terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Rebeca Ellis: Por que algumas pessoas sentem uma paixão intensa, que parece amor — e como isso afeta a saúde delas

Limerência é um termo com o qual talvez você não esteja familiarizado. Ele descreve um desejo involuntário, incontrolável e obsessivo por outra pessoa. Essa fixação pode levar a um sofrimento significativo, perturbando a vida cotidiana, e pode ter impactos negativos em outras pessoas também.

A limerência pode afetar qualquer pessoa, mas é mais provável que ocorra em pessoas com ansiedade ou depressão. Acredita-se que ela afete de 4 a 5% da população em geral, embora seja muito difícil de medir.

O termo foi cunhado pela psicóloga comportamental Dorothy Tennov em seu livro de 1979, Love and Limerence: The Experience of Being in Love ("Amor e Limerência: A Experiência de Amar", em tradução livre). Ela a descreveu como um fenômeno psicológico único, diferente de se apaixonar, que é movido por um desejo incontrolável por outra pessoa — o "objeto limerente".

Qualquer pessoa pode se tornar um objeto de limerência, seja um amigo, colega ou um estranho. Esses sentimentos quase sempre não são correspondidos porque uma das principais características da limerência é a incerteza dos sentimentos do outro.

O período em que uma pessoa está experimentando esses sentimentos é chamado de "episódio limerente". A duração de um episódio de limerência varia de pessoa para pessoa.

Para algumas pessoas, como aquelas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), isso pode ser particularmente intenso, pois a paixão se combina com características como hiperfoco — uma fixação intensa em um interesse ou atividade por um longo período de tempo, o que é familiar para muitas pessoas neurodiversas.

Ainda há alguma discussão acadêmica sobre se a limerência é "natural", como sugerido originalmente por Tennov em seu livro. Outros estudiosos apontam seu impacto negativo na vida cotidiana, inclusive na saúde mental da pessoa, e potencialmente na outra pessoa. Também é importante observar que a limerência não é um diagnóstico formal.

·        Como a limerência é caracterizada?

Uma pessoa em um estado de limerência idolatra seu objeto limerente, fixando-se em suas características positivas e negando quaisquer falhas. Suas emoções se tornam dependentes de sinais percebidos de interesse ou rejeição, levando a altos e baixos extremos.

Eles pensarão continuamente em seu objeto limerente, o que pode ser excitante e divertido, especialmente se os sentimentos forem recíprocos. Nesses casos, pode ser difícil reconhecer o tipo de apego limerente em um relacionamento, confundindo esses sentimentos com os estágios iniciais do amor romântico.

Entretanto, a intensidade da limerência tem consequências negativas. Uma pessoa em estado de limerência pode ter pensamentos intrusivos, desconforto físico, sentimentos intensos e unilaterais, bem como pensamentos obsessivo-compulsivos em relação ao seu objeto limerente. Essas características distinguem a limerência das paixões e dos sentimentos românticos convencionais semelhantes.

Normalmente, há três estágios de limerência. Primeiro, a paixão, que envolve a atração inicial em que a pessoa começa a idealizar alguém.

Em segundo lugar, a cristalização, que é a fase totalmente limítrofe, em que predominam os pensamentos obsessivos, a dependência emocional e a euforia ou o desespero. E a terceira, a deterioração, quando o apego acaba desaparecendo.

Embora a limerência continue a ser um tópico pouco pesquisado, alguns estudos sugerem ligações com estilos de apego ansiosos, quando a pessoa teme a rejeição e anseia por garantias constantes.

As pessoas com esse estilo de apego geralmente apresentam maior sensibilidade emocional e intensa preocupação com as respostas do parceiro. Essas características podem torná-las mais vulneráveis à limerência, pois lutam para regular as emoções e se separar do objeto de sua paixão.

Isso também pode afetar a capacidade da pessoa de desenvolver e manter relacionamentos saudáveis, sejam eles amorosos ou platônicos.

·        Que tipo de ajuda está disponível?

Há pouca literatura sobre como as pessoas que sofrem de limerência podem regular suas emoções ou interromper o ciclo. Em termos de apoio externo, terapias como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia de aceitação e compromisso (ACT) podem ajudar.

A ACT funciona ao mudar a relação da pessoa com seus pensamentos e sentimentos. Ao utilizar um processo conhecido como "difusão cognitiva", a pessoa aprende a perceber seus pensamentos intrusivos e a se desligar deles. Para aqueles que sofrem de limerência, isso pode facilitar o desenvolvimento e a manutenção de relacionamentos saudáveis.

No entanto, embora a limerência possa ser avassaladora, reconhecê-la pelo que ela é, e não se julgar por se sentir assim, pode ser um primeiro passo importante.

Em segundo lugar, é fundamental praticar a autoconsciência: compreender os gatilhos e os padrões do comportamento limerente e usar esse conhecimento para construir bases mais saudáveis para relacionamentos futuros.

Em terceiro lugar, estabelecer limites, como limitar a exposição ao objeto limerente, pode ajudar a quebrar o ciclo de reforço. E, em quarto lugar, praticar a autocompaixão e a paciência, aceitando essas emoções sem julgamentos e concentrando-se no crescimento pessoal, pode ajudar a aliviar o sofrimento.

A internet permitiu que mais pessoas compartilhassem suas experiências com a limerência, encontrassem apoio da comunidade e compreendessem melhor a si mesmas.

No entanto, é necessário que haja maior conscientização e mais pesquisas para apoiar as pessoas que lutam contra seus efeitos e para oferecer maneiras mais saudáveis de lidar com a atração e o apego.

 

¨      A época em que o amor era considerado sinônimo de doença — e o que era recomendado como cura. Por Anna Peirats

Na Idade Média, o amor podia ser definido de diversas formas.

Do ponto de vista religioso, o termo era sinônimo de caridade e entrega ao próximo. Este tipo de amor era defendido nos textos bíblicos e na literatura de caráter moralizador.

Mas o amor também podia ser definido como paixão ou "eros", o resultado da idealização da pessoa amada.

·        Manual sobre o amor no século 12

Encontramos a associação de amor como paixão em De amore (Sobre o amor), escrito por Andreas Capellanus, no século 12.

Este tratado prático e científico descreve normas a serem seguidas nas relações amorosas. A obra define o amor como uma paixão inata, consequente da contemplação da beleza e de um pensamento desmedido da forma da pessoa amada.

Capellanus classifica o amor em diferentes tipos: o amor verdadeiro, entre pessoas da mesma posição social; o amor vulgar, que seria o carnal; o amor impossível e o amor desonesto. E o autor condena este último tipo de amor, contrário aos preceitos morais.

O tratado influenciou toda a literatura, a medicina e a sociedade da Idade Média. E também estabeleceu a ideia de que o amor seria uma doença, baseada na teoria dos quatro humores corporais.

Segundo esta teoria, a saúde seria mantida enquanto esses humores (sangue, catarro, bílis negra e bílis amarela) estivessem equilibrados.

·        A visão dos médicos

O médico Constantino, o Africano, estabeleceu no século 11, na sua tradução de um tratado sobre a melancolia, uma conexão direta entre o excesso de bílis negra e o mal do amor.

A causa da doença seria o excesso de bílis negra, que explicava a associação entre "amor" e "amaro" (amargo). Segundo ele, a doença afetava o cérebro e poderia causar intensos pensamentos e preocupações no amante.

Nesta mesma linha, a tese de Boissier de Sauvages (1706-1767) relacionava a doença do amor à melancolia.

Segundo a obra Lilium Medicinae (1303), de Bernard de Gordon, a causa da doença era o "amor de mulheres" e poderia causar a morte do paciente.

Acreditava-se que o homem ficava obcecado com imagens da mulher amada e as arquivava no cérebro. E, nestas circunstâncias, a temperatura do corpo, o movimento sanguíneo e o desejo sexual aumentavam.

No seu manual, Gordon explica os sintomas, entre os quais se destacava a coloração amarelada da pele, insônia, falta de apetite, tristeza constante devido à ausência da amada etc. Este estado era considerado uma doença, chamada de amor hereos ou aegritudo amoris.

O médico medieval Arnau de Vilanova (c.1240-1311) atribuía este transtorno ao julgamento errôneo da "memória cogitativa", localizada no cérebro. O resultado era a elevação da temperatura, provocada pela antecipação do prazer sexual em nível cerebral.

Segundo o Dragmaticon philosophiae de Guilherme de Conches (c.1090-c.1154), o cérebro seria dividido em três compartimentos, o que seria corroborado por Gordon.

No primeiro compartimento, situado na parte superior da frente, ficavam as virtudes sensitivas. No segundo, atrás da frente, ficava a consciência sensitiva, onde o paciente julgava as imagens como sendo positivas ou negativas.

O terceiro compartimento, situado sob a parte inferior do pescoço, abrigava a memória sensitiva, que servia de arquivo de informatização de imagens. E o homem, propenso a idealizar a imagem da amada, acabava tendo sua função imaginativa alterada.

·        A doença do amor na literatura

O amor como doença é uma constante nos textos literários do passado.

Na Roma Antiga, Lucrécio (séc. 1º a.C.) dedica o livro 4º da sua obra De Rerum Natura ao tema do amor. Ele o considera uma doença muito perigosa para o equilíbrio mental do ser humano.

Já o poeta espanhol Garcilaso de la Vega (c.1503-1536) descreve a doença do amor como uma condição que pode levar à loucura e à morte. No seu soneto 14, De la Vega explica como sua paixão amorosa o arrastou para o desespero, sem que pudesse encontrar descanso, nem paz.

A doença do amor é encontrada em personagens conhecidos da literatura espanhola.

No século 14, o Livro do Bom Amor de Arcipreste de Hita evidencia a luta entre o espírito cristão do amor de Deus e o "amor louco" que consome o amante. Na mesma época, El Corbacho ("O chicote"), de Arcipreste de Talavera, descreve o "louco amor" como a causa direta da alienação mental e até da morte.

Em Cárcere de Amor (Ed. Imprensa Oficial, 2010), do escritor espanhol Diego de San Pedro (séc. 15), o protagonista Leriano é um exemplo da "doença do amor".

Ele sofre profunda paixão amorosa por Laureola. Por isso, ele perde o sono e o apetite, até chegar à beira da morte.

Em La Celestina, de Arcipreste de Hita, Calisto, doente de amor, manifesta um desejo sexual desmedido que o leva à loucura amorosa.

O próprio Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616), busca até o fim que sua amada Dulcineia conheça o alcance da sua paixão.

No século 15, o personagem Tirant – protagonista do livro Tirant lo Blanc, de Joanot Martorell (Ed. Ateliê Editorial, 2004) – também padecia do "mal de amar". Ele sofria por Carmesina e apresentava falta de apetite, insônia, choro e suspiros. E também em Espill, de Jaume Roig, o sábio Salomão diagnosticava o protagonista em sonhos com amor hereos, devido a uma paixão amorosa desmedida.

·        A doença do amor teria cura?

A cura da doença incluía duas recomendações: dieta e disciplina moral.

A dieta consistia em evitar beber vinho, carne vermelha, leite, ovos, legumes e alimentos de cor vermelha. O motivo da proibição era que estes alimentos incitariam o movimento do sangue e o desejo sexual.

O doente de amor deveria comer carne branca, peixe e beber água ou vinagre. E também era preciso suar e tomar banho antes de comer.

Além da alimentação, era recomendado dominar os impulsos carnais subjugando-se a vontade: colocar uma chapa de ferro frio sobre os rins – considerados a morada do desejo –, dormir em uma almofada com urtiga, tomar banho de água fria etc.

Com todo este programa de tratamento do amor como doença, a conclusão era que a causa principal de todos os males era se deixar levar pelos instintos carnais. Uma vida virtuosa, distante da paixão desmedida, permitiria atingir a harmonia entre o corpo e a alma.

Afinal, o amor hereos poderia causar a morte física e, o que era ainda pior, a condenação da alma.

 

Fonte: The Conversation

 

Nenhum comentário: