quarta-feira, 30 de abril de 2025

Consumo de ultraprocessados aumenta risco de morte prematura, diz estudo

À medida que você adiciona mais alimentos ultraprocessados à sua dieta, seu risco de morte prematura por qualquer causa aumenta. É o que diz uma nova meta-análise de pesquisas envolvendo mais de 240 mil pessoas.

“Analisamos o risco de uma pessoa morrer por consumir mais alimentos ultraprocessados entre as idades de 30 e 69 anos, um período em que seria prematuro morrer”, disse Carlos Augusto Monteiro, coautor do estudo e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).

“Descobrimos que para cada aumento de 10% no total de calorias provenientes de alimentos ultraprocessados, o risco de morrer prematuramente aumentou em quase 3%“, disse Monteiro, que cunhou o termo “ultraprocessado” em 2009 quando desenvolveu o NOVA, um sistema de classificação de alimentos em quatro grupos por seu nível de processamento.

O grupo um do sistema NOVA são alimentos não processados ou minimamente processados em seu estado natural, como frutas, vegetais, carne, leite e ovos. O grupo dois inclui ingredientes culinários como sal, ervas e óleos. O grupo três consiste em alimentos processados que combinam os grupos um e dois — conservas e vegetais congelados são exemplos. O grupo quatro inclui alimentos ultraprocessados.

Pela definição de Monteiro, alimentos ultraprocessados contêm pouco ou nenhum alimento integral. Em vez disso, são fabricados a partir de “ingredientes baratos quimicamente manipulados” e frequentemente usam “aditivos sintéticos para torná-los comestíveis, palatáveis e viciantes”.

“Não existe razão para acreditar que os humanos possam se adaptar completamente a esses produtos”, escreveu Monteiro em um editorial de 2024 na revista The BMJ. “O corpo pode reagir a eles como inúteis ou prejudiciais, então seus sistemas podem ficar prejudicados ou danificados, dependendo de sua vulnerabilidade e da quantidade de alimento ultraprocessado consumido”.

Mas o novo estudo é enganoso e levará à confusão do consumidor, disse Sarah Gallo, vice-presidente sênior de política de produtos da Consumer Brands Association, que representa a indústria alimentícia.

“Demonizar produtos alimentícios e bebidas convenientes, acessíveis e prontos para consumo pode limitar o acesso e causar evitação de alimentos ricos em nutrientes“, disse Gallo em um e-mail, “resultando em diminuição da qualidade da dieta, aumento do risco de doenças transmitidas por alimentos e disparidades de saúde exacerbadas”.

Este estudo não é o primeiro a encontrar uma associação entre resultados negativos para a saúde e pequenos aumentos em alimentos ultraprocessados. Um estudo de fevereiro de 2024 encontrou evidências “fortes” de que pessoas que comiam mais alimentos ultraprocessados tinham um risco 50% maior de morte por doenças cardiovasculares e transtornos mentais comuns.

<><> Risco de ansiedade

O maior consumo de alimentos ultraprocessados também pode aumentar o risco de ansiedade em até 53%, obesidade em 55%, distúrbios do sono em 41%, desenvolvimento de diabetes tipo 2 em 40% e o risco de depressão ou morte prematura por qualquer causa em 20%.

Os pesquisadores no estudo de fevereiro definiram um consumo maior como uma porção ou cerca de 10% mais alimentos ultraprocessados por dia.

Um estudo de maio de 2024 descobriu que adicionar apenas 10% de alimentos ultraprocessados a uma dieta saudável também pode aumentar o risco de declínio cognitivo e derrame, enquanto pesquisas de 2023 determinaram que incluir 10% mais alimentos ultraprocessados estava ligado a uma maior chance de desenvolver cânceres do trato digestivo superior.

“Dois terços das calorias que as crianças consomem nos EUA são ultraprocessadas, enquanto cerca de 60% das dietas dos adultos são ultraprocessadas”, disse Fang Fang Zhang, professora associada e chefe da divisão de epidemiologia nutricional e ciência de dados da Universidade Tufts em Boston, à CNN, em uma entrevista anterior. Zhang não esteve envolvida na nova pesquisa.

O último estudo publicado no American Journal of Preventive Medicine, deu um passo adicional ao estimar quantas mortes poderiam ser evitadas em oito países com consumo baixo, médio e alto de alimentos ultraprocessados.

“Mortes prematuras evitáveis devido ao consumo de alimentos ultraprocessados podem variar de 4% em países com menor consumo a quase 14% em países com maior consumo”, afirmou o autor principal do estudo Eduardo Augusto Fernandes Nilson, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, em comunicado.

No entanto, é importante notar que o estudo não conseguiu determinar se as mortes foram “causadas pelo consumo de ultraprocessados. Os métodos deste estudo simplesmente não podem determinar isso”, disse a cientista de nutrição Nerys Astbury, professora associada de dieta e obesidade da Universidade de Oxford, no Reino Unido, em comunicado. Ela não participou do estudo.

Os Estados Unidos têm o maior nível de consumo de alimentos ultraprocessados no mundo — quase 55% da dieta média dos americanos, segundo o estudo. Os pesquisadores estimaram que reduzir o uso desses alimentos ultraprocessados a zero teria evitado mais de 124 mil mortes nos EUA em 2017.

Em países onde o consumo de alimentos ultraprocessados é baixo, como Colômbia (15% da dieta) e Brasil (17,4%), reduzir o uso a zero teria evitado quase 3 mil mortes no primeiro país em 2015 e 25 mil mortes no último em 2017, de acordo com o estudo.

“Os autores estabeleceram o nível de risco teórico mínimo em 0. Isso implica um cenário onde todos os ultraprocessados são eliminados, o que é altamente irrealista e quase impossível em nossa sociedade atual”, disse Zhang em um e-mail. “Como resultado, a carga estimada de morte prematura devido aos ultraprocessados pode estar superestimada.”

Stephen Burgess, estatístico da Unidade de Bioestatística MRC da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, disse que embora o estudo não possa provar que o consumo de alimentos ultraprocessados é prejudicial, “ele fornece evidências ligando o consumo a piores resultados de saúde.”

“É possível que o verdadeiro fator de risco causal não seja os alimentos ultraprocessados, mas um fator de risco relacionado, como melhor aptidão física — e os alimentos ultraprocessados sejam simplesmente um espectador inocente”, disse Burgess, que não participou do estudo, em comunicado.

“Mas, quando vemos essas associações replicadas em muitos países e culturas, isso levanta suspeitas de que os ultraprocessados podem ser mais do que um espectador.”

•        Ultraprocessados favorecem bactérias prejudiciais no intestino de bebês

Estudo realizado com 728 crianças de até um ano de idade aponta que o consumo de alimentos ultraprocessados pode impactar negativamente a diversidade e a abundância da microbiota intestinal, com um efeito mais pronunciado em crianças que não são amamentadas.

Os resultados foram publicados na revista Clinical Nutrition, como parte do Estudo MINA – Materno-Infantil no Acre: coorte de nascimentos da Amazônia ocidental brasileira, que acompanha um grupo de crianças nascidas entre 2015 e 2016 em Cruzeiro do Sul (AC), com financiamento da FAPESP.

Crianças que ainda recebiam leite materno tiveram uma abundância maior de Bifidobacterium, um gênero de bactérias conhecido pela associação com a boa saúde intestinal.

Por sua vez, aquelas que não eram amamentadas e faziam consumo de produtos ultraprocessados, como salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, bebidas achocolatadas, refrigerantes, sucos artificiais, sorvete, macarrão instantâneo, entre outros, tiveram uma abundância maior de gêneros como Selimonas e Finegoldia, pouco abundantes no grupo de crianças amamentadas e tipicamente presentes em indivíduos com obesidade ou doenças gastrointestinais na adolescência e fase adulta.

“Identificamos ainda que o aleitamento materno atenuou os efeitos prejudiciais do consumo de ultraprocessados na composição da microbiota intestinal. O grupo de crianças que recebia o leite materno e não consumia produtos ultraprocessados apresentou uma microbiota mais estável e com melhores marcadores de saúde, principalmente pela maior abundância de Bifidobacterium”, conta o primeiro autor do estudo, Lucas Faggiani, que realiza doutorado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e teve bolsas da FAPESP durante a graduação.

“Não existia, até hoje, um estudo com tantos participantes que analisasse, ao longo do primeiro ano de vida, a composição da microbiota intestinal em relação ao consumo de produtos ultraprocessados, justamente quando o sistema imune está se formando. Ainda que a região seja de difícil acesso, esses produtos podem ser obtidos facilmente e acabam substituindo alimentos tradicionais e mesmo o aleitamento materno”, explica Marly Cardoso, professora da FSP-USP e coordenadora do projeto.

Além do tamanho amostral, completa Faggiani, o estudo se destaca por ser uma coorte de base populacional, em região amazônica e com vulnerabilidade social marcante, que contribui para a investigação de variáveis pouco exploradas na literatura dessa temática.

<><> Longo prazo

Os pesquisadores realizaram as coletas entre 2016 e 2017, quando as crianças participantes da coorte completaram um ano de idade. As amostras foram coletadas e armazenadas seguindo um protocolo desenvolvido no Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Faculdade de Medicina da USP, sob coordenação de Ester Sabino, professora na instituição. Os swabs anais com as amostras de fezes foram armazenados a baixas temperaturas e enviados para São Paulo.

Durante a coleta dessas amostras, e de dados como peso e altura das crianças, as mães respondiam a um questionário que incluía a ocorrência ou não de amamentação e os hábitos alimentares da família e da criança.

As amostras da microbiota foram enviadas para uma empresa especializada na Coreia do Sul para o sequenciamento automatizado dos genomas, muito mais rápido do que o tradicional. No Brasil, com os dados em mãos, os pesquisadores realizaram as análises com ferramentas de bioinformática.

Além dos níveis relacionados a Bifidobacterium (abundante nas amamentadas e baixo nas desmamadas), Selimonas e Finegoldia (alto nas crianças que não mamavam e consumiam ultraprocessados), os pesquisadores detectaram ainda a ocorrência maior do gênero Firmicutes no grupo de crianças que não se alimentava mais de leite materno, mesmo nas que não consumiam ultraprocessados. O gênero é um potencial marcador de uma microbiota adulta, sugerindo uma maturidade precoce.

Outro gênero encontrado em abundância no grupo desmamado e consumidor de ultraprocessados foi o Blautia. Embora alguns estudos tenham encontrado a mesma associação, ainda não há consenso quanto ao seu potencial benéfico ou prejudicial. “Faltam estudos robustos para estabelecer uma relação causa-efeito entre esse gênero e desfechos de saúde”, comenta Faggiani.

“Havíamos notado que o consumo de produtos ultraprocessados ocorria em mais de 80% das crianças participantes do estudo já no primeiro ano de vida, quando a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é não oferecer esses produtos antes dos dois anos de idade. Diante desses resultados, seguimos acompanhando essas crianças para monitorar os possíveis desfechos adversos à saúde em longo prazo”, conclui Cardoso.

O trabalho teve apoio da FAPESP também por meio de bolsa de pós-doutorado concedida a Paula de França, coautora do artigo.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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