Bom para quem cara pálida?
Lendo o
bom artigo O fim do Presidencialismo de Coalizão, vimos a necessidade
de debater alternativas a ele. Faremos isto com apoio da Teoria de
Jogos. No equilíbrio simples, onde não há várias possíveis ações a serem
feitas e comparadas entre si, nem qualquer fonte de risco independente da ação
alvo, pessoas racionais só vão fazer algo se o ganho multiplicado pela chance
de ganhar superar a perda multiplicada pela chance de perder. Os não racionais
apostam em loterias, onde claramente isto não ocorre, e no passado o vício
cognitivo de ter controle foi usado na Loteca, da zebrinha,
para subir o volume de apostas. Isto vale em coordenação. Milhões de produtores commodities têm
um custo de coordenação superior aos ganhos prováveis da coordenação. O
produtor rural que quiser ligar a todos os outros 5 milhões de produtores
rurais do Brasil para dar um recado de 1 minuto, gastará R$ 150 mil em ligações
fixo a fixo, ao custo de R$ 0,03 cada. Poucos têm 150 mil. Sozinho ele levará
10 anos para ligar a todos, aí tem de ter ajuda, e alguém pode repassar
informações falsas. Dificilmente face a incertezas de clima, todos concordarão
quanto ao que e em que volume plantar. Analisar uma proposta destas toma tempo,
e tem custo. Tem de ter retorno de contrapropostas e concordâncias. Pode ter
site, mas nem todo mundo acessa. Fora que se alguém por milagre fizesse o plano
que parecesse ideal, aceito por todos, há a questão de alguém roer a corda,
mesmo com 1/100.000 de chance de alguém descumprir o acordo, a chance de
ninguém descumprir é alta, 1/135. A distribuição binomial dá a chance do total
de problemas de cada tipo. Mais gente furando e mais danos. Representar
interesses muito diversos, dificulta acordos, e em geral quem coordena busca
apoio ao que quer, se beneficiar a todos é quase impossível, face a interesses
muito diversos. Ninguém se mexe muito para ganhar pouco. Como o custo de
mobilização é certo e o ganho incerto, só ganhos coletivos acima de 1 bilhão,
R$ 200 per capta, tem uma chance mínima de suplantar os gastos de coordenação.
Mas os 6 produtores de trem-bala do mundo podem definir a priori o que é melhor
a eles, num bate papo em um evento qualquer, a custo irrisório. Ai, além da
assimetria de informação, que deu Nobel a Stiglitz em 2001, a
assimetria de custos de coordenação gera distorções ruins nos mercados sem
regulação externa. Some-se a isto a estabilidade de coalizões e os efeitos do
valor de Shapley, esclarecida pelas várias formas do jogo do
emprego, e cai o mito de autorregulação de mercado. Se há um patrão só, incapaz
de trabalhar, ele fica com 50% de tudo, com vários dá até para empregados
ficarem com ¾, mas só com regras muito boas, que muito pouco país tem. Regras
que tiram voz do povão, reduzem o valor de Shapley deste povão
em coalizões e beneficiam os poderosos.
Custo
de coordenação também impacta a política. É fácil empresas e parlamentares se
coordenarem em torno de algo se o ganho for muito alto. Aí se muda até a
constituição contra o interesse do povão. Assim, tem que existir uma barreira
no que se refere a mudar constituições federal e estadual, e também leis
orgânicas de municípios: o plebiscito. Esta barreira gera custos para se
convencer a população a votar a favor, o que dificilmente ocorrerá se a
proposta for muito ruim para a grande massa.
Mas aí
vem a questão de estabilidade e de Análise de Impacto Cruzado. Na
versão inicial de Gordon e Helmer, dos anos 1960,
a influência de A em B era a chance de B falhar
porque A falhou, por definição igual à dependência de B com A.
Mas é raro um item afetar só um outro ou depender de só um outro item. Assim
eles colocaram num gráfico pares de soma de todas as influências e dependência
de elementos de um sistema. Notaram um padrão em L para o que
funcionava sem regulação. Para avaliar métodos de governança, dá para usar
isto, usando no lugar das probabilidades reais, as probabilidades de equilíbrio
da Teoria de Jogos, probabilidade de equilíbrio que é a que torna
indiferente aos atores optar por qualquer das alternativas disponíveis. Isto
pode ser feito em empresas, onde quando o esquema formal de governança não funciona,
há outro informal beneficiando seus coordenadores e não aos donos da empresa.
Algo combatido desde 1951, conforme o trabalho de Kieth Davis (ISBN
0070155747). Se o problema já é grave numa empresa, imagine num país, onde
os valores envolvidos são muito maiores. Assim, a governança mestra do país,
que afeta as demais da rede pública de serviços e empresas, tem de ser muito
boa.
Pensem
no dono da loja autoritário que quer controlar tudo, e não deixa nada de
importante ser feito por outrem. O dia que ele não vai, a loja para, por
ninguém poder operar a caixa registradora. Por mais eficaz que ele seja, um dia
ele adoece, ou meio zonzo faz um erro. Redundância evita problemas. O chefão
da Máfia, controla os capos, que controlam os
operacionais. Tem aí uma influência alta, e como só toma decisões com
informações vindas do capo que executará suas ordens, tem
dependência igual à sua influência. O mesmo se dá com capos e
operacionais. Não é à toa que há tantas brigas, disputas, puxadas de tapete e
afins na Máfia, ou turma do jogo do bicho. Teve chefão da Máfia morto
por seus capos, como mostra a série Nova Iorque contra a
Máfia, para que capos que o tinham desobedecido tivessem
menos chance de serem pegos por outros crimes pela polícia, e ainda fugissem da
ira do chefão. Chefões da Máfia são alvos de quem sonha com o
poder deles, sem avaliar o risco de se tornar um alvo. E haja tiro ao alvo. Na
padaria familiar, se o filho distraído põe sal duas vezes na massa, outro filho
avisa. Junta com outra massa sem sal, gela metade, o atraso da próxima fornada
é igual, e nada de pão muito salgado, deixa menos fregueses descontentes. A boa
relação interna afasta os pares da diagonal. No presidencialismo a relação
entre ministros e presidente é similar à do chefão e capos em
termos de dependência e influência. Há, contudo, leis, judiciário e congresso
para baixar as simetrias de dependência e influência no sistema. Se quem
executa a ordem é quem informa ao chefe sobre o que ocorre, se ele enganar o
chefe, ele obtém autorização para fazer algo errado. No parlamentarismo, a
assimetria sobe, e o sistema se aproxima ainda mais do L ideal.
Já o falso parlamentarismo onde só o presidente pode dissolver o congresso, é
no fundo, o presidencialismo disfarçado, o presidente impõe algo ao congresso,
se o congresso não atender, convoca eleições. Se bobear é pior que o
presidencialismo de mandato fixo do congresso. O presidente corrupto pede
propina, o congresso não atende, ele o dissolve, atende ele não o dissolve. Aí
se vê como regras fazem toda a diferença. Não há boa governança em qualquer
empresa, município, estado ou país, com dependências e influências inadequadas.
Via
análise de impacto cruzado, dá para dizer que o presidencialismo é um regime
ruim e instável, é só ver o o caso dos USA, que teve macartismo, Bush filho
e Trump para se comprovar isto. Mesmo sugando outros países
para encher a barriga dos cidadãos norte-americanos, que favorece aos oligarcas
dos USA. O parlamentarismo pode ser estável, dependendo de quantos modos se tem
disponíveis para convocar novas eleições, desde que o modo principal, pedido
direto de eleitores (com 2% a 5% deles via abaixo-assinado) esteja presente. No
parlamentarismo, o presidente, eleito para ser fiscal do parlamento convoca
eleição quando achar necessário. No semipresidencialismo, a diferença pro
parlamentarismo é que o presidente tem o poder de vetar ou de indicar o
primeiro-ministro. Este primeiro-ministro escolhe os demais. Um modelo estável
é senado só ter poder de veto num parlamentarismo, e ter convocação de eleições
antecipadas: por pedido popular assinado por 5% dos eleitores; pelo presidente
que tem só o dever de fiscalizar o congresso; pela maioria do supremo tribunal
federal, em caso de indícios fortes de desvios administrativos ou de
descumprimento seja do contrato de governo de uma coalizão, seja estatuto do
partido majoritário; pelo primeiro-ministro caso ele tenha dificuldade de
negociar leis; pela maioria do conselho de primeiros-ministros estaduais; pela
maioria do conselho de governadores que similarmente ao presidente apenas
fiscalizam os governos estaduais, onde via voto distrital misto se eleja 40%
dos representantes da câmara dos deputados estaduais e federais, quem ganha em
cada distrito é eleito diretamente, e o resto é preenchido de modo a garantir a
maior proximidade possível entre votos recebidos e deputados totais de cada
partido. Entra a cúpula de poucos deputados de um partido, conhecida do
público, mas tais deputados ser substituídos no meio do mandato por nova
eleição interna do partido. As demais vagas não destinadas à cúpula dos
partidos são preenchidas por ordem de votação dos deputados do partido nos
distritos, em distritos com variação estatística do total de eleitores abaixo
de 1%. Nas eleições internas dos partidos para vagas de cúpula, exclui-se, pra
cada vaga disponível, um candidato por rodada, entre os que tiverem numa
votação inicial mais de 5% dos votos, como na sucessão do Boris Johnson no
partido conservador. Com mandato variável do senado e segundo turno na sua
eleição, tem-se um sistema mais robusto. Junte-se a isto leis de iniciativas
populares não votadas em 90 dias trancando a pauta do congresso, e o congresso
fica pressionado a atender a população de fato. Não vota a lei, não só para
tudo, como a população descontente pode vir a convocar eleições. Vota contra o
interesse geral, e vem convocação de eleição. Duro é como conseguir um modelo
assim, já que não temos nem plebiscito como requisito de reformas
constitucionais, algo que é base de qualquer modelo estável que realmente
defenda a população e não oligarcas. Países europeus, sobretudo os Nórdicos tem
sistemas parecidos.
Só Deus
é perfeito, falhas sempre ocorrerão onde pessoas, falhas por natureza, estão no
comando. Mas quanto menos sujeito a falhas o sistema é, melhor para todos.
Nenhuma pessoa tem a chance de falha exigida para que se aceite algo como fonte
de falha singular num avião. Morreu tanta gente nas barragens da Vale que
caíram como em um grande desastre aéreo. Fora mortes no trânsito. Houve gente
que subiu velocidades máximas e número de mortes para ganhar voto. Toda a
governança inferior é ligada a superior, aí, como aceitar falha singular na
governança de um país ou ente federativo? Difícil algo assim sair logo no
Brasil, o andar de cima vai fazer tudo para impedir, mas se as ideias não forem
debatidas desde já, dificilmente vão sair do papel nas próximas décadas.
Precisa de uma pressão popular maior que da campanha das Diretas Já. E face a
crise climática, talvez não tenhamos muito tempo para arrumar a casa. Vício
cognitivo de confirmação atrapalha o diálogo, e isto é usado pelos magnatas
para dificultar o diálogo nas massas, ou manipulá-lo.
¨
Lumpocracia: A Canalhice
no Poder. Por Sergio Alarcon
Em 1852, Marx, ao analisar o golpe de Estado
de Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão, identificou uma nova estratégia de
dominação: a ascensão política baseada no lumpesinato. No 18 de Brumário de
Luís Bonaparte, o filósofo descreve esse estrato social como composto por
“degradados e aventureiros de toda espécie”, unidos não por projetos de
emancipação ou de bem comum, mas pelo ressentimento, pela violência dispersa,
pela mesquinharia e pela ambição desavergonhada, rejeitando qualquer ordem
civilizada. Luís Bonaparte mobilizou essa massa instável, oferecendo-lhe a
ilusão de poder enquanto servia aos seus próprios interesses e à restauração de
uma ordem conservadora, resultando em uma ditadura que destruiu a Segunda
República Francesa e culminou na humilhante derrota para a Prússia de Bismarck.
Jair, o “Mito”, embora não possuísse a
inteligência ou a astúcia estratégica de Luís Bonaparte, galvanizou no Brasil
um conjunto semelhante de forças marginais: milicianos, traficantes,
neoliberais oportunistas, fanáticos religiosos, estelionatários e ressentidos
em geral. Essa base foi movida pelo ódio à ordem democrática, ao conhecimento e
à alteridade. Diferentemente de Bonaparte, que manipulava o lumpesinato de
fora, Jair era ele próprio parte desse lumpem – pequeno, medíocre e oportunista
-, o que tornou sua ascensão ainda mais visceral e caótica.
Pois aconteceu no Brasil aquilo que Gramsci
enunciou como uma lei da natureza: em momentos de crise hegemônica, quando “o
velho morre e o novo não pode nascer”, surgem as figuras monstruosas. Jair é
produto desse interregno, que se estende desde o golpe parlamentar contra Dilma
em 2016 – baseado em “pedaladas fiscais” posteriormente desqualificadas, ou
seja, um impeachment baseado em nada -, passando pelo (des)governo de Temer,
pela tentativa de usurpação do Estado de Direito pela Lava Jato de Curitiba,
até o retorno da democracia com a eleição de Lula e sua (talvez inédita) Frente
Ampla, em 2022.
Frente Ampla que se formou por absoluta
necessidade de sobrevivência (da república, da democracia, das instituições, da
cidadania, das pessoas…). Durante seu lamentável governo, Jair transformou a
decomposição política em método de dominação. Foi um desastre polimorfo –
econômico, social, ambiental e moral: nem todos sobreviveram à estagnação
econômica, ao aumento da desigualdade, ao negacionismo pandêmico (com mais de
680 mil mortes por Covid-19), ao desmatamento recorde da Amazônia e aos ataques
sistemáticos às instituições democráticas, culminando na tentativa de golpe de
8 de janeiro de 2023. As vítimas desse período nefasto de nossa história
deveriam ser lembradas com maior ênfase, especialmente quando as forças
obscuras dos seus algozes clamam por “anistia”.
O bozismo, é bom que se diga – nisso de novo
diferente de Napoleão III -, não buscou (e não busca) restaurar formas
ultrapassadas de poder, mas consagrar a própria decomposição social como norma.
Bozistas não são, como dizem, “conservadores”. A lumpocracia – a canalhice
organizada como método de dominação – tentou, numa verdadeira revolução,
transformar a barbárie em ideal de governo, esvaziando a política de qualquer
horizonte construtivo para, em troca, “dar passagem à boiada”. Uma revolução
que almejou (e ainda almeja) ser pior que seu parente próximo – o nazismo -,
que Theodor Adorno descreveu como barbárie mascarada sob uma fachada de
civilização. Ao contrário, o bozismo não se preocupou em criar qualquer fachada
de civilização; exibiu no poder sua destrutividade sem pudor, moldando parte da
sociedade segundo a lógica do espetáculo da violência, onde o pensamento
crítico (desqualificado como “esquerdismo”) cedeu lugar à repetição de slogans
e à encenação da desordem permanente, enquanto no mundo real devastava o país.
Felizmente, a lumpocracia bozista foi
momentaneamente derrotada. Apesar de sua capacidade de mobilizar uma base fiel
– não apenas do lumpenproletariado -, a resistência das instituições
democráticas e da sociedade civil – evidenciada pela vitória de Lula em 2022 e
pelo fracasso do golpe de 8 de janeiro – barrou sua consolidação. O bozismo não
conseguiu transformar o Brasil num reino de barbárie permanente, mas deixou
feridas abertas: um país sob risco de novas tentativas de golpe, com
instituições ainda fragilizadas (como é notório no Parlamento, mas também no
Judiciário, ainda contaminado pelo lavajatismo) e uma sociedade desafiada a
reconstruir seu tecido democrático contra as sombras ameaçadoras do bozismo,
que insiste em parasitar as feridas da sociedade que ele mesmo ajudou a
golpear, oferecendo como futuro ao país a incrível sedução da própria
destruição.
Fonte: Por Luís Antônio Waack Bambace e
Vicente Cioffi, no Jornal GGN

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