quarta-feira, 30 de abril de 2025

José Carlos de Assis: Trump, condenado à derrota pela história

Para se mudar a História na base do voluntarismo é preciso ter poder absoluto. Alexandre, César e Napoleão o tiveram em algum momento de sua trajetória de dominação do mundo. Donald Trump não tem. Ele é prisioneiro de instituições nacionais seculares que, mesmo violadas circunstancialmente, acabam reagindo pela força de suas próprias raízes. Na frente geopolítica, seu maior obstáculo é o poder nuclear que os Estados Unidos dividem com potenciais adversários desde o pós-guerra.

Tanto na concepção de Hegel quanto na de Marx, os dois maiores filósofos do século XIX, a História avança dialeticamente mediante conflitos entre forças sociais, econômicas e políticas opostas. Para Hegel, no plano das ideias. Para Marx, no plano material. É preciso que essas forças entrem em luta e se esgotem, cada uma em seu lado, para produzir uma síntese num nível superior a ambas, com elementos subsistentes de cada uma delas. Não há avanço linear nem volta ao passado.

Trump pretende mudar o mundo com ações unilaterais impostas por uma força de que já não dispõe, no plano militar, desde que, no pós guerra, a União Soviética socialista testou a bomba atômica e tornou-se um polo oposto ao capitalismo na construção geopolítica do mundo. A bomba definiu um limite para a expansão imperialista americana nas fronteiras do socialismo. Também no plano interno ele já enfrenta reações que minam a popularidade de que deu provas nas eleições, com o risco de ruptura de suas bases de apoio político na renovação do Congresso daqui a menos de dois anos.

A demonstração de fraqueza militar externa, por causa do poder nuclear que os Estados Unidos dividem com outras potências atômicas, sendo que qualquer delas – até a Coreia do Norte – pode desencadear uma guerra catastrófica que destruiria a Humanidade, é um motivo adicional para que os cidadãos e cidadãs americanos tenham perdido a segurança que tinham em seu “destino manifesto” como nação líder do mundo.

A pregação de campanha de Donald Trump, tipicamente demagógica e mentirosa, deu a seus eleitores a perspectiva de uma volta aos tempos gloriosos do pós-guerra ignorando a geopolítica. Entretanto, esses eleitores agora estão tendo de curvar-se à realidade. Para haver um novo passo na História com base nas teses de Hegel e de Marx, teria sido necessário um confronto pacífico entre as duas maiores potências não militares do mundo, Estados Unidos e China, já que o conflito armado está vedado. Trump escolheu o conflito comercial, uma iniciativa absurda num planeta universalmente conectado pelas trocas de bens e serviços, onde o adversário é imbatível.

Os resultados negativos do processo que ele iniciou com a guerra tarifária estão recaindo, em boa parte, sobre os próprios Estados Unidos. Empresas como a Volvo anunciaram a demissão de mais de 600 trabalhadores, certamente por falta de peças e componentes cuja aquisição se tornou inviável com o nível das tarifas que ele impôs. Isso ficará particularmente evidente quando saírem as estatísticas nacionais.

Os bilionários americanos que fizeram fila para aplicar milhões de dólares em sua candidatura perderam o entusiasmo com a política adotada pelo novo presidente, pois odeiam a alta instabilidade das bolsas devido a suas ações errantes. A opinião pública está espantada com suas atitudes autoritárias e inconstitucionais. Ficou claro que o homem que liderou, quatro anos antes, o assalto ao Capitólio, se tornou na Presidência, aos olhos das próprias elites e classes dominantes que o cortejaram antes das eleições, um risco real para a democracia norte-americana.

Sem qualquer escrúpulo, Trump está violando os princípios constitucionais de independência dos Poderes e do federalismo, ambos características de um país que se orgulhava como a primeira democracia do mundo moderno. Não respeita determinações da Justiça sobre imigrantes, mandou prender uma juíza que ousou aplicar a lei num desses casos e abriu uma guerra contra as maiores universidades do País, expulsando imigrantes que barateiam a mão de obra disponível para as atividades empresariais.

Pelas leis dialéticas, sua presença no cenário do mundo se revela como uma reação à abertura excessiva dos costumes que teriam avançado muito nas últimas décadas contra o conservadorismo, o fundamentalismo religioso e o tradicionalismo secular, características dos séculos passados. Entretanto, ele não tem poder, na realidade, para impor, sozinho, uma regressão à ética social que imperou séculos atrás. O movimento LGBT, por exemplo, veio para ficar. E as jovens de hoje, nas praias, não vão deixar de usar biquínis fio dental por causa dele.

A única contribuição que dará à História é ser a oposição conjuntural às teses progressistas que se desenvolveram em fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. A História, contudo, não vai regredir. Trump passará como uma sombra insignificante do passado que, aproveitando-se da situação de apatia e decadência moral da sociedade norte-americana, elegeu-se presidente da República.

Provavelmente, quando completar seu mandato, os Estados Unidos estarão numa situação pior do que aquela quando entrou. Tendo prometido demais – “América grande de novo” -, entregará de menos. Seu principal fiasco, como está ficando cada vez mais claro, será na economia. A guerra tarifária esbarrou numa força intransponível: a muralha da China. Os chineses estão organizando parceiros na Ásia para lhe impor não apenas uma derrota econômica, mas também geopolítica.

Seu voluntarismo o levou a um “principismo” contraditório, só possível numa cabeça oca. Como ele pode conciliar a defesa do dólar como padrão monetário internacional e como reserva de valor se a política tarifária pretende tornar os Estados Unidos superavitários? Sim, porque alguém terá de vender bens aos Estados Unidos e comprar os dólares que ele vier a emitir para sustentar seu valor, e isso só pode acontecer se houver parceiros que façam superávits comerciais com os Estados Unidos, a despeito das tarifas elevadas.

A ideia de trazer de volta ao País empresas que foram buscar fora dele oportunidades de investimento mais favoráveis do que as de dentro de casa é outro contrassenso. Como isso pode ser feito a curto ou mesmo a médio prazo, para os grandes empreendimentos industriais norte-americanos espalhados pelo mundo, a tempo das eleições para o Congresso daqui a pouco menos de dois anos? Antes disso, as empresas internas fecharão, pois não suportarão os custos dos insumos e componentes importados por causa das altas tarifas. O desemprego, com seus efeitos eleitorais, se espalhará. E Donald Trump, mesmo que viole de novo a Constituição e busque um terceiro mandato, perderá novamente a reeleição!

¨      Trump pode ter um terceiro mandato como presidente dos EUA?

A Trump Organization, conglomerado empresarial de Donald Trump, está vendendo bonés vermelhos com os dizeres "Trump 2028", parecendo sugerir que o atual presidente americano será candidato na eleição daquele ano.

Até lá, porém, Donald Trump terá cumprido dois mandatos na Casa Branca, o limite estabelecido pela Constituição dos EUA.

O lançamento do boné vendido a US$ 50 (R$ 284) ocorreu após comentários de Trump de que ele "não está brincando" sobre querer cumprir um terceiro mandato como presidente dos EUA.

A Constituição dos EUA diz que "nenhuma pessoa... será eleita mais de duas vezes", mas alguns apoiadores de Trump — e o próprio presidente — sugeriram que pode haver maneiras de contornar isso.

·        Por que Trump está falando em um terceiro mandato?

Trump foi questionado em uma entrevista à NBC sobre a possibilidade de buscar um terceiro mandato e disse que "há métodos pelos quais você poderia fazer isso".

"Não estou brincando... muita gente quer que eu faça isso", acrescentou. "Mas, basicamente, digo a eles que temos um longo caminho a percorrer, sabe, ainda estamos no começo do governo."

Trump, que completaria 82 anos no final de seu segundo mandato, foi questionado se gostaria de continuar servindo no "emprego mais difícil do país".

"Bem, eu gosto de trabalhar", ele respondeu.

Estes não foram seus primeiros comentários sobre o assunto. Em janeiro, ele disse a apoiadores que seria "a maior honra da minha vida servir não uma, mas duas, três ou quatro vezes". No entanto, ele disse que isso era uma piada para a "imprensa mentirosa".

Em abril, a loja online oficial de produtos de Trump começou a oferecer um boné "Trump 2028" à venda por US$ 50. O filho do presidente, Eric, foi fotografado usando o boné no anúncio, que incluía a mensagem: "O futuro parece brilhante!"

·        O que diz a Constituição dos EUA?

À primeira vista, a Constituição dos EUA parece excluir qualquer pessoa de um terceiro mandato. A 22ª Emenda afirma:

"Ninguém poderá ser eleito para o cargo de presidente mais de duas vezes, e nenhuma pessoa que tenha exercido o cargo de presidente, ou atuado como presidente, por mais de dois anos de um mandato para o qual outra pessoa foi eleita presidente, poderá ser eleita para o cargo de presidente mais de uma vez."

Mudar a constituição exigiria a aprovação de dois terços do Senado e da Câmara dos Representantes, bem como a aprovação de três quartos dos governos estaduais do país.

O Partido Republicano de Trump controla ambas as casas do Congresso, mas não possui a maioria necessária. Além disso, o Partido Democrata controla 18 das 50 legislaturas estaduais.

·        Como Trump poderia ser presidente por um terceiro mandato?

Os apoiadores de Trump dizem que há uma brecha na constituição que não foi testada em tribunal.

Eles argumentam que a 22ª Emenda apenas proíbe explicitamente que alguém seja "eleito" para mais de dois mandatos presidenciais — e não diz nada sobre "sucessão".

Segundo essa teoria, Trump poderia ser o companheiro de chapa de outro candidato à vice-presidência — talvez seu próprio vice-presidente, J.D. Vance — na eleição de 2028.

Se vencerem, o candidato poderá tomar posse na Casa Branca e renunciar imediatamente, deixando Trump assumir por sucessão.

Steve Bannon, podcaster e ex-assessor de Trump, disse acreditar que Trump "concorreria e venceria novamente", acrescentando que havia "algumas alternativas" para determinar como.

"Há algumas brechas que foram discutidas", disse Trump à revista Time em uma entrevista abrangente publicada em abril. "Mas eu não acredito em brechas."

Andy Ogles, um republicano do Tennessee na Câmara dos Representantes, apresentou uma resolução em janeiro solicitando uma emenda constitucional para permitir que um presidente cumpra até três mandatos, desde que não sejam consecutivos. Trump venceu em 2016, perdeu em 2020 e venceu novamente em 2024.

No entanto, os altos padrões para emendas constitucionais fazem da proposta de Ogles uma utopia — embora tenha gerado discussão.

·        Quem se opõe a um terceiro mandato de Trump?

Os democratas têm profundas objeções.

"Esta é mais uma escalada em seu claro esforço para assumir o governo e desmantelar nossa democracia", disse Daniel Goldman, um parlamentar de Nova York que atuou como advogado principal no primeiro processo de impeachment de Trump.

"Se os republicanos do Congresso acreditarem na Constituição, eles se oporão publicamente às ambições de Trump por um terceiro mandato."

Alguns dentro do partido de Trump também acham que é uma má ideia.

O senador republicano Markwayne Mullin, de Oklahoma, disse em fevereiro que não apoiaria uma tentativa de colocar Trump de volta na Casa Branca.

"Em primeiro lugar, não vou mudar a Constituição, a menos que o povo americano escolha fazer isso", disse Mullin à NBC.

O congressista republicano Tom Cole chamou a ideia de "fantasiosa demais para ser discutida seriamente".

·        O que dizem os especialistas jurídicos?

Derek Muller, professor de direito eleitoral na Universidade de Notre Dame, afirma que a 12ª Emenda da Constituição diz que "nenhuma pessoa constitucionalmente inelegível para o cargo de presidente será elegível para o de vice-presidente dos Estados Unidos".

Isso significa que, na opinião dele, cumprir dois mandatos desqualifica qualquer um de concorrer como candidato a vice-presidente.

"Não acredito que exista algum 'truque estranho' para contornar os limites de mandatos presidenciais", disse ele.

Jeremy Paul, professor de direito constitucional na Universidade Northeastern de Boston, disse à CBS New que não havia "argumentos jurídicos confiáveis" para um terceiro mandato.

·        Alguém já serviu mais de dois mandatos?

Franklin Delano Roosevelt foi eleito quatro vezes. Faleceu três meses após o início do seu quarto mandato, em abril de 1945.

A Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial marcaram o período de Roosevelt no poder e são frequentemente citadas como responsáveis por sua longa presidência.

Naquela época, o limite de dois mandatos para presidentes dos EUA não havia sido escrito em lei. Era um costume desde que George Washington recusou um terceiro mandato em 1796.

A longa gestão de Roosevelt levou a tradição a ser codificada em lei na 22ª Emenda em 1951.

 

Fonte: Brasil 247/BBC News

 

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