, de partidos como PT,
PSOL, Rede, PV e PDT, detalhou a Folha. O documento destacou que técnicos do
IBAMA foram contrários à exploração de petróleo na foz, negando a licença para
a Petrobras por duas vezes, em abril de 2023 e outubro de 2024. Ainda assim, o
órgão está sendo pressionado por várias alas do governo, como o Ministério de
Minas e Energia (MME) e a própria petroleira, além do presidente Lula, para liberar
logo a atividade.
Na carta, os parlamentares afirmaram que “a
expansão da exploração de petróleo no bioma amazônico é incompatível com as
demandas urgentes da crise climática e com a mudança global em direção a uma
transição energética justa e equitativa”, destacou o ICL Notícias. E
ressaltaram estar “comprometidos em defender o bioma amazônico, salvaguardar
sua biodiversidade e proteger os meios de vida sustentáveis de indígenas,
quilombolas, ribeirinhos e demais Povos e Comunidades Tradicionais que dependem
dele”.
Um dos signatários do documento é o deputado
federal Ivan Valente (PSOL-SP), que protocolou um projeto de lei para vedar a
exploração de petróleo na Amazônia. Nenhum congressista da Amazônia assinou a
carta, mas houve a adesão de políticos locais como a deputada estadual Lívia
Duarte (PSOL-PA) e os vereadores Cézare Pastorello (PT), de Cáceres (MT) e
Waldeir Reis (PSB), de Primavera (PA), destacou a Revista Cenarium.
Além de não explorar combustíveis fósseis na
foz do Amazonas, o documento cobra do governo um plano de transição energética.
Sempre que pode, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, diz que o
petróleo da foz irá financiar a transição. No entanto, o Plano Nacional de
Transição Energética (PLANTE), que está a cargo de Silveira, é apenas uma
ideia. E números recentes do INESC comprovam o que já se sabia: o dinheiro do
petróleo quase não é usado para ações pelo clima, muito menos para transição energética.
Mas o movimento contra a exploração de
petróleo na Amazônia não agrada os deputados estaduais do Amapá. Parlamentares
do estado assinaram uma moção de repúdio ao PL do deputado Ivan Valente,
informou o g1. Os parlamentares amapaenses destacaram a importância estratégica
da exploração petrolífera para o desenvolvimento econômico do estado – outra
falácia já comprovada pela experiência do Rio de Janeiro como “capital nacional
do petróleo” e que continua com profundas desigualdades sociais.
• Em
tempo 1: Mesmo sem ainda ter sido autorizada pelo IBAMA, a exploração de
petróleo na foz do Amazonas já cria problemas sociais no Amapá. Invasões e
ameaças têm sido notadas com maior frequência no Kulumbú do Patuazinho,
comunidade quilombola de Oiapoque, que será a principal base de apoio à
perfuração do poço que a Petrobras quer abrir no bloco 59. Segundo moradores,
os conflitos fundiários, presentes há anos, se intensificaram a partir de 2023,
quando o debate sobre a exploração de petróleo na foz ganhou força no governo
Lula, sob pressão do MME, destacou a Folha.
• Em
tempo 2: A bacia da foz do Amazonas é de “elevada sensibilidade” ambiental e
configura uma situação “inédita” para o licenciamento federal, exigindo
“intensa articulação” com o Itamaraty pela proximidade com a Guiana Francesa. A
afirmação consta em um parecer técnico do governo de Jair Bolsonaro de 2020, à
qual a Folha teve acesso. No entanto, três integrantes da atual gestão afirmam,
sob reserva, que não encontraram registro de que o Itamaraty tenha sido
procurado pelos ministérios de Meio Ambiente ou de Minas e Energia nos últimos
cinco anos, como recomenda o parecer elaborado por IBAMA e Agência Nacional de
Petróleo (ANP).
• Em
tempo 3: O ICMBio decidiu adiar a realização de consultas públicas sobre a
criação de reservas marinhas na costa do Amapá. Segundo o comunicado, a
“intensa campanha de desinformação e inverdades” foi o motivo do adiamento,
relatou o g1. Na verdade, o anúncio do órgão sobre a criação das reservas foi
seguido de protestos dos defensores da exploração de combustíveis fósseis no
bloco 59 pela Petrobras, que insinuaram que a decisão do ICMBio era uma
tentativa de impedir a emissão da licença pelo IBAMA.
Fonte: Por Pedro Faria, em Opera
Mundi/MPF-PA/Cimi

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