O risco invisível: entenda por que
beber álcool pode causar câncer
O consumo de álcool é uma prática enraizada e
amplamente aceita em muitas culturas ao redor do mundo – inclusive no Brasil.
Frequentemente associado a festas, celebrações e até mesmo à convivência cotidiana,
beber álcool faz parte do hábito de muitas pessoas. O que pouca gente sabe é
que a prática está associada a pelo menos sete tipos de câncer: mama, boca,
laringe, garganta, esôfago, fígado e cólon.
No início de 2025, o Departamento de Saúde e Recursos
Humanos dos Estados Unidos publicou o relatório Alcohol and Cancer
Risk,
em que destaca que o álcool é a terceira causa evitável de câncer, depois do
tabaco e da obesidade, contribuindo para cerca de 100 mil casos e 20 mil mortes
a cada ano naquele país. Além de citar os sete tipos de câncer diretamente
associados ao consumo da bebida, o documento aponta que, globalmente, ao menos
741 mil casos da doença foram relacionados ao álcool em 2020.
“O relatório
reforça e atualiza as evidências científicas, voltando a chamar a atenção para
a importância do tema. Traz informações a mais sobre risco proporcional ao
consumo, mecanismos biológicos e fala sobre a ausência de níveis seguros. O
álcool está entre nós e faz parte da nossa cultura há milhares de anos, sempre
associado à alegria e à comemoração. O problema é que a maioria das pessoas usa
como hábito de vida e ainda não tem noção de quanto ele pode ser nocivo”,
comenta a médica Ana Paula Garcia Cardoso, oncologista clínica do Hospital
Israelita Albert Einstein.
Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças
(CDC), nos EUA, mais da metade dos adultos estadunidenses bebem álcool, 17%
bebem compulsivamente e 6% bebem muito. Os números são muito parecidos com os
do Brasil, onde 44,6% da população adulta relata ter o hábito de beber; sendo
18,3% de forma abusiva (cinco ou mais doses por semana para homens e quatro ou
mais doses por semana para mulheres). Os dados são do Ministério da Saúde com
base no Vigitel, sistema de vigilância de fatores de risco e proteção para
doenças crônicas não transmissíveis, que monitora anualmente a situação de
saúde da população.
E não é preciso ser alcoólatra para ter o risco de
câncer aumentado. “Inclusive, acho que é isso que distancia as pessoas da
realidade. Não existe consumo seguro de álcool e não é porque a pessoa faz uso
controlado da bebida que ela estará livre do risco de câncer”, frisa a
especialista. O perigo se aplicar a todo tipo de álcool: vinho, destilados e
até a cerveja.
<><> Mecanismos de ação
Estabelecer a relação causal entre o fator de risco e
um resultado na saúde é complexo, mas vários estudos têm demonstrado que há
quatro mecanismos biológicos que levam o álcool a aumentar o risco de câncer.
A primeira explicação é que a substância pode danificar
o DNA. Isso porque o álcool se decompõe em acetaldeído, um metabólito que causa
câncer ao se ligar ao DNA de modo a danificá-lo. Uma célula pode começar a
crescer descontroladamente e criar um tumor possivelmente maligno.
Nosso sistema imunológico é capaz de nos proteger
contra vários danos ao mesmo tempo, como o cigarro, o álcool, a poluição, os
ultraprocessados, a obesidade e o sedentarismo. No entanto, chega uma hora que
ele pode falhar. “É como se alguém batesse na porta várias vezes, mas seu
sistema imunológico estivesse fazendo a vigilância e não o deixasse entrar. Mas
algumas células ficam mais suscetíveis e fragilizadas por esses agressores, até
que um dia o sistema imunológico não consegue mais se defender e a porta se
abre”, ilustra Cardoso.
Quando a “porta” se abre, tem início um processo
neoplásico, que nada mais é do que a multiplicação desordenada de uma célula
com mutação. “A chamada carcinogênese funciona desta forma: tem um fator
desencadeador, um erro no sistema de defesa e ali ele se prolifera”, explica a
oncologista.
O segundo mecanismo de ação do álcool é que ele gera
espécies reativas de oxigênio, que aumentam a inflamação no organismo por meio
de um processo chamado estresse oxidativo. O terceiro é que a substância altera
os níveis hormonais (especialmente do estrogênio), o que pode expor mulheres ao
aumento desse hormônio e, consequentemente, a um risco maior de câncer de mama.
Por fim, a quarta forma de ação é que alguns órgãos
(como fígado, boca e intestino) sofrem efeitos diretos do álcool. Além disso,
outros carcinógenos podem se associar ao álcool e facilitar sua absorção pelo
corpo. “O efeito cancerígeno do álcool é invisível, mas ele é multifatorial.
Ele causa danos e instabilidades no DNA, que tornam a pessoa mais suscetível a
outros fatores. Por exemplo: a suscetibilidade causada pelo álcool aumenta o
risco que o cigarro já está causando”, pontua Cardoso.
<><> Existe dose segura?
De acordo com a Organização Mundial
da Saúde (OMS),
não existe consumo seguro de álcool – qualquer quantidade pode aumentar o risco
de câncer. Um fator importante é a quantidade total de álcool consumida
consistentemente ao longo do tempo. Segundo o relatório dos EUA, para certos
tipos de câncer, como de mama, boca e garganta, as evidências mostram que esse
risco pode começar a aumentar em torno de uma ou menos doses por dia.
Segundo um estudo citado no relatório dos EUA, o risco
absoluto de uma mulher desenvolver qualquer câncer relacionado ao álcool ao
longo da vida aumenta de 16,5% para aquelas que consomem menos de uma dose de
bebida por semana para 19% para as que ingerem uma dose diária; e para 21,8%
entre as que consomem duas doses por dia, em média. Isso corresponde a cinco
mulheres a mais em cada 100 com potencial de desenvolver a doença. “O álcool é
um dano. Quanto maior a quantidade, pior”, avisa a oncologista do Einstein.
No Brasil, a referência de dose mais utilizada é a
divulgada pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), que considera
que uma dose (unidade) padrão de álcool correspondente a 14 g de etanol puro –
isso equivale a cerca de 350 ml de cerveja (uma lata), 150 ml de vinho ou 45 ml
de destilados (como vodca, cachaça ou uísque). A OMS, no entanto, usa como dose
padrão o equivalente a 10 g de álcool e recomenda o máximo de duas doses por
dia para homens e uma por dia para mulheres, desde que se abstenham de beber
pelo menos duas vezes na semana.
<><> Desconhecimento sobre os perigos
Apesar das evidências demonstrando o efeito do consumo
de álcool no risco de câncer, o relatório americano ressalta que há uma grande
lacuna na compreensão pública dessa associação. Uma pesquisa feita em 2019
concluiu que 45% dos estadunidenses reconhecem o álcool como um fator de risco
para câncer. O índice é bem menor do que os 91% que conhecem o risco
cancerígeno da radiação e os 89% que sabem da relação com o tabaco, conforme o
mesmo trabalho.
Outra investigação, essa feita com cerca de 1.700
adultos e divulgada em novembro de 2024 pela Annenberg Public
Policy Center (APPC),
mostra que menos da metade dos americanos (40%) sabe que beber álcool
regularmente aumenta o risco de desenvolver câncer mais tarde. Outros 40% não
tinham certeza se isso é verdade e 20% relataram crenças imprecisas — de que
não teria efeito ou que diminuiria a chance de desenvolver câncer.
Há evidências de que, em longo prazo, parar de beber ou
reduzir o consumo de álcool reduz diretamente a probabilidade de cânceres de
boca e esôfago. Segundo o relatório Alcohol and Cancer Risk, mais pesquisas são
necessárias para determinar se esse risco também diminui para outros tipos de
câncer — ou até se pode chegar ao nível observado em pessoas que não costumam
beber.
<><> Rotulagem das bebidas
No recente documento norte-americano, uma mudança
sugerida é a atualização dos rótulos de bebidas alcoólicas para incluir um
alerta sobre o risco aumentado de câncer. Os rótulos de advertência de saúde
são abordagens bem estabelecidas e eficazes para aumentar a conscientização e
promover mudanças de comportamento.
Na avaliação de Cardoso, o Brasil enfrenta o mesmo
problema de falta de informações sobre os riscos do consumo de álcool, e
incluir alertas nos rótulos pode ser um bom caminho, assim como aconteceu com o
cigarro. “Todo mundo sabe que fumar pode causar câncer. Tem um aviso no maço de
cigarro, mas isso não acontece com as bebidas alcoólicas. Além disso, existe
uma negação das próprias pessoas que desejam preservar o hábito, especialmente
pelo aspecto social associado ao consumo da bebida”, observa a médica.
¨ Por que pessoas do mundo fitness não
bebem álcool? Entenda
A musa fitness Gracyanne
Barbosa,
41, chamou atenção do público do BBB 25 ao afirmar
que não bebe álcool. Inclusive, há algumas semanas, o hábito se tornou assunto
dentro da casa, quando a modelo foi vetada de participar do Show de Quarta sob
o argumento de que “dormia cedo e não bebia”.
Gracyanne é conhecida
por seguir uma rotina rígida de dieta e treinos — ela já comentou que come
cerca de 40 ovos por dia fora do reality show. Parte do cuidado com o físico
inclui não ingerir bebida alcoólica. Mas essa não é algo restrito à modelo.
Muitos outros praticantes de musculação e atletas de fisiculturismo evitam o
consumo desse tipo de bebida para não haver prejuízo no “shape” e nem no
desempenho físico.
Mas por que isso acontece? O álcool é realmente o vilão
de quem deseja melhorar o físico, seja por meio do emagrecimento ou por meio do
ganho de massa muscular? Entenda a seguir.
<><> O efeito do álcool nos músculos
De acordo com Rubens Gomes, personal trainer e
nutricionista popularmente conhecido como Coach Rubens, o álcool é uma
substância que possui efeito deletério para a performance física.
“Ele inibe o processo de queima de gordura, agindo
diretamente nos adipócitos [células especializadas em armazenar gordura], e
também participa de um processo de impedimento da síntese proteica, que é
exatamente o fenômeno que ocorre dentro do músculo para que se ganhe massa
muscular”, explica Gomes à CNN.
O músculo é formado por duas proteínas chamadas actina
e miosina que são desenvolvidas através do treinamento de peso, ou seja,
a musculação. Mas, além do
exercício físico, a alimentação e o descanso são fundamentais para promover o
aumento dessas proteínas musculares. No entanto, o consumo de álcool prejudica
essa produção.
“A capacidade de esse aumento acontecer fica diminuída
quando se tem o consumo de álcool em qualquer quantidade”, afirma Gomes. “Não
existe uma margem segura de consumo de álcool quando o assunto é performance e
ganho esportivo”, enfatiza.
<><> Álcool prejudica tanto o emagrecimento
quanto o ganho de massa muscular
Os efeitos negativos do álcool no organismo podem
prejudicar tanto o processo de emagrecimento, quanto o de ganho de massa
muscular,
de acordo com o nutricionista. “[Quando há o consumo de álcool] você não para
completamente o processo de ganho de massa muscular, muito menos o de gordura.
O que ocorre é uma redução potencial desses dois fenômenos”, explica Gomes.
“Quanto mais álcool é ingerido, obviamente, maior a capacidade que você tem de
inibir esses processos”, acrescenta.
No caso do ganho de massa muscular, além do treino de
musculação, é preciso seguir uma dieta com superávit calórico, ou seja, com
maior consumo de calorias (através da alimentação) do que é gasto ao longo do
dia. Embora cada grama de álcool tenha, em média, sete calorias, a sua inserção
na dieta pode “sair pela culatra” e prejudicar o processo de ganho de massa
magra.
“Apesar de ele ter uma quantidade calórica alta, o
álcool tem essa capacidade de se unir a receptores no músculo que inibem a sua
síntese proteica. Então, ele vai ser calórico, vai agregar calorias na sua
dieta e, ao mesmo tempo, vai impedir que você tenha o ganho de massa muscular
desejado. A chance de um indivíduo em superavit calórico engordar é maior”,
alerta.
No processo de emagrecimento, o impacto ocorre de
maneira diferente. Para perder peso, uma pessoa precisa ter uma dieta com
déficit calórico, ou seja, menor consumo de calorias pela alimentação do que é
gasto ao longo do dia. Por ser calórico, o álcool pode inserir mais calorias na
dieta do que o recomendado.
“Além das calorias que são atribuídas a esse consumo,
ainda tem que ele trabalha nos adipócitos, fazendo com que a redução dessas
células seja comprometida também”, explica Gomes. “Então, o álcool participa de
duas vias no processo de emagrecimento que não são boas”, completa.
<><> Corpo leva até três dias para eliminar
álcool
Se você é um atleta amador ou um praticante de
musculação comum, talvez não seja uma grande preocupação os efeitos negativos
do álcool no seu rendimento físico. Porém, se você possui um objetivo, seja melhorar
sua força, habilidade esportiva ou aparência estética, o consumo de álcool pode
ser, sim, um obstáculo — mesmo se a ingestão ocorrer apenas aos finais de
semana.
Isso acontece porque o organismo leva de dois a três
dias para eliminar completamente o álcool. “Esse é o pior período de
recuperação pós-ingesta de álcool, pois é quando se nota mais retenção de
líquido, mais inchaço e menor eliminação do álcool”, alerta Gomes.
Além disso, pelo fato de o álcool ser uma substância
permeável a qualquer tecido do corpo, inclusive fios de cabelo, em alguns casos
ele pode permanecer no corpo por até sete dias. Esses sintomas podem atrapalhar
o rendimento físico no treino e na prática esportiva.
Fonte: CNN Brasil
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