Liberdade de expressão não convive com
Estados ditatoriais
A liberdade de expressão é um dos direitos
humanos inerentes à democracia. Não convive, em absoluto, com os estados
ditatoriais ou autocráticos que a censuram, perseguem, eliminam e punem. É uma
conquista do direito humanista, inscrevendo-se com total fundamento nas mais
importantes convenções internacionais, na legislação da ONU e, claro, faz parte
do acervo de direito dos países democráticos, como o nosso. Porém, em
democracia, nenhum direito é, em princípio, absoluto, tendo como limite o
direito do outro e do Estado de direito, no prosseguimento dos seus objetivos
sociais, políticos e humanitários. De atentar que a democracia não se confunde
com anarquia nem com um Estado relaxado nas suas obrigações impressas na Lei
Fundamental do país.
Em artigo publicado pela Fundação Francisco
Manuel dos Santos (Lisboa-Portugal), pode ler-se que “a liberdade de expressão
cessa quando se traduzir numa ofensa injustificada à integridade moral, ao bom
nome ou à honra de outra pessoa”. Cessa, ainda, na minha opinião, quando se
atinge de forma grave, negligente ou dolosamente a legalidade, a objetividade e
a transparência da atuação das instituições do Estado. A liberdade de expressão
também encontra limites quando inflama discursos de ódio e incita à violência.
Grupos ou indivíduos que professam ideias extremistas e antidemocráticas abusam
do direito da liberdade de expressão que a democracia lhes confere para
combater o regime que não querem e pretendem substituir por outro que abrace as
suas ideias contrárias à dignidade humana. A democracia pode tornar-se frágil
se desatenta à voragem de mentiras, ódios e falsas notícias, travestidas de
direito à liberdade de expressão.
É urgente e inevitável impedir o crescimento
destas ondas populistas que, a pretexto do direito de expressão, invocam o ódio
pelo semelhante, mercadejam, difamam e injuriam as instituições do Estado,
tornando-as locais de provocação e de desprestígio institucional. O ser humano
é livre e social, intrinsecamente democrático e humanista. Há que defender e
lutar pelo modo de vida que nos é oferecido por um Estado de direito
democrático, opondo-nos aos que, abusando dos direitos que lhes são concedidos,
os querem destruir.
Como novidade editorial, apresentamos o livro
𝑀𝑎𝑐ℎ𝑎𝑑𝑜 𝑑𝑒 𝐴𝑠𝑠𝑖𝑠, 𝑐𝑟𝑖́𝑡𝑖𝑐𝑜 𝑑𝑎 𝑖𝑚𝑝𝑟𝑒𝑛𝑠𝑎 (Outubro Edições, 2023-2024), fruto da dissertação de
mestrado que defendi na Faculdade de Letras da UFMG. A obra busca ampliar o
interesse pela fortuna crítica do maior escritor da literatura brasileira,
destacando seu papel fundamental na formação do jornalismo nacional e no
fortalecimento ético da profissão de comunicador social. A perspectiva
inovadora do presente estudo encontra-se na revelação atestada de que Machado
de Assis, além de sensível compositor do noticiário informativo e opinativo,
foi igualmente original nas avaliações textuais sobre as práticas do universo
jornalístico, ressaltando méritos e deméritos da rede midiática que começava a
despontar no Brasil. De tipógrafo a jornalista, Machado foi um dos grandes
precursores da Tecnologia de Comunicação no país, mostrando que o
desenvolvimento da mídia transformou a constituição espacial e temporal da vida
social brasileira, ajudando-nos a entender a modernidade desde o advento da
imprensa no século XIX até a expansão das redes de comunicação global de hoje.
Segundo Machado: “O jornal é a verdadeira
forma da república do pensamento. É a locomotiva intelectual em viagem para
mundos desconhecidos, é a literatura comum, universal, altamente democrática,
reproduzida todos os dias, levando em si a frescura das ideias e o fogo das
convicções” (𝑂 𝑗𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝑒 𝑜 𝑙𝑖𝑣𝑟𝑜, 1859). Se a divulgação de uma obra de arte é mecanismo
obrigatório para sua visibilidade, torna-se fundamental verificar que tipo de
corte circunstancial e de representação a mídia faz do circuito em que se
insere. Pierre Bourdieu (1930-2002), em 𝐴 𝑝𝑟𝑜𝑑𝑢𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑑𝑎 𝑐𝑟𝑒𝑛𝑐̧𝑎 (2004), ilumina essa perspectiva ao fazer uma análise
crítica sobre o processo de criação, circulação e consagração dos bens
simbólicos. O autor subverte a apreciação do caráter 𝑠𝑎𝑔𝑟𝑎𝑑𝑜 da arte e da cultura ao apresentá-la como o resultado de
um amplo jogo e empreendimento social. Bourdieu considera os campos que
funcionam na medida em que conseguem também produzir produtos e as necessidades
desses produtos. O papel da mídia, ao garantir a visibilidade das ofertas, e
dos críticos, autoridades que afiançam a consagração ou a descoberta dos 𝑛𝑜𝑣𝑜𝑠 𝑡𝑎𝑙𝑒𝑛𝑡𝑜𝑠, é determinante no sistema.
O funcionamento do campo implica uma lógica
de luta, de disputa pela hegemonia da consagração. Ao lado da pobreza material,
existe a questão não menos grave da pobreza política. Não por acaso, a relação
entre linguagem e mídia continuará a se transformar, exigindo análise crítica e
adaptação constante por parte dos indivíduos e da sociedade.
Fonte: Por Marcos Fabrício Lopes da Silva, no
Observatório da Imprensa

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