‘Sobrevivendo ao impossível’, fotógrafa
registra a luta diária dos cubanos para enfrentar o colapso econômico do país
A principal fonte de inspiração da fotógrafa
mexicana Sandra Hernández é um livro póstumo.
O infraordinário, do escritor francês Georges
Perec, é um inventário da realidade e da vida cotidiana, temas que também se
tornaram protagonistas no trabalho de Hernández.
"Os registros fotográficos da memória
muitas vezes só focam em acontecimentos extraordinários, ou seja, no branco e
no preto da humanidade", explicou em entrevista à BBC News Mundo (serviços
de notícias em espanhol da BBC).
"Eu gosto de me concentrar no cinza,
porque é onde muitos de nós nos encontramos. Não importa o lugar, são histórias
com as quais a maioria de nós consegue se identificar e explorar sentimentos
que são universais."
Assim nasceu o último trabalho de Hernández,
Sobrevivendo ao impossível, um projeto que retrata os desafios diários que os
cubanos enfrentam por causa do colapso econômico do país, "mas para além
dos clichês".
"A primeira foto diz muito sobre a
situação típica de uma família em Cuba", explica Hernández, em referência
à imagem que abre esta reportagem.
"Cuba é uma ilha onde a maioria das
casas é cheia de mulheres, mães que cuidam de seus filhos porque os pais
costumam estar ausentes. Muitos homens migram primeiro para ganhar dinheiro e
depois levam suas famílias", relata.
A economia cubana encolheu 12% desde 2019. O
governo do presidente Miguel Díaz-Canel culpa as sanções dos Estados Unidos e a
pandemia de covid-19 pela crise.
A grande depressão desencadeou uma onda de
inflação, escassez de água, combustíveis e produtos básicos, além de apagões
diários que afetam grande parte da população.
"Cuba é o impossível", enfatiza
Hernández, citando o famoso novelista cubano Reinaldo Arenas.
A fotógrafa é testemunha de como a produção
nas padarias tem diminuído progressivamente devido à escassez de ingredientes,
o que provocou um racionamento generalizado de alimentos.
A escassez e os racionamentos têm tornado a
vida dos cubanos ainda mais difícil e impulsionado a emigração.
"Vários padeiros de El Criollo, em
Trinidad, me perguntaram se poderia tirá-los de Cuba", conta Hernández.
"Me disseram que haviam visto fotos do
México e que gostariam de viver lá."
A fotógrafa mexicana explica que a vida
doméstica em Cuba muitas vezes transborda para as ruas, devido à crise, às
condições de superlotação e à falta de espaço adequado nas casas.
Talvez isso ajude a explicar por que cada vez
menos cubanas querem ter filhos.
Segundo dados oficiais do Escritório Nacional
de Estatística e Informação de Cuba (Onei, na sigla em espanhol), em 2024 foram
registrados um total de 71 mil nascimentos, 19 mil a menos do que em 2023,
"o número mais baixo das últimas décadas".
O levantamento mostra que a população cubana,
que durante anos foi formada por pouco mais de 11 milhões de pessoas, hoje é de
cerca de 9,7 milhões.
A ilha tem hoje a mesma população que tinha
há 40 anos.
Na Cuba atual também é comum que os avós se
encarreguem do cuidado das crianças em casa, principalmente quando ambos os
pais trabalham.
"Muitos têm problemas de saúde, mas
mesmo assim precisam cuidar dos netos enquanto os pais saem para ver o que
conseguem", explica Hernández.
Enquanto a população cubana está em
"queda livre" devido à migração e à baixa taxa de natalidade, os
idosos são o único grupo populacional que continua crescendo.
Cuba conta hoje com uma das populações mais
envelhecidas da América Latina.
Mais de um quarto da população tem 60 anos ou
mais, segundo os dados oficiais mais recentes.
De acordo com o Observatório Cubano de
Direitos Humanos, apenas 20% dos idosos com mais de 65 anos têm acesso aos
medicamentos que precisam.
Sandra Hernández visitou Cuba pela primeira
vez em 2022 e, desde então, fez três viagens à ilha.
Ela afirma que se apaixonou tanto por Cuba
quanto pelo povo de lá. "Os cubanos são pessoas resilientes, extremamente
calorosas e alegres", acrescenta.
"As pessoas em Cuba estão dispostas a
contar suas histórias, a serem vistas. Muitos turistas que vão tirar fotos nas
ruas, não tem muito interesse pelo que acontece na vida dos cubanos, que
inclusive vivem com as portas abertas."
Hernández ressalta que os cubanos se sentem
abandonados.
"Eles já não esperam ajuda, sabem que
foram esquecidos, e entre si têm se apoiado em uma situação que é
extrema."
A fotógrafa explica que muitos estudantes
cubanos abandonam os estudos devido às dificuldades econômicas, obrigações
familiares e falta de interesse.
Segundo o Observatório Cubano de Direitos
Humanos, quase 90% dos cubanos vivem na extrema pobreza. A ilha, por sua vez,
vive uma das ondas de emigração mais significativas da história.
Mais de 850 mil migrantes cubanos chegaram
aos Estados Unidos desde 2022, segundo dados divulgados no fim de 2024 pela
agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (CBP, na siga
em inglês).
Em sua última visita a Cuba, em novembro de
2024, Hernández viveu um apagão de três dias, causado pelo furacão Rafael.
"Foi um furação de categoria 3. Não foi
tão forte, mas em um país como Cuba, onde tudo está por um fio, foi
devastador", lembra.
A fotógrafa descreve o apagão como um momento
de muita angústia, mas extremamente comovente.
"Eu sabia que em algum momento eu iria
voltar para o México, mas testemunhar como os cubanos tentam lidar com uma
situação como essa não foi fácil."
Fonte: BBC News Mundo

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