quarta-feira, 30 de abril de 2025

Bom para quem cara pálida?

Lendo o bom artigo O fim do Presidencialismo de Coalizão, vimos a necessidade de debater alternativas a ele. Faremos isto com apoio da Teoria de Jogos. No equilíbrio simples, onde não há várias possíveis ações a serem feitas e comparadas entre si, nem qualquer fonte de risco independente da ação alvo, pessoas racionais só vão fazer algo se o ganho multiplicado pela chance de ganhar superar a perda multiplicada pela chance de perder. Os não racionais apostam em loterias, onde claramente isto não ocorre, e no passado o vício cognitivo de ter controle foi usado na Loteca, da zebrinha, para subir o volume de apostas. Isto vale em coordenação. Milhões de produtores commodities têm um custo de coordenação superior aos ganhos prováveis da coordenação. O produtor rural que quiser ligar a todos os outros 5 milhões de produtores rurais do Brasil para dar um recado de 1 minuto, gastará R$ 150 mil em ligações fixo a fixo, ao custo de R$ 0,03 cada. Poucos têm 150 mil. Sozinho ele levará 10 anos para ligar a todos, aí tem de ter ajuda, e alguém pode repassar informações falsas. Dificilmente face a incertezas de clima, todos concordarão quanto ao que e em que volume plantar. Analisar uma proposta destas toma tempo, e tem custo. Tem de ter retorno de contrapropostas e concordâncias. Pode ter site, mas nem todo mundo acessa. Fora que se alguém por milagre fizesse o plano que parecesse ideal, aceito por todos, há a questão de alguém roer a corda, mesmo com 1/100.000 de chance de alguém descumprir o acordo, a chance de ninguém descumprir é alta, 1/135. A distribuição binomial dá a chance do total de problemas de cada tipo. Mais gente furando e mais danos. Representar interesses muito diversos, dificulta acordos, e em geral quem coordena busca apoio ao que quer, se beneficiar a todos é quase impossível, face a interesses muito diversos. Ninguém se mexe muito para ganhar pouco. Como o custo de mobilização é certo e o ganho incerto, só ganhos coletivos acima de 1 bilhão, R$ 200 per capta, tem uma chance mínima de suplantar os gastos de coordenação. Mas os 6 produtores de trem-bala do mundo podem definir a priori o que é melhor a eles, num bate papo em um evento qualquer, a custo irrisório. Ai, além da assimetria de informação, que deu Nobel a Stiglitz em 2001, a assimetria de custos de coordenação gera distorções ruins nos mercados sem regulação externa. Some-se a isto a estabilidade de coalizões e os efeitos do valor de Shapley, esclarecida pelas várias formas do jogo do emprego, e cai o mito de autorregulação de mercado. Se há um patrão só, incapaz de trabalhar, ele fica com 50% de tudo, com vários dá até para empregados ficarem com ¾, mas só com regras muito boas, que muito pouco país tem. Regras que tiram voz do povão, reduzem o valor de Shapley deste povão em coalizões e beneficiam os poderosos.

Custo de coordenação também impacta a política. É fácil empresas e parlamentares se coordenarem em torno de algo se o ganho for muito alto. Aí se muda até a constituição contra o interesse do povão. Assim, tem que existir uma barreira no que se refere a mudar constituições federal e estadual, e também leis orgânicas de municípios: o plebiscito. Esta barreira gera custos para se convencer a população a votar a favor, o que dificilmente ocorrerá se a proposta for muito ruim para a grande massa.

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Mas aí vem a questão de estabilidade e de Análise de Impacto Cruzado. Na versão inicial de Gordon e Helmer, dos anos 1960, a influência de A em B era a chance de B falhar porque A falhou, por definição igual à dependência de B com A. Mas é raro um item afetar só um outro ou depender de só um outro item. Assim eles colocaram num gráfico pares de soma de todas as influências e dependência de elementos de um sistema. Notaram um padrão em L para o que funcionava sem regulação. Para avaliar métodos de governança, dá para usar isto, usando no lugar das probabilidades reais, as probabilidades de equilíbrio da Teoria de Jogos, probabilidade de equilíbrio que é a que torna indiferente aos atores optar por qualquer das alternativas disponíveis. Isto pode ser feito em empresas, onde quando o esquema formal de governança não funciona, há outro informal beneficiando seus coordenadores e não aos donos da empresa. Algo combatido desde 1951, conforme o trabalho de Kieth Davis (ISBN 0070155747). Se o problema já é grave numa empresa, imagine num país, onde os valores envolvidos são muito maiores. Assim, a governança mestra do país, que afeta as demais da rede pública de serviços e empresas, tem de ser muito boa.

Pensem no dono da loja autoritário que quer controlar tudo, e não deixa nada de importante ser feito por outrem. O dia que ele não vai, a loja para, por ninguém poder operar a caixa registradora. Por mais eficaz que ele seja, um dia ele adoece, ou meio zonzo faz um erro. Redundância evita problemas. O chefão da Máfia, controla os capos, que controlam os operacionais. Tem aí uma influência alta, e como só toma decisões com informações vindas do capo que executará suas ordens, tem dependência igual à sua influência. O mesmo se dá com capos e operacionais. Não é à toa que há tantas brigas, disputas, puxadas de tapete e afins na Máfia, ou turma do jogo do bicho. Teve chefão da Máfia morto por seus capos, como mostra a série Nova Iorque contra a Máfia, para que capos que o tinham desobedecido tivessem menos chance de serem pegos por outros crimes pela polícia, e ainda fugissem da ira do chefão. Chefões da Máfia são alvos de quem sonha com o poder deles, sem avaliar o risco de se tornar um alvo. E haja tiro ao alvo. Na padaria familiar, se o filho distraído põe sal duas vezes na massa, outro filho avisa. Junta com outra massa sem sal, gela metade, o atraso da próxima fornada é igual, e nada de pão muito salgado, deixa menos fregueses descontentes. A boa relação interna afasta os pares da diagonal. No presidencialismo a relação entre ministros e presidente é similar à do chefão e capos em termos de dependência e influência. Há, contudo, leis, judiciário e congresso para baixar as simetrias de dependência e influência no sistema. Se quem executa a ordem é quem informa ao chefe sobre o que ocorre, se ele enganar o chefe, ele obtém autorização para fazer algo errado. No parlamentarismo, a assimetria sobe, e o sistema se aproxima ainda mais do L ideal. Já o falso parlamentarismo onde só o presidente pode dissolver o congresso, é no fundo, o presidencialismo disfarçado, o presidente impõe algo ao congresso, se o congresso não atender, convoca eleições. Se bobear é pior que o presidencialismo de mandato fixo do congresso. O presidente corrupto pede propina, o congresso não atende, ele o dissolve, atende ele não o dissolve. Aí se vê como regras fazem toda a diferença. Não há boa governança em qualquer empresa, município, estado ou país, com dependências e influências inadequadas.

Via análise de impacto cruzado, dá para dizer que o presidencialismo é um regime ruim e instável, é só ver o o caso dos USA, que teve macartismo, Bush filho e Trump para se comprovar isto. Mesmo sugando outros países para encher a barriga dos cidadãos norte-americanos, que favorece aos oligarcas dos USA. O parlamentarismo pode ser estável, dependendo de quantos modos se tem disponíveis para convocar novas eleições, desde que o modo principal, pedido direto de eleitores (com 2% a 5% deles via abaixo-assinado) esteja presente. No parlamentarismo, o presidente, eleito para ser fiscal do parlamento convoca eleição quando achar necessário. No semipresidencialismo, a diferença pro parlamentarismo é que o presidente tem o poder de vetar ou de indicar o primeiro-ministro. Este primeiro-ministro escolhe os demais. Um modelo estável é senado só ter poder de veto num parlamentarismo, e ter convocação de eleições antecipadas: por pedido popular assinado por 5% dos eleitores; pelo presidente que tem só o dever de fiscalizar o congresso; pela maioria do supremo tribunal federal, em caso de indícios fortes de desvios administrativos ou de descumprimento seja do contrato de governo de uma coalizão, seja estatuto do partido majoritário; pelo primeiro-ministro caso ele tenha dificuldade de negociar leis; pela maioria do conselho de primeiros-ministros estaduais; pela maioria do conselho de governadores que similarmente ao presidente apenas fiscalizam os governos estaduais, onde via voto distrital misto se eleja 40% dos representantes da câmara dos deputados estaduais e federais, quem ganha em cada distrito é eleito diretamente, e o resto é preenchido de modo a garantir a maior proximidade possível entre votos recebidos e deputados totais de cada partido. Entra a cúpula de poucos deputados de um partido, conhecida do público, mas tais deputados ser substituídos no meio do mandato por nova eleição interna do partido. As demais vagas não destinadas à cúpula dos partidos são preenchidas por ordem de votação dos deputados do partido nos distritos, em distritos com variação estatística do total de eleitores abaixo de 1%. Nas eleições internas dos partidos para vagas de cúpula, exclui-se, pra cada vaga disponível, um candidato por rodada, entre os que tiverem numa votação inicial mais de 5% dos votos, como na sucessão do Boris Johnson no partido conservador. Com mandato variável do senado e segundo turno na sua eleição, tem-se um sistema mais robusto. Junte-se a isto leis de iniciativas populares não votadas em 90 dias trancando a pauta do congresso, e o congresso fica pressionado a atender a população de fato. Não vota a lei, não só para tudo, como a população descontente pode vir a convocar eleições. Vota contra o interesse geral, e vem convocação de eleição. Duro é como conseguir um modelo assim, já que não temos nem plebiscito como requisito de reformas constitucionais, algo que é base de qualquer modelo estável que realmente defenda a população e não oligarcas. Países europeus, sobretudo os Nórdicos tem sistemas parecidos.

Só Deus é perfeito, falhas sempre ocorrerão onde pessoas, falhas por natureza, estão no comando. Mas quanto menos sujeito a falhas o sistema é, melhor para todos. Nenhuma pessoa tem a chance de falha exigida para que se aceite algo como fonte de falha singular num avião. Morreu tanta gente nas barragens da Vale que caíram como em um grande desastre aéreo. Fora mortes no trânsito. Houve gente que subiu velocidades máximas e número de mortes para ganhar voto. Toda a governança inferior é ligada a superior, aí, como aceitar falha singular na governança de um país ou ente federativo? Difícil algo assim sair logo no Brasil, o andar de cima vai fazer tudo para impedir, mas se as ideias não forem debatidas desde já, dificilmente vão sair do papel nas próximas décadas. Precisa de uma pressão popular maior que da campanha das Diretas Já. E face a crise climática, talvez não tenhamos muito tempo para arrumar a casa. Vício cognitivo de confirmação atrapalha o diálogo, e isto é usado pelos magnatas para dificultar o diálogo nas massas, ou manipulá-lo.

¨      Lumpocracia: A Canalhice no Poder. Por Sergio Alarcon

Em 1852, Marx, ao analisar o golpe de Estado de Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão, identificou uma nova estratégia de dominação: a ascensão política baseada no lumpesinato. No 18 de Brumário de Luís Bonaparte, o filósofo descreve esse estrato social como composto por “degradados e aventureiros de toda espécie”, unidos não por projetos de emancipação ou de bem comum, mas pelo ressentimento, pela violência dispersa, pela mesquinharia e pela ambição desavergonhada, rejeitando qualquer ordem civilizada. Luís Bonaparte mobilizou essa massa instável, oferecendo-lhe a ilusão de poder enquanto servia aos seus próprios interesses e à restauração de uma ordem conservadora, resultando em uma ditadura que destruiu a Segunda República Francesa e culminou na humilhante derrota para a Prússia de Bismarck.

Jair, o “Mito”, embora não possuísse a inteligência ou a astúcia estratégica de Luís Bonaparte, galvanizou no Brasil um conjunto semelhante de forças marginais: milicianos, traficantes, neoliberais oportunistas, fanáticos religiosos, estelionatários e ressentidos em geral. Essa base foi movida pelo ódio à ordem democrática, ao conhecimento e à alteridade. Diferentemente de Bonaparte, que manipulava o lumpesinato de fora, Jair era ele próprio parte desse lumpem – pequeno, medíocre e oportunista -, o que tornou sua ascensão ainda mais visceral e caótica.

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Pois aconteceu no Brasil aquilo que Gramsci enunciou como uma lei da natureza: em momentos de crise hegemônica, quando “o velho morre e o novo não pode nascer”, surgem as figuras monstruosas. Jair é produto desse interregno, que se estende desde o golpe parlamentar contra Dilma em 2016 – baseado em “pedaladas fiscais” posteriormente desqualificadas, ou seja, um impeachment baseado em nada -, passando pelo (des)governo de Temer, pela tentativa de usurpação do Estado de Direito pela Lava Jato de Curitiba, até o retorno da democracia com a eleição de Lula e sua (talvez inédita) Frente Ampla, em 2022.

Frente Ampla que se formou por absoluta necessidade de sobrevivência (da república, da democracia, das instituições, da cidadania, das pessoas…). Durante seu lamentável governo, Jair transformou a decomposição política em método de dominação. Foi um desastre polimorfo – econômico, social, ambiental e moral: nem todos sobreviveram à estagnação econômica, ao aumento da desigualdade, ao negacionismo pandêmico (com mais de 680 mil mortes por Covid-19), ao desmatamento recorde da Amazônia e aos ataques sistemáticos às instituições democráticas, culminando na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. As vítimas desse período nefasto de nossa história deveriam ser lembradas com maior ênfase, especialmente quando as forças obscuras dos seus algozes clamam por “anistia”.

O bozismo, é bom que se diga – nisso de novo diferente de Napoleão III -, não buscou (e não busca) restaurar formas ultrapassadas de poder, mas consagrar a própria decomposição social como norma. Bozistas não são, como dizem, “conservadores”. A lumpocracia – a canalhice organizada como método de dominação – tentou, numa verdadeira revolução, transformar a barbárie em ideal de governo, esvaziando a política de qualquer horizonte construtivo para, em troca, “dar passagem à boiada”. Uma revolução que almejou (e ainda almeja) ser pior que seu parente próximo – o nazismo -, que Theodor Adorno descreveu como barbárie mascarada sob uma fachada de civilização. Ao contrário, o bozismo não se preocupou em criar qualquer fachada de civilização; exibiu no poder sua destrutividade sem pudor, moldando parte da sociedade segundo a lógica do espetáculo da violência, onde o pensamento crítico (desqualificado como “esquerdismo”) cedeu lugar à repetição de slogans e à encenação da desordem permanente, enquanto no mundo real devastava o país.

Felizmente, a lumpocracia bozista foi momentaneamente derrotada. Apesar de sua capacidade de mobilizar uma base fiel – não apenas do lumpenproletariado -, a resistência das instituições democráticas e da sociedade civil – evidenciada pela vitória de Lula em 2022 e pelo fracasso do golpe de 8 de janeiro – barrou sua consolidação. O bozismo não conseguiu transformar o Brasil num reino de barbárie permanente, mas deixou feridas abertas: um país sob risco de novas tentativas de golpe, com instituições ainda fragilizadas (como é notório no Parlamento, mas também no Judiciário, ainda contaminado pelo lavajatismo) e uma sociedade desafiada a reconstruir seu tecido democrático contra as sombras ameaçadoras do bozismo, que insiste em parasitar as feridas da sociedade que ele mesmo ajudou a golpear, oferecendo como futuro ao país a incrível sedução da própria destruição.

 

Fonte: Por Luís Antônio Waack Bambace e Vicente Cioffi, no Jornal GGN

 

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