Cargill sinaliza
saída da Moratória da Soja, pacto de proteção à Amazônia
MAIOR
EXPORTADORA de grãos do país, a multinacional de origem norte-americana
Cargill sinaliza em seu último relatório de sustentabilidade que vem deixando
de seguir regras previstas na chamada “Moratória da Soja”. O acordo firmado
entre empresas e ambientalistas impede a compra de soja produzida em qualquer
área desmatada no bioma amazônico após julho de 2008.
O pacto é
considerado um dos principais instrumentos de preservação da floresta,
contribuindo com a redução de 69% na
derrubada de mata nativa até 2022, segundo estimativas do Grupo de Trabalho
da Soja (GTS), composto por ONGs, governo federal, empresas e associações como
a Abiove (Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais), que representa
as tradings agrícolas, incluindo a própria Cargill.
Uma mudança
anunciada em seu mais recente relatório de sustentabilidade, divulgado em
dezembro, mostra que a Cargill está alterando a forma como rastreia a origem da
soja que comercializa. No ano anterior, a companhia havia seguido a data de
corte de 2008, prevista pela moratória, e estimou em 94% o índice de grãos
produzidos em áreas livres de novos desmatamentos.
No último
relatório, porém, a empresa passou a adotar o ano de 2020 como referência. Com
o novo marco, a porcentagem de soja produzida em locais livres de novos
desmatamentos subiu para 99,3%, segundo a Cargill.
Na prática, a
mudança esvazia a principal regra do pacto e afrouxa os mecanismos voluntários
de fiscalização da empresa, abrindo espaço para a compra de grãos cultivados em
terras desmatadas após 2008.
Para Tiago Reis,
especialista em conservação da WWF-Brasil, pode ser estratégico para a empresa
“dar como morto” o pacto. “Ignorando a moratória, a Cargill tem a permissão
para comprar soja de milhões de hectares desmatados após 2008, beneficiando
grandes empresários do setor que pressionam para o fim do acordo”, afirma. A
organização ambientalista é uma das signatárias da moratória como representante
da sociedade civil.
A nova data adotada
pela Cargill não é uma escolha aleatória. Trata-se do novo limite estabelecido
pela lei europeia antidesmatamento (EUDR, o Regulamento da União Europeia sobre
Produtos Livres de Desmatamento), que impede a entrada no mercado europeu de
produtos como soja, carne bovina e madeira provenientes de áreas desmatadas —
legal ou ilegalmente — após dezembro de 2020.
A reportagem
questionou a Cargill sobre a intenção de deixar a Moratória da Soja, além do
motivo de ter alterado a data de corte. Por meio de sua assessoria, a empresa
informou que, por ser “um tema setorial”, a Abiove responderia às perguntas. A
associação, no entanto, não respondeu a questionamentos específicos sobre a
mudança de política da empresa.Parte
<><> STF
julga lei estadual do MT que retira benefícios a signatárias da moratória
A mudança de
posição acontece em meio a uma ofensiva contra a moratória que tem avançado no
Congresso Nacional, em Brasília, e nas assembleias legislativas de estados da
Amazônia Legal.
Nesta semana, o STF
(Supremo Tribunal Federal) deve julgar a constitucionalidade de uma lei estadual aprovada
recentemente no Mato Grosso que, atendendo a produtores locais, impede a
concessão de incentivos fiscais a empresas signatárias do pacto, como a
Cargill. Antes mesmo da decisão final do Supremo, contudo, a multinacional já
acena com o afastamento do compromisso.
Parlamentares
ruralistas e lideranças de sojeiros dizem que as cláusulas do acordo são mais
restritivas do que a legislação ambiental brasileira e defendem a expansão da
área de plantio. Eles alegam que as regras da moratória, que vedam as compras
de áreas desmatadas após julho de 2008, se sobrepõem ao Código Florestal
(2012), que permite que até 20% de uma propriedade rural no bioma amazônico
sejam desmatados para atividades econômicas.
As críticas se
intensificaram ao longo de 2024. Durante uma audiência pública na Câmara dos
Deputados em abril, realizada a pedido da deputada federal Coronel Fernanda
(PL-MT), representantes dos sojeiros demonstraram descontentamento com o pacto.
“Não entendemos porque continuou prevalecendo a moratória após a edição do
Código Florestal”, afirmou Lucas Beber, presidente da Aprosoja-MT (Associação
dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso), durante o evento.
Em nota enviada
à Repórter Brasil, a Abiove reconhece a importância da moratória para a
preservação ambiental, mas afirma que o pacto tem enfrentado “desafios
significativos”, como a aprovação de leis estaduais que retiram benefícios
fiscais das signatárias e a instauração de um inquérito administrativo pelo
Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) por possíveis práticas
anticoncorrenciais.
“As empresas
associadas à Abiove não estão fazendo qualquer pressão sobre a associação. São
as novas legislações estaduais que estão pressionando a Moratória da Soja, para
que esta seja, eventualmente, compelida a realizar mudanças”. A associação
complementa dizendo que entende a posição dos produtores rurais quanto à
necessidade de atualização e que está aberta ao diálogo. Confira aqui a nota
completa.
Antes de o pacto
entrar em vigor, estimativas do Greenpeace apontavam que entre 30% e 40% da
mata nativa amazônica derrubada eram convertidos em plantações de soja. Se as
empresas signatárias adotarem a nova data estipulada pela União Europeia, ao
menos 2,5 milhões de hectares desmatados desde 2009 – área equivalente ao
território de Alagoas – poderiam ser transformados em lavouras.
A estimativa foi
calculada pela Repórter Brasil, considerando as taxas de desmatamento na
Amazônia entre 2009 e 2020, compiladas pelo Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais), e o índice de 30% de conversão para a soja.
A lei europeia
antidesmatamento está prevista para entrar em vigor em 30 de dezembro de 2025.
Porém, uma campanha liderada
por entidades representativas do agronegócio, com apoio do governo brasileiro, tenta derrubar a
implementação da medida.
Para Reis, da WWF,
a lei europeia aborda o desmatamento de florestas de diferentes países, não
sendo exclusiva para a realidade brasileira. Por isso, ele avalia que a norma
não inviabiliza a Moratória da Soja, que foca especificamente na preservação da
região amazônica, mantendo em vigor a data de corte de 2008.
Apesar de ser
reconhecida como importante ferramenta de preservação ambiental, a moratória já
foi desrespeitada em outras ocasiões. Investigações
da Repórter Brasil já revelaram que tanto a Cargill como outras
empresas signatárias compraram soja de produtores com área embargada (de uso
proibido) por órgãos ambientais, mascarando a
verdadeira origem do grão. Conhecida como “lavagem de soja” ou “soja pirata”, a prática se
beneficiava de falhas nos sistemas de controle das empresas.
<><> Mais
de 60 organizações publicam manifesto em defesa da moratória
A criação de leis
estaduais para esvaziar a moratória começou a pipocar em julho. Com o apoio da
Aprosoja, Rondônia foi o primeiro estado a aprovar uma norma que
estabelece critérios para a
concessão de incentivos fiscais e de terrenos públicos para empresas
signatárias do
acordo. O Mato Grosso aprovou em outubro
uma lei semelhante,
seguido pelo Maranhão no início
de 2025. Projetos
de lei que podem derrubar a moratória também estão em discussão no Pará, em
Goiás e na Câmara dos Deputados.
Mais de 60
organizações publicaram um
manifesto criticando
os ataques. Segundo o documento, as leis são inconstitucionais por violarem
princípios de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos.
“Essas leis
estaduais, que restringem incentivos fiscais a empresas signatárias da
Moratória da Soja, penalizando empresas e produtores preocupados com o meio
ambiente, colocam em risco não apenas a preservação da floresta amazônica, mas
também a estabilidade climática e econômica do Brasil, e são alvo de duas ADIs
(ações diretas de inconstitucionalidade) no STF”, afirma o Greenpeace
Brasil em nota.
Em dezembro, o
ministro Flávio Dino suspendeu, em
decisão provisória, a aplicação da lei do Mato Grosso, por entender que
havia o risco de retrocesso ambiental. O magistrado destacou que cada empresa é
livre para estabelecer a sua política de compras e não pode ser punida por
exercer essa liberdade. O STF deve começar a julgar a ação em 14 de fevereiro.
Para o Greenpeace,
além de ajudar no enfrentamento da crise climática, a moratória fortalece a
imagem do agronegócio brasileiro no mercado internacional. “Grandes compradores
já anunciaram metas de adquirir apenas soja livre de desmatamento, acompanhando
tendências globais de sustentabilidade. O enfraquecimento desse compromisso
pode resultar na perda de mercados e na depreciação dos produtos brasileiros”,
pontua a entidade.
¨ MST comemora conquista de novo assentamento
em Cascavel (PR)
No último sábado (8), o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) celebrou a conquista do assentamento de
cerca de 70 famílias da comunidade Resistência Camponesa, localizada em
Cascavel, região oeste do Paraná.
O ato de abertura teve a presença de
lideranças e autoridades locais e estaduais. O almoço teve churrasco oferecido
gratuitamente pela comunidade a todos os participantes. Militantes do MST de
todo o estado participaram da celebração, além de autoridades públicas e religiosas,
locais e estaduais.
Ao longo de 26 anos de existência do
acampamento, a organização local garantiu a melhoria nas condições de vida das
famílias Sem Terra e a estruturação da comunidade. De forma coletiva, os
camponeses/as ergueram barracão comunitário, campo de futebol e igrejas, e
também conquistaram uma agroindústria para comercialização da produção de
mandioca orgânica. Outra conquista é a ampla produção de alimentos, em grande
parte, livres de veneno, e a implantação de uma agrofloresta.
<><> Resistências ao despejo
A luta pela conquista do assentamento
deixou grandes marcas, entre elas a organização de uma vigília às margens da
Rodovia BR 277, próximo à comunidade. Foram 83 dias de “Vigília da Resistência
Camponesa: por Terra, Vida e Dignidade”, mantida também com a participação dos
acampamentos Dorcelina Folador e 1º de Agosto, iniciada em dezembro de 2019.
A ordem de reintegração de posse ameaçou
despejar 212 famílias de três acampamentos, colocando em risco as comunidades
Dorcelina Folador, 1º de Agosto, além da Resistência Camponesa. Ao todo, eram
cerca de 800 pessoas, sendo 250 crianças e 80 idosos. Toda a comunidade se
envolveu na Vigília, a mobilização mostrou a união de companheiros e
companheiras que acreditam na Reforma Agrária Popular e na luta pelo direito à
vida digna.
A Vigília durou até março de 2020, quando
precisou ser interrompida pela pandemia de Covid-19. Durante a pandemia, as
famílias acampadas se somaram às ações de solidariedade do MST que doaram
alimentos para quem enfrentava a fome naquele período de crise sanitária.
<><> Marco da fundação
nacional do MST
Cascavel é uma cidade simbólica para o
MST. Em janeiro de 1984, mais de 100 lideranças de trabalhadoras(es) rurais, de
12 estados brasileiros, se reuniram no 1º Encontro Nacional do Movimento. A
atividade aconteceu no Seminário Diocesano de Cascavel, no oeste do Paraná.
José Damasceno, membro da Coordenação
Nacional do MST e morador do assentamento Dorcelina Folador, destaca: “Essa
conquista vem como um reconhecimento da história por esses quarenta e um anos
de luta, exatamente em Cascavel”. Ele ainda ressalta, “é como se fosse um
presente da história para aquelas famílias que também já estavam lutando há
tantos anos”
“A gente pode dizer que está pisando em
território sagrado, da nossa conquista. Recebemos muito apoio de pessoas que
moram perto, da sociedade, e agora é hora de comemorar”, completa Angela
Gonçalves, moradora da comunidade.
Além de comemorar a conquista da
comunidade, o MST também cobra a efetivação de assentamentos de mais de 80
áreas da Reforma Agrária no Paraná, onde mais de 7 mil famílias seguem em
luta. –
¨ Governo atuou para Petrobras destravar
licenciamento da foz do rio Amazonas
Segue a pressão de setores do governo federal,
inclusive da Presidência da República, para a liberação da licença ambiental
para a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Segundo a Folha, o Palácio do
Planalto intercedeu junto à Petrobras, responsável pelo empreendimento, para a
construção de uma base de resgate de animais eventualmente atingidos em caso de
vazamento. Esse é um dos problemas apontados por técnicos
do IBAMA em parecer contrário ao licenciamento em outubro passado.
Inicialmente, a estatal previa a utilização de uma
estrutura já existente em Belém (PA), a 830 km de distância do ponto de
extração, na costa do Amapá, como posto de segurança, ao menos durante o
período de estudos de viabilidade. No entanto, uma recomendação da Casa Civil
da Presidência da República fez a direção da empresa mudar de ideia e iniciar,
ainda em 2024, a construção de um novo posto de segurança mais próximo da área
de exploração, em Oiapoque (AP).
Além da construção da nova base, a Petrobras também
antecipou a realização de treinamentos em campo para o resgate de animais, como
exercícios práticos para locomoção por áreas de lama, característica da costa
local. A petroleira também já levou para os rios em Oiapoque embarcações
adaptadas para a coleta de animais que venham a ser impactados por óleo em caso
de vazamento. A notícia também é da Folha.
A pressão sobre o IBAMA para a aprovação do
licenciamento ambiental na foz do Amazonas se intensificou nas últimas semanas.
Recentemente, o próprio presidente Lula reiterou a defesa do
empreendimento, sob a justificativa furada de que os recursos da exploração de
petróleo nessa região “financiarão” a transição energética no Brasil. A fala do
presidente foi duramente criticada por
ambientalistas, indígenas e quilombolas, que apontaram a contradição nítida de
defender energia suja para financiar fontes renováveis.
Em entrevista à Agência Pública, a ministra Marina
Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) voltou a dizer que a decisão em torno
do licenciamento ambiental para a foz do Amazonas será “técnica”, a ser tomada
dentro do rito legal, e negou estar sendo pressionada por Lula.
“Nunca recebi do presidente Lula, dirigido a mim,
qualquer tipo de pressão dessa natureza. O que ele sempre diz é que ele quer
que se respeite a legislação ambiental e que se procure resolver o problema da
infraestrutura, dos investimentos”, disse Marina.
Apesar do esforço “equilibrista” de Marina, a pressão
do governo federal pelo licenciamento existe e os setores mais entusiastas do
projeto não têm qualquer vergonha de utilizar argumentos referentes à crise
climática – causada, vale ressaltar, pela queima de combustíveis fósseis – para
defender a exploração de petróleo. Essa argumentação ignora o que deveria ser
central para essa discussão: como resolveremos um problema se seguirmos
apostando em ações que o intensificarão no futuro?
“Se houver mesmo todo o petróleo que se imagina na
região e ele for explorado, vai ser uma bomba de emissões de gases de efeito
estufa em um planeta que precisa urgentemente freá-las”, observou certeiramente
Giovana Girardi na Agência Pública. “A abertura de
uma nova fronteira de exploração de petróleo – e o consequente aumento da
oferta e do consumo de combustível – vai colocar mais gasolina na fogueira que
já está deixando a Terra cada vez mais quente”.
Fonte: Repórter
Brasil/ClimaInfo
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