Padre Henrique, um mártir da luta contra a
ditadura militar
Há 84 anos, em 28 de outubro de 1940, nascia
o sacerdote católico Antônio Henrique Pereira Neto, o padre Henrique,
seminarista ligado à Arquidiocese de Olinda e Recife, que atuou sob a
orientação de Dom Hélder Câmara durante a ditadura militar brasileira.
Envolvido com as causas sociais e com a organização dos jovens católicos em
torno da defesa da democracia e dos direitos humanos, padre Henrique se tornou
um alvo do regime. Em maio de 1969, o sacerdote foi sequestrado, torturado e
brutalmente assassinado por agentes dos órgãos de repressão.
Antônio Henrique nasceu em Recife,
Pernambuco, em 28 de outubro de 1940. Era o primogênito dos 12 filhos de José
Henrique Pereira da Silva Neto e Isaíras Pereira da Silva. Manifestou desde
cedo o gosto pelos estudos, tendo cursado as primeiras letras no Grupo Escolar
Martins Júnior. Após concluir o ensino básico no Ginásio da Madalena,
matriculou-se no Curso Científico do Colégio Salesiano, conciliando os estudos
com o trabalho como office-boy. Aos 16 anos, ingressou no Seminário de Olinda,
transferindo-se posteriormente para o Seminário da Imaculada Conceição, no
bairro da Várzea.
Após receber as ordens menores em 1960,
Antônio Henrique foi agraciado com uma bolsa de estudos para cursar teologia no
Mount Saint Bernard Seminary, em Iowa, nos Estados Unidos. Retornou ao Brasil
em 1962, concluindo o curso de seminarista em Olinda e Camaragibe. Em dezembro
de 1965, foi ordenado padre na Matriz da Torre por Dom Hélder Câmara —
arcebispo emérito de Olinda e Recife, notabilizado por seu trabalho em prol da
defesa dos direitos humanos durante a ditadura militar.
Aceitando o convite de Dom Hélder, padre
Henrique assumiu o comando da Pastoral da Juventude. Buscando ampliar o contato
com secundaristas e jovens universitários, rejeitou o formalismo conservador e
a interpretação rígida da doutrina em favor de uma postura acolhedora e
tolerante. Padre Henrique desenvolveu uma série de atividades de inclusão
social e de recuperação para toxicômanos e jovens infratores. Também atuou como
educador, ministrando aulas em diversas escolas de Recife. Tinha o hábito de
organizar reuniões com os jovens e com os pais para discutir os problemas
sociais e buscar conscientizá-los sobre a situação política do Brasil.
Na condição de auxiliar direto de Dom Hélder
Câmara, padre Henrique fez reiteradas denúncias incisivas sobre as violações de
direitos humanos perpetradas pela ditadura militar brasileira — sobretudo a
prática sistemática da tortura e o assassinato de opositores políticos do
regime. Em seus sermões e pregações, o sacerdote exortava os fiéis a não
aceitarem a violência praticada pelo Estado brasileiro.
Foi padre Henrique quem celebrou a missa em
memória do estudante Edson Luís de Lima Souto, assassinado por policiais
militares durante um confronto no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. O
assassinato de Edson foi o estopim para uma onda de protestos estudantis que
atingiu seu ápice na Passeata dos Cem Mil. A manifestação contou com ampla
adesão da sociedade, alarmando a cúpula militar e servindo de pretexto para o
recrudescimento do autoritarismo do regime, que reagiu promulgando o Ato
Institucional Nº. 5 (AI-5), marco inicial dos “anos de chumbo”.
As denúncias sobre os crimes cometidos pela
ditadura militar, a proximidade com o movimento estudantil, as obras sociais e
o trabalho de conscientização política conduzido pelo padre Henrique fizeram
com que o sacerdote se tornasse alvo dos militares e dos setores reacionários
da sociedade. Rotulado como “subversivo”, padre Henrique passou a sofrer
perseguições e a receber cartas com ameaças de morte, enviadas pelo Comando de
Caça aos Comunistas (CCC) — organização paramilitar de extrema-direita responsável
por organizar ataques e atentados terroristas contra instituições e indivíduos
considerados progressistas.
Em abril de 1969, milicianos do CCC
metralharam o Juvenato Dom Vidal, onde o padre lecionava, e realizaram uma
série de ataques à comunidade estudantil de Recife. Um desses ataques feriu
gravemente o estudante Cândido Pinto Melo, deixando-o paraplégico. Padre
Henrique chegou a articular um protesto de estudantes em repúdio ao atentado,
mas não teve tempo hábil de levar a ideia adiante. Na noite do dia 26 de maio
de 1969, após sair de uma reunião de pais e alunos no Largo do Parnamirim,
padre Henrique foi sequestrado. Testemunhas relataram tê-lo visto pela última
vez sendo forçado a entrar em um veículo, coagido por dois homens.
O corpo de padre Henrique foi encontrado na
manhã seguinte, em um matagal na Cidade Universitária do Recife. Apresentava
múltiplas marcas de tortura, incluindo cortes, mutilações, hematomas profundos,
sinais de estrangulamento e três disparos de arma de fogo em sua cabeça. O
rosto estava desfigurado e as mãos atadas.
O assassinato de padre Henrique comoveu
profundamente a população do Recife. Seu cortejo fúnebre reuniu milhares de
pessoas, sobretudo estudantes, que marcharam da Igreja do Espinheiro ao
Cemitério da Várzea portando faixas de protestos e ecoando gritos contra a
ditadura. A caminhada foi interrompida por duas vezes pela polícia militar.
O inquérito do Ministério Público de
Pernambuco, produzido em conluio com os aparelhos repressivos, apontou
falsamente que padre Henrique teria sido vítima de crime comum. Em 1988, em
meio à redemocratização, um promotor tentou evitar a prescrição do caso,
oferecendo denúncia contra José Bartolomeu Lemos Gibson, então diretor do
Departamento de Investigações da Secretaria de Segurança Pública. O Tribunal de
Justiça de Pernambuco, entretanto, ordenou o arquivamento da ação penal.
Em 2013, as investigações conduzidas pela
Comissão Estadual da Verdade levaram à descoberta de documentos confidenciais
do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) que permitiram identificar os
suspeitos pelo assassinato do padre Henrique. Foram apontados como suspeitos os
investigadores da Polícia Civil de Pernambuco Rível Rocha e Humberto Serrano de
Souza, o promotor José Bartolomeu Lemos Gibson e os estudantes Jerônimo Duarte
Rodrigues Neto e Rogério Matos do Nascimento. Dois destes ainda estão vivos,
mas não foram levados a julgamento em função da Lei da Anistia.
Fonte: Por Estevam Silva, em Opera Mundi

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