Os imigrantes brasileiros que querem voltar
dos EUA por causa de Trump
Quando o paulistano Caio Marchetti Minniti se
mudou para Miami, em 2003, a economia dos Estados Unidos estava em alta.
O Produto Interno Bruto americano era sete
vezes maior que o da China (hoje, é 1,5 vez maior), e a hegemonia do dólar
estava longe de ser desafiada.
Na época, recém-formado em Engenharia na
Universidade Mackenzie e ex-aluno do Colégio Dante Alighieri, duas tradicionais
instituições de ensino de São Paulo, Minniti aceitou a proposta de um amigo
brasileiro para trabalhar em uma empresa de importação em Miami.
Desde então, ele deixou aquele emprego, virou
manobrista, trabalhou como entregador de comida e assessorou brasileiros que
vão a Miami fazer compras.
Vinte e dois anos depois de chegar à Flórida,
hoje com 50 anos de idade e motorista de Uber, Minniti está preocupado com os
rumos do país após a posse de Donald Trump.
E, mesmo morando nos EUA legalmente, quer
voltar ao Brasil.
"Ele [Trump] tem ideias boas, mas está
sendo muito radical, prejudicando muito a classe média e a classe baixa",
diz o brasileiro.
"Agora mesmo, neste momento, só penso em
ir embora. Está muito ruim aqui, muito sofrido."
Caio se define politicamente como "mais
para o lado dos Republicanos", o partido de Trump, e diz que estava
animado com seu retorno à Casa Branca.
Mas afirma que algumas políticas de Trump
para a economia abalaram seu otimismo.
Uma delas foi a imposição de altas tarifas
sobre produtos importados de diversos países com o argumento de proteger a
indústria americana. Desde então, essas tarifas foram reduzidas para 10% na
maioria dos casos — com exceção da China, cujas tarifas foram elevadas para
145%.
"Essas tarifas estão mexendo com toda a
economia americana e provavelmente vão afetar o turismo por aqui", diz
Caio.
"O movimento no porto e no aeroporto de
Miami já caiu bem, e deve piorar ainda mais."
O turismo em Miami já sofre o impacto de
outras ações de Trump: a imposição de tarifas sobre o Canadá e a proposta de
transformar o país em um Estado dos EUA.
Em 2024, o Canadá foi o país que mais enviou
turistas à Flórida: 3,3 milhões de pessoas, segundo dados da agência oficial de
turismo do Estado.
Porém, segundo uma reportagem no jornal Tampa
Bay Times, a WestJet, segunda maior companhia aérea do Canadá, reportou uma
queda de 25% nas vendas de bilhetes para voos entre EUA e Canadá neste ano.
Analistas atribuem a queda a um crescente
sentimento nacionalista entre os canadenses, que estariam evitando viagens aos
EUA e boicotando produtos americanos em resposta às ações de Trump.
Caio também critica o que ele considera um
endurecimento da repressão, por parte do governo Trump, contra imigrantes em
situação irregular sem antecedentes criminais.
Dados da agência de imigração dos EUA, a
Immigration and Customs Enforcement, citados pelo site de notícias Axios
mostram que, em 23 de março, havia 47.892 pessoas detidas no país por motivos
migratórios - alta de 30% em relação à mesma data de 2024.
Segundo Caio, as batidas frequentes da
agência deixaram muitos estrangeiros em pânico — até mesmo alguns, que, como
ele, têm o green card, a autorização para morar nos EUA de forma permanente.
O brasileiro diz ser favorável à deportação
de imigrantes com problemas criminais, mas afirma que essa não é a realidade de
muitos que vêm sendo expulsos.
"Eles estão pegando qualquer um,
basicamente", afirma.
Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu
deportar entre 15 e 20 milhões de imigrantes, ressaltando que o foco principal
da medida seriam aqueles com antecedentes criminais.
No fim de janeiro, no entanto, a secretária
de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que a gestão atual vê como
"criminosos" todos os imigrantes que estejam no país irregularmente —
e não apenas os que tenham cometidos outros tipos de crime.
"É uma grande mudança cultural em nossa
nação ver alguém que infringe nossas leis de imigração como um criminoso, mas é
exatamente isso que eles são", Leavitt afirmou na ocasião.
Em janeiro, o tratamento dado a imigrantes
pelo governo Trump ganhou destaque na imprensa brasileira após a chegada ao
país de um avião com 88 brasileiros deportados pelos EUA.
Alguns passageiros disseram a jornalistas que
foram agredidos por agentes americanos durante o voo e que o avião estava em
condições precárias.
Na ocasião, o governo brasileiro divulgou uma
nota criticando os EUA por terem algemado os imigrantes durante o voo.
Questionado pela BBC News Brasil sobre
críticas de que estaria cometendo excessos e mirando muitos imigrantes que não
representam riscos aos EUA, a agência migratória dos EUA não respondeu até a
publicação desta reportagem.
Em seu site, o órgão diz realizar detenções
para garantir o comparecimento do imigrante a "procedimentos de imigração,
facilitar remoções para seus países de cidadania e proteger a segurança pública
em casos em que o histórico criminal de um estrangeiro possa representar um
risco para terceiros".
Caio Minniti diz que a frequência das batidas
parece ter diminuído nas últimas semanas, mas muitos imigrantes ainda evitam
sair de casa com medo de serem pegos.
Afirma ainda que, na rotina como motorista de
Uber, já percebe sinais de um esfriamento da economia que atribui ao governo de
Trump: o número de corridas diminuiu, enquanto os custos com financiamento,
seguro e gasolina permanecem altos.
"Não está mais valendo a pena ficar
aqui", afirma.
• 'Sono
de Cinderela'
O medo de ser detido ou deportado também é
grande entre brasileiros que moram no Estado de Massachusetts, segundo a
diretora brasileira de uma organização que atua junto ao grupo.
O Ministério de Relações Exteriores estima
que 420 mil brasileiros — muitos deles em situação migratória irregular — vivam
em Massachusetts, Estado que abriga a maior comunidade brasileira nos EUA.
"Percebemos que a comunidade saiu de seu
sono profundo de Cinderela", diz a brasileira, que pediu para não ser
identificada por temer represálias.
Ela afirma que muitos brasileiros festejaram
a vitória de Trump e pensavam que não seriam afetados por suas políticas.
Agora, diz que vários estão planejando
retornar ao Brasil por causa da nova política de imigração do país e de temores
sobre a economia.
Segundo ela, o movimento é confirmado pelo
aumento no número de brasileiros que têm pedido ajuda de sua organização para
obter um atestado de residência no Consulado do Brasil em Boston.
Com esse documento, quem chega ao Brasil de
mudança, com móveis e eletrônicos comprados no exterior, fica isento das taxas
cobradas de outros viajantes.
Segundo um servidor do Ministério de Relações
Exteriores ouvido pela BBC News Brasil, o número de pedidos por atestados de
residência no Consulado do Brasil em Boston quadruplicou desde o início do
governo Trump, passando de cerca de 45 por mês para cerca de 200 por mês.
O servidor, que também pediu para não ser
identificado, disse ainda que os pedidos de registro de nascimento no consulado
aumentaram dez vezes desde janeiro.
Para dar conta da maior demanda, todos os
funcionários do consulado foram realocados para atuar na emissão de documentos
e estão trabalhando em fins de semana e feriados, afirma o servidor.
Registros de nascimento são necessários para
que crianças nascidas nos EUA e filhas de brasileiros possam obter a cidadania
brasileira.
Segundo o servidor, a alta nos pedidos
reflete o temor de que pais brasileiros sejam detidos pela imigração e
separados dos filhos que tenham nascido nos EUA.
Isso porque, segundo a Constituição
americana, todos que nascem no país se tornam automaticamente cidadãos
americanos, mesmo que seus pais não estejam com sua situação regular.
Quando esses imigrantes que têm filhos
americanos são deportados, as crianças podem ficar sob a guarda do governo dos
EUA se só tiverem a cidadania americana. Por isso a corrida das famílias para
registrar seus filhos também como brasileiros.
Trump tentou acabar com concessão de
cidadania automática quem nasce nos EUA, mas a Justiça barrou a medida.
Muitos brasileiros que moram nos Estados
Unidos têm feito alertas sobre as políticas migratórias de Trump nas redes
sociais.
Em vídeo publicado em 31 de março, o youtuber
Geraldo Afonso, que diz morar no país há sete anos, relatou ter percebido
"muita gente com medo, muita gente voltando voluntariamente" ao
Brasil.
Responsável pelo canal Viver na América, que
soma mais de 500 mil inscritos, Afonso dá um recado no vídeo:
"Você, que está pensando em vir para cá
ilegal, não venha, porque a situação está difícil, e você que já está aqui,
coloca as barbas de molho, busque um plano B para voltar ao Brasil ou se
legalizar, porque a sua hora vai chegar."
• Valeu
a pena?
Para o engenheiro paulistano Caio Minniti,
que hoje trabalha como motorista de Uber em Miami, as turbulências do novo
governo catalisaram reflexões sobre sua escolha de migrar para os EUA há 22
anos — e sobre suas decisões profissionais que, ao longo do tempo, o afastaram
de sua área de formação.
Poucos anos após sua chegada à Flórida, a
importadora em que ele trabalhava fechou, e o amigo que lhe oferecera o emprego
voltou ao Brasil.
"Fiquei meio perdido e fui trabalhar
como manobrista em um valet parking. Ganhava um dinheirinho, pagava contas,
sobrava um pouquinho, e assim ia levando."
Depois, ele virou motorista particular e
começou a assessorar brasileiros que viajavam a Miami para fazer compras.
Até que, por volta de 2018, a procura pelo
serviço começou a diminuir, conforme mais pessoas passaram a fazer compras pela
internet e o real foi perdendo valor frente ao dólar.
O brasileiro passou, então, a depender
exclusivamente do trabalho como motorista de Uber — uma atividade que, segundo
ele, é fortemente impactada por oscilações econômicas.
Dois anos atrás, ele diz que conseguia ganhar
por volta de US$ 250 por dia com as corridas.
Hoje, afirma que os valores caíram para uma
faixa entre US$ 100 e US$ 150 por dia — montante que ele considera inferior ao
necessário para que a atividade valha a pena. Para conseguir arcar com as
despesas com o veículo, pagar aluguel e ainda guardar um pouco, diz que teria
de ganhar US$ 250 por dia, valor que hoje só alcança em feriados ou dias de
grandes eventos na cidade.
Com as incertezas que rondam a economia
americana, Caio vem planejando o retorno ao Brasil. Solteiro e sem família nos
EUA, a mudança não seria tão difícil.
Mas será que, tendo se formado em engenharia
e estudado em um colégio renomado, suas perspectivas profissionais hoje não
seriam melhores se ele tivesse ficado no Brasil?
"Agora, você pegou no meu ponto
fraco", afirma Caio.
"Talvez eu tenha desperdiçado
oportunidades e 22 anos da minha vida morando aqui."
Fonte: BBC News Brasil

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