"Primos
pobres" Portugal e Grécia agora amparam zona do euro
Há apenas alguns anos,
Portugal, Itália, Espanha e especialmente a Grécia eram as crianças-problema
da União Europeia (UE) e da zona
do euro. Recentemente, no Fórum Econômico Mundial em
Davos, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, disse estar
convicto de esse não ser mais o caso: "Nós, do sul, também podemos
contribuir com soluções para os problemas comuns".
Ele falou sobre a
possibilidade de produzir e exportar mais energia limpa – na
Espanha, principalmente energia solar – em meio
à crise energética gerada após a invasão russa da Ucrânia. Dessa
forma, segundo Sánchez, seu país deverá se tornar a "melhor economia
do mundo".
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Alemanha cria divisão sul-norte
Da perspectiva pan-europeia,
no entanto, a situação não parece nada animadora: a economia na zona do euro
está estagnada. O Produto Interno Bruto (PIB) da região permaneceu no nível do
terceiro e quarto trimestres de 2024, informou no fim de janeiro o escritório
de estatísticas da UE Eurostat. No segundo trimestre, houve um crescimento
de 0,4%.
Muitos especialistas
concordam que a principal razão para isso é o persistente mau desempenho econômico da
maior economia da Europa. Na Alemanha, o PIB encolheu 0,2% no quarto trimestre,
assim como durante todo o ano de 2024. "A Alemanha está ficando cada vez
mais para trás", disse Alexander Krüger, economista-chefe do banco privado
Hauck Aufhäuser Lampe, à agência de notícias Reuters.
A maior economia da zona do
euro está enfraquecendo, e os países antes considerados problemáticos estão
decolando. Será que as nações do sul poderão assumir o papel da locomotivas da
Europa no futuro? O diretor do Instituto Austríaco de Pesquisa Econômica
(WIFO), Gabriel Felbermayr, é cético: para tal, esses países
"simplesmente são pequenos demais economicamente".
Alemanha e
França "já respondem por mais de 50 por cento do PIB da zona do euro;
esse bloco industrialmente forte do norte inclui países como Áustria,
Eslovênia, Eslováquia e também a Holanda", de acordo com o economista.
Eles não são os únicos afetados: "Países da UE não pertencentes à zona do
euro, especialmente a República Tcheca e, até certo ponto, a Polônia, também
sofrem com a fraqueza do núcleo industrial da UE."
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Preços elevados da energia
O que torna os
meridionais tão fortes, e os demais parecerem tão frágeis? Para o
economista Hans-Werner Sinn, ex-chefe do Instituto Ifo de Munique, isso se deve
a razões externas e também a decisões políticas: "Nos últimos anos, a
Alemanha sofreu muito com a crise energética, causada por uma combinação da
guerra [na Ucrânia] com a escassez de energia autoinfligida."
Ele lamenta particularmente
a pretendida transição dos combustíveis fósseis para fontes de energia verde. Ao
fazer isso, "a UE e a Alemanha perderam o senso de proporção e
equilíbrio". "Devido a essas intervenções, nosso
país tem agora os preços de eletricidade mais altos do mundo."
Segundo Sinn, a indústria
química, em particular, sofre com isso. O principal setor da Alemanha, o automobilístico, também está
sob forte pressão: "As regras de consumo para frotas, definidas pela UE,
roubaram a competitividade da indústria automotiva."
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Vantagens geográficas
Felbermayr vê a situação de
forma semelhante. Nos países do sul, o turismo e a agricultura desempenham um
papel maior, onde há "uma participação industrial significativamente menor
no total da cadeia de valor. Os preços mais altos da energia em toda a Europa,
as guerras comerciais, os desafios da descarbonização: tudo isso simplesmente
afeta menos o sul do que o norte."
Além disso, os meridionais
têm uma vantagem que eles próprios conquistaram: desde 2010, suas taxas de
inflação são mais baixas do que as do norte. "Isso impulsionou sua
competitividade. As iniciativas de reforma após a crise de endividamento da
zona do euro deram frutos. O mesmo pode ser dito para Grécia, Espanha e
Portugal."
Não há luz à vista no fim do
túnel econômico. Na melhor das hipóteses, estaria surgindo um movimento
ascendente anêmico, comentou o economista-chefe do Commerzbank, Jörg Krämer, à
agência de notícias Reuters: "A profunda crise estrutural do setor, e
as ameaças tarifárias de Donald
Trump estão arrastando tudo para baixo." O
presidente dos EUA também ameaça a Europa com sobretaxas, o que afetaria particularmente a Alemanha, dependente
das exportações.
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Perigo reconhecido, perigo evitado?
"Até agora, não há
sinais de recuperação", confirma Sebastian Dullien, diretor do Instituto
de Macroeconomia e Pesquisa de Ciclos Econômicos (IMK). Ele cita várias razões
para a atual crise da economia alemã, incluindo "a política industrial
agressiva da China, que pressiona as exportações": "Além disso,
as taxas de juros do Banco Central Europeu, que
ainda estão altas, dada a atual situação econômica, estão desacelerando os
investimentos."
Enquanto isso permanece
a esperança de essa tomada de consciência seja o primeiro passo para uma
melhoria. O ministro da Economia alemão, Robert Habeck, parece ter
chegado a essa conclusão. No Fórum Econômico Mundial, afirmou que "de
certa forma, ignoramos o fato de que esta não é uma crise de curto prazo, mas
uma crise estrutural".
Isso é particularmente
evidente na indústria, que enfrenta dificuldades com os altos preços da
eletricidade. O comércio exterior, importante para a Alemanha, enfraquece, e o
clima entre os consumidores está se deteriorando. "Temos que
reinventar nosso modelo de negócios", exigiu Habeck.
·
O que é necessário agora
No entanto, a Comissão Europeia espera uma
ligeira recuperação econômica da zona do euro e um crescimento de 1,3% em 2025.
O Banco Central Europeu, que especialistas acreditam estar próximo de cortar as
taxas de juros, provavelmente tomará novas medidas de redução ao longo do ano.
Gabriel Felbermayr, não
considera incomum o atual equilíbrio de poder entre os países setentrionais e
meridionais. "Às vezes, o norte, forte em indústria, está na liderança, e
outras vezes os países do sul, fortes em serviços. Não é diferente em
outras grandes economias, como os EUA."
Para o chefe da WIFO é
crucial que "o norte impulsione as reformas necessárias para maior
competitividade, mas que o sul não desista": "Também é
importante o mercado interno – que também é um veículo para equilibrar as
regiões individuais – voltar a se fortalecer."
¨ Como economia da Espanha passou a gerar inveja no resto
da Europa
É uma tarde fria de
inverno em Segóvia, na região central da Espanha, e os turistas
estão reunidos aos pés do aqueduto romano da cidade, admirando seus famosos
arcos e tirando selfies.
Muitos dos
visitantes são espanhóis, mas também há pessoas de outros países europeus,
asiáticos e latino-americanos, todos atraídos pelo charme histórico, pela
gastronomia e pela localização dramática de Segóvia, logo após as montanhas ao
norte de Madri.
"Houve um
momento durante a pandemia de covid-19 em que achei
que 'talvez o turismo nunca mais
voltasse a ser como antes'", diz Elena Mirón, uma guia de turismo local
que está prestes a conduzir um grupo pela cidade.
"Mas agora as
coisas estão muito boas, e sinto que este ano vai ser um ano bom, como 2023 e
2024. Estou feliz, porque posso viver desse trabalho que amo."
A Espanha recebeu
um número recorde de 94 milhões de visitantes em 2024 — e agora está competindo
com a França, que recebeu 100 milhões, para ser o maior centro de turismo
estrangeiro do mundo.
E a expansão do
setor de turismo no pós-pandemia é um dos principais motivos pelos quais a
quarta maior economia da zona do
euro tem superado facilmente países como Alemanha, França, Itália e Reino
Unido, registrando um aumento no Produto Interno Bruto (PIB) de 3,2% no ano
passado.
Em contrapartida,
a economia alemã sofreu uma contração de 0,2% em
2024, enquanto a França cresceu 1,1%, a Itália, 0,5%, e o Reino Unido, 0,9%.
Tudo isso ajuda a
explicar por que a revista The Economist classificou a Espanha como a economia
com melhor desempenho do mundo.
"O modelo
espanhol é bem-sucedido porque é um modelo equilibrado, e é isso que garante a
sustentabilidade do crescimento", diz Carlos Cuerpo, ministro da Economia
do governo de coalizão liderado pelos socialistas. Ele ressalta que a Espanha
foi responsável por 40% do crescimento da zona do euro no ano passado.
Embora tenha
ressaltado a importância do turismo, Cuerpo também citou os serviços financeiros,
a tecnologia e o
investimento como fatores que ajudaram a Espanha a se recuperar do abismo em
que se encontrava na pandemia, quando o PIB encolheu 11% em um ano.
"Estamos
saindo da covid-19 sem cicatrizes, modernizando nossa economia e, portanto,
elevando nosso potencial de crescimento do PIB", ele acrescentou.
Este processo de
modernização está sendo auxiliado por fundos do programa Next Generation EU,
voltado para a recuperação econômica do bloco europeu no pós-pandemia. A
Espanha deve receber até 163 bilhões de euros (cerca de R$ 971 bilhões) até
2026, o que a torna a maior beneficiária destes fundos, ao lado da Itália.
A Espanha está
investindo o dinheiro no sistema ferroviário nacional, em zonas de baixas
emissões nas cidades, assim como na indústria de veículos elétricos e em
subsídios para pequenas empresas.
"Os gastos
públicos têm sido altos, e são responsáveis por aproximadamente metade do nosso
crescimento desde a pandemia", afirma María Jesús Valdemoros, professora
de economia da IESE Business School, na Espanha.
Outras grandes
economias europeias tiveram seu crescimento prejudicado por dependerem mais do
que a Espanha da indústria, que, segundo ela, "está sofrendo muito no momento,
devido a fatores como o alto custo da energia, a concorrência da
China e de outros países asiáticos, o custo da transição para um modelo
ambiental mais sustentável e o protecionismo comercial".
Desde a pandemia de
covid-19, outro grande desafio econômico para a Espanha tem sido a crise
do custo de vida desencadeada
por gargalos na cadeia de suprimentos e pela invasão russa na Ucrânia em 2022.
A inflação atingiu o
pico com uma taxa anual de 11% em julho daquele ano, com os preços da energia
atingindo particularmente com força os espanhóis, mas no fim de 2024, ela havia
caído para 2,8%.
Madri acredita que
os subsídios que introduziu para reduzir o custo do consumo de combustível e
incentivar o uso do transporte público foram fundamentais para atenuar o
impacto dos aumentos do preço da energia, assim como vários aumentos do salário
mínimo.
No auge da crise
energética europeia, Espanha e Portugal também negociaram com Bruxelas a
chamada "exceção ibérica", que permite aos dois países limitar o
preço do gás usado para gerar eletricidade a fim de reduzir as contas dos
consumidores.
Cuerpo argumenta
que essas medidas ajudaram a combater a vulnerabilidade tradicional da Espanha
à turbulência econômica.
"A Espanha
está se mostrando mais resiliente a sucessivos choques — incluindo o choque
inflacionário que veio com a guerra na Ucrânia", ele disse. "E acho
que isso faz parte do escudo protetor geral que implementamos para nossos
consumidores e nossas empresas."
A produção de
energia verde do país é vista como outro fator favorável, não apenas para
garantir a eletricidade, mas também para estimular o investimento. A Espanha
tem a segunda maior infraestrutura de energia renovável da União
Europeia.
Isso é uma vantagem
para um país que é o segundo maior produtor de automóveis da Europa, de
acordo com Wayne Griffiths, CEO britânico da Seat e da Cupra. Embora a produção
espanhola de veículos elétricos esteja atrasada em relação ao resto da Europa,
ele vê um enorme potencial nessa área.
"Na Espanha,
temos todos os fatores necessários para o sucesso: pessoas competitivas e bem
qualificadas, além de uma política energética por trás disso", diz ele.
"Não faz sentido fabricar carros com emissão zero se você estiver usando
energia suja."
Apesar destes
aspectos positivos, um ponto fraco de longa data da economia da Espanha tem
sido a taxa de desemprego cronicamente
alta, que é a maior da União Europeia, e quase o dobro da média do bloco. Mas a
situação melhorou no último trimestre de 2024, quando a taxa de desemprego na
Espanha caiu para 10,6%, seu nível mais baixo desde 2008.
Enquanto isso, o
número de pessoas empregadas na Espanha agora é de 22 milhões, um recorde. A
reforma trabalhista, que incentiva a estabilidade no emprego, é vista como um
dos principais motivos para isso.
Esta reforma
aumentou as restrições ao uso de contratos temporários pelas empresas,
favorecendo uma maior flexibilidade no uso de contratos permanentes. E reduziu
o número de trabalhadores em empregos temporários sem prejudicar a geração de
empregos.
Além disso, embora
a chegada de imigrantes tenha gerado
um debate político acirrado, sua absorção no mercado de trabalho é vista por
muitos como crucial para um país com uma população que está envelhecendo
rapidamente.
O primeiro-ministro
socialista, Pedro Sánchez, tem sido franco ao enfatizar a necessidade de
imigrantes, descrevendo sua contribuição para a economia como
"fundamental".
A Comissão Europeia
prevê que a Espanha vai continuar a liderar o crescimento entre as grandes
economias do bloco neste ano, e permanecer à frente da média do bloco europeu.
Mas desafios estão surgindo no horizonte.
A forte dependência
do turismo — e uma crescente reação contra o setor por parte da
população local —
é uma das preocupações.
Outra é a vasta
dívida pública da Espanha, que é maior do que a produção econômica anual do
país.
María Jesús
Valdemoros adverte que este é "um desequilíbrio que precisamos corrigir,
não apenas porque as novas normas fiscais da União Europeia exigem isso, mas
porque pode causar instabilidade financeira".
Além disso, uma
crise habitacional eclodiu em todo o país, deixando milhões de espanhóis com
dificuldade de encontrar moradias a preços
acessíveis.
Com um cenário
político incerto e profundamente polarizado, é difícil para o governo
minoritário de Sánchez lidar com esses problemas. Mas, enquanto tenta resolver
estas questões, a Espanha está aproveitando seu status de motor do crescimento
europeu.
Fonte: DW
Brasil/BBC News Mundo
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