O risco de medicamentos e suplementos que
prometem milagres
Imagine um remédio ou suplemento milagroso
capaz de curar diabetes, controlar a pressão alta, acabar com a queda de cabelo
ou ainda promover a perda de 30kg em apenas uma semana. Parece bom demais para
ser verdade. Embora a ciência ainda não tenha descoberto essas soluções
milagrosas, elas são prometidas todos os dias nas redes sociais, em anúncios
sedutores que vendem produtos extraordinários e garantem resultados
impressionantes.
O problema é que, além de não cumprirem o que
prometem, esses produtos podem colocar a saúde em risco. E as principais
vítimas dessas propagandas enganosas costumam ser os idosos, que, por falta de
familiaridade com o ambiente digital e excesso de confiança nas informações
apresentadas, acabam sendo facilmente enganados e prejudicados.
"Todo o dia eu vejo um chá da casca da
banana no Instagram, dizem que é o remédio natural para emagrecer, e os
resultados são ótimos, as pessoas perdem peso que é uma maravilha", conta
Maria* (nome fictício), aposentada de 80 anos. Ela compartilha que,
diariamente, pede para algum neto comprar a substância para ela, pois não sabe
realizar compras on-line. "Eles falam que não compram porque não funciona,
mas sinceramente, eu acho que é ruindade comigo mesmo porque eles têm
preguiça", completa.
Médica da clínica de saúde e bem-estar
Metasense, Josie Velani afirma que essa é uma situação comum em sua rotina.
"Na esperança de uma solução milagrosa, o idoso acaba seduzido e compra o
produto", relata. Ela alerta que os riscos envolvidos ao adquirir esses
medicamentos são enormes, pois muitas vezes, não há qualquer especificação
sobre a composição, a fórmula ou sequer garantia do que realmente está dentro
do frasco.
"Em um cenário mais otimista, o produto
não causa nenhum efeito — e o prejuízo é apenas financeiro. Mas, em casos mais
graves, podem ocorrer efeitos colaterais sérios ou interações medicamentosas
perigosas", explica.
Segundo o médico geriatra da clínica Sim
Saúde Integrada, Rodrigo Nery Cruz, a automedicação representa um risco
significativo à saúde. Ele explica que o uso indiscriminado de medicamentos
pode causar interações medicamentosas, reduzindo a absorção de outros fármacos
ou promovendo intoxicações. Além disso, pode desencadear diversos efeitos
colaterais, como arritmia cardíaca, náuseas, vômitos, diarreia, constipação
intestinal, incontinência urinária, queda de pressão arterial e alterações nos
níveis de glicose no sangue, seja para mais, seja para menos.
• Leia
também: 3 cuidados com o uso de medicamentos para emagrecer
Esses efeitos podem resultar em tontura,
visão turva, desmaios (síncope), tremores, instabilidade motora e dificuldades
na marcha, aumentando o risco de quedas. Além disso, a automedicação pode
comprometer o funcionamento dos rins (insuficiência renal), do fígado (hepatite
medicamentosa), do coração e do cérebro. Em casos mais graves, pode até levar a
desfechos fatais.
No momento da compra, Joana* (nome fictício),
62, não imaginava, mas estava se expondo a esses riscos ao consumir um remédio
para dor, adquirido por meio de uma rede social. A aposentada possui alguns
problemas de saúde, dentre eles fibromialgia, doença que causa muitas dores
pelo corpo. "Por causa disso, eu pesquiso muito sobre essas questões na
internet, e os anúncios dos remédios ficam aparecendo no meu Instagram e
Facebook", explica.
Foi então que Joana comprou um remédio para
dor e passou a fazer a ingestão com frequência. "Minha filha brigou comigo
e disse para eu não tomar, mas insisti e tomei. Nos primeiros dias até senti
uma melhora nas dores, mas depois não teve mais nenhuma diferença e aí eu
parei", diz.
A médica Josie Velani explica que os
medicamentos podem causar o efeito placebo, que ocorre quando uma pessoa
percebe melhora nos sintomas não devido à ação do remédio em si, mas à sua
crença de que ele será eficaz.
Além disso, segundo ela, alguns produtos
podem conter substâncias desconhecidas que, eventualmente, exercem algum efeito
terapêutico. No entanto, a falta de informação sobre sua composição torna seu
uso um verdadeiro tiro no escuro, tanto em relação à eficácia quanto aos
possíveis riscos à saúde.
• Crime
Para o delegado Erick Sallum, especialista em
crimes cibernéticos e lavagem de dinheiro, existem verdadeiras "fábricas
de fundo de quintal" produzindo fórmulas que, muitas vezes, sequer contêm
os princípios ativos divulgados. Ele detalha que, com a popularização das redes
sociais — especialmente o Instagram, que permite a veiculação de publicidade
direcionada por algoritmos — esses vendedores conseguem atingir diretamente
públicos específicos. "O resultado que vemos é que muitas pessoas acabam
comprando esses produtos e fazendo uso sem qualquer orientação médica,
colocando sua saúde em risco", alerta.
Sallum explica que essa prática constitui
crime, conforme previsto nos artigos 273 e 282 do Código Penal, ambos
relacionados a crimes contra a saúde pública. Isso se deve ao fato de envolver
a venda de materiais e substâncias sem autorização da Anvisa. A legislação
estabelece que a comercialização de produtos estéticos, fórmulas de
emagrecimento ou qualquer outro tipo de medicação só pode ocorrer após estudos
prévios e a devida autorização da agência reguladora.
"Quem faz isso está sujeito às penas
desses artigos. Inclusive, a pena prevista no artigo 273 é bastante severa: de
10 a 15 anos de prisão — maior até do que a do tráfico de drogas. Ou seja, é um
crime muito grave", ressalta o delegado.
Para coibir essas práticas criminosas, a
Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) conta com a Delegacia Especial de
Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), responsável por investigar delitos
cometidos pela internet, incluindo estelionatos cibernéticos. Além disso, a
Coordenação de Repressão ao Crime Contra o Consumidor, à Propriedade Imaterial
e às Fraudes (CORF) atua na apuração de fraudes e golpes, tanto no ambiente
digital quanto fora dele. Para reforçar a segurança da população, a PCDF também
disponibiliza cartilhas e folders com orientações preventivas, que podem ser
acessados no site pcdf.df.gov.br/imprensa/cartilhas-e-folders.
• Recomendações
da Anvisa
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) recomenda desconfiar de propagandas que prometem efeitos milagrosos ou
exaltam apenas os benefícios de medicamentos e suplementos, já que esses
produtos não possuem propriedades curativas. Medicamentos só podem ser
adquiridos em farmácias e drogarias regularizadas e jamais devem ser comprados
por redes sociais, marketplaces ou ambulantes, pois há risco de falsificação.
Desde 2019, a Anvisa proíbe a venda de
medicamentos em plataformas digitais. Além disso, influenciadores não
substituem a orientação médica. Em caso de dúvida, consulte sempre um
profissional de saúde.
A Anvisa estabelece que, para que um
medicamento chegue ao mercado, seu fabricante deve comprovar sua eficácia,
segurança e qualidade. Uma das principais ferramentas para essa comprovação são
os estudos clínicos, que seguem controles rigorosos para garantir a
confiabilidade dos dados sobre o medicamento.
Além disso, toda a cadeia produtiva deve ser
regularizada e inspecionada pela vigilância sanitária, assegurando o
cumprimento das boas práticas de fabricação de medicamentos. Essas regras são
essenciais para garantir que o produto mantenha sua qualidade até chegar ao
paciente.
Já os suplementos alimentares são destinados
a complementar a dieta de pessoas saudáveis, fornecendo nutrientes e
substâncias bioativas, por isso não alegar efeitos de cura ou prevenção de
doenças. Devem conter um aviso claro de que não são medicamentos, conforme
determina a Anvisa. A agência fiscaliza e controla essa publicidade, combatendo
anúncios enganosos e práticas ilícitas, como o uso de deepfake para promover
medicamentos.
>>> Consulta
Para consultar medicamentos registrados na
Anvisa, basta acessar o site
consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos
>>>Reclamação à Anvisa
Para denúncias à Anvisa, pode ser utilizado o
canal da Ouvidoria:
gov.br/anvisa/pt-br/canais_atendimento/ouvidoria
Fonte: Correio Braziliense

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