Mario Giro: Do
colonialismo às milícias - a violência permanente no Congo
"[O Congo} É o
único estado africano que foi colonizado não por uma potência estrangeira, mas
por uma empresa privada, de propriedade do rei
Leopoldo da Bélgica.
Uma aventura brutal feita de exploração exasperada e muito sangue",
escreve Mario
Giro,
professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de
Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani.
O nome “Congo” significa país na
língua Kikongo, uma das muitas faladas naquelas regiões: um país imenso,
atravessado pelo grande rio de mesmo nome e seus afluentes, a maior reserva
verde depois da Amazônia, cheio de recursos
naturais e minerais que todos tentam explorar. É “o coração de trevas” desde a
época de Joseph
Conrad:
um lugar misterioso que desencadeia as paixões mais extremas, medo, ganância,
conquista, repulsa. Detém o triste primado das febres hemorrágicas: o ebola
começou aqui e alguns acreditam que a Aids também. É o único estado africano
que foi colonizado não por uma potência estrangeira, mas por uma empresa
privada, de propriedade do rei
Leopoldo da Bélgica.
Uma aventura brutal feita de exploração exasperada e muito sangue. Os
colonizadores mais atrozes, enlouquecidos por uma gana extrema de riqueza que
só a apropriação privada de seres humanos pode provocar: mataram à vontade,
mutilaram, escravizaram. Uma história que se repete até hoje. Foi o cruzamento
mortal entre colônia, escravidão e apartheid, gravado para
sempre na carne e no espírito do povo.
·
Do
colonialismo a Mobutu
Na conferência
de Berlim de 1884-85, onde o continente foi
dividido, Leopoldo manobrou habilmente para garantir sua propriedade
e ter liberdade de ação. Não durou muito: as despesas eram tão altas que ele
teve que despejá-las sobre as costas do Estado belga. A situação melhorou um
pouco: a Bélgica nunca teve realmente condições de sustentar uma
colonização tão ampla e pesada. A descolonização tornou-se uma tragédia: o
atroz assassinato do primeiro-ministro Patrice
Lumumba,
desejada pelo Ocidente, riscos de secessão, interferências generalizadas, golpes
de estado,
caos.
Uma das primeiras
operações de paz da ONU terminou mal: o secretário-geral da
ONU, Hammarskjöld, morreu em um controverso acidente de avião e
a Itália também perdeu 13 aviadores em Kindu, também em 1961. Depois
de muitas intrigas, apareceu Mobutu Sese Seko, um líder de duas faces:
ditador cruel, mas também criador da autenticidade africana e do orgulho
continental. O Congo mudou seu nome para Zaire e, por algum
tempo, parecia que poderia se tornar uma verdadeira potência da África.
O Zaire queria
ser a verdadeira África, sem concessões à cultura do antigo colonizador. E, nas
mentes africanas, assim se tornou: durante anos, Kinshasa foi a meca de tudo o
que queria ser autenticamente africano, a verdadeira “fonte” se inspiração de
escritores, músicos, artistas e poetas.
·
Mohammed
Ali a escolheu para recuperar o título em 1974
Ainda hoje, após o
declínio, todo africano não tem dificuldade em admitir que a melhor música do
continente é composta lá. Através do sofrimento, os congoleses amadureceram uma
forte identidade cultural, musical e religiosa. O Congo é o berço das
primeiras igrejas afro-cristãs livres, como os discípulos de Simon
Kimbangu, hoje reconhecidos pelo Conselho Ecumênico de Genebra: um cristianismo
negro para negros.
Apesar das alegações de autenticidade, Mobutu continuava a traficar com os
ocidentais, os corrompia e era corrompido por eles: em jogo sempre estava a
imensa riqueza do Congo. Como um câncer, a corrupção desenfreada associada ao
despotismo consumiu tudo a partir de dentro: toda uma classe política
predatória que sangrou o país, vendendo-o pedaço por pedaço.
Em março de 1996,
na primeira tentativa, as milícias rebeldes de Kabila sênior, armadas
pela Ruanda pós-genocídio
(e pela Uganda), afundaram como na manteiga dentro do grande estado,
atravessando-o de um lado para o outro em poucos meses. É um absurdo ver o
menor estado africano conquistar o maior.
Mobutu, o
“Leopardo”, fugiu ignominiosamente para o Marrocos, morrendo no ano
seguinte. Desiré Kabila não durou muito: rompeu com os aliados
ruandeses (sempre por causa do orgulho nacional) e acabou assassinado em 2001
por um membro de sua equipe.
·
A
Grande Guerra Africana e o Kivu
Até 2019,
o Congo (que, nesse meio tempo, havia reassumido seu antigo nome) foi
governado por seu filho, Joseph
Kabila.
A guerra recomeçou pior do que antes: chamaram-na de “Grande
Guerra Africana”
ou “Guerra Mundial Africana”, que produziu uma série infinita de conflitos
secundários, entre os quais aquele do Kivu. A peculiaridade da Grande
Guerra Africana foi que várias nações africanas combateram nela, além de
dezenas de grupos armados, muitos dos quais permaneceram ativos. Durante
décadas, o Congo foi o campo de treinamento para incríveis ataques.
Essencialmente, foi uma “guerra contra os civis” sem batalhas campais, mas com
uma corrida para garantir terras e recursos, junto com uma violência
generalizada contra os civis.
Os números parecem
absurdos: estima-se que cinco milhões de pessoas tenham morrido até o momento.
A atual República Democrática do Congo (RDC) também foi palco da
maior operação de manutenção da paz da ONU: a controversa missão Monusco
(antiga Monuc), que custou mais de um bilhão de dólares por ano e o emprego de
cerca de 20.000 homens. Após as repetidas insistências da comunidade
internacional, o Presidente Kabila Jr. renunciou à sua candidatura,
cumprindo assim a letra da Constituição. O governo não quis a ajuda
internacional (nem mesmo da ONU, como em 2006) e decidiu organizar a eleição
por conta própria. Por sua vez, a Conferência
Episcopal Congolesa (a
mais forte e mais organizada da África, juntamente com a nigeriana) colocou à
disposição cerca de 40.000 pessoas para supervisionar a votação. A Igreja
Católica tem uma influência real no Congo: é unida e já havia desempenhado
um papel decisivo nas fases de transição pós-Mobutu.
·
As
eleições de 2019
Durante 2016,
diante de mais um impasse político, a própria Conferência Episcopal intermediou
o acordo de São Silvestre em 31 de dezembro, que levou ao estabelecimento de um
governo sob a liderança de um primeiro-ministro vindo das fileiras da oposição.
As eleições de 2019
foram o resultado desse processo, vencidas por Félix Tshisekedi, o filho
de Etienne, adversário histórico de Mobutu e efêmero
primeiro-ministro da conferência nacional soberana. Apesar das costumeiras
contestações sobre os resultados, uma nova época parecia estar se abrindo para
a RDC.
Mas a guerra nos
dois Kivus não terminou e agora está produzindo efeitos destrutivos em todo o
país, talvez irreversíveis. Parece claro que as manipulações se entrelaçaram ao
longo do tempo, tornando-se totalmente inextricáveis.
O
próprio Tchisekedi tentou instrumentalizar a tensão com Ruanda,
buscando alianças até mesmo nos Estados Unidos, por meio dos movimentos
pentecostais. Por seu lado, Ruanda não ficou para trás, continuando a explorar
a presença de milícias amigas (como o M23) para garantir a produção de terras
raras que não possui em seu próprio território. Além disso, Kigali desde
sempre teve como objetivo criar uma zona de amortecimento entre as duas
fronteiras, dado o caos das milícias étnicas que torna a fronteira porosa e
penetrável.
Essa não é a
primeira vez que os pró-Ruanda ocupam Goma: isso já aconteceu em 2012. Mas,
desta vez, a comunidade internacional parece estar fazendo vista grossa, desde
que Ruanda garanta finalmente a estabilidade e a paz na região. A guerra
na Ucrânia ensina
que as fronteiras não são mais tão intangíveis. No entanto, rumores afirmam que
o M23 quer continuar até Bukavu, a capital do Kivu do Sul, e
talvez bem mais além, o que seria um erro inaceitável para todos.
Enquanto Goma é habitada também por ruandeses e ruandófonos, Bukavu
tem uma história bem diferente e já demonstrou no passado que sabe se rebelar
contra a hegemonia de Kigali.
Kinshasa, além
disso, deixou más recordações para os ruandeses. O fato é que os congoleses,
embora pressionados por uma “crise multidimensional”, como costumam dizer, não
querem se render nem à guerra nem ao caos: a sociedade segue em contínua e
permanente ebulição criativa. Como escrevia Sony Labou Tansi, um dos mais
conhecidos poetas e autores congoleses, o Congo “é uma gravidez
prestes a dar à luz”.
¨ A fúria dos rebeldes: Congo no sangue. Por Domenico
Quirico
"Essa nova
página remonta a três anos atrás. Um cessar-fogo que fracassou em meio a
acusações mútuas no outono passado. Depois, a blitzkrieg dos rebeldes, ou
melhor, das forças
especiais de Ruanda. Agora
elas patrulham as ruas da cidade, satisfeitas em seus belos uniformes novos,
com armamentos high-tech made in USA. Não há mais necessidade de se
esconder", escreve Domenico
Quirico,
jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa.
<><> Eis
o artigo.
Em cada nome há uma
tragédia, coletiva, gigantesca, composta de números com cinco, seis
zeros. Kibumba, por exemplo. Ou Kamyoruchinya. Quem já ouviu falar
de Kibumba? Vocês não conseguirão encontrá-la no mapa, esse nome não é nem
mesmo uma cidade ou um vilarejo. É mais, é pior: são dois dos campos de
refugiados em torno de Goma, a maior cidade de Kivu, no Leste
do Congo, que acaba de cair nas mãos dos rebeldes do misterioso
movimento M23; uma ficção, uma sigla vazia. Na realidade, foi conquistada
por soldados da vizinha Ruanda. Aqui, a história é um campo de ruínas,
onde ressoam os lamentos sem nome de indivíduos em lágrimas. Aqui, para três
milhões de pessoas cujo único trabalho, projeto e identidade é o de refugiado,
o sofrimento é a primeira e a última página do mundo. Uma dor explícita e nua
que não esconde nada, uma dor sem escapatória, onde até mesmo o lago de safira
no qual ela se espelha, o Lago Kivu, brilha apenas como uma estrela morta.
Eles não têm o direito de ser indivíduos: o último ultraje ao qual os expomos,
ser, coletivamente, de forma anônima, “o maior desastre humanitário” de nosso
tempo. O enésimo.
Aborreciam vocês as
guerrilhazinhas ferozes, malcheirosas e inconclusivas da África? Agora
podem ficar satisfeitos: eis no país que é tragicamente o mais rico e o mais
pobre do mundo, uma verdadeira guerra entre nações, sim, daquelas verdadeiras,
como entre Rússia
e Ucrânia. Ruanda invadiu
o Congo. À sua maneira, a história evolui.
Goma tem um
milhão de habitantes, nos campos outros tantos vivem, ou melhor, sobrevivem,
famintos, com pouca água potável, sem remédios, alimentados por um empenho
quase missionário da caridade internacional, todas as noites as mulheres são
violentadas, os filhos levados embora (Ah, logo as encontraremos nos exércitos
de crianças-soldados). São observados de forma indiferente, indolente, pelos
capacetes azuis do contingente que está lá há décadas, um monumento à
impotência que nos faz gritar de raiva. A brancura imaculada de seus veículos
não reflete o candor das almas daqueles que fingem dirigi-los por trás das
vidraças do New York Palace. Com o que foi gasto para mantê-los, um
destino diferente teria sido oferecido a todas essas pessoas. Eles viram chegar
a guerra, se colocaram de lado: tiveram três mortos, um minúsculo incidente,
seu “compromisso” não é atirar, defender, defender-se, é observar!
Quando tudo isso
começou, ninguém sabe dizer, eles a chamam de guerra dos trinta anos.
Sabe-se lá. Essa
nova página remonta a três anos atrás. Um cessar-fogo que fracassou em meio a
acusações mútuas no outono passado. Depois, a blitzkrieg dos rebeldes, ou
melhor, das forças
especiais de Ruanda. Agora
elas patrulham as ruas da cidade, satisfeitas em seus belos uniformes novos,
com armamentos high-tech made in USA. Não há mais necessidade de se
esconder.
Estive
em Goma há dez anos: os mesmos campos, medo, suspeita, esperança,
fadiga, cheiro sufocante da miséria, longas filas de homens e mulheres
perambulando sem rumo, com o olhar embotado.
Eles caminham sobre
a pele enrugada da lava, a memória da última erupção vulcânica catastrófica. É
tão dura que não é possível cavar, plantar nada. Os três mil metros desolados
do vulcão Nyiragongo estão por toda parte, ameaçando, tirando o
fôlego e absorvendo o olhar. Em Kibumba, perto de um antigo cemitério,
estão os fugitivos da região de Ruschuro, o vulcão os guiou como uma boia...
coragem... em Goma, talvez seja o fim da jornada... Eles saíram da
floresta e encontraram diante de si as lonas e os barracos daqueles de guerras
e de fugas mais antigas. É isso: como se tivessem diante de si uma imensa
cidade de trapos azuis pendurados para secar, seu futuro, seu destino. A Oeste
estão os que chegaram de Masisi e os últimos, os fugitivos
de Saké, a cidade a vinte e cinco quilômetros de Goma.
Os ruandeses a tomaram há cinco dias. Eles fugiram sob os fogos dos
morteiros, estão em um canto e você os reconhece porque não têm nada, nem lonas
nem comida. Os soldados e oficiais do exército congolês fugiram durante a
noite. Os barcos no Lago Kivu iam e voltavam sem parar para a outra
margem. Nenhum dos refugiados contava com eles.
Esperar ser defendido
por militares a quem ninguém dá um centavo, que sobrevivem de saques... Em
2012, Goma já havia caído e o exército se desmanchou em poucas horas.
Mas há aqueles que fugiram antes deles, os mercenários romenos da “força de
proteção do Congo”, uma empresa privada de miseráveis empreiteiros para
guerras de pobres. Esse também é o Congo. Por que morrer pelo Kivu,
por pessoas que pagam tão pouco? Combateram apenas as milícias locais
“wazalendo”. Agora estão sentados no chão, em longas e silenciosas filas, no
estádio transformado em um campo de prisioneiros.
Se vocês têm
dúvidas de que a figura símbolo do terceiro milênio é o fugitivo, se Gaza, Ucrânia, Sudão e
o Sahel não são suficientes para vocês, então o Congo os
convencerá. Há mais de três milhões de pessoas deslocadas em Kivu. Todos
lhes contarão a mesma odisseia: a marcha que não terá nenhuma voz para torná-la
uma odisseia trágica e inesquecível, as crianças nos ombros, as mulheres
arrastando o que têm - ah, não é muito! uma esteira, algumas panelas, um pouco
de comida, na trilha de um lado e do outro exércitos de árvores imponentes, a
floresta impenetrável, misteriosa e cruel que se espalha, se cansa e se reduz
apenas nas margens do lago.
E as noites nos
campos? Quem as conta? Quando a escuridão cai, um silêncio de morte, tiros,
tragédias sem nome, homens armados (soldados? desertores? rebeldes? bandidos de
um dos cento e trinta grupos armados dessa área? há também o Isis), que
vêm buscar os alimentos das ajudas humanitárias e mulheres para violentar. O
governo, a três mil quilômetros de distância, não tem nenhum interesse para
essa gente. Pelo contrário, usa os refugiados para exigir ajudas que acabam nos
bolsos dos politiqueiros de Kinshasa e para poder acusar Ruanda.
Agora as máscaras
caíram. Não há mais guerrilheiros de siglas misteriosas. O regime
tutsi em Kigali não
se esconde mais. Em julho do ano passado, um relatório da ONU falou claramente:
é Ruanda que usa e comanda o movimento M23. O Conselho de
Segurança reduziu tudo à expressão menos exigente “forças externas...”. Ruanda
já se apoderou dos minerais raros nessa parte do Congo e agora passa
para a segunda fase, a anexação dos territórios de Kivu. O pretexto é a
“segurança”, a razão universal para todo tipo de prepotência: precisamos caçar
os grupos armados hutus que se refugiaram em Kivu após a guerra civil e criaram
raízes bem armadas lá, temos o direito de nos defender. Os prussianos
da África, o astuto e implacável autocrata tutsi Paul
Kagame,
usam a chantagem do genocídio da década de 1980 para encobrir o imperialismo
ganancioso do país mais dinâmico, superpovoado e sem recursos da África dos
Grandes Lagos.
O Ocidente, que não
fez nada para impedir o massacre de oitocentos mil tutsis, deixa acontecer: tem
medo dos remorsos. Uma história que tem amplos ecos. E então: há um vizinho
imenso, mas fraco e corrupto, um cofre de riquezas: que o melhor as aproveite!
No caos sem regras do mundo pós-Ucrânia e de Trump, também aqui é a
hora de acertar as contas, modificar as fronteiras, se apossar.
¨ “Estamos acabrunhados pela indiferença internacional”.
Entrevista com Apollinaire Cibaka Cikongo
A tomada
de Goma,
no leste do país, é um episódio a mais de uma guerra que já dura 30 anos,
recorda Apollinaire Cibaka Cikongo, padre e reitor da Universidade
Oficial de Mbujimayi, no centro do país. Ele faz um apelo à consciência
internacional. A entrevista é de Alix Champlon, publicada por La Vie, com tradução do Cepat.
<><> Eis
a entrevista.
·
A
Igreja Católica da RDC controla a maior parte da infraestrutura médica do país.
Como ela está lidando com a crise em Goma?
Os confrontos
em Goma levaram ao deslocamento de centenas de milhares de pessoas.
Na segunda-feira, falávamos de cerca de 400 mil pessoas. As paróquias, os
centros e os hospitais estão abertos para acolhê-las, mas também estão
completamente dominados pela pobreza, pelo medo e pelos contínuos sons de
tiros... Estamos desamparados: os agricultores abandonaram o campo para se
refugiarem na cidade, já não há quem trabalhe nos campos e escoe a produção
agrícola. Apesar das dificuldades, padres e freiras permanecem ali. Nossa
missão nesta região é estar presente. É uma presença de evangelização, mas
também de serviço.
·
Os
confrontos nos arredores de Goma envolvem as forças armadas do governo
congolês, o grupo armado M23 e as tropas ruandesas. Como podemos explicar esse
retorno da violência?
A tomada de Goma é
um episódio a mais de uma guerra que já dura 30 anos e que já deixou mais de 15
milhões de mortos. Para compreendê-la, temos de recuar a 1994. No rescaldo do
genocídio em Ruanda, os genocidas – e as populações Hutu de
forma mais ampla – vieram refugiar-se do outro lado da fronteira, no leste
da RDC, a pedido da comunidade internacional. O conflito ruandês
deslocou-se então para o território congolês, e o novo regime ruandês não
gostou de ter os seus adversários armados agrupados na sua fronteira. As potências
ocidentais, por sua vez, ainda se sentem culpadas perante o governo ruandês e
não intervêm. A isto se soma um fator de política interna na RDC: quando o
regime anterior, o do presidente Mobutu
Sese Seko,
começou a ser contestado na década de 1990, as grandes potências, e os Estados
Unidos em
particular, favoreceram o retorno de um opositor exilado, Laurent-Désiré
Kabila. A rebelião armada e a desestabilização foram assim favorecidas em
detrimento de uma transição política não violenta… A situação política atual continua
a favorecer o desenvolvimento de milícias armadas, que exercem a repressão para
monopolizar as riquezas minerais desta região. Esta economia de
vandalismo em torno dos minerais é o terceiro
fator explicativo desta guerra. Isto diz respeito a todos: trata-se de recursos
explorados e vendidos fora da RDC a grandes empresas ocidentais para
fabricarem os nossos equipamentos informáticos, os nossos aparelhos de
comunicação e os nossos meios de transporte.
·
Que
lugar a Igreja na RDC tem ocupado desde o início do conflito?
A Igreja é uma
instituição herdada da colonização. Com suas igrejas, centros médicos e escolas,
abrange todo o país. Ela está, na realidade, mais presente que o Estado. Mas
esta figura de autoridade, de instituição bem estabelecida, incomoda os
agressores e mercenários ruandeses, bem como as diversas milícias. Desde o
início do conflito, em 1996, a Igreja Católica tem visto bispos e padres, mas
também freiras e fiéis estarem na mira de assassinos. Apesar das atrocidades,
os consagrados permanecem e continuam a operar as infraestruturas necessárias à
vida social. Ao manterem a sua presença no leste da RDC, estas pessoas
consagradas são os guardiões das fronteiras geográficas, políticas e culturais,
mas também os guardiões da esperança.
·
Onde
você coloca sua esperança de acabar com o conflito?
Hoje, o conflito
tem uma verdadeira cobertura mediática, porque atravessa um episódio de certa
intensidade. Mas há 30 anos que as mulheres são violentadas, pessoas inocentes
são mutiladas e mortas, que se colocam armas nas mãos de crianças. Estamos aqui
falando de 15 milhões de mortes, essa cultura de violência tem que acabar!
Estamos acabrunhados pela indiferença internacional que reina, enquanto as
grandes empresas que se abastecem de minerais congoleses lucram com o nosso
sangue. Em termos globais, é hora de a humanidade tomar consciência de que não
pode construir a sua felicidade sobre a vida dos outros. A este respeito,
gostaria que as Igrejas irmãs, especialmente no Ocidente, assumissem um
apoio público mais forte e mobilizassem todos os canais que possuem para que a
barbárie que vivemos diariamente não fosse banalizada. Que façam do sofrimento
dos outros o locus da sua luta!
Fonte: Tradução de Luisa Rabolini, para IHU
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