Fábrica
paraguaia usa modelos pornô, festas com narguilé e influencers para promover
vape e fumo ilegal
Duas
modelos pornô, Natasha Steffens e Angel Willys, posam de biquíni para a câmera
no terraço da Mansão Maromba, uma produtora de vídeos sediada na zona leste de
São Paulo. Com um copo de energético em uma mão e um maço de fumo na outra,
dessa vez o clique da dupla não é para o OnlyFans nem “grupos vip” no Telegram,
as plataformas que ambas usam para vender conteúdo adulto.
Publicada
em fevereiro de 2025, a foto era para o Instagram da Zomo, uma marca paraguaia
de essências de narguilé que estava lançando um produto em parceria com a
produtora. Até a cor dos biquínis de Willys e Steffens – uma de azul bebê e a
outra de rosa-choque – combinava com a embalagem dos maços. O dono da Mansão
Maromba, o influenciador fitness Toguro, com quase 20 milhões de seguidores
somados YouTube, Instagram e TikTok, também participou das divulgações.
O
problema é que, além da propaganda de fumo ser proibida no Brasil desde 2000, a
essência da Zomo com a Mansão sequer está cadastrada para venda no país, o que
a torna ilegal. Ainda assim, o Joio identificou distribuidoras promovendo e
vendendo o produto em território nacional. O próprio perfil da produtora de
Toguro no Instagram também postou pelo menos três reels com outras modelos, que
não são artistas pornô, divulgando a essência. Saradas, de biquíni, à beira de
uma piscina – e fumando. Uma delas é educadora física.
“Os
produtos [da Zomo com a Mansão Maromba] não possuem registro, portanto, não
podem ser fabricados e comercializados”, disse à reportagem a Anvisa, a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária, responsável por fiscalizar produtos de tabaco
no país, após enviarmos alguns desses posts ao órgão. “Eventuais propagandas
feitas por influenciadores estão incluídas na regra de proibição de
propaganda”, afirmou.
Mesmo
em 1996, ano em que as primeiras restrições à publicidade de tabaco entraram em
vigor no Brasil, divulgações como a da Mansão Maromba já teriam sido vedadas.
Naquela época havia sido a recém proibido “associar ideias ou imagens de maior
êxito na sexualidade das pessoas” na propaganda de fumo, táticas comuns da
indústria do cigarro. A partir de 2000, toda e qualquer publicidade de produtos
fumígenos fora de seus pontos de venda físicos passou a ser banida no país.
No
entanto, um levantamento do Joio com base em registros nas redes sociais revela
que a Zomo desafia as restrições antifumo impostas pela legislação brasileira
pelo menos desde 2019. A marca paraguaia já fez parcerias com estádios,
produtoras, artistas, influencers e boates. Essa lista inclui a produtora de
funk Kondzilla, o camarote Fiel Zone no estádio do Corinthians e o rapper
Gustavo Hungria, além de pelo menos 14 influenciadores digitais que divulgaram
cigarros eletrônicos da empresa.
Por
trás da marca, está a fábrica paraguaia Flavors of Americas (FOA), sediada em
Ciudad del Este, na fronteira do país vizinho com o Brasil, ao lado de Foz do
Iguaçú, no Paraná. Além da Zomo, a empresa também possui outras duas marcas de
fumo para narguilé: Nay e FDC!. Nem a Mansão Maromba ou a FOA responderam às
tentativas de contato por e-mail da reportagem. O diretor operacional da
empresa paraguaia, o advogado brasileiro Márcio Manincor, também não respondeu
via WhatsApp.
O único
a retornar foi o publicitário brasileiro Paulo Isper, diretor de marketing da
FOA, por meio do Instagram. Ele negou irregularidades na operação da empresa.
“Ressalto que qualquer publicação que distorça a realidade ou induza os
leitores a conclusões equivocadas poderá ser objeto das medidas judiciais
cabíveis, inclusive na esfera criminal”, afirmou.
Em
setembro, Isper participou de um vídeo de Toguro postado no YouTube para
anunciar o lançamento do fumo irregular da Zomo com a Mansão Maromba. “A gente
segue todas as regras, todas as normativas, para ter nosso produto disponível
no mercado”, disse o publicitário ao influencer, quando perguntado sobre as
legislações “pesadas” que existem sobre fumígenos. “Não é cigarro. É um
fumígeno, mas isso aqui [narguilé] é uma categoria milenar, né?”, justificou.
• Xaveco para vape e essência de Nesquik
Hoje,
as marcas de fumo da FOA estão ativas nas redes sociais e mantém os perfis
@clubzomo, @butecozomo e @nayblend no Instagram, Zomo no YouTube e
@zomoofficial no TikTok. Todas com foco no público daqui.
A mais
antiga delas, a página @zomoofficial no Instagram, no entanto, está
indisponível no Brasil por “violar leis locais”. O Joio usou uma VPN para
driblar a restrição e revisar os posts do perfil. E, até hoje, ele mantém
salvos os registros de ações comerciais que fazia com influencers brasileiros
antes do bloqueio. Isso inclui o lançamento de cigarros eletrônicos da Zomo no
país em 2022, sendo que o produto é proibido por aqui desde 2009.
Em um
dos posts, o influenciador Felipe Oliveira dá uma tragada forte em um pod preto
e depois sopra a névoa branca do cigarro eletrônico para o alto. Ele franze a
testa, entreabre um sorriso pretensamente sedutor e começa a falar para a
câmera, anasalando a própria voz.
“Nossa,
Zozô, me pega, me joga na parede, me chama de quadro do Romero Britto”, diz
Felipe, imitando o que deveria ser o tipo de cantada que homens usam em festas.
O personagem que lhe rendeu mais de 600 mil seguidores na rede é um
“hétero-top”.
A frase
faz parte de uma série de xavecos ao pod da Zomo publicados nos stories do
influencer em maio de 2022. Os posts marcavam o perfil oficial da marca na rede
social.
Em um
dos vídeos, a influenciadora de fitness e beleza Gi Menezes, que hoje promove
“marmitas práticas e saudáveis”, elogia a “caixa maravilhosa da Zomo” que acaba
de receber. Dentro dela há oito pods descartáveis de sabores diferentes. “Pra
quem não sabe, agora eu sou a nova embaixadora da marca e eles me mandaram a
linha nova [de pods] que tem muito mais sabor”, disse Menezes. “Eu amei, tô
doidinha pra começar a provar, vocês sabem aí que eu sou viciada”, afirmou no
storie promocional.
E esse
não foi o único cigarro eletrônico lançado pela Zomo no país. Em 2022, a marca
lançou um pod descartável em parceria com o rapper Gustavo Hungria. A parceria,
inclusive, era frutífera. O artista cedeu sua marca também a e-liquids, a
nicotina líquida que abastece vapes recarregáveis, e fumos para narguilé da
Zomo.
Em maio
de 2021, o cantor chegou a fazer uma live diretamente da fábrica da FOA no
Paraguai para divulgar o lançamento da essência para narguilé Brabo, cujo sabor
era de “Nesquik de morango”. Nesquik é um preparado doce da Nestlé vendido para
crianças e o show foi em português. Na época, o produto tinha registro
sanitário aprovado junto à Anvisa, o que autorizou sua venda no país. O artista
não respondeu às tentativas de contato do Joio.
Criado
no século 16 na Índia, o narguilé funciona como uma espécie de “grande
cachimbo” montado em cima de um jarro, usando carvão para queimar o fumo, água
para aliviar a temperatura da fumaça e uma mangueira para tragá-la. Mas não há
diferenças significativas entre seus impactos da saúde e os do cigarro.
“Como a
fumaça passa por água, isso leva à sensação de que há menos inalação de tabaco
e que ela dissolve efeitos danosos, mas não é o caso”, alerta a médica
sanitarista Vera Luiza da Costa e Silva, coordenadora da Comissão Nacional para
Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq). “A
relação entre consumi-lo [narguilé] e doenças de tabaco relacionadas é bem
conhecida”, diz.
• Empresa cresceu com ajuda de liminares
Apesar
das irregularidades, a entrada da fábrica paraguaia no país e o boom de suas
marcas no mercado daqui se deu de forma “legalizada” por meio de fumos para
narguilé como o da essência Brabo, de Gustavo Hungria. Isso porque a empresa
surfou em uma série de ações judiciais da indústria do tabaco brasileira contra
uma regra da Anvisa de 2012 que proibia o uso de aditivos – como flavorizantes,
anestésicos ou adoçantes – em produtos de tabaco.
O
objetivo da medida era impedir a venda de fumos saborizados, que são mais
atrativos aos jovens, promovem a dependência da nicotina por aliviarem o
mal-cheiro e mau sabor do fumo e dificultam a cessação do tabagismo. Essa
disputa chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, por anos, permitiu que
empresas de fumo registrassem produtos “aditivados” junto à Anvisa por meio de
liminares, driblando no tapetão a norma da agência.
Com
isso, entre 2014 e 2022, só a FOA registrou a segunda maior quantidade de
produtos fumígenos com “aditivos proibidos” para venda no país, um total de 192
por meio das marcas Zomo, Nay e FDC!. A fábrica ficou atrás apenas da BAT, a
antiga Souza Cruz, a líder no segmento de tabaco no mercado brasileiro.
Hoje,
em abril de 2025, a FOA mantém um total de 11 produtos ativos no país junto à
agência reguladora – seis da Zomo e sete da Nay, todos com aditivos proibidos
pela Anvisa e registrados via liminar. O fumo da Mansão Maromba, por exemplo,
não está entre eles. Ainda assim, a embalagem do produto inclui advertências de
saúde como se fosse regularizado por aqui.
Não é à
toa que, em 2023, a importadora da fábrica paraguaia no país, a catarinense
Elite Trade, sofreu uma operação capitaneada pela Anvisa. Na ocasião, as
autoridades apreenderam um estoque inteiro que incluiu fumos da FOA na sede da
Elite Trade. Entre os itens, estavam brindes, materiais publicitários e mais de
1,3 milhão de caixas de fumo que somaram R$ 10 milhões em fumo irregular, sem
registro ou importado sem pagar impostos.
A
agência, no entanto, arquivou a autuação sem multar a importadora, que também é
a responsável por registrar os produtos da FOA para venda aqui no país.
A Elite
Trade tem sede em Biguaçu, município do litoral de Santa Catarina, e seu dono
atual é um homem paraguaio de 28 anos chamado Ali Khalil, mostram registros da
Junta Comercial de Santa Catarina revisados pelo Joio. Contudo, a empresa já
distribui produtos da FOA desde a sua criação em 2017, anos antes de Khalil
assumir a operação. Na época, ela tinha outro nome, Blue Trade, e outro sócio,
um comerciante britânico chamado Kwong Law, de Hong Kong, na China. A
importadora não respondeu às tentativas de contato da reportagem.
Esse
tipo de conexão internacional não é incomum para o CEO da FOA, o empresário
libanês Walid Sweid. No Paraguai, ele já foi acusado de contrabando, corrupção
e lavagem de dinheiro por autoridades. Só que até hoje o empresário jamais foi
condenado.
A
imprensa paraguaia atribui a falta de punições às conexões políticas de Sweid,
que incluem o ex-presidente Horácio Cartes, suspeito de liderar o contrabando
de cigarros do Paraguai para o Brasil. O dono da FOA chegou até mesmo a ser
acusado pelos Estados Unidos de financiar o Hezbollah, grupo fundamentalista
libanês.
• Botecos, baladas e zonas de narguilé
Além de
patrocínios de influencers, as marcas da FOA também tem promovido eventos para
uso de narguilé país afora. Um ano antes da fiscalização que apreendeu fumos
irregulares na Elite Trade, em 2022, a Anvisa emitiu um alerta às vigilâncias
sanitárias municipais devido à proliferação de lounges da Zomo, ou “Zomo
Zones”, uma franquia de bares da marca que promoviam o uso de narguilé em
locais fechados – o que é ilegal.
Em
agosto daquele ano, a agência havia identificado 15 franquias do tipo em
funcionamento em pelo menos quatro estados brasileiros, a maioria em Santa
Catarina.
“Nos
Zomos Zones, as pessoas têm acesso a produtos fumígenos para consumo dentro dos
estabelecimentos; há propaganda de produtos fumígenos e acesso a bebidas com a
logomarca do produto fumígeno, bem como a possibilidade de realização de
eventos culturais dentro destes estabelecimentos”, diz o ofício da agência.
No
Brasil, é proibido o uso de fumígenos em recintos coletivos fechados ou
parcialmente fechados desde 2011. O objetivo é combater o fumo passivo e
impedir que não fumantes sofram com os danos da fumaça tóxica do tabaco. Uma
sessão de uma hora de narguilé pode equivaler a mais de 100 cigarros em
substâncias tóxicas e viciantes, como a nicotina, metais pesados e monóxido de
carbono.
Por
meio da plataforma Cruzagrafos, o Joio identificou ao menos 12 CNPJs abertos de
bares ou espaços que se referem como “lounges” ou “zones” que usam a marca da
Zomo. Destes, sete permanecem ativas. Duas em São Paulo (SP) e Balneário
Camboriú (SC). São Caetano do Sul (SP), Lages (SC) e Tubarão (SC) têm um lounge
cada.
No
período, a FOA chegou até a usar o camarote FielZone na NeoQuímica Arena, o
estádio do Corinthians, como espaço para fumo. “O camarote #Zomo é o único em
qualquer estádio de #futebol que é possível assistir o jogo e fazer aquela
sessão com a qualidade #ZomoMax”, diz um post de março de 2023 da marca no
TikTok, em referência às sessões de narguilé.
Anos
antes da Zomo, outra marca da FOA, a Nay, também havia feito promoções
comerciais no mesmo espaço. “Nay revolucionando o mundo do narguile novamente:
o primeiro espaço para narguile dentro dos estádios de futebol”, diz um post no
Instagram oficial da Nay de setembro de 2019. “Uma conquista histórica”,
completa a publicação.
À
reportagem, o clube disse que não tem ingerência sobre os camarotes do estádio.
Já a Fielzone não respondeu às tentativas de contato. Assim como no caso da
Mansão Maromba, esse tipo de publicidade teria sido ilegal até mesmo nos anos
90 por envolver esporte.
Além
das franquias de bares, a marca também tem promovido festas com ofertas de
narguilé da marca, os “butecos Zomo”. Já foram realizadas edições pelo menos em
Brasília, Goiânia, São Paulo e Blumenau (SC), segundo o Instagram do evento. As
baladas incluem DJ, shows sertanejos, bebidas e oferta de narguilé. Há até
mesmo um influenciador vestido de cowboy.
Em 27
de abril, por exemplo, há uma edição marcada para acontecer em uma
distribuidora de tabaco e charutos em Presidente Prudente, município do
interior de São Paulo. Em Goiânia, no último dia 16, a Zomo também promoveu uma
“degustação” de sabores.
Uma das
outras marcas da FOA, Nay, também promove edições próprias de um evento para
consumo de narguilé, o ChurrasNay. No último dia 13 de abril, a empresa
realizou um encontro em uma distribuidora de tabaco e charutos de Blumenau.
O Joio
perguntou à Anvisa qual o seu posicionamento sobre a marca realizar eventos do
tipo. “As ações de vigilância sanitária são descentralizadas”, disse a agência.
“Dessa forma, entende-se que a fiscalização de eventos também é de competência
das vigilâncias sanitárias locais (municipais ou estaduais), assim como existe
a competência de atuação dos demais órgãos competentes, como o Ministério
Público e Procons”, afirmou em nota.
Fonte:
O Joio e O Trigo

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