Rebeca Ellis: Por
que algumas pessoas sentem uma paixão intensa, que parece amor — e como isso
afeta a saúde delas
Limerência é um
termo com o qual talvez você não esteja familiarizado. Ele descreve um desejo
involuntário, incontrolável e obsessivo por outra pessoa. Essa fixação pode
levar a um sofrimento significativo, perturbando a vida cotidiana, e pode ter
impactos negativos em outras pessoas também.
A limerência pode
afetar qualquer pessoa, mas é mais provável que ocorra em pessoas com ansiedade ou depressão. Acredita-se que
ela afete de 4 a 5% da população em geral, embora seja muito difícil de medir.
O termo foi cunhado
pela psicóloga comportamental Dorothy Tennov em seu livro de 1979, Love
and Limerence: The Experience of Being in Love ("Amor e Limerência: A
Experiência de Amar", em tradução livre). Ela a descreveu como um fenômeno
psicológico único, diferente de se apaixonar, que é movido por
um desejo incontrolável por outra pessoa — o "objeto limerente".
Qualquer pessoa
pode se tornar um objeto de limerência, seja um amigo, colega ou um estranho.
Esses sentimentos quase sempre não são correspondidos porque uma das principais
características da limerência é a incerteza dos sentimentos do outro.
O período em que
uma pessoa está experimentando esses sentimentos é chamado de "episódio
limerente". A duração de um episódio de limerência varia de pessoa para
pessoa.
Para algumas
pessoas, como aquelas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH), isso pode ser particularmente intenso, pois a paixão se combina com
características como hiperfoco — uma fixação intensa em um interesse ou
atividade por um longo período de tempo, o que é familiar para muitas pessoas
neurodiversas.
Ainda há alguma
discussão acadêmica sobre se a limerência é "natural", como sugerido
originalmente por Tennov em seu livro. Outros estudiosos apontam seu impacto
negativo na vida cotidiana, inclusive na saúde mental da pessoa, e
potencialmente na outra pessoa. Também é importante observar que a limerência
não é um diagnóstico formal.
·
Como
a limerência é caracterizada?
Uma pessoa em um
estado de limerência idolatra seu objeto limerente, fixando-se em suas
características positivas e negando quaisquer falhas. Suas emoções se tornam
dependentes de sinais percebidos de interesse ou rejeição, levando a altos e
baixos extremos.
Eles pensarão
continuamente em seu objeto limerente, o que pode ser excitante e divertido,
especialmente se os sentimentos forem recíprocos. Nesses casos, pode ser
difícil reconhecer o tipo de apego limerente em um relacionamento, confundindo
esses sentimentos com os estágios iniciais do amor romântico.
Entretanto, a
intensidade da limerência tem consequências negativas. Uma pessoa em estado de
limerência pode ter pensamentos intrusivos, desconforto físico, sentimentos
intensos e unilaterais, bem como pensamentos obsessivo-compulsivos em relação
ao seu objeto limerente. Essas características distinguem a limerência das
paixões e dos sentimentos românticos convencionais semelhantes.
Normalmente, há
três estágios de limerência. Primeiro, a paixão, que envolve a atração inicial
em que a pessoa começa a idealizar alguém.
Em segundo lugar, a
cristalização, que é a fase totalmente limítrofe, em que predominam os
pensamentos obsessivos, a dependência emocional e a euforia ou o desespero. E a
terceira, a deterioração, quando o apego acaba desaparecendo.
Embora a limerência
continue a ser um tópico pouco pesquisado, alguns estudos sugerem ligações com
estilos de apego ansiosos, quando a pessoa teme a rejeição e anseia por
garantias constantes.
As pessoas com esse
estilo de apego geralmente apresentam maior sensibilidade emocional e intensa
preocupação com as respostas do parceiro. Essas características podem torná-las
mais vulneráveis à limerência, pois lutam para regular as emoções e se separar
do objeto de sua paixão.
Isso também pode
afetar a capacidade da pessoa de desenvolver e manter relacionamentos
saudáveis, sejam eles amorosos ou platônicos.
·
Que
tipo de ajuda está disponível?
Há pouca literatura
sobre como as pessoas que sofrem de limerência podem regular suas emoções ou
interromper o ciclo. Em termos de apoio externo, terapias como a terapia
cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia de aceitação e compromisso (ACT)
podem ajudar.
A ACT funciona ao
mudar a relação da pessoa com seus pensamentos e sentimentos. Ao utilizar um
processo conhecido como "difusão cognitiva", a pessoa aprende a
perceber seus pensamentos intrusivos e a se desligar deles. Para aqueles que
sofrem de limerência, isso pode facilitar o desenvolvimento e a manutenção de
relacionamentos saudáveis.
No entanto, embora
a limerência possa ser avassaladora, reconhecê-la pelo que ela é, e não se
julgar por se sentir assim, pode ser um primeiro passo importante.
Em segundo lugar, é
fundamental praticar a autoconsciência: compreender os gatilhos e os padrões do
comportamento limerente e usar esse conhecimento para construir bases mais
saudáveis para relacionamentos futuros.
Em terceiro lugar,
estabelecer limites, como limitar a exposição ao objeto limerente, pode ajudar
a quebrar o ciclo de reforço. E, em quarto lugar, praticar a autocompaixão e a
paciência, aceitando essas emoções sem julgamentos e concentrando-se no
crescimento pessoal, pode ajudar a aliviar o sofrimento.
A internet permitiu
que mais pessoas compartilhassem suas experiências com a limerência,
encontrassem apoio da comunidade e compreendessem melhor a si mesmas.
No entanto, é
necessário que haja maior conscientização e mais pesquisas para apoiar as
pessoas que lutam contra seus efeitos e para oferecer maneiras mais saudáveis
de lidar com a atração e o apego.
¨ A época em que o amor era considerado sinônimo de
doença — e o que era recomendado como cura. Por Anna Peirats
Na Idade Média,
o amor podia ser
definido de diversas formas.
Do ponto de vista
religioso, o termo era sinônimo de caridade e entrega ao próximo. Este tipo de
amor era defendido nos textos bíblicos e na literatura de caráter moralizador.
Mas o amor também
podia ser definido como paixão ou
"eros", o resultado da idealização da pessoa amada.
·
Manual
sobre o amor no século 12
Encontramos a
associação de amor como paixão em De amore (Sobre o amor), escrito por
Andreas Capellanus, no século 12.
Este tratado prático
e científico descreve normas a serem seguidas nas relações amorosas. A obra define o
amor como uma paixão inata, consequente da contemplação da beleza e de um
pensamento desmedido da forma da pessoa amada.
Capellanus
classifica o amor em diferentes tipos: o amor verdadeiro, entre pessoas da
mesma posição social; o amor vulgar, que seria o carnal; o amor impossível e o
amor desonesto. E o autor condena este último tipo de amor, contrário aos
preceitos morais.
O tratado
influenciou toda a literatura, a medicina e a sociedade da Idade Média. E
também estabeleceu a ideia de que o amor seria uma doença, baseada na teoria
dos quatro humores corporais.
Segundo esta
teoria, a saúde seria mantida enquanto esses humores (sangue, catarro, bílis
negra e bílis amarela) estivessem equilibrados.
·
A
visão dos médicos
O médico
Constantino, o Africano, estabeleceu no século 11, na sua tradução de um
tratado sobre a melancolia, uma conexão
direta entre o excesso de bílis negra e o mal do amor.
A causa da doença
seria o excesso de bílis negra, que explicava a associação entre
"amor" e "amaro" (amargo). Segundo ele, a doença afetava o
cérebro e poderia causar intensos pensamentos e preocupações no amante.
Nesta mesma linha,
a tese de Boissier de Sauvages (1706-1767) relacionava a doença do amor à
melancolia.
Segundo a
obra Lilium Medicinae (1303), de Bernard de Gordon, a causa da doença
era o "amor de mulheres" e poderia causar a morte do paciente.
Acreditava-se que o
homem ficava obcecado com imagens da mulher amada e as arquivava no cérebro. E,
nestas circunstâncias, a temperatura do corpo, o movimento sanguíneo e o desejo
sexual aumentavam.
No seu manual,
Gordon explica os sintomas, entre os quais se destacava a coloração amarelada
da pele, insônia, falta de apetite, tristeza constante devido à ausência da
amada etc. Este estado era considerado uma doença, chamada de amor
hereos ou aegritudo amoris.
O médico medieval
Arnau de Vilanova (c.1240-1311) atribuía este transtorno ao julgamento errôneo
da "memória cogitativa", localizada no cérebro. O resultado era a
elevação da temperatura, provocada pela antecipação do prazer sexual em nível
cerebral.
Segundo
o Dragmaticon philosophiae de Guilherme de Conches (c.1090-c.1154), o
cérebro seria dividido em três compartimentos, o que seria corroborado por
Gordon.
No primeiro
compartimento, situado na parte superior da frente, ficavam as virtudes
sensitivas. No segundo, atrás da frente, ficava a consciência sensitiva, onde o
paciente julgava as imagens como sendo positivas ou negativas.
O terceiro
compartimento, situado sob a parte inferior do pescoço, abrigava a memória
sensitiva, que servia de arquivo de informatização de imagens. E o homem,
propenso a idealizar a imagem da amada, acabava tendo sua função imaginativa
alterada.
·
A
doença do amor na literatura
O amor como doença
é uma constante nos textos literários do passado.
Na Roma Antiga,
Lucrécio (séc. 1º a.C.) dedica o livro 4º da sua obra De Rerum
Natura ao tema do amor. Ele o considera uma doença muito perigosa para o
equilíbrio mental do ser humano.
Já o poeta espanhol
Garcilaso de la Vega (c.1503-1536) descreve a doença do amor como uma condição
que pode levar à loucura e à morte. No seu soneto 14, De la Vega explica como
sua paixão amorosa o arrastou para o desespero, sem que pudesse encontrar
descanso, nem paz.
A doença do amor é
encontrada em personagens conhecidos da literatura espanhola.
No século 14,
o Livro do Bom Amor de Arcipreste de Hita evidencia a luta entre o
espírito cristão do amor de Deus e o "amor louco" que consome o
amante. Na mesma época, El Corbacho ("O chicote"), de
Arcipreste de Talavera, descreve o "louco amor" como a causa direta
da alienação mental e até da morte.
Em Cárcere de
Amor (Ed. Imprensa Oficial, 2010), do escritor espanhol Diego de San Pedro
(séc. 15), o protagonista Leriano é um exemplo da "doença do amor".
Ele sofre profunda
paixão amorosa por Laureola. Por isso, ele perde o sono e o apetite, até chegar
à beira da morte.
Em La
Celestina, de Arcipreste de Hita, Calisto, doente de amor, manifesta um desejo
sexual desmedido que o leva à loucura amorosa.
O próprio Dom
Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616), busca até o fim que sua amada
Dulcineia conheça o alcance da sua paixão.
No século 15, o
personagem Tirant – protagonista do livro Tirant lo Blanc, de Joanot
Martorell (Ed. Ateliê Editorial, 2004) – também padecia do "mal de
amar". Ele sofria por Carmesina e apresentava falta de apetite, insônia,
choro e suspiros. E também em Espill, de Jaume Roig, o sábio Salomão
diagnosticava o protagonista em sonhos com amor hereos, devido a uma
paixão amorosa desmedida.
·
A
doença do amor teria cura?
A cura da doença
incluía duas recomendações: dieta e disciplina moral.
A dieta consistia
em evitar beber vinho, carne vermelha, leite, ovos, legumes e alimentos de cor
vermelha. O motivo da proibição era que estes alimentos incitariam o movimento
do sangue e o desejo sexual.
O doente de amor
deveria comer carne branca, peixe e beber água ou vinagre. E também era preciso
suar e tomar banho antes de comer.
Além da
alimentação, era recomendado dominar os impulsos carnais subjugando-se a
vontade: colocar uma chapa de ferro frio sobre os rins – considerados a morada
do desejo –, dormir em uma almofada com urtiga, tomar banho de água fria etc.
Com todo este
programa de tratamento do amor como doença, a conclusão era que a causa
principal de todos os males era se deixar levar pelos instintos carnais. Uma
vida virtuosa, distante da paixão desmedida, permitiria atingir a harmonia
entre o corpo e a alma.
Afinal, o amor
hereos poderia causar a morte física e, o que era ainda pior, a condenação
da alma.
Fonte: The
Conversation
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