Ecofascismo: Como as alianças entre a
extrema-direita e o agronegócio ameaçam o futuro do planeta
A posse de Donald Trump como presidente dos
Estados Unidos, no início deste ano, reacendeu debates que partem de suas
alianças com os bilionários das Big Techs, a exemplo de Jeff Bezos, Mark
Zuckerberg e Elon Musk – este último que se referiu a posse do atual presidente
como um “ponto de virada para a civilização humana” -, como também em relação
às políticas racistas contra imigrantes que se estendem para o chamado
“ecofascismo”. Entre as principais discussões da política trumpista está a sua
postura em relação à emergência climática, marcada por discursos que incentivam
a exploração de petróleo e gás, a expansão de mineradoras e a reformulação de
políticas ambientais que favorecem as grandes corporações.
O ecofascismo ganha espaço à medida que o
colapso ambiental é reconhecido por segmentos da extrema-direita como uma
oportunidade de reorganizar a sociedade sob lógicas autoritárias. Combinando
discursos ambientalistas com manifestações racistas e nacionalistas, o
ecofascismo se manifesta por meio da proposição de políticas que tratam da
preservação dos recursos naturais — compreendida aqui segundo o discurso
neoliberal da “economia verde”, “capitalismo verde” e “desenvolvimento
sustentável” —, mas apenas para seu “grupo referente”: masculinista, rico e
branco. Isso ocorre em detrimento da inclusão de pessoas racializadas,
mulheres, corpos dissidentes e pessoas LGBTQIAPN+. Nesse contexto, a emergência
climática é instrumentalizada para justificar restrições migratórias e negar a
responsabilidade histórica dos países mais ricos nas emissões de carbono.
A ascensão da extrema-direita na última
década é um fenômeno global, especialmente nas democracias ocidentais. Esses
movimentos compartilham características como a construção de um “Outro” – um
inimigo a ser combatido – e a defesa de ideias masculinistas e supremacistas
brancas. Por outro lado, existem características específicas deste avanço no
contexto brasileiro, onde a extrema-direita emerge a partir de um histórico que
combina a consolidação de um liberalismo escravocrata, regimes autoritários
recorrentes e o pacto das elites em torno da branquitude. Essa herança molda os
valores da extrema-direita brasileira, que identifica como inimiga dos povos
originários, comunidades tradicionais, mulheres, movimentos sociais, pessoas
negras e LGBTQIAPN+.
Enquanto nos EUA e na Europa o “Outro” a ser
enfrentado é frequentemente representado pelo imigrante – figura que ameaça a
estabilidade econômica e cultural ao ser percebida como parasitária ao Estado
de bem-estar e portadora de valores incompatíveis com as democracias ocidentais
-, no Brasil, a ascensão ecofascista assume contornos próprios. Aqui, ela opera
como uma articulação mais profunda entre a masculinidade enquanto regime de
poder, o capitalismo extrativista e a exploração da natureza e seus povos. A
dominação da natureza, neste contexto, não é apenas prática econômica, mas uma
tecnologia de controle territorial e social, impulsionada pelo agronegócio, que
funciona como expressão da lógica produtivista e extrativista, transformando a
destruição ambiental em um símbolo de afirmação supremacista e masculinista.
O ecofascismo à moda brasileira, portanto,
consolida-se não só pela política, mas pela captura dos desejos frustrados em
uma sociedade precarizada, oferecendo ordem, potência e pertencimento por meio
da exploração violenta da terra e dos corpos que dela dependem. A conexão entre
o agronegócio e a extrema-direita não é recente, antes mesmo da ascensão de
Jair Bolsonaro (PL), o setor já liderava ataques às políticas de reforma
agrária e às alianças com o Estado para desarticular os movimentos sociais. No entanto,
é a partir do governo Bolsonaro que essas alianças se fortalecem,
consolidando-se e se institucionalizando por meio da aprovação de projetos como
o marco temporal e o “pacote do veneno”.
Em verdade, o governo Bolsonaro não apenas
fortaleceu uma nova direita brasileira – em que pautas ultraneoliberais e
autoritarismo se mesclam – como também consolidou um ecossistema cultural que
se expressa na figura do “homem do agro”: um arquétipo masculinizado, armado,
viril e produtor. Essa estética de força e controle territorial não é apenas
retórica, ela opera como dispositivo de poder simbólico e material, articulando
desejo, identidade e violência. O ressentimento, antes sustentáculo afetivo da
extrema-direita, cede lugar a uma performatividade bélica e produtivista, que
naturaliza a devastação como ato de soberania. A imbricação entre a
masculinidade como regime de poder e o capitalismo gore movimenta uma economia
libidinal, através da mobilização dos desejos e dos corpos para essa nova zona
de engajamento.
Nesse rearranjo, o agronegócio atua como
aparelho ideológico de dominação, produzindo uma masculinidade branca, cristã
hegemônica que se afirma pela violência contra a natureza e seus povos. Essa
estética, sustentada por símbolos como o chapéu de cowboy, o rifle, trator, e
até mesmo motosserra, performa uma promessa de pertencimento diante da
precariedade social e subjetiva. Não por acaso, supremacistas como Trump, Milei
e Bolsonaro apresentam discursos que enaltecem o “plano motosserra”. Bolsonaro
se autointitulou como “capitão motosserra”, já Milei frequentemente aparecia em
comícios portando um motosserra. Em fevereiro deste ano, Musk, convocado a
reduzir o tamanho do governo trumpista, apareceu no palco da Conferência de
Ação Política Conservadora em National Harbor, com a motosserra que ganhou de
Milei, cujo slogan gravado no instrumento registrava “Viva la libertad,
carajo”.
O agronegócio também desempenhou um papel
crucial no financiamento de movimentos golpistas, como há muito tempo denuncia
o site de olho nos ruralistas, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff –
também chamado de “Agrogolpe” -, onde mais de 50% dos votos favoráveis vieram
da Bancada Ruralista, além da admissão/recusa da abertura de processos contra o
ex-presidente Michel Temer, e campanhas eleitorais, incluindo a de Bolsonaro,
que recebeu R$1,2 milhão de reais de 4 fazendeiros nas últimas eleições presidenciais. Já, em relação à intentona golpista do 8 de
janeiro, especula-se através das investigações realizadas pela Polícia Federal
que empresários do setor foram citados como financiadores dos atos golpistas,
evidenciando o vínculo entre os interesses econômicos do agronegócio e os
ataques à democracia.
É por meio desta aliança entre o agronegócio
e os interesses da extrema direita que a exploração de territórios e seus povos
é executada, mesmo diante da emergência climática, evidenciada por mudanças
drásticas de temperatura, alternando entre períodos de grandes secas e chuvas
intensas. Essas alterações extremas, provocadas pela intensificação do
aquecimento global causado pela atuação de atores poderosos (Estados e
corporações ligadas ao agronegócio), resultaram em inundações devastadoras que
causaram danos ao redor do mundo, destruindo casas e vidas humanas e
mais-que-humanas. Um exemplo recente ocorreu no Rio Grande do Sul, onde as
enchentes de 2024 afetaram 95% dos municípios do estado, resultando em
prejuízos estimados em R$ 88,9 bilhões, com impactos significativos nos setores
produtivo, social, infraestrutura e meio ambiente. As chuvas intensas causaram
183 mortes e deixaram 27 pessoas desaparecidas. Além disso, mais de 2,3 milhões
de pessoas foram afetadas, com milhares de desabrigadas e danos extensivos à
infraestrutura local.
No cenário global, o Brasil ocupa a sexta
posição entre os maiores emissores de gases de efeito estufa. Enquanto a
indústria de combustíveis fósseis é o principal vilão nas discussões climáticas
globais, aqui o agronegócio lidera as emissões, especialmente devido ao
desmatamento na Amazônia e no Cerrado brasileiro, e à criação intensiva de
gado. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do
Observatório do Clima (SEEG), 74% das emissões brasileiras estão diretamente
ligadas ao setor.
As redes sociais, por sua vez, tornaram-se o
terreno fértil para a disseminação de desinformação ambiental e climática, com
o apoio direto de líderes globais da extrema-direita. A pressão crescente pela
flexibilização de políticas de controle nas grandes plataformas contribui para
amplificar discursos de ódio e narrativas negacionistas sobre o clima. Apesar
disso, entretanto, o negacionismo não é algo novo, mas um resquício do
colonialismo que ganha força no projeto político da extrema-direita ao promover
a destruição humana e ambiental. Essa lógica reflete o desprezo pelo saber e
pelas múltiplas existências, que se infiltram nos mais variados setores e
grupos da sociedade.
Como diz Ailton Krenak “Nosso tempo é
especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio
sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com
relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar,
de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo
que dança, canta, faz chover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo
convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então,
pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos
nossos próprios sonhos”.
A citação de Krenak revela como a lógica
colonial e capitalista destrói não apenas territórios e vidas, mas também
sentidos, experiências e sonhos. Essa “humanidade zumbi”, que rejeita a
diversidade e a vitalidade da existência é a mesma que impulsiona a guerra
colonial contra a natureza, promovida pela extrema-direita em aliança com o
agronegócio e grandes corporações. Essa é uma luta desigual, que despreza
saberes ancestrais, territórios e diferenças, criminalizando, perseguindo e
atacando os verdadeiros defensores da vida.
É por isso que o conceito de “guerra colonial
contra a natureza”, inspirado na expressão de Eliane Brum, se torna tão
importante neste estado atual de coisas. A palavra colonial situa a forma pela
qual a destruição massiva da natureza e seus povos são mobilizados pelos
interesses econômicos dos atores poderosos. Quando falamos em natureza,
ratificamos a ideia de que ela está interconectada e integrada aos povos e seus
territórios, sem os quais ela não poderá se manter em pé, e, consequentemente,
manter as possibilidades de vida e existência na Terra em pé.
Nesta guerra, os principais “inimigos” a
serem combatidos são os grupos que contrariam a lógica do capitalismo
neoliberal e de mercantilização da natureza, todos aqueles e aquelas que lutam
pela proteção das florestas, rios, montanhas, árvores e animais. Sem eles, não
há futuro para o planeta. Em tempos de emergência climática, resistir a essa
lógica colonial é um passo fundamental para reimaginar formas mais justas de
coexistir no planeta, enfrentando os negacionismos, e lutando contra a
continuidade da exploração de seres humanos e mais que humanos.
Fonte: Por Paula Gil Larruscahim e Karine
Agatha França, no Le Monde

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