terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

"Primos pobres" Portugal e Grécia agora amparam zona do euro

Há apenas alguns anos, Portugal, Itália, Espanha e especialmente a Grécia eram as crianças-problema da União Europeia (UE) e da zona do euro. Recentemente, no Fórum Econômico Mundial em Davos, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, disse estar convicto de esse não ser mais o caso: "Nós, do sul, também podemos contribuir com soluções para os problemas comuns".

Ele falou sobre a possibilidade de produzir e exportar mais energia limpa – na Espanha, principalmente energia solar – em meio à crise energética gerada após a invasão russa da Ucrânia. Dessa forma, segundo Sánchez, seu país deverá se tornar a "melhor economia do mundo".

·        Alemanha cria divisão sul-norte

Da perspectiva pan-europeia, no entanto, a situação não parece nada animadora: a economia na zona do euro está estagnada. O Produto Interno Bruto (PIB) da região permaneceu no nível do terceiro e quarto trimestres de 2024, informou no fim de janeiro o escritório de estatísticas da UE Eurostat. No segundo trimestre, houve um crescimento de 0,4%.

Muitos especialistas concordam que a principal razão para isso é o persistente mau desempenho econômico da maior economia da Europa. Na Alemanha, o PIB encolheu 0,2% no quarto trimestre, assim como durante todo o ano de 2024. "A Alemanha está ficando cada vez mais para trás", disse Alexander Krüger, economista-chefe do banco privado Hauck Aufhäuser Lampe, à agência de notícias Reuters.

A maior economia da zona do euro está enfraquecendo, e os países antes considerados problemáticos estão decolando. Será que as nações do sul poderão assumir o papel da locomotivas da Europa no futuro? O diretor do Instituto Austríaco de Pesquisa Econômica (WIFO), Gabriel Felbermayr, é cético: para tal, esses países "simplesmente são pequenos demais economicamente".

Alemanha e França "já respondem por mais de 50 por cento do PIB da zona do euro; esse bloco industrialmente forte do norte inclui países como Áustria, Eslovênia, Eslováquia e também a Holanda", de acordo com o economista. Eles não são os únicos afetados: "Países da UE não pertencentes à zona do euro, especialmente a República Tcheca e, até certo ponto, a Polônia, também sofrem com a fraqueza do núcleo industrial da UE."

·        Preços elevados da energia

O que torna os meridionais tão fortes, e os demais parecerem tão frágeis? Para o economista Hans-Werner Sinn, ex-chefe do Instituto Ifo de Munique, isso se deve a razões externas e também a decisões políticas: "Nos últimos anos, a Alemanha sofreu muito com a crise energética, causada por uma combinação da guerra [na Ucrânia] com a escassez de energia autoinfligida."

Ele lamenta particularmente a pretendida transição dos combustíveis fósseis para fontes de energia verde. Ao fazer isso, "a UE e a Alemanha perderam o senso de proporção e equilíbrio". "Devido a essas intervenções, nosso país tem agora os preços de eletricidade mais altos do mundo."

Segundo Sinn, a indústria química, em particular, sofre com isso. O principal setor da Alemanha, o automobilístico, também está sob forte pressão: "As regras de consumo para frotas, definidas pela UE, roubaram a competitividade da indústria automotiva."

·        Vantagens geográficas

Felbermayr vê a situação de forma semelhante. Nos países do sul, o turismo e a agricultura desempenham um papel maior, onde há "uma participação industrial significativamente menor no total da cadeia de valor. Os preços mais altos da energia em toda a Europa, as guerras comerciais, os desafios da descarbonização: tudo isso simplesmente afeta menos o sul do que o norte."

Além disso, os meridionais têm uma vantagem que eles próprios conquistaram: desde 2010, suas taxas de inflação são mais baixas do que as do norte. "Isso impulsionou sua competitividade. As iniciativas de reforma após a crise de endividamento da zona do euro deram frutos. O mesmo pode ser dito para Grécia, Espanha e Portugal."

Não há luz à vista no fim do túnel econômico. Na melhor das hipóteses, estaria surgindo um movimento ascendente anêmico, comentou o economista-chefe do Commerzbank, Jörg Krämer, à agência de notícias Reuters: "A profunda crise estrutural do setor, e as ameaças tarifárias de Donald Trump estão arrastando tudo para baixo." O presidente dos EUA também ameaça a Europa com sobretaxas, o que afetaria particularmente a Alemanha, dependente das exportações.

·        Perigo reconhecido, perigo evitado?

"Até agora, não há sinais de recuperação", confirma Sebastian Dullien, diretor do Instituto de Macroeconomia e Pesquisa de Ciclos Econômicos (IMK). Ele cita várias razões para a atual crise da economia alemã, incluindo "a política industrial agressiva da China, que pressiona as exportações": "Além disso, as taxas de juros do Banco Central Europeu, que ainda estão altas, dada a atual situação econômica, estão desacelerando os investimentos."

Enquanto isso permanece a esperança de essa tomada de consciência seja o primeiro passo para uma melhoria. O ministro da Economia alemão, Robert Habeck, parece ter chegado a essa conclusão. No Fórum Econômico Mundial, afirmou que "de certa forma, ignoramos o fato de que esta não é uma crise de curto prazo, mas uma crise estrutural".

Isso é particularmente evidente na indústria, que enfrenta dificuldades com os altos preços da eletricidade. O comércio exterior, importante para a Alemanha, enfraquece, e o clima entre os consumidores está se deteriorando. "Temos que reinventar nosso modelo de negócios", exigiu Habeck.

·        O que é necessário agora

No entanto, a Comissão Europeia espera uma ligeira recuperação econômica da zona do euro e um crescimento de 1,3% em 2025. O Banco Central Europeu, que especialistas acreditam estar próximo de cortar as taxas de juros, provavelmente tomará novas medidas de redução ao longo do ano.

Gabriel Felbermayr, não considera incomum o atual equilíbrio de poder entre os países setentrionais e meridionais. "Às vezes, o norte, forte em indústria, está na liderança, e outras vezes os países do sul, fortes em serviços. Não é diferente em outras grandes economias, como os EUA."

Para o chefe da WIFO é crucial que "o norte impulsione as reformas necessárias para maior competitividade, mas que o sul não desista": "Também é importante o mercado interno – que também é um veículo para equilibrar as regiões individuais – voltar a se fortalecer."

¨      Como economia da Espanha passou a gerar inveja no resto da Europa

É uma tarde fria de inverno em Segóvia, na região central da Espanha, e os turistas estão reunidos aos pés do aqueduto romano da cidade, admirando seus famosos arcos e tirando selfies.

Muitos dos visitantes são espanhóis, mas também há pessoas de outros países europeus, asiáticos e latino-americanos, todos atraídos pelo charme histórico, pela gastronomia e pela localização dramática de Segóvia, logo após as montanhas ao norte de Madri.

"Houve um momento durante a pandemia de covid-19 em que achei que 'talvez o turismo nunca mais voltasse a ser como antes'", diz Elena Mirón, uma guia de turismo local que está prestes a conduzir um grupo pela cidade.

"Mas agora as coisas estão muito boas, e sinto que este ano vai ser um ano bom, como 2023 e 2024. Estou feliz, porque posso viver desse trabalho que amo."

A Espanha recebeu um número recorde de 94 milhões de visitantes em 2024 — e agora está competindo com a França, que recebeu 100 milhões, para ser o maior centro de turismo estrangeiro do mundo.

E a expansão do setor de turismo no pós-pandemia é um dos principais motivos pelos quais a quarta maior economia da zona do euro tem superado facilmente países como Alemanha, França, Itália e Reino Unido, registrando um aumento no Produto Interno Bruto (PIB) de 3,2% no ano passado.

Em contrapartida, a economia alemã sofreu uma contração de 0,2% em 2024, enquanto a França cresceu 1,1%, a Itália, 0,5%, e o Reino Unido, 0,9%.

Tudo isso ajuda a explicar por que a revista The Economist classificou a Espanha como a economia com melhor desempenho do mundo.

"O modelo espanhol é bem-sucedido porque é um modelo equilibrado, e é isso que garante a sustentabilidade do crescimento", diz Carlos Cuerpo, ministro da Economia do governo de coalizão liderado pelos socialistas. Ele ressalta que a Espanha foi responsável por 40% do crescimento da zona do euro no ano passado.

Embora tenha ressaltado a importância do turismo, Cuerpo também citou os serviços financeiros, a tecnologia e o investimento como fatores que ajudaram a Espanha a se recuperar do abismo em que se encontrava na pandemia, quando o PIB encolheu 11% em um ano.

"Estamos saindo da covid-19 sem cicatrizes, modernizando nossa economia e, portanto, elevando nosso potencial de crescimento do PIB", ele acrescentou.

Este processo de modernização está sendo auxiliado por fundos do programa Next Generation EU, voltado para a recuperação econômica do bloco europeu no pós-pandemia. A Espanha deve receber até 163 bilhões de euros (cerca de R$ 971 bilhões) até 2026, o que a torna a maior beneficiária destes fundos, ao lado da Itália.

A Espanha está investindo o dinheiro no sistema ferroviário nacional, em zonas de baixas emissões nas cidades, assim como na indústria de veículos elétricos e em subsídios para pequenas empresas.

"Os gastos públicos têm sido altos, e são responsáveis por aproximadamente metade do nosso crescimento desde a pandemia", afirma María Jesús Valdemoros, professora de economia da IESE Business School, na Espanha.

Outras grandes economias europeias tiveram seu crescimento prejudicado por dependerem mais do que a Espanha da indústria, que, segundo ela, "está sofrendo muito no momento, devido a fatores como o alto custo da energia, a concorrência da China e de outros países asiáticos, o custo da transição para um modelo ambiental mais sustentável e o protecionismo comercial".

Desde a pandemia de covid-19, outro grande desafio econômico para a Espanha tem sido a crise do custo de vida desencadeada por gargalos na cadeia de suprimentos e pela invasão russa na Ucrânia em 2022. A inflação atingiu o pico com uma taxa anual de 11% em julho daquele ano, com os preços da energia atingindo particularmente com força os espanhóis, mas no fim de 2024, ela havia caído para 2,8%.

Madri acredita que os subsídios que introduziu para reduzir o custo do consumo de combustível e incentivar o uso do transporte público foram fundamentais para atenuar o impacto dos aumentos do preço da energia, assim como vários aumentos do salário mínimo.

No auge da crise energética europeia, Espanha e Portugal também negociaram com Bruxelas a chamada "exceção ibérica", que permite aos dois países limitar o preço do gás usado para gerar eletricidade a fim de reduzir as contas dos consumidores.

Cuerpo argumenta que essas medidas ajudaram a combater a vulnerabilidade tradicional da Espanha à turbulência econômica.

"A Espanha está se mostrando mais resiliente a sucessivos choques — incluindo o choque inflacionário que veio com a guerra na Ucrânia", ele disse. "E acho que isso faz parte do escudo protetor geral que implementamos para nossos consumidores e nossas empresas."

A produção de energia verde do país é vista como outro fator favorável, não apenas para garantir a eletricidade, mas também para estimular o investimento. A Espanha tem a segunda maior infraestrutura de energia renovável da União Europeia.

Isso é uma vantagem para um país que é o segundo maior produtor de automóveis da Europa, de acordo com Wayne Griffiths, CEO britânico da Seat e da Cupra. Embora a produção espanhola de veículos elétricos esteja atrasada em relação ao resto da Europa, ele vê um enorme potencial nessa área.

"Na Espanha, temos todos os fatores necessários para o sucesso: pessoas competitivas e bem qualificadas, além de uma política energética por trás disso", diz ele. "Não faz sentido fabricar carros com emissão zero se você estiver usando energia suja."

Apesar destes aspectos positivos, um ponto fraco de longa data da economia da Espanha tem sido a taxa de desemprego cronicamente alta, que é a maior da União Europeia, e quase o dobro da média do bloco. Mas a situação melhorou no último trimestre de 2024, quando a taxa de desemprego na Espanha caiu para 10,6%, seu nível mais baixo desde 2008.

Enquanto isso, o número de pessoas empregadas na Espanha agora é de 22 milhões, um recorde. A reforma trabalhista, que incentiva a estabilidade no emprego, é vista como um dos principais motivos para isso.

Esta reforma aumentou as restrições ao uso de contratos temporários pelas empresas, favorecendo uma maior flexibilidade no uso de contratos permanentes. E reduziu o número de trabalhadores em empregos temporários sem prejudicar a geração de empregos.

Além disso, embora a chegada de imigrantes tenha gerado um debate político acirrado, sua absorção no mercado de trabalho é vista por muitos como crucial para um país com uma população que está envelhecendo rapidamente.

O primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, tem sido franco ao enfatizar a necessidade de imigrantes, descrevendo sua contribuição para a economia como "fundamental".

A Comissão Europeia prevê que a Espanha vai continuar a liderar o crescimento entre as grandes economias do bloco neste ano, e permanecer à frente da média do bloco europeu. Mas desafios estão surgindo no horizonte.

A forte dependência do turismo — e uma crescente reação contra o setor por parte da população local — é uma das preocupações.

Outra é a vasta dívida pública da Espanha, que é maior do que a produção econômica anual do país.

María Jesús Valdemoros adverte que este é "um desequilíbrio que precisamos corrigir, não apenas porque as novas normas fiscais da União Europeia exigem isso, mas porque pode causar instabilidade financeira".

Além disso, uma crise habitacional eclodiu em todo o país, deixando milhões de espanhóis com dificuldade de encontrar moradias a preços acessíveis.

Com um cenário político incerto e profundamente polarizado, é difícil para o governo minoritário de Sánchez lidar com esses problemas. Mas, enquanto tenta resolver estas questões, a Espanha está aproveitando seu status de motor do crescimento europeu.

 

Fonte: DW Brasil/BBC News Mundo

 

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