terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

O risco invisível: entenda por que beber álcool pode causar câncer

O consumo de álcool é uma prática enraizada e amplamente aceita em muitas culturas ao redor do mundo – inclusive no Brasil. Frequentemente associado a festas, celebrações e até mesmo à convivência cotidiana, beber álcool faz parte do hábito de muitas pessoas. O que pouca gente sabe é que a prática está associada a pelo menos sete tipos de câncer: mama, boca, laringe, garganta, esôfago, fígado e cólon.

No início de 2025, o Departamento de Saúde e Recursos Humanos dos Estados Unidos publicou o relatório Alcohol and Cancer Risk, em que destaca que o álcool é a terceira causa evitável de câncer, depois do tabaco e da obesidade, contribuindo para cerca de 100 mil casos e 20 mil mortes a cada ano naquele país. Além de citar os sete tipos de câncer diretamente associados ao consumo da bebida, o documento aponta que, globalmente, ao menos 741 mil casos da doença foram relacionados ao álcool em 2020.

 “O relatório reforça e atualiza as evidências científicas, voltando a chamar a atenção para a importância do tema. Traz informações a mais sobre risco proporcional ao consumo, mecanismos biológicos e fala sobre a ausência de níveis seguros. O álcool está entre nós e faz parte da nossa cultura há milhares de anos, sempre associado à alegria e à comemoração. O problema é que a maioria das pessoas usa como hábito de vida e ainda não tem noção de quanto ele pode ser nocivo”, comenta a médica Ana Paula Garcia Cardoso, oncologista clínica do Hospital Israelita Albert Einstein.

Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos EUA, mais da metade dos adultos estadunidenses bebem álcool, 17% bebem compulsivamente e 6% bebem muito. Os números são muito parecidos com os do Brasil, onde 44,6% da população adulta relata ter o hábito de beber; sendo 18,3% de forma abusiva (cinco ou mais doses por semana para homens e quatro ou mais doses por semana para mulheres). Os dados são do Ministério da Saúde com base no Vigitel, sistema de vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis, que monitora anualmente a situação de saúde da população.

E não é preciso ser alcoólatra para ter o risco de câncer aumentado. “Inclusive, acho que é isso que distancia as pessoas da realidade. Não existe consumo seguro de álcool e não é porque a pessoa faz uso controlado da bebida que ela estará livre do risco de câncer”, frisa a especialista. O perigo se aplicar a todo tipo de álcool: vinho, destilados e até a cerveja.

<><> Mecanismos de ação

Estabelecer a relação causal entre o fator de risco e um resultado na saúde é complexo, mas vários estudos têm demonstrado que há quatro mecanismos biológicos que levam o álcool a aumentar o risco de câncer.

A primeira explicação é que a substância pode danificar o DNA. Isso porque o álcool se decompõe em acetaldeído, um metabólito que causa câncer ao se ligar ao DNA de modo a danificá-lo. Uma célula pode começar a crescer descontroladamente e criar um tumor possivelmente maligno.

Nosso sistema imunológico é capaz de nos proteger contra vários danos ao mesmo tempo, como o cigarro, o álcool, a poluição, os ultraprocessados, a obesidade e o sedentarismo. No entanto, chega uma hora que ele pode falhar. “É como se alguém batesse na porta várias vezes, mas seu sistema imunológico estivesse fazendo a vigilância e não o deixasse entrar. Mas algumas células ficam mais suscetíveis e fragilizadas por esses agressores, até que um dia o sistema imunológico não consegue mais se defender e a porta se abre”, ilustra Cardoso.

Quando a “porta” se abre, tem início um processo neoplásico, que nada mais é do que a multiplicação desordenada de uma célula com mutação. “A chamada carcinogênese funciona desta forma: tem um fator desencadeador, um erro no sistema de defesa e ali ele se prolifera”, explica a oncologista.

O segundo mecanismo de ação do álcool é que ele gera espécies reativas de oxigênio, que aumentam a inflamação no organismo por meio de um processo chamado estresse oxidativo. O terceiro é que a substância altera os níveis hormonais (especialmente do estrogênio), o que pode expor mulheres ao aumento desse hormônio e, consequentemente, a um risco maior de câncer de mama.

Por fim, a quarta forma de ação é que alguns órgãos (como fígado, boca e intestino) sofrem efeitos diretos do álcool. Além disso, outros carcinógenos podem se associar ao álcool e facilitar sua absorção pelo corpo. “O efeito cancerígeno do álcool é invisível, mas ele é multifatorial. Ele causa danos e instabilidades no DNA, que tornam a pessoa mais suscetível a outros fatores. Por exemplo: a suscetibilidade causada pelo álcool aumenta o risco que o cigarro já está causando”, pontua Cardoso.

<><> Existe dose segura?

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), não existe consumo seguro de álcool – qualquer quantidade pode aumentar o risco de câncer. Um fator importante é a quantidade total de álcool consumida consistentemente ao longo do tempo. Segundo o relatório dos EUA, para certos tipos de câncer, como de mama, boca e garganta, as evidências mostram que esse risco pode começar a aumentar em torno de uma ou menos doses por dia.

Segundo um estudo citado no relatório dos EUA, o risco absoluto de uma mulher desenvolver qualquer câncer relacionado ao álcool ao longo da vida aumenta de 16,5% para aquelas que consomem menos de uma dose de bebida por semana para 19% para as que ingerem uma dose diária; e para 21,8% entre as que consomem duas doses por dia, em média. Isso corresponde a cinco mulheres a mais em cada 100 com potencial de desenvolver a doença. “O álcool é um dano. Quanto maior a quantidade, pior”, avisa a oncologista do Einstein.

No Brasil, a referência de dose mais utilizada é a divulgada pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), que considera que uma dose (unidade) padrão de álcool correspondente a 14 g de etanol puro – isso equivale a cerca de 350 ml de cerveja (uma lata), 150 ml de vinho ou 45 ml de destilados (como vodca, cachaça ou uísque). A OMS, no entanto, usa como dose padrão o equivalente a 10 g de álcool e recomenda o máximo de duas doses por dia para homens e uma por dia para mulheres, desde que se abstenham de beber pelo menos duas vezes na semana.

<><> Desconhecimento sobre os perigos

Apesar das evidências demonstrando o efeito do consumo de álcool no risco de câncer, o relatório americano ressalta que há uma grande lacuna na compreensão pública dessa associação. Uma pesquisa feita em 2019 concluiu que 45% dos estadunidenses reconhecem o álcool como um fator de risco para câncer. O índice é bem menor do que os 91% que conhecem o risco cancerígeno da radiação e os 89% que sabem da relação com o tabaco, conforme o mesmo trabalho.

Outra investigação, essa feita com cerca de 1.700 adultos e divulgada em novembro de 2024 pela Annenberg Public Policy Center (APPC), mostra que menos da metade dos americanos (40%) sabe que beber álcool regularmente aumenta o risco de desenvolver câncer mais tarde. Outros 40% não tinham certeza se isso é verdade e 20% relataram crenças imprecisas — de que não teria efeito ou que diminuiria a chance de desenvolver câncer.

Há evidências de que, em longo prazo, parar de beber ou reduzir o consumo de álcool reduz diretamente a probabilidade de cânceres de boca e esôfago. Segundo o relatório Alcohol and Cancer Risk, mais pesquisas são necessárias para determinar se esse risco também diminui para outros tipos de câncer — ou até se pode chegar ao nível observado em pessoas que não costumam beber.

<><> Rotulagem das bebidas

No recente documento norte-americano, uma mudança sugerida é a atualização dos rótulos de bebidas alcoólicas para incluir um alerta sobre o risco aumentado de câncer. Os rótulos de advertência de saúde são abordagens bem estabelecidas e eficazes para aumentar a conscientização e promover mudanças de comportamento.

Na avaliação de Cardoso, o Brasil enfrenta o mesmo problema de falta de informações sobre os riscos do consumo de álcool, e incluir alertas nos rótulos pode ser um bom caminho, assim como aconteceu com o cigarro. “Todo mundo sabe que fumar pode causar câncer. Tem um aviso no maço de cigarro, mas isso não acontece com as bebidas alcoólicas. Além disso, existe uma negação das próprias pessoas que desejam preservar o hábito, especialmente pelo aspecto social associado ao consumo da bebida”, observa a médica.

¨      Por que pessoas do mundo fitness não bebem álcool? Entenda

A musa fitness Gracyanne Barbosa, 41, chamou atenção do público do BBB 25 ao afirmar que não bebe álcool. Inclusive, há algumas semanas, o hábito se tornou assunto dentro da casa, quando a modelo foi vetada de participar do Show de Quarta sob o argumento de que “dormia cedo e não bebia”.

Gracyanne é conhecida por seguir uma rotina rígida de dieta e treinos — ela já comentou que come cerca de 40 ovos por dia fora do reality show. Parte do cuidado com o físico inclui não ingerir bebida alcoólica. Mas essa não é algo restrito à modelo. Muitos outros praticantes de musculação e atletas de fisiculturismo evitam o consumo desse tipo de bebida para não haver prejuízo no “shape” e nem no desempenho físico.

Mas por que isso acontece? O álcool é realmente o vilão de quem deseja melhorar o físico, seja por meio do emagrecimento ou por meio do ganho de massa muscular? Entenda a seguir.

<><> O efeito do álcool nos músculos

De acordo com Rubens Gomes, personal trainer e nutricionista popularmente conhecido como Coach Rubens, o álcool é uma substância que possui efeito deletério para a performance física.

“Ele inibe o processo de queima de gordura, agindo diretamente nos adipócitos [células especializadas em armazenar gordura], e também participa de um processo de impedimento da síntese proteica, que é exatamente o fenômeno que ocorre dentro do músculo para que se ganhe massa muscular”, explica Gomes à CNN.

O músculo é formado por duas proteínas chamadas actina e miosina que são desenvolvidas através do treinamento de peso, ou seja, a musculação. Mas, além do exercício físico, a alimentação e o descanso são fundamentais para promover o aumento dessas proteínas musculares. No entanto, o consumo de álcool prejudica essa produção.

“A capacidade de esse aumento acontecer fica diminuída quando se tem o consumo de álcool em qualquer quantidade”, afirma Gomes. “Não existe uma margem segura de consumo de álcool quando o assunto é performance e ganho esportivo”, enfatiza.

<><> Álcool prejudica tanto o emagrecimento quanto o ganho de massa muscular

Os efeitos negativos do álcool no organismo podem prejudicar tanto o processo de emagrecimento, quanto o de ganho de massa muscular, de acordo com o nutricionista. “[Quando há o consumo de álcool] você não para completamente o processo de ganho de massa muscular, muito menos o de gordura. O que ocorre é uma redução potencial desses dois fenômenos”, explica Gomes. “Quanto mais álcool é ingerido, obviamente, maior a capacidade que você tem de inibir esses processos”, acrescenta.

No caso do ganho de massa muscular, além do treino de musculação, é preciso seguir uma dieta com superávit calórico, ou seja, com maior consumo de calorias (através da alimentação) do que é gasto ao longo do dia. Embora cada grama de álcool tenha, em média, sete calorias, a sua inserção na dieta pode “sair pela culatra” e prejudicar o processo de ganho de massa magra.

“Apesar de ele ter uma quantidade calórica alta, o álcool tem essa capacidade de se unir a receptores no músculo que inibem a sua síntese proteica. Então, ele vai ser calórico, vai agregar calorias na sua dieta e, ao mesmo tempo, vai impedir que você tenha o ganho de massa muscular desejado. A chance de um indivíduo em superavit calórico engordar é maior”, alerta.

No processo de emagrecimento, o impacto ocorre de maneira diferente. Para perder peso, uma pessoa precisa ter uma dieta com déficit calórico, ou seja, menor consumo de calorias pela alimentação do que é gasto ao longo do dia. Por ser calórico, o álcool pode inserir mais calorias na dieta do que o recomendado.

“Além das calorias que são atribuídas a esse consumo, ainda tem que ele trabalha nos adipócitos, fazendo com que a redução dessas células seja comprometida também”, explica Gomes. “Então, o álcool participa de duas vias no processo de emagrecimento que não são boas”, completa.

<><> Corpo leva até três dias para eliminar álcool

Se você é um atleta amador ou um praticante de musculação comum, talvez não seja uma grande preocupação os efeitos negativos do álcool no seu rendimento físico. Porém, se você possui um objetivo, seja melhorar sua força, habilidade esportiva ou aparência estética, o consumo de álcool pode ser, sim, um obstáculo — mesmo se a ingestão ocorrer apenas aos finais de semana.

Isso acontece porque o organismo leva de dois a três dias para eliminar completamente o álcool. “Esse é o pior período de recuperação pós-ingesta de álcool, pois é quando se nota mais retenção de líquido, mais inchaço e menor eliminação do álcool”, alerta Gomes.

Além disso, pelo fato de o álcool ser uma substância permeável a qualquer tecido do corpo, inclusive fios de cabelo, em alguns casos ele pode permanecer no corpo por até sete dias. Esses sintomas podem atrapalhar o rendimento físico no treino e na prática esportiva.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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