O futuro da curiosa
relação entre Donald Trump e Kim Jong Un
As câmeras tiveram
dificuldade de conseguir uma tomada estável enquanto Donald Trump dava seus
primeiros passos históricos em território inimigo com Kim Jong Un. Era 2019, e o
então 45º presidente dos Estados Unidos deu um
tapinha no braço do líder norte-coreano e, como se fosse combinado, Kim o
conduziu pela fronteira que separa seu país da Coreia do Sul — duas nações
oficialmente ainda em guerra.
Atrás deles, dentro
da fortemente protegida Zona Desmilitarizada (DMZ), a situação era caótica, à
medida que as equipes de TV se acotovelavam para conseguir uma visão clara por
entre os guarda-costas norte-coreanos enfileirados, que pareciam surpresos com
a investida da mídia americana.
Em determinado
momento, um repórter pediu ajuda, e o secretário de imprensa da Casa Branca
teve que puxá-lo de trás da fila de seguranças para a sessão de fotos com Trump
e Kim.
Este encontro havia
sido organizado às pressas — e isso ficou evidente.
"Nunca esperei
encontrá-lo neste lugar", disse Kim a Trump.
O presidente dos
EUA havia organizado o encontro de última hora no Twitter, como a plataforma
era conhecida na época, somente 30 horas antes, quando sugeriu encontrar o
presidente Kim na DMZ "apenas para apertar sua mão e dizer Olá(?)!"
O convite de
improviso foi o terceiro e último encontro entre um presidente showman e um
ditador outrora recluso.
Agora, parece que
pode haver mais. Trump disse ao apresentador da Fox News, Sean Hannity, em
entrevista transmitida na última quinta-feira (23/1), que ele "vai entrar
em contato" novamente com Kim.
"Eu me dei bem
com ele", acrescentou Trump. "Ele não é um fanático religioso. É um
cara inteligente."
A BBC entende que
houve muito pouco contato entre os EUA e a Coreia do
Norte nos
últimos quatro anos durante o governo de Joe Biden. Washington enviou
mensagens, mas não houve resposta de Pyongyang.
A última reunião
entre os dois países, quando Trump estava em seu primeiro mandato, não avançou
no tão aguardado acordo para levar a Coreia do Norte a abrir mão de seu bem
mais precioso — suas armas nucleares.
Desde então, Kim
avançou no desenvolvimento do seu programa de mísseis, e afirma ter testado com
sucesso um míssil hipersônico, apesar de estar sujeito a rigorosas sanções
internacionais.
Isso está muito
distante de quando Trump costumava se gabar de que os dois "se
apaixonaram".
A questão é: será
que a chama do relacionamento dos dois pode reacender ou, desta vez, o cenário será
bem diferente?
Afinal de contas,
Washington vai estar lidando com um Kim muito diferente agora. Nos últimos
quatro anos, suas alianças e sorte mudaram — e seu relacionamento com outro
líder mundial também parece ter se fortalecido.
Será, então, que isso
significa que sua dinâmica com Trump mudou para sempre?
·
Será
que a relação pode ser retomada?
"É
definitivamente uma possibilidade", diz Jenny Town, pesquisadora do
Stimson Center e diretora do Programa Coreano do think tank.
"Você pode
dizer isso pela decisão de Donald Trump de nomear um enviado especial para
questões delicadas que incluem a Coreia do Norte, acho que isso nos dá uma
indicação de onde está o pensamento dele sobre isso no momento."
Trump trouxe de
volta algumas das pessoas que ajudaram a organizar suas cúpulas com Kim,
incluindo o ex-embaixador na Alemanha, Richard Grenell, que foi escolhido como
enviado presidencial para missões especiais em "alguns dos pontos mais
tensos" do planeta, incluindo a Coreia do Norte.
Mas houve mudanças
nos anos seguintes.
"A Coreia do
Norte vai passar o primeiro ano tentando provar a Trump que Kim Jong Un não é
quem era em 2017 — que ele é militarmente mais forte, que é politicamente mais
forte, e que, se eles voltarem a esse ponto, será uma negociação muito diferente",
argumenta Town.
Kim também está
abraçando um novo amigo — o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Ele ajudou a Coreia
do Norte com alimentos e combustível em troca de armas e soldados para seu
esforço de guerra na Ucrânia. Pyongyang não
está mais tão desesperada pelo alívio das sanções dos EUA.
Coreia do Norte
'preparou' população para Trump
Rachel Minyoung
Lee, que trabalhou como analista de mídia norte-coreana para o governo dos EUA,
disse à BBC que Pyongyang "preparou" seu povo, informando na imprensa
estatal sobre o retorno de Donald Trump.
Mas ela acredita
que "o patamar para iniciar as negociações será mais alto do que
antes".
"Duas coisas
vão ter que acontecer", ela acrescentou. "A Coreia do Norte ficar
desesperada o suficiente para voltar à mesa de negociações, por exemplo, devido
a uma economia em ruínas ou
a um esfriamento significativo das suas relações com a Rússia; ou os Estados
Unidos fazerem uma oferta à Coreia do Norte que é drasticamente diferente do
que fizeram no passado."
Trump gerou
especulações de que está disposto a retomar as negociações com Kim durante uma
recente cerimônia de assinatura no Salão Oval, quando disse: "Eu era muito
amistoso com ele. Ele gostou de mim. Eu gostei dele. Nos demos muito bem".
Mas o governo Trump
deve ser realista desta vez, diz Sydney Seiler, que até o ano passado era o
oficial de inteligência nacional para a Coreia do Norte no Conselho Nacional de
Inteligência dos EUA.
"A questão do
controle de armas é uma distração. Não há controle de armas para a Coreia do
Norte. Já tentamos o controle de armas", ele disse.
"Talvez a
Coreia do Norte sente e negocie, e talvez se abstenha de lançar mísseis de
longo alcance, e não realize um sétimo teste nuclear, e a questão seja
amplamente administrável. Esse é o melhor cenário possível."
"O pior
cenário é que, mesmo que você negocie, eles continuem a fazer lançamentos,
continuem a fazer testes. Então, Donald Trump teria que considerar: qual é o
valor de envolver a Coreia do Norte?"
Especialmente
porque ambos saíram com cicatrizes significativas do seu último encontro.
·
Selfies,
poses para fotos e almoço cancelado
Assisti aos Jogos
Olímpicos de Inverno de 2018 em Pyeongchang, na Coreia do Sul, com uma
convidada inesperada: sentada abaixo de mim, estava a irmã de Kim.
Foi a primeira vez
que um membro da família Kim visitou o Sul desde o fim da Guerra da Coreia, uma
visita que provocou um grito de surpresa do meu produtor sul-coreano. Sentado
perto dela na arquibancada, estava o então vice-presidente dos EUA, Mike Pence.
Pelo que observei,
eles mal conseguiam se olhar. Mas, ainda assim, foi um passo extraordinário
para a diplomacia, algo que seria inimaginável alguns meses antes.
Quando Trump
assumiu a presidência em janeiro de 2017, ele havia sido avisado sobre a Coreia
do Norte. Os três últimos presidentes haviam tentado, sem sucesso, pressionar o
Estado a desistir de suas armas nucleares, após várias rodadas de negociações e
sanções.
Após a posse de
Trump, Kim disparou um míssil quase todo mês.
O presidente usou o
Twitter para expressar sua ira, ameaçando fazer chover "fogo e fúria"
sobre a Coreia do Norte. Ele apelidou Kim de "pequeno homem-foguete"
e, em contrapartida, Pyongyang chamou Trump de "dotard", que
significa "idoso com deficiências físicas e mentais".
Na sequência,
vieram as ameaças de apertar os botões nucleares, primeiro de Pyongyang e
depois de Washington.
Trump escreveu no
Twitter que ele também tinha um botão nuclear, "mas é muito maior e mais
poderoso do que o dele, e meu botão funciona!"
Depois de um ano de
trocas de insultos e provocações que fizeram com que alguns em Seul se
perguntassem se deveriam se preparar para uma guerra, tudo mudou.
O então presidente
liberal sul-coreano, Moon Jae-in, esperava quebrar o gelo com Pyongyang. Ele
nasceu em um campo de refugiados depois que seus pais fugiram da guerra no
Norte. Ele havia até visitado sua tia lá em um raro intercâmbio familiar entre
os dois países.
Quando Pyongyang
abriu uma fresta da porta e perguntou: a Coreia do Norte poderia participar dos
Jogos Olímpicos de Inverno? Seul, liderada por Moon, abriu completamente as
portas.
Trump chegou a
Singapura para sua cúpula com Kim prometendo fazer história.
O líder
norte-coreano deu um passeio noturno pelo centro da cidade e tirou selfies como
se estivesse em uma noitada com os amigos. Ele mal tinha viajado para fora de
suas próprias fronteiras, mas estava provando que também sabia como dar um
espetáculo.
Mas mesmo depois do
tão fotografado aperto de mão com Trump, esta forma de diplomacia, agora muito
pessoal, rendeu muito pouco em termos de promessas concretas de desarmamento da
Coreia do Norte.
Ambos assinaram uma
declaração vagamente redigida para trabalhar em prol da desnuclearização, e
prometeram se reunir novamente.
Havia muito mais
coisa em jogo no segundo encontro entre Trump e Kim no Vietnã. As poses para
fotos não seriam mais suficientes para um presidente americano que se gabava da
sua capacidade de fazer acordos.
Esperamos por horas
nas ruas úmidas de Hanói, do lado de fora dos portões do Metropole Hotel, em
estilo colonial francês, onde inicialmente nos disseram que os dois estavam
almoçando.
Mas acabou que o
almoço havia sido cancelado.
·
Apostas
que não deram certo
A BBC conversou com
três pessoas que participaram da cúpula para entender o que deu errado. Parece
que ambos os líderes podem ter superestimado as cartas que tinham nas mãos.
Trump se ofereceu
para suspender as sanções dos EUA contra a Coreia do Norte se Kim abrisse mão
de todas as suas armas nucleares, materiais nucleares e instalações nucleares.
O presidente teria
sido avisado de que o Norte já havia recusado esse acordo no passado, mas ele
sentiu que seu relacionamento pessoal com o líder norte-coreano o ajudaria a
ser bem-sucedido.
Isso não aconteceu.
Kim apostou que
Trump aceitaria um acordo mais modesto. E também achou que o relacionamento
pessoal dos dois permitiria a ele prevalecer. Ele se ofereceu para desmantelar
seu antigo complexo nuclear de Yongbyon, em troca do fim de todas as sanções
dos EUA desde 2016.
"Singapura
havia dado a Kim Jong Un algum prestígio e a crença de que, finalmente, os
Estados Unidos estão caindo em si e negociando comigo nos meus próprios
termos", diz Seiler.
"Ele foi para
a mesa de negociações na expectativa, porque havia sido guiado, a gente sabe,
discretamente, pelos sul-coreanos que diziam: Donald Trump está politicamente
desesperado, ele não está mais ouvindo John Bolton, ele está disposto a
concordar com um acordo que coloca uma pequena parte de seu programa nuclear na
mesa, em troca do alívio das sanções."
Mas o presidente
também foi orientado. Ele foi informado de que o Norte ainda poderia produzir
urânio em um centro de enriquecimento próximo a Pyongyang. Os EUA disseram que
vinham monitorando outros locais que o Norte acreditava ter mantido em segredo
por algum tempo.
"Acho que eles
ficaram surpresos por sabermos", declarou Trump mais tarde.
O acordo oferecido
por Kim não era insignificante, mas não era bom o suficiente para o presidente
americano. "Kim Jong Un chegou à mesa de negociações, e não tinha um plano
B", explica Seiler.
"Então, quando
Donald Trump diz que 'temos que fazer mais do que isso', Kim Jong Un permanece
totalmente inflexível."
·
Kim
tentou salvar o acordo?
A BBC entende, com
base em suas fontes, que Kim tentou salvar o acordo. Ele enviou um assessor
para lembrar a Washington o que estava em jogo, e que eles desmantelariam toda
a usina de Yongbyon.
Mas Trump já estava
a caminho do aeroporto.
"A história de
Hanói precisa ser bem contada", observa Seiler. "A visão geral é que
Donald Trump saiu da sala. Era um acordo do tipo tudo ou nada, e quando Kim
Jong Un não estava disposto a colocar tudo na mesa, Donald Trump saiu. Esta é
uma avaliação muito simplista do que aconteceu em Hanói."
Enquanto Trump
voava de volta para Washington, os norte-coreanos deram o passo sem precedentes
de realizar uma coletiva de imprensa. O ministro das Relações Exteriores, Ri
Yong Ho, disse aos jornalistas que esta oportunidade talvez nunca mais se
repetiria.
Até o momento, não
se repetiu, e Kim pode pensar duas vezes antes de participar novamente de
negociações.
"Definitivamente,
havia uma oportunidade ali", diz Jenny Town.
"Na verdade,
Kim Jong Un havia criado uma expectativa interna na Coreia do Norte de que eles
estavam à beira de um avanço, e que isso traria benefícios."
"Se pudéssemos
ter aproveitado aquele momento, poderíamos estar em um caminho muito diferente.
Iríamos conseguir a desnuclearização facilmente? Com certeza não. Mas será que
estaríamos em uma posição muito diferente em termos de tensões na Península da
Coreia, e até onde a Coreia do Norte chegou em seu desenvolvimento nuclear?
Talvez. Obviamente, nunca vamos saber, mas definitivamente havia uma vontade
que não existe agora."
A diplomacia pouco
ortodoxa de Trump reduziu as tensões durante algum tempo, mas não impediu a
expansão do programa de armas de Pyongyang.
Seus 20 passos no
território norte-coreano também podem ter legitimado um regime com um dos
piores históricos de direitos humanos do planeta.
Mas depois de três
encontros, parecia haver uma conexão entre Donald Trump e Kim Jong Un que
oferecia alguma esperança de que um dia haveria paz na Península da Coreia.
Fonte: BBC News
Mundo
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