terça-feira, 29 de abril de 2025

Fazendas gigantes de cacau na Bahia desafiam crise mundial do chocolate

Na Bahia, o fazendeiro Moisés Schmidt está desenvolvendo a maior fazenda de cacau do mundo.

Seu plano é revolucionar a forma como o principal ingrediente do chocolate é produzido, cultivando cacaueiros de alto rendimento, totalmente irrigados e fertilizados, em uma região que atualmente não se destaca na produção.

O plano de US$ 300 milhões de Schmidt é o maior e mais inovador da região, mas não é o único.

Há outros projetos de grande porte em desenvolvimento. Grupos agrícolas buscam aplicar a experiência em agricultura em escala industrial à produção de cacau para lucrar com os preços altíssimos do produto.

Se esses planos derem certo, o centro de gravidade do setor poderá se deslocar da África Ocidental para o Brasil. "Acredito que o Brasil vai se tornar uma importante região para o cacau no mundo", disse Schmidt.

Ele estima que até 500.000 hectares de fazendas de alto rendimento poderiam ser implantadas no Brasil em dez anos, com potencial para produzir até 1,6 milhão de toneladas de cacau.

<><> Produção mundial em queda

O Brasil produz atualmente cerca de 200.000 toneladas, enquanto a Costa do Marfim, maior produtor mundial, colhe dez vezes mais. Gana, o segundo, produz cerca de 700.000 toneladas de grãos.

Atualmente, o setor global de cacau está em crise. Uma combinação de fatores, como doenças nas plantas, mudanças climáticas e plantações envelhecidas, levou a três anos consecutivos de queda na produção..

A crise fez com que os preços do cacau quase triplicassem em 2024, atingindo um recorde de US$ 12.931 por tonelada métrica em dezembro. Desde então, o preço caiu para cerca de US$ 8.200, mas continua bem acima das médias históricas.

<><> Crise como oportunidade

Para Schmidt e outros agricultores no Brasil, a crise é vista como uma oportunidade.

Sua empresa começou a se preparar para cultivar cacau em 2019, após concluir que haveria um déficit de fornecimento no futuro.

A fazenda planejada de 10.000 hectares superaria de longe as propriedades da África Ocidental, que geralmente não passam de algumas dezenas de hectares. Há grandes fazendas em outros países produtores, com áreas superiores a 1.000 hectares, mas ainda muito menores do que o projeto de Schmidt.

O plano é aplicar técnicas de agricultura em larga escala à fazenda de cacau totalmente irrigada, como se fosse um campo de soja ou milho.

As árvores da fazenda, no município de Riachão das Neves, no oeste da Bahia, serão agrupadas. O espaçamento será mínimo, apenas o suficiente para permitir irrigação mecanizada e aplicação de fertilizantes e pesticidas.

Schmidt está plantando 1.600 árvores por hectare nas novas áreas, em comparação com apenas 300 árvores em fazendas convencionais. A concentração deve garantir produtividade muito superior.

"A única coisa que ainda não é mecanizada é a colheita de frutas das árvores", disse o agricultor.

<><> Gigantes de olho

A Schmidt Agrícola cultiva mais de 35.000 hectares de soja, milho e algodão na Bahia. Ela tem acordos preliminares com produtores de chocolate e comerciantes de cacau, disse Schmidt.

A Cargill, uma das maiores comerciantes de commodities do mundo, já é parceira na fase inicial, que envolve os 400 hectares, e negocia expandir a parceria.

Schmidt disse que grandes comerciantes de cacau ou empresas de chocolate negociam com ele e outros agricultores no Brasil em busca de parcerias, que envolveriam investimentos no desenvolvimento dos projetos em troca de fornecimento garantido.

Ele não revelou as empresas, citando cláusulas de confidencialidade.

Segundo duas fontes ouvidas pela Reuters, a Barry Callebaut, maior fornecedora global de cacau e chocolate, negocia uma parceria com a Fazenda Santa Colomba. O objetivo é implantar uma área de cultivo de 5.000 a 7.000 hectares em Cocos, no oeste da Bahia.

A Barry Callebaut disse ter assinado uma parceria com agricultores do Brasil para desenvolver uma fazenda de cacau de 5.000 hectares na Bahia, mas não citou o nome do grupo. A Santa Colomba não comentou.

A Mars, produtora americana das barras Snickers e M&Ms, desenvolveu um campo de testes de cacau não muito longe da fazenda de Schmidt em Riachão das Neves.

Segundo a empresa, o local integra sua estratégia de enfrentamento às mudanças climáticas e à redução da produtividade global do cacau.

"A Bahia é atraente devido à topografia plana, solos férteis, disponibilidade confiável de água e infraestrutura agronômica estabelecida", disse Luciel Fernandes, gerente do Centro de Ciência do Cacau da Mars no Brasil.

Produtividade maior

Nas novas fazendas de Schmidt, os cacaueiros são cultivados a céu aberto, com muita luz solar. Isso contrasta com as plantações tradicionais, onde os cacaueiros crescem sob sombra parcial, ao lado de outras árvores.

A equipe de Schmidt produziu novas variedades de cacau por meio da chamada seleção positiva, projeto que multiplica as mudas a partir de material retirado das plantas que produziram a maior carga de frutos em campos de teste.

As árvores de alto rendimento plantadas estão produzindo cerca de 3.000 kg por hectare (kg/ha), ou dez vezes a produtividade média das áreas tradicionais de cacau no Brasil.

Produções acima de 2.000 kg/ha foram obtidas em campos de teste da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), a agência de pesquisa de cacau do Brasil, usando alta densidade de plantas.

Os pesquisadores, no entanto, disseram que os resultados precisariam ser confirmados com o plantio em maior escala. Eles levantaram dúvidas sobre a viabilidade dessa prática, que exigiria cuidados extensivos com a cultura e mão de obra.

Algumas pessoas no mercado têm dúvidas sobre essa expansão.

"Como sempre, o preço é o fator determinante. Com preços em torno de US$ 4.000 por tonelada, o Brasil mal se interessou", disse Pam Thornton, veterana consultora de cacau e comerciante de grãos.

Após conversar com fazendeiros, ela disse ter constatado que os preços precisam se manter próximos ao nível atual por mais um ano, pelo menos, para estimular a expansão do cultivo. Para um crescimento mais significativo, seriam necessários "vários milhares de dólares a mais", acrescentou Thornton.

Schmidt diz que o cacau de sua operação seria lucrativo mesmo a cerca de US$ 4.000 por tonelada. "Acima de US$ 6.000, é muito melhor do que a soja ou o milho", pontuou.

<><> Riscos

Nem todos estão otimistas. A fitopatologista Karina Peres Gramacho, da Ceplac, alerta para os riscos dessas grandes plantações no oeste da Bahia.

Segundo ela, o uso de milhares de clones idênticos pode tornar as plantações vulneráveis a doenças, comuns no cultivo de cacau.

O Brasil já foi o segundo maior produtor de cacau, atrás apenas da Costa do Marfim, mas um fungo devastador na década de 1980, conhecido como Vassoura de Bruxa, devastou milhares de hectares.

Para evitar esse cenário, Gramacho apoia a ideia de usar variedades mais desenvolvidas e adequadas à região.

Analistas também questionam a qualidade do cacau cultivado sob sol pleno, já que frutos produzidos à sombra tendem a ter sabor superior.

Cristiano Villela Dias, diretor científico do Centro de Inovação do Cacau (CIC) do Brasil, afirma que testes iniciais com frutos do oeste da Bahia não mostraram diferença perceptível no sabor.

"A qualidade das amêndoas é muito semelhante ao melhor cacau produzido no Brasil ou em outros países", disse Villela.

A Mars disse que testou o cacau produzido na área e não identificou "diferença fundamental no sabor ou na qualidade" que possa ser associada ao cultivo a pleno sol.

•        Crise global do cacau fez os preços do chocolate disparar

O aumento do preço do cacau a níveis recordes atinge produtores, fabricantes e consumidores de chocolate a nível global. O valor da amêndoa no mercado mundial disparou no final de 2024, ano em que atingiu o maior custo da última década.

A escalada tornou a commodity mais cara do que o cobre, e os preços se mantiveram altos em 2025.

Porém, enquanto grandes fabricantes de chocolate devem conseguir manter seus lucros, a baixa oferta pressiona principalmente os agricultores.

A quebra da safra de produtores africanos é tomada como o principal motivo dos custos elevados. Cerca de 65% das amêndoas de cacau do mundo vêm de quatro países da África Ocidental: Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Camarões.

Mas uma colheita catastrófica atingiu a região em 2024, derrubando a oferta disponível do produto no mercado.

No centro do problema está a dispersão de um vírus que causa a doença do broto inchado do cacau (CSSV, da sigla em inglês). O agente infeccioso se espalha de árvore em árvore e pode reduzir a produtividade em 50% em apenas dois anos.

Um relatório da Organização Internacional do Cacau mostrou que 81% das plantações em Gana – o segundo maior produtor de cacau do mundo – estão infectadas com o CSSV. A doença também se espalha na Costa do Marfim e já afetou cerca de 60% da produção mundial.

Além disso, a ONG americana Climate Central também atribui o problema às mudanças climáticas, que tornam as temperaturas mais elevadas em lugares como Costa do Marfim, Gana, Camarões e Nigéria.

Um estudo realizado pela organização com sede em Nova Jersey mostra que temperaturas acima de 32°C podem reduzir a qualidade e a quantidade das colheitas, razão pela qual o calor excessivo afetaria negativamente as principais regiões produtoras de cacau.

Além disso, o chamado fenômeno climático El Niño levou a um período prolongado de chuvas ou secas, prejudicando a produção.

No Brasil, sexto produtor mundial de cacau, dados da Agência Brasil indicam que a perspectiva é de aumento da safra, depois de uma série de quedas. Investimentos em novas áreas de produção e no processamento do cacau impulsionam a colheita.

A produção no país, porém, também é afetada pelos altos custos e volatilidade do mercado, o que leva a um aumento dos preços dos produtos derivados.

<><> Preços altos, lucros ainda maiores

O alemão Oliver Coppeneur, que produz chocolate na pequena Bad Honnef, na Alemanha, desde a década de 1990, é um dos muitos fabricantes que precisou aumentar o custo do seu produto após a quebra de safra.

Coppeneur disse que a escalada dos preços do cacau tornará "os produtos de chocolate igualmente caros", o que poderia eventualmente resultar em uma "diminuição significativa no volume" do mercado.

Até agora, porém, ele está lidando com a situação sem demitir seus funcionários, e tenta manter os preços estáveis.

Citando dados oficiais do governo, a agência de notícias Bloomberg afirmou que "pelo menos uma dúzia de empresas familiares de chocolates fecharam em toda a Europa" em 2024.

Os varejistas de confeitos alemães Arko, Hussel e Eilles entraram com pedido de proteção contra falência em 2024.

Enquanto isso, a escassez de cacau também é sentida diretamente pelos consumidores europeus, com os preços do chocolate aumentando 35% desde 2020.

Mas Friedel Hütz-Adams, pesquisador do Instituto Südwind em Bonn, Alemanha, entende que os grandes fabricantes europeus de chocolate "geralmente têm conseguido repassar o aumento dos preços do cacau" aos consumidores.

"Seus lucros estáveis no ano passado indicam que pelo menos as grandes empresas conseguiram lidar com os preços altos (...) e, em alguns casos, até conseguiram obter lucros maiores do que antes", disse ele.

A fabricante suíça de chocolates Lindt, por exemplo, disse em janeiro que enfrentou um "ano desafiador, caracterizado por custos de cacau recorde, aumentos substanciais de preços e enfraquecimento do sentimento do consumidor".

Acrescentou ainda que, para compensar os custos, teve de "ajustar seus preços" e teria de fazer o mesmo este ano.

<><> As próximas gerações ainda terão chocolate?

Clay Gordon, criador do TheChocolateLife, uma comunidade online para "chocófilos e aspirantes a chocófilos", defende que o chocolate tem sido, historicamente, "um alimento à prova de recessão". Ele afirma no site da plataforma que "as pessoas compram chocolate para se sentirem felizes".

Hütz-Adams, do Südwind, entende que as vendas relativamente estáveis das fabricantes são uma indicação de que "os clientes são capazes de lidar com os preços mais altos e continuam a comprar chocolate".

No entanto, ele observou que, durante anos, a maioria dos agricultores da África Ocidental "quase não teve recursos para implementar boas práticas agrícolas", o que levou a um declínio no rendimento das colheitas por hectare.

Segundo ele, os preços persistentemente baixos do cacau nos anos anteriores levaram os trabalhadores a não serem pagos e ao trabalho infantil generalizado.

"Violações maciças dos direitos humanos são comuns e podem diminuir no futuro devido aos preços mais altos", acrescentou Hütz-Adams.

O produtor Oliver Coppeneur também entende que o preço do cacau tem sido tão baixo ao longo das décadas que os agricultores não têm tido recursos para aumentar sua produção.

Assim como outros especialistas do setor, ele adverte que, sem investimentos em rendimentos mais altos e colheitas resistentes às mudanças climáticas, as oscilações no preço serão inevitáveis no futuro.

"As próximas gerações [de produtores] precisam se perguntar: 'Queremos continuar com esse trabalho, queremos continuar trabalhando na fazenda?", disse Coppeneur, acrescentando que, se as empresas de chocolate não investirem nos produtores de cacau, "não devemos nos surpreender se a próxima geração não tiver mais ninguém".

 

Fonte: Reuters/DW Brasil

 

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