Estilo de vida na
Europa seria posto em causa se justiça econômica fosse tomada a sério, diz
Sergio Bastianel
Nascido em 1944,
em Collalto (província de Treviso, norte de Itália), Sergio Bastianel foi padre
jesuíta desde os 28 anos, depois de ter entrado na Companhia de Jesus aos 21,
em 1965. Desde 1981, leccionou teologia moral na Faculdade de Teologia da
Universidade Pontifícia Gregoriana, uma das instituições de ensino superior
dependentes do Vaticano, da qual chegou a ser diretor e onde se tinha
doutorado, em 1980. Passou a professor emérito da Gregoriana em 2010, depois de
ter dirigido um curso de formação ética para médicos e gestores de serviços de
saúde. Morreu nesta quinta-feira, 6, em Itália.
Bastianel começara
por ensinar em Nápoles, na Faculdade Pontifícia San Luigi, do Sul de Itália, em
1979. Ali regressou a partir de 2010, e até 2016. Neste ano, passou a diretor
do Antonianum – Centro inaciano de cultura e formação, de Pádua e, em
2018-19, foi ainda formador do corpo docente da Faculdade Teológica do Triveneto,
em Pádua.
Na pregação
habitual da Igreja, dizia nesta entrevista de Março de 2001 (publicada
no Público), há uma desproporção no peso dado às questões da moral
privada, como o aborto, e às de justiça social. E acrescentava que “o estilo de
vida contemporâneo na Europa seria seriamente posto em causa se a justiça
econômica internacional fosse tomada a sério”.
Entre as suas obras
mais importantes, algumas delas traduzidas em outras línguas, estão Il
carattere specifico della morale Cristiana (Citadella, 1975); Autonomia
morale del credente (Morcelliana, 1980), Vita morale nella fede in
Gesù Cristo (San Paolo, 2005); Moralità personale nella
storia (Gregoriana, 2005). Este último foi publicado em Portugal pelas
edições da Cáritas Portuguesa. A mesma editora publicou Entre
Possibilidades e Limites, por si coordenado, com textos de Donatella
Abignente, José Manuel Pereira de Almeida, Paolo Benanti e Miguel
Yanez, entre outros.
Na sua página
pessoal na internet, escreveu em Novembro de 2020 – estávamos ainda em
pandemia: “Pobre e abandonado por todos, és amado por Deus./ Moribundo, estás
nas mãos de Deus como quando nasceste./ Pecador, por ti Cristo morreu./ Tu,
quem quer que sejas, Deus quer-te com ele, vivendo em plenitude./ Tu, quem quer
que sejas, deixa que Deus te ame no teu viver e no teu morrer./ Como és amado
por ele, no viver e no morrer de Jesus, o Senhor.”
<><> Eis
a entrevista.
·
Estamos
perante uma crise da moral, dos valores, da Igreja, da cultura ou de tudo
junto?
Pode dizer-se que é
tudo junto. Mas na história ocidental, cada 50 anos, há sempre quem diga:
“Nunca o mundo esteve pior que agora.” Vivemos dificuldades, diferentes das
anteriores, que talvez estejam ligadas a fenômenos culturais: nunca como agora
se tinha dado um real encontro entre culturas diferentes.
Na Europa, o
pluralismo e a diversidade são afirmados a partir de perspectivas diversas de
valores ou de significados no campo ético. Seja sobre aspectos particulares,
seja sobre a própria hierarquia dos valores. Esta é uma situação inédita. Por
isso, o diálogo é a única via, apesar das dificuldades.
·
Não
estamos, então, na pior época histórica de sempre?
Não. Se olharmos
para trás, encontramos inimizades e lutas. Hoje também há fenómenos de
violência que, por causa das possibilidades modernas, são enormes. Mas há uma
consciência difusa da dignidade da pessoa, dos valores humanos, dos direitos
humanos. É verdade que uma coisa é afirmar, outra é viver. Mas também é verdade
que essa consciência vai crescendo, ajudada pelo confronto de diversas
tradições e culturas.
·
A
liberdade e a consciência individual estão, muitas vezes, em confronto com as
(im)posições da Igreja, em questões como o aborto ou a eutanásia. Como se faz a
síntese entre a liberdade e a doutrina da Igreja?
O problema não é
tanto a autoridade, mas a eficácia da transmissão dos valores. O contexto de
crise de valores – com entendimentos diferentes mesmo do ponto de vista da
compreensão – já não é o de há 40 anos, quando nem todos viviam segundo os
princípios, mas estes eram reconhecidos como tal.
O problema é
possibilitar que as pessoas entendam as razões da afirmação de determinado
valor. Isto representa um desafio à transmissão ética porque deve ser a própria
pessoa a entender a razão e assumi-la. É aqui que entra a liberdade.
A transmissão de
valores não é automaticamente eficaz. Posso fazer um discurso correto, mas o
interlocutor não o entender. No plano ético, é importante que o outro
entenda.
·
É
só um problema de método?
Para transmitir
eficazmente, no plano ético, determinado valor, é preciso que a própria
transmissão seja eticamente correta. Não me posso impor ao outro. O meu
objetivo é que ele compreenda, em consciência. E, depois, que compreenda aquilo
de que estou convencido. Joga-se nisto a liberdade e a consciência do outro,
que não depende de mim. A fragilidade da transmissão dos valores pode ser a sua
grandiosidade.
·
Quando
o Papa contesta o aborto, a mensagem é repetida até ao infinito. Mas se diz que
a miséria é inadmissível, já não é escutada com a mesma força. Há mais atenção
às questões de moral privada ou é o mesmo problema de método?
O Papa diz “não” ao
aborto, mas apresenta também algumas razões e seria importante dar atenção a
essas razões, estando ou não de acordo. Diz-se muitas vezes o que ele diz, mas
não porque o diz, como sendo apenas o que é permitido e o que não é permitido.
Isso é um impedimento à compreensão das mensagens, incluindo a mensagem do
Papa.
É mais cômodo não
enfrentar as questões que não nos tocam diretamente. Há uma mentalidade que
tende a desvalorizar alguns problemas e a fazer emergir outros.
Dentro da Igreja,
na pregação habitual, mantém-se uma desproporção entre o peso que se dá a
alguns problemas como o aborto, e aquele que se dá a questões de justiça
social. Fora da Igreja, há um problema análogo: o estilo de vida contemporâneo
na Europa seria seriamente posto em causa se a justiça económica internacional
fosse tomada a sério.
·
Questões
de moral social são mais importantes que as relativas à moral privada? Se se
pode falar em hierarquia de valores, a miséria é mais grave que o aborto?
Considerando-as
exteriormente, diria que sim, se olharmos às consequências de determinado
comportamento. Se olhar ao que sucede dentro de uma determinada cultura, então
as coisas relacionam-se. É o problema dos critérios com que se decide a própria
vida. É verdade que hoje se põem em contraste determinados valores que, no
plano social, têm uma importância, e no plano individual, uma outra. Por
exemplo: o tema da vida humana tem um subtema, o aborto, e outro diferente, o
da miséria e da fome de muitas crianças.
Estas são as
contradições do nosso tempo. Se somos, sobre um valor importante como a vida,
tendencialmente indiferentes num ponto de vista, é difícil que em outras
ocasiões estejamos atentos. Nós agimos com os mesmos critérios de escolha. A
atenção às questões éticas no plano social talvez fosse mais sólida e mais
lúcida se houvesse mais atenção aos problemas da vida pessoal. E
vice-versa.
Há exegetas da
Bíblia que sustentam, por exemplo, que o pecado de Sodoma afinal não é a
homossexualidade, mas o de não acolher o estrangeiro. Os novos conhecimentos bíblicos
podem mudar o olhar da Igreja sobre as questões morais?
Pode influir. A
consciência do texto passa através de instrumentos de leitura do texto antigo.
Há a leitura de fé, claro, mas a mensagem real de um determinado texto supõe a
análise literária – incluindo no exemplo de Sodoma. A mudança de
compreensão de um texto pode dizer qualquer coisa diferente, mas não
automaticamente. Na teologia moral cristã, a compreensão nunca depende apenas
da Escritura. Mas pode acontecer que a mudança de compreensão de textos da
Escritura influa no modo de abordar um problema.
No texto que
referiu, fala-se de um pecado que é o da não hospitalidade, uma transgressão de
uma regra antiquíssima, e muito importante, em Israel. O que não quer dizer que
a homossexualidade seja aprovada. Talvez não resulte de um modo tão primário,
tão forte, a condenação deste comportamento, que não constituiu um problema
urgente no Novo Testamento.
·
Peço-lhe
que me diga uma curta frase sobre como olha para a atitude da moral cristã
perante alguns temas:
# Aborto.
- Em si, é um mal
moral, mas deve haver atenção às condições reais em que as pessoas vivem.
# Operações de
bolsa
- É um jogo de
sorte da parte de quem pode permitir-se fazê-lo; e as pessoas fazem-no,
fazendo-o pagar aos outros. Do que compreendo, é moralmente não legitimável.
# Clonagem humana
- Não vejo a
possibilidade de pensar na sua licitude.
# Comércio de armas
- No plano dos
costumes sociais, é um dos crimes mais graves. Tanto mais que muitas vezes
contém fachadas de intervenção humanitária.
# Eutanásia
- Em sentido
estrito, é indubitavelmente um mal e não vejo como, mesmo individualmente, se
pode decidir sobre a própria vida. Quando falamos de bem comum, deve
recordar-se que a existência pessoal não é uma coisa simplesmente privada.
# Fome e miséria
- Há um imperativo
que atravessa toda a tradição da Igreja, ainda que estejamos em presença de
enormes contradições: está ligado ao tema bíblico da terra. A terra e as
possibilidades da existência concreta são dadas à família humana e não aos
indivíduos. O fato de existir miséria significa que há quem não usa
corretamente os bens.
# Homossexualidade
- Não vejo como
possa ser legitimada a homossexualidade ativa. Também aqui, há outra questão,
que é a de olhar para a responsabilidade das pessoas, a fim de as compreender.
# Planejamento
familiar
- A
responsabilidade de uma vida de casal que esteja orientada para o serviço da
vida e que implica a responsabilidade de decidir.
# Propriedade da
terra
- Não há nenhum
elemento teológico que permita interpretar que a posse privada seja o
princípio. É um instrumento, uma via para a justiça social.
# Racismo
- O imperativo
primeiro é a fraternidade. Não há nenhuma justificação para o racismo.
¨ Sinais de
nova mobilização para a Ucrânia alarmam russos
A fim de "aprimorar o
treinamento de combate dos reservistas", o presidente russo, Vladimir Putin assinou um
decreto sobre a organização dos treinamentos militares em 2025. As convocações
podem ser emitidas para militares da reserva com até 50 anos de
idade; oficiais não comissionados com até 60 anos; altos oficiais com
até 65 anos; e os de patente ainda mais alta com até 70 anos.
Tais exercícios são
realizados todos os anos na Rússia, mas desde o início da guerra contra a Ucrânia, há três
anos, eles têm sido cada vez mais prolongados. Além disso, a idade máxima dos
recrutas e a multa por não comparecer ao treinamento militar foram aumentadas
para 30 mil rublos (cerca de R$ 1.800).
Em meio a isso tudo, a
discussão nas redes sociais russas é sobre por que os exercícios de defesa
estão sendo programados tão cedo. Em 2024, Putin havia ordenado que ocorressem
em março e, em 2023, em maio. O
debate também gira em torno de duas disposições secretas do decreto, marcadas
com a observação: "Apenas para uso oficial". "Devemos contar com
uma nova mobilização?", pergunta um usuário da rede russa Vkontakte.
"Agora muitos vão deixar o país de novo"
acrescenta outro.
<><> De
exercícios militares para a guerra na Ucrânia?
A lei russa prevê que as
pessoas passem por um exercício militar de cerca de dois meses e que treinem o
uso de armas e equipamentos militares. Antes da guerra contra a Ucrânia, esses
exercícios eram apenas de natureza formal. Embora fossem obrigatórios,
pouquíssimas pessoas participavam deles. Aqueles que os ignoravam tinham no
máximo que contar com uma multa de 500 rublos (R$ 30).
Desde 2022, exercícios
militares são realizados durante todo o ano, explica Artyom Klyga, advogado do
Movimento de Objetores de Consciência da Rússia. "Na verdade, pode-se
dizer até que os treinamentos militares ordenados no ano passado ainda estão em
andamento", diz ele em entrevista à DW. Isso pode estar relacionado à
"necessidade de pessoas" em vista da "crescente exaustão do
exército russo".
De acordo com Klyga, um
exercício de defesa oferece uma oportunidade adicional para recrutar soldados
para a guerra contra a Ucrânia, já que durante o treinamento, é mais fácil
"forçar alguém a assinar um tratado por meio de isolamento, engodo ou até
mesmo ameaças".
O advogado explica
que os treinamentos também servem para conceder patentes mais altas e
melhorar as especializações, permitindo um planejamento mais preciso da
mobilização. Além disso, os russos são atraídos para os escritórios de
alistamento para "comparação de dados". Os reservistas podem ser
processados se comparecerem a um exercício e depois simplesmente forem embora.
"Antes de um exame
médico no escritório de recrutamento, é possível deixar o país sem
hesitar", enfatiza o ativista, salientando que ainda não há proibição de
saída. Mas ele ressalva que isso pode sim acontecer quando o registro central
digital para recrutamento, que está sendo criado atualmente, estiver totalmente
funcional.
<><> O que está
por trás do decreto de Putin?
As disposições secretas
geralmente especificam o número de recrutas e as tarefas planejadas nas
regiões, explica o ex-parlamentar da Duma, Yevgeny Stupin. Tais informações
podem ser usadas para identificar as metas e os objetivos do Ministério da
Defesa da Rússia.
Stupin adverte contra
confiar demais nas garantias das autoridades russas de que, de acordo com a
lei, ninguém pode ser enviado para a guerra a partir de um exercício de defesa.
O político aponta para um trecho do decreto que permite que os reservistas
sirvam na Guarda Nacional e no serviço de inteligência doméstica do FSB.
"Gostaria de lembrar
que a Guarda Nacional é uma força de aplicação da lei nos territórios da
Ucrânia ocupados pelo exército russo e que o pessoal do FSB guarda as
fronteiras e está frequentemente envolvido em batalhas com as forças armadas
ucranianas nas regiões de Kursk e Belgorod."
Artyom Klyga também aponta
que os reservistas poderiam ser enviados tanto para as regiões de Kursk e Belgorod,
como para os territórios ocupados pela Rússia, para serviço ou treinamento com
a Guarda Nacional ou o FSB. "A lei não proíbe isso, não há obstáculos
legais, mas ainda não registramos nenhum caso", diz o ativista de direitos
humanos.
O movimento Idite
Lesom (Vá pela floresta), uma organização sediada na Geórgia que ajuda
desertores russos, tampouco não soube de homens enviados para a guerra a partir
de treinamentos militares. Mas aconselha que ninguém tente descobrir por si
mesmo: "É melhor ignorar tal convocação."
<><> Planos
russos para uma guerra contra a Otan?
As autoridades russas
enfatizam que não há planos para uma nova mobilização e que a expansão do
exército acontece de maneira informal. Andrei Kartapolov, membro do Comitê de
Defesa da Duma, disse à agência de notícias russa Tass que cerca de mil homens
se apresentam todos os dias aos escritórios de recrutamento e assinam contratos
de maneira voluntária. Ele enfatizou que o exército russo estava
"avançando em dezenas de frentes todos os dias".
O exército russo está de
fato avançando no leste da Ucrânia, mas a intensidade tem diminuído, diz Ruslan
Leviev, fundador da organização investigativa independente Conflict
Intelligence Team. O ativista da oposição explica que, embora o exército russo
seja capaz de reabastecer suas fileiras com soldados, ele não pode simplesmente
compensar a escassez de oficiais.
Ao mesmo tempo, cada vez
mais vozes pedem na Duma que sejam feitos preparativos para uma guerra contra o
"Ocidente coletivo". Isso aconteceria, como disse o primeiro
vice-presidente do comitê de defesa da Duma, Alexei Zhuravlyov, ao portal russo
Absatz.media, se os países ocidentais entrassem na guerra. Shuravlyov acredita
que a Rússia deve reabastecer suas reservas de mobilização e se preparar para
tal situação.
Mas de acordo com o
ex-deputado Yevgeny Stupin, de Moscou, os exercícios atuais não devem servir de
alerta para o Ocidente. Antes disso, ele acredita que Putin esteja é tentando
obter resultados rápidos na frente de batalha: "É por isso que ele
tem acelerado o recrutamento de soldados regulares, não deixando os mobilizados
irem embora e também usando reservistas."
Fonte:7Margens/DW Brasil
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