terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Mario Giro: Do colonialismo às milícias - a violência permanente no Congo

"[O Congo} É o único estado africano que foi colonizado não por uma potência estrangeira, mas por uma empresa privada, de propriedade do rei Leopoldo da Bélgica. Uma aventura brutal feita de exploração exasperada e muito sangue", escreve Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani.

O nome “Congo” significa país na língua Kikongo, uma das muitas faladas naquelas regiões: um país imenso, atravessado pelo grande rio de mesmo nome e seus afluentes, a maior reserva verde depois da Amazônia, cheio de recursos naturais e minerais que todos tentam explorar. É “o coração de trevas” desde a época de Joseph Conrad: um lugar misterioso que desencadeia as paixões mais extremas, medo, ganância, conquista, repulsa. Detém o triste primado das febres hemorrágicas: o ebola começou aqui e alguns acreditam que a Aids também. É o único estado africano que foi colonizado não por uma potência estrangeira, mas por uma empresa privada, de propriedade do rei Leopoldo da Bélgica. Uma aventura brutal feita de exploração exasperada e muito sangue. Os colonizadores mais atrozes, enlouquecidos por uma gana extrema de riqueza que só a apropriação privada de seres humanos pode provocar: mataram à vontade, mutilaram, escravizaram. Uma história que se repete até hoje. Foi o cruzamento mortal entre colônia, escravidão e apartheid, gravado para sempre na carne e no espírito do povo.

·        Do colonialismo a Mobutu

Na conferência de Berlim de 1884-85, onde o continente foi dividido, Leopoldo manobrou habilmente para garantir sua propriedade e ter liberdade de ação. Não durou muito: as despesas eram tão altas que ele teve que despejá-las sobre as costas do Estado belga. A situação melhorou um pouco: a Bélgica nunca teve realmente condições de sustentar uma colonização tão ampla e pesada. A descolonização tornou-se uma tragédia: o atroz assassinato do primeiro-ministro Patrice Lumumba, desejada pelo Ocidente, riscos de secessão, interferências generalizadas, golpes de estado, caos.

Uma das primeiras operações de paz da ONU terminou mal: o secretário-geral da ONU, Hammarskjöld, morreu em um controverso acidente de avião e a Itália também perdeu 13 aviadores em Kindu, também em 1961. Depois de muitas intrigas, apareceu Mobutu Sese Seko, um líder de duas faces: ditador cruel, mas também criador da autenticidade africana e do orgulho continental. O Congo mudou seu nome para Zaire e, por algum tempo, parecia que poderia se tornar uma verdadeira potência da África.

O Zaire queria ser a verdadeira África, sem concessões à cultura do antigo colonizador. E, nas mentes africanas, assim se tornou: durante anos, Kinshasa foi a meca de tudo o que queria ser autenticamente africano, a verdadeira “fonte” se inspiração de escritores, músicos, artistas e poetas.

·        Mohammed Ali a escolheu para recuperar o título em 1974

Ainda hoje, após o declínio, todo africano não tem dificuldade em admitir que a melhor música do continente é composta lá. Através do sofrimento, os congoleses amadureceram uma forte identidade cultural, musical e religiosa. O Congo é o berço das primeiras igrejas afro-cristãs livres, como os discípulos de Simon Kimbangu, hoje reconhecidos pelo Conselho Ecumênico de Genebra: um cristianismo negro para negros. Apesar das alegações de autenticidade, Mobutu continuava a traficar com os ocidentais, os corrompia e era corrompido por eles: em jogo sempre estava a imensa riqueza do Congo. Como um câncer, a corrupção desenfreada associada ao despotismo consumiu tudo a partir de dentro: toda uma classe política predatória que sangrou o país, vendendo-o pedaço por pedaço.

Em março de 1996, na primeira tentativa, as milícias rebeldes de Kabila sênior, armadas pela Ruanda pós-genocídio (e pela Uganda), afundaram como na manteiga dentro do grande estado, atravessando-o de um lado para o outro em poucos meses. É um absurdo ver o menor estado africano conquistar o maior.

Mobutu, o “Leopardo”, fugiu ignominiosamente para o Marrocos, morrendo no ano seguinte. Desiré Kabila não durou muito: rompeu com os aliados ruandeses (sempre por causa do orgulho nacional) e acabou assassinado em 2001 por um membro de sua equipe.

·        A Grande Guerra Africana e o Kivu

Até 2019, o Congo (que, nesse meio tempo, havia reassumido seu antigo nome) foi governado por seu filho, Joseph Kabila. A guerra recomeçou pior do que antes: chamaram-na de “Grande Guerra Africana” ou “Guerra Mundial Africana”, que produziu uma série infinita de conflitos secundários, entre os quais aquele do Kivu. A peculiaridade da Grande Guerra Africana foi que várias nações africanas combateram nela, além de dezenas de grupos armados, muitos dos quais permaneceram ativos. Durante décadas, o Congo foi o campo de treinamento para incríveis ataques. Essencialmente, foi uma “guerra contra os civis” sem batalhas campais, mas com uma corrida para garantir terras e recursos, junto com uma violência generalizada contra os civis.

Os números parecem absurdos: estima-se que cinco milhões de pessoas tenham morrido até o momento. A atual República Democrática do Congo (RDC) também foi palco da maior operação de manutenção da paz da ONU: a controversa missão Monusco (antiga Monuc), que custou mais de um bilhão de dólares por ano e o emprego de cerca de 20.000 homens. Após as repetidas insistências da comunidade internacional, o Presidente Kabila Jr. renunciou à sua candidatura, cumprindo assim a letra da Constituição. O governo não quis a ajuda internacional (nem mesmo da ONU, como em 2006) e decidiu organizar a eleição por conta própria. Por sua vez, a Conferência Episcopal Congolesa (a mais forte e mais organizada da África, juntamente com a nigeriana) colocou à disposição cerca de 40.000 pessoas para supervisionar a votação. A Igreja Católica tem uma influência real no Congo: é unida e já havia desempenhado um papel decisivo nas fases de transição pós-Mobutu.

·        As eleições de 2019

Durante 2016, diante de mais um impasse político, a própria Conferência Episcopal intermediou o acordo de São Silvestre em 31 de dezembro, que levou ao estabelecimento de um governo sob a liderança de um primeiro-ministro vindo das fileiras da oposição.

As eleições de 2019 foram o resultado desse processo, vencidas por Félix Tshisekedi, o filho de Etienne, adversário histórico de Mobutu e efêmero primeiro-ministro da conferência nacional soberana. Apesar das costumeiras contestações sobre os resultados, uma nova época parecia estar se abrindo para a RDC.

Mas a guerra nos dois Kivus não terminou e agora está produzindo efeitos destrutivos em todo o país, talvez irreversíveis. Parece claro que as manipulações se entrelaçaram ao longo do tempo, tornando-se totalmente inextricáveis.

O próprio Tchisekedi tentou instrumentalizar a tensão com Ruanda, buscando alianças até mesmo nos Estados Unidos, por meio dos movimentos pentecostais. Por seu lado, Ruanda não ficou para trás, continuando a explorar a presença de milícias amigas (como o M23) para garantir a produção de terras raras que não possui em seu próprio território. Além disso, Kigali desde sempre teve como objetivo criar uma zona de amortecimento entre as duas fronteiras, dado o caos das milícias étnicas que torna a fronteira porosa e penetrável.

Essa não é a primeira vez que os pró-Ruanda ocupam Goma: isso já aconteceu em 2012. Mas, desta vez, a comunidade internacional parece estar fazendo vista grossa, desde que Ruanda garanta finalmente a estabilidade e a paz na região. A guerra na Ucrânia ensina que as fronteiras não são mais tão intangíveis. No entanto, rumores afirmam que o M23 quer continuar até Bukavu, a capital do Kivu do Sul, e talvez bem mais além, o que seria um erro inaceitável para todos. Enquanto Goma é habitada também por ruandeses e ruandófonos, Bukavu tem uma história bem diferente e já demonstrou no passado que sabe se rebelar contra a hegemonia de Kigali.

Kinshasa, além disso, deixou más recordações para os ruandeses. O fato é que os congoleses, embora pressionados por uma “crise multidimensional”, como costumam dizer, não querem se render nem à guerra nem ao caos: a sociedade segue em contínua e permanente ebulição criativa. Como escrevia Sony Labou Tansi, um dos mais conhecidos poetas e autores congoleses, o Congo “é uma gravidez prestes a dar à luz”.

 

¨      A fúria dos rebeldes: Congo no sangue. Por Domenico Quirico

"Essa nova página remonta a três anos atrás. Um cessar-fogo que fracassou em meio a acusações mútuas no outono passado. Depois, a blitzkrieg dos rebeldes, ou melhor, das forças especiais de Ruanda. Agora elas patrulham as ruas da cidade, satisfeitas em seus belos uniformes novos, com armamentos high-tech made in USA. Não há mais necessidade de se esconder", escreve Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa.

<><> Eis o artigo. 

Em cada nome há uma tragédia, coletiva, gigantesca, composta de números com cinco, seis zeros. Kibumba, por exemplo. Ou Kamyoruchinya. Quem já ouviu falar de Kibumba? Vocês não conseguirão encontrá-la no mapa, esse nome não é nem mesmo uma cidade ou um vilarejo. É mais, é pior: são dois dos campos de refugiados em torno de Goma, a maior cidade de Kivu, no Leste do Congo, que acaba de cair nas mãos dos rebeldes do misterioso movimento M23; uma ficção, uma sigla vazia. Na realidade, foi conquistada por soldados da vizinha Ruanda. Aqui, a história é um campo de ruínas, onde ressoam os lamentos sem nome de indivíduos em lágrimas. Aqui, para três milhões de pessoas cujo único trabalho, projeto e identidade é o de refugiado, o sofrimento é a primeira e a última página do mundo. Uma dor explícita e nua que não esconde nada, uma dor sem escapatória, onde até mesmo o lago de safira no qual ela se espelha, o Lago Kivu, brilha apenas como uma estrela morta. Eles não têm o direito de ser indivíduos: o último ultraje ao qual os expomos, ser, coletivamente, de forma anônima, “o maior desastre humanitário” de nosso tempo. O enésimo.

Aborreciam vocês as guerrilhazinhas ferozes, malcheirosas e inconclusivas da África? Agora podem ficar satisfeitos: eis no país que é tragicamente o mais rico e o mais pobre do mundo, uma verdadeira guerra entre nações, sim, daquelas verdadeiras, como entre Rússia e Ucrânia. Ruanda invadiu o Congo. À sua maneira, a história evolui.

Goma tem um milhão de habitantes, nos campos outros tantos vivem, ou melhor, sobrevivem, famintos, com pouca água potável, sem remédios, alimentados por um empenho quase missionário da caridade internacional, todas as noites as mulheres são violentadas, os filhos levados embora (Ah, logo as encontraremos nos exércitos de crianças-soldados). São observados de forma indiferente, indolente, pelos capacetes azuis do contingente que está lá há décadas, um monumento à impotência que nos faz gritar de raiva. A brancura imaculada de seus veículos não reflete o candor das almas daqueles que fingem dirigi-los por trás das vidraças do New York Palace. Com o que foi gasto para mantê-los, um destino diferente teria sido oferecido a todas essas pessoas. Eles viram chegar a guerra, se colocaram de lado: tiveram três mortos, um minúsculo incidente, seu “compromisso” não é atirar, defender, defender-se, é observar!

Quando tudo isso começou, ninguém sabe dizer, eles a chamam de guerra dos trinta anos.

Sabe-se lá. Essa nova página remonta a três anos atrás. Um cessar-fogo que fracassou em meio a acusações mútuas no outono passado. Depois, a blitzkrieg dos rebeldes, ou melhor, das forças especiais de Ruanda. Agora elas patrulham as ruas da cidade, satisfeitas em seus belos uniformes novos, com armamentos high-tech made in USA. Não há mais necessidade de se esconder.

Estive em Goma há dez anos: os mesmos campos, medo, suspeita, esperança, fadiga, cheiro sufocante da miséria, longas filas de homens e mulheres perambulando sem rumo, com o olhar embotado.

Eles caminham sobre a pele enrugada da lava, a memória da última erupção vulcânica catastrófica. É tão dura que não é possível cavar, plantar nada. Os três mil metros desolados do vulcão Nyiragongo estão por toda parte, ameaçando, tirando o fôlego e absorvendo o olhar. Em Kibumba, perto de um antigo cemitério, estão os fugitivos da região de Ruschuro, o vulcão os guiou como uma boia... coragem... em Goma, talvez seja o fim da jornada... Eles saíram da floresta e encontraram diante de si as lonas e os barracos daqueles de guerras e de fugas mais antigas. É isso: como se tivessem diante de si uma imensa cidade de trapos azuis pendurados para secar, seu futuro, seu destino. A Oeste estão os que chegaram de Masisi e os últimos, os fugitivos de Saké, a cidade a vinte e cinco quilômetros de Goma. Os ruandeses a tomaram há cinco dias. Eles fugiram sob os fogos dos morteiros, estão em um canto e você os reconhece porque não têm nada, nem lonas nem comida. Os soldados e oficiais do exército congolês fugiram durante a noite. Os barcos no Lago Kivu iam e voltavam sem parar para a outra margem. Nenhum dos refugiados contava com eles.

Esperar ser defendido por militares a quem ninguém dá um centavo, que sobrevivem de saques... Em 2012, Goma já havia caído e o exército se desmanchou em poucas horas. Mas há aqueles que fugiram antes deles, os mercenários romenos da “força de proteção do Congo”, uma empresa privada de miseráveis empreiteiros para guerras de pobres. Esse também é o Congo. Por que morrer pelo Kivu, por pessoas que pagam tão pouco? Combateram apenas as milícias locais “wazalendo”. Agora estão sentados no chão, em longas e silenciosas filas, no estádio transformado em um campo de prisioneiros.

Se vocês têm dúvidas de que a figura símbolo do terceiro milênio é o fugitivo, se Gaza, Ucrânia, Sudão e o Sahel não são suficientes para vocês, então o Congo os convencerá. Há mais de três milhões de pessoas deslocadas em Kivu. Todos lhes contarão a mesma odisseia: a marcha que não terá nenhuma voz para torná-la uma odisseia trágica e inesquecível, as crianças nos ombros, as mulheres arrastando o que têm - ah, não é muito! uma esteira, algumas panelas, um pouco de comida, na trilha de um lado e do outro exércitos de árvores imponentes, a floresta impenetrável, misteriosa e cruel que se espalha, se cansa e se reduz apenas nas margens do lago.

E as noites nos campos? Quem as conta? Quando a escuridão cai, um silêncio de morte, tiros, tragédias sem nome, homens armados (soldados? desertores? rebeldes? bandidos de um dos cento e trinta grupos armados dessa área? há também o Isis), que vêm buscar os alimentos das ajudas humanitárias e mulheres para violentar. O governo, a três mil quilômetros de distância, não tem nenhum interesse para essa gente. Pelo contrário, usa os refugiados para exigir ajudas que acabam nos bolsos dos politiqueiros de Kinshasa e para poder acusar Ruanda.

Agora as máscaras caíram. Não há mais guerrilheiros de siglas misteriosas. O regime tutsi em Kigali não se esconde mais. Em julho do ano passado, um relatório da ONU falou claramente: é Ruanda que usa e comanda o movimento M23. O Conselho de Segurança reduziu tudo à expressão menos exigente “forças externas...”. Ruanda já se apoderou dos minerais raros nessa parte do Congo e agora passa para a segunda fase, a anexação dos territórios de Kivu. O pretexto é a “segurança”, a razão universal para todo tipo de prepotência: precisamos caçar os grupos armados hutus que se refugiaram em Kivu após a guerra civil e criaram raízes bem armadas lá, temos o direito de nos defender. Os prussianos da África, o astuto e implacável autocrata tutsi Paul Kagame, usam a chantagem do genocídio da década de 1980 para encobrir o imperialismo ganancioso do país mais dinâmico, superpovoado e sem recursos da África dos Grandes Lagos.

O Ocidente, que não fez nada para impedir o massacre de oitocentos mil tutsis, deixa acontecer: tem medo dos remorsos. Uma história que tem amplos ecos. E então: há um vizinho imenso, mas fraco e corrupto, um cofre de riquezas: que o melhor as aproveite! No caos sem regras do mundo pós-Ucrânia e de Trump, também aqui é a hora de acertar as contas, modificar as fronteiras, se apossar.

 

¨      “Estamos acabrunhados pela indiferença internacional”. Entrevista com Apollinaire Cibaka Cikongo

tomada de Goma, no leste do país, é um episódio a mais de uma guerra que já dura 30 anos, recorda Apollinaire Cibaka Cikongo, padre e reitor da Universidade Oficial de Mbujimayi, no centro do país. Ele faz um apelo à consciência internacional. A entrevista é de Alix Champlon, publicada por La Vie, com tradução do Cepat.

<><> Eis a entrevista.

·        A Igreja Católica da RDC controla a maior parte da infraestrutura médica do país. Como ela está lidando com a crise em Goma?

Os confrontos em Goma levaram ao deslocamento de centenas de milhares de pessoas. Na segunda-feira, falávamos de cerca de 400 mil pessoas. As paróquias, os centros e os hospitais estão abertos para acolhê-las, mas também estão completamente dominados pela pobreza, pelo medo e pelos contínuos sons de tiros... Estamos desamparados: os agricultores abandonaram o campo para se refugiarem na cidade, já não há quem trabalhe nos campos e escoe a produção agrícola. Apesar das dificuldades, padres e freiras permanecem ali. Nossa missão nesta região é estar presente. É uma presença de evangelização, mas também de serviço.

·        Os confrontos nos arredores de Goma envolvem as forças armadas do governo congolês, o grupo armado M23 e as tropas ruandesas. Como podemos explicar esse retorno da violência?

A tomada de Goma é um episódio a mais de uma guerra que já dura 30 anos e que já deixou mais de 15 milhões de mortos. Para compreendê-la, temos de recuar a 1994. No rescaldo do genocídio em Ruanda, os genocidas – e as populações Hutu de forma mais ampla – vieram refugiar-se do outro lado da fronteira, no leste da RDC, a pedido da comunidade internacional. O conflito ruandês deslocou-se então para o território congolês, e o novo regime ruandês não gostou de ter os seus adversários armados agrupados na sua fronteira. As potências ocidentais, por sua vez, ainda se sentem culpadas perante o governo ruandês e não intervêm. A isto se soma um fator de política interna na RDC: quando o regime anterior, o do presidente Mobutu Sese Seko, começou a ser contestado na década de 1990, as grandes potências, e os Estados Unidos em particular, favoreceram o retorno de um opositor exilado, Laurent-Désiré Kabila. A rebelião armada e a desestabilização foram assim favorecidas em detrimento de uma transição política não violenta… A situação política atual continua a favorecer o desenvolvimento de milícias armadas, que exercem a repressão para monopolizar as riquezas minerais desta região. Esta economia de vandalismo em torno dos minerais é o terceiro fator explicativo desta guerra. Isto diz respeito a todos: trata-se de recursos explorados e vendidos fora da RDC a grandes empresas ocidentais para fabricarem os nossos equipamentos informáticos, os nossos aparelhos de comunicação e os nossos meios de transporte.

·        Que lugar a Igreja na RDC tem ocupado desde o início do conflito?

A Igreja é uma instituição herdada da colonização. Com suas igrejas, centros médicos e escolas, abrange todo o país. Ela está, na realidade, mais presente que o Estado. Mas esta figura de autoridade, de instituição bem estabelecida, incomoda os agressores e mercenários ruandeses, bem como as diversas milícias. Desde o início do conflito, em 1996, a Igreja Católica tem visto bispos e padres, mas também freiras e fiéis estarem na mira de assassinos. Apesar das atrocidades, os consagrados permanecem e continuam a operar as infraestruturas necessárias à vida social. Ao manterem a sua presença no leste da RDC, estas pessoas consagradas são os guardiões das fronteiras geográficas, políticas e culturais, mas também os guardiões da esperança.

·        Onde você coloca sua esperança de acabar com o conflito?

Hoje, o conflito tem uma verdadeira cobertura mediática, porque atravessa um episódio de certa intensidade. Mas há 30 anos que as mulheres são violentadas, pessoas inocentes são mutiladas e mortas, que se colocam armas nas mãos de crianças. Estamos aqui falando de 15 milhões de mortes, essa cultura de violência tem que acabar! Estamos acabrunhados pela indiferença internacional que reina, enquanto as grandes empresas que se abastecem de minerais congoleses lucram com o nosso sangue. Em termos globais, é hora de a humanidade tomar consciência de que não pode construir a sua felicidade sobre a vida dos outros. A este respeito, gostaria que as Igrejas irmãs, especialmente no Ocidente, assumissem um apoio público mais forte e mobilizassem todos os canais que possuem para que a barbárie que vivemos diariamente não fosse banalizada. Que façam do sofrimento dos outros o locus da sua luta!

 

Fonte: Tradução  de Luisa Rabolini, para IHU

 

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