Fazendas gigantes de cacau na Bahia desafiam
crise mundial do chocolate
Na Bahia, o fazendeiro Moisés Schmidt está
desenvolvendo a maior fazenda de cacau do mundo.
Seu plano é revolucionar a forma como o
principal ingrediente do chocolate é produzido, cultivando cacaueiros de alto
rendimento, totalmente irrigados e fertilizados, em uma região que atualmente
não se destaca na produção.
O plano de US$ 300 milhões de Schmidt é o
maior e mais inovador da região, mas não é o único.
Há outros projetos de grande porte em
desenvolvimento. Grupos agrícolas buscam aplicar a experiência em agricultura
em escala industrial à produção de cacau para lucrar com os preços altíssimos
do produto.
Se esses planos derem certo, o centro de
gravidade do setor poderá se deslocar da África Ocidental para o Brasil.
"Acredito que o Brasil vai se tornar uma importante região para o cacau no
mundo", disse Schmidt.
Ele estima que até 500.000 hectares de
fazendas de alto rendimento poderiam ser implantadas no Brasil em dez anos, com
potencial para produzir até 1,6 milhão de toneladas de cacau.
<><> Produção mundial em queda
O Brasil produz atualmente cerca de 200.000
toneladas, enquanto a Costa do Marfim, maior produtor mundial, colhe dez vezes
mais. Gana, o segundo, produz cerca de 700.000 toneladas de grãos.
Atualmente, o setor global de cacau está em
crise. Uma combinação de fatores, como doenças nas plantas, mudanças climáticas
e plantações envelhecidas, levou a três anos consecutivos de queda na
produção..
A crise fez com que os preços do cacau quase
triplicassem em 2024, atingindo um recorde de US$ 12.931 por tonelada métrica
em dezembro. Desde então, o preço caiu para cerca de US$ 8.200, mas continua
bem acima das médias históricas.
<><> Crise como oportunidade
Para Schmidt e outros agricultores no Brasil,
a crise é vista como uma oportunidade.
Sua empresa começou a se preparar para
cultivar cacau em 2019, após concluir que haveria um déficit de fornecimento no
futuro.
A fazenda planejada de 10.000 hectares
superaria de longe as propriedades da África Ocidental, que geralmente não
passam de algumas dezenas de hectares. Há grandes fazendas em outros países
produtores, com áreas superiores a 1.000 hectares, mas ainda muito menores do
que o projeto de Schmidt.
O plano é aplicar técnicas de agricultura em
larga escala à fazenda de cacau totalmente irrigada, como se fosse um campo de
soja ou milho.
As árvores da fazenda, no município de
Riachão das Neves, no oeste da Bahia, serão agrupadas. O espaçamento será
mínimo, apenas o suficiente para permitir irrigação mecanizada e aplicação de
fertilizantes e pesticidas.
Schmidt está plantando 1.600 árvores por
hectare nas novas áreas, em comparação com apenas 300 árvores em fazendas
convencionais. A concentração deve garantir produtividade muito superior.
"A única coisa que ainda não é
mecanizada é a colheita de frutas das árvores", disse o agricultor.
<><> Gigantes de olho
A Schmidt Agrícola cultiva mais de 35.000
hectares de soja, milho e algodão na Bahia. Ela tem acordos preliminares com
produtores de chocolate e comerciantes de cacau, disse Schmidt.
A Cargill, uma das maiores comerciantes de
commodities do mundo, já é parceira na fase inicial, que envolve os 400
hectares, e negocia expandir a parceria.
Schmidt disse que grandes comerciantes de
cacau ou empresas de chocolate negociam com ele e outros agricultores no Brasil
em busca de parcerias, que envolveriam investimentos no desenvolvimento dos
projetos em troca de fornecimento garantido.
Ele não revelou as empresas, citando
cláusulas de confidencialidade.
Segundo duas fontes ouvidas pela Reuters, a
Barry Callebaut, maior fornecedora global de cacau e chocolate, negocia uma
parceria com a Fazenda Santa Colomba. O objetivo é implantar uma área de cultivo
de 5.000 a 7.000 hectares em Cocos, no oeste da Bahia.
A Barry Callebaut disse ter assinado uma
parceria com agricultores do Brasil para desenvolver uma fazenda de cacau de
5.000 hectares na Bahia, mas não citou o nome do grupo. A Santa Colomba não
comentou.
A Mars, produtora americana das barras
Snickers e M&Ms, desenvolveu um campo de testes de cacau não muito longe da
fazenda de Schmidt em Riachão das Neves.
Segundo a empresa, o local integra sua
estratégia de enfrentamento às mudanças climáticas e à redução da produtividade
global do cacau.
"A Bahia é atraente devido à topografia
plana, solos férteis, disponibilidade confiável de água e infraestrutura
agronômica estabelecida", disse Luciel Fernandes, gerente do Centro de
Ciência do Cacau da Mars no Brasil.
Produtividade maior
Nas novas fazendas de Schmidt, os cacaueiros
são cultivados a céu aberto, com muita luz solar. Isso contrasta com as
plantações tradicionais, onde os cacaueiros crescem sob sombra parcial, ao lado
de outras árvores.
A equipe de Schmidt produziu novas variedades
de cacau por meio da chamada seleção positiva, projeto que multiplica as mudas
a partir de material retirado das plantas que produziram a maior carga de
frutos em campos de teste.
As árvores de alto rendimento plantadas estão
produzindo cerca de 3.000 kg por hectare (kg/ha), ou dez vezes a produtividade
média das áreas tradicionais de cacau no Brasil.
Produções acima de 2.000 kg/ha foram obtidas
em campos de teste da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
(Ceplac), a agência de pesquisa de cacau do Brasil, usando alta densidade de
plantas.
Os pesquisadores, no entanto, disseram que os
resultados precisariam ser confirmados com o plantio em maior escala. Eles
levantaram dúvidas sobre a viabilidade dessa prática, que exigiria cuidados
extensivos com a cultura e mão de obra.
Algumas pessoas no mercado têm dúvidas sobre
essa expansão.
"Como sempre, o preço é o fator
determinante. Com preços em torno de US$ 4.000 por tonelada, o Brasil mal se
interessou", disse Pam Thornton, veterana consultora de cacau e
comerciante de grãos.
Após conversar com fazendeiros, ela disse ter
constatado que os preços precisam se manter próximos ao nível atual por mais um
ano, pelo menos, para estimular a expansão do cultivo. Para um crescimento mais
significativo, seriam necessários "vários milhares de dólares a
mais", acrescentou Thornton.
Schmidt diz que o cacau de sua operação seria
lucrativo mesmo a cerca de US$ 4.000 por tonelada. "Acima de US$ 6.000, é
muito melhor do que a soja ou o milho", pontuou.
<><> Riscos
Nem todos estão otimistas. A fitopatologista
Karina Peres Gramacho, da Ceplac, alerta para os riscos dessas grandes
plantações no oeste da Bahia.
Segundo ela, o uso de milhares de clones
idênticos pode tornar as plantações vulneráveis a doenças, comuns no cultivo de
cacau.
O Brasil já foi o segundo maior produtor de
cacau, atrás apenas da Costa do Marfim, mas um fungo devastador na década de
1980, conhecido como Vassoura de Bruxa, devastou milhares de hectares.
Para evitar esse cenário, Gramacho apoia a
ideia de usar variedades mais desenvolvidas e adequadas à região.
Analistas também questionam a qualidade do
cacau cultivado sob sol pleno, já que frutos produzidos à sombra tendem a ter
sabor superior.
Cristiano Villela Dias, diretor científico do
Centro de Inovação do Cacau (CIC) do Brasil, afirma que testes iniciais com
frutos do oeste da Bahia não mostraram diferença perceptível no sabor.
"A qualidade das amêndoas é muito
semelhante ao melhor cacau produzido no Brasil ou em outros países", disse
Villela.
A Mars disse que testou o cacau produzido na
área e não identificou "diferença fundamental no sabor ou na
qualidade" que possa ser associada ao cultivo a pleno sol.
• Crise
global do cacau fez os preços do chocolate disparar
O aumento do preço do cacau a níveis recordes
atinge produtores, fabricantes e consumidores de chocolate a nível global. O
valor da amêndoa no mercado mundial disparou no final de 2024, ano em que
atingiu o maior custo da última década.
A escalada tornou a commodity mais cara do
que o cobre, e os preços se mantiveram altos em 2025.
Porém, enquanto grandes fabricantes de
chocolate devem conseguir manter seus lucros, a baixa oferta pressiona
principalmente os agricultores.
A quebra da safra de produtores africanos é
tomada como o principal motivo dos custos elevados. Cerca de 65% das amêndoas
de cacau do mundo vêm de quatro países da África Ocidental: Costa do Marfim,
Gana, Nigéria e Camarões.
Mas uma colheita catastrófica atingiu a
região em 2024, derrubando a oferta disponível do produto no mercado.
No centro do problema está a dispersão de um
vírus que causa a doença do broto inchado do cacau (CSSV, da sigla em inglês).
O agente infeccioso se espalha de árvore em árvore e pode reduzir a
produtividade em 50% em apenas dois anos.
Um relatório da Organização Internacional do
Cacau mostrou que 81% das plantações em Gana – o segundo maior produtor de
cacau do mundo – estão infectadas com o CSSV. A doença também se espalha na
Costa do Marfim e já afetou cerca de 60% da produção mundial.
Além disso, a ONG americana Climate Central
também atribui o problema às mudanças climáticas, que tornam as temperaturas
mais elevadas em lugares como Costa do Marfim, Gana, Camarões e Nigéria.
Um estudo realizado pela organização com sede
em Nova Jersey mostra que temperaturas acima de 32°C podem reduzir a qualidade
e a quantidade das colheitas, razão pela qual o calor excessivo afetaria
negativamente as principais regiões produtoras de cacau.
Além disso, o chamado fenômeno climático El
Niño levou a um período prolongado de chuvas ou secas, prejudicando a produção.
No Brasil, sexto produtor mundial de cacau,
dados da Agência Brasil indicam que a perspectiva é de aumento da safra, depois
de uma série de quedas. Investimentos em novas áreas de produção e no
processamento do cacau impulsionam a colheita.
A produção no país, porém, também é afetada
pelos altos custos e volatilidade do mercado, o que leva a um aumento dos
preços dos produtos derivados.
<><> Preços altos, lucros ainda
maiores
O alemão Oliver Coppeneur, que produz
chocolate na pequena Bad Honnef, na Alemanha, desde a década de 1990, é um dos
muitos fabricantes que precisou aumentar o custo do seu produto após a quebra
de safra.
Coppeneur disse que a escalada dos preços do
cacau tornará "os produtos de chocolate igualmente caros", o que
poderia eventualmente resultar em uma "diminuição significativa no
volume" do mercado.
Até agora, porém, ele está lidando com a
situação sem demitir seus funcionários, e tenta manter os preços estáveis.
Citando dados oficiais do governo, a agência
de notícias Bloomberg afirmou que "pelo menos uma dúzia de empresas
familiares de chocolates fecharam em toda a Europa" em 2024.
Os varejistas de confeitos alemães Arko,
Hussel e Eilles entraram com pedido de proteção contra falência em 2024.
Enquanto isso, a escassez de cacau também é
sentida diretamente pelos consumidores europeus, com os preços do chocolate
aumentando 35% desde 2020.
Mas Friedel Hütz-Adams, pesquisador do
Instituto Südwind em Bonn, Alemanha, entende que os grandes fabricantes
europeus de chocolate "geralmente têm conseguido repassar o aumento dos
preços do cacau" aos consumidores.
"Seus lucros estáveis no ano passado
indicam que pelo menos as grandes empresas conseguiram lidar com os preços
altos (...) e, em alguns casos, até conseguiram obter lucros maiores do que
antes", disse ele.
A fabricante suíça de chocolates Lindt, por
exemplo, disse em janeiro que enfrentou um "ano desafiador, caracterizado
por custos de cacau recorde, aumentos substanciais de preços e enfraquecimento
do sentimento do consumidor".
Acrescentou ainda que, para compensar os
custos, teve de "ajustar seus preços" e teria de fazer o mesmo este
ano.
<><> As próximas gerações ainda
terão chocolate?
Clay Gordon, criador do TheChocolateLife, uma
comunidade online para "chocófilos e aspirantes a chocófilos",
defende que o chocolate tem sido, historicamente, "um alimento à prova de
recessão". Ele afirma no site da plataforma que "as pessoas compram
chocolate para se sentirem felizes".
Hütz-Adams, do Südwind, entende que as vendas
relativamente estáveis das fabricantes são uma indicação de que "os
clientes são capazes de lidar com os preços mais altos e continuam a comprar
chocolate".
No entanto, ele observou que, durante anos, a
maioria dos agricultores da África Ocidental "quase não teve recursos para
implementar boas práticas agrícolas", o que levou a um declínio no
rendimento das colheitas por hectare.
Segundo ele, os preços persistentemente
baixos do cacau nos anos anteriores levaram os trabalhadores a não serem pagos
e ao trabalho infantil generalizado.
"Violações maciças dos direitos humanos
são comuns e podem diminuir no futuro devido aos preços mais altos",
acrescentou Hütz-Adams.
O produtor Oliver Coppeneur também entende
que o preço do cacau tem sido tão baixo ao longo das décadas que os
agricultores não têm tido recursos para aumentar sua produção.
Assim como outros especialistas do setor, ele
adverte que, sem investimentos em rendimentos mais altos e colheitas
resistentes às mudanças climáticas, as oscilações no preço serão inevitáveis no
futuro.
"As próximas gerações [de produtores]
precisam se perguntar: 'Queremos continuar com esse trabalho, queremos
continuar trabalhando na fazenda?", disse Coppeneur, acrescentando que, se
as empresas de chocolate não investirem nos produtores de cacau, "não
devemos nos surpreender se a próxima geração não tiver mais ninguém".
Fonte: Reuters/DW Brasil

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