Educação
indígena: entenda a disputa entre o governo do Pará e manifestantes
Indígenas dizem que mudança na lei abre brecha para
redução do ensino presencial em aldeias. Governo nega, e se comprometeu a
voltar atrás. Manifestantes ocupam Secretaria da Educação há quase um mês, e
Justiça mandou o governador apagar vídeo com informações falsas.
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O Governo do Pará e
indígenas de várias etnias travam uma disputa em relação ao modelo de aulas. De
um lado, os indígenas ocuparam o prédio da Secretaria de Educação (Seduc),
em Belém, contra uma lei
que abre brecha para redução do ensino presencial em aldeias e pedindo a
revogação. Do outro, o governo iniciou processo para implementar teleaulas
mudando a legislação estadual, mas recuou.
Enquanto afirmava
costurar acordos com lideranças indígenas, o governador Helder Barbalho (MDB) publicou um vídeo nas redes sociais
dizendo que “as demandas apresentadas foram atendidas” e que os manifestantes
estariam impedindo que os servidores acessem para trabalhar e danificando a
estrutura da secretaria. A Justiça determinou que o vídeo fosse apagado por
considerar falsas essas afirmações.
A ocupação de quase
um mês na Seduc vem recebendo apoio de artistas como Anitta,
Alok e a atriz Dira Paes pedindo a revogação da medida. A ministra dos
Povos Indígenas, Sônia Guajajara, esteve no estado para tentar costurar um
acordo com o governo no fim de janeiro, mas não houve sucesso.
Enquanto isso, a
Seduc continua ocupada. Os manifestantes aguardam uma votação na Assembleia
Legislativa do Pará (Alepa), após o governador assinar termo de
compromisso para revogar a Lei nº 10.820.
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O
que diz a lei e o que ela muda para a educação indígena
Aprovada em
dezembro de 2024, a Lei 10.820/24 unificou 68 artigos do sistema de leis aplicáveis
ao ensino público estadual.
Para fazer a
unificação, várias leis estaduais da educação foram revogadas, como a lei nº
7.806, de 29 de abril de 2014.
A lei nº 7.806,
conhecida como Sistema Modular de Ensino (Some), trazia regras sobre o
funcionamento das aulas em áreas distantes dos centros urbanos, como as aldeias
indígenas.
Segundo os indígenas, a Lei
10.820/24, ao revogar a Lei nº 7.806, extinguiu tanto o Some, quanto a extensão dele, o
Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei) — responsável
por levar ensino médio presencial às comunidades indígenas.
Já de acordo com o
governo do Pará, a Lei 10.820/24 garante, no artigo 46, a continuidade do
sistema Some. Ainda segundo o governo, “áreas que já contam com o Some
continuam sendo atendidas”.
A Lei 10.820/24 não
menciona o ensino indígena. A ausência, para os indígenas que ocupam o prédio
da Seduc, traz insegurança jurídica ao não mencionar o funcionamento do Somei.
Para os
manifestantes, a nova lei do magistério do Pará abre uma brecha para a extinção gradativa do ensino modular
presencial indígena.
Por isso, os
indígenas ocuparam a secretaria desde 14 de janeiro e professores entraram em
greve assim que o ano letivo estava previsto para iniciar. Eles pedem, além da
revogação da Lei 10.820, a exoneração do secretário de Educação, Rossiele
Soares.
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Quais
são as alegações dos povos indígenas e como está o protesto
Apesar de o
governador afirmar, no vídeo do dia 31, que 100% das demandas dos indígenas
tinham sido atendidas, foi somente na última quarta-feira (5) que o pedido de
revogação obteve uma sinalização positiva do Estado.
Um termo foi
assinado pelo governador Helder se comprometendo a enviar projeto de lei
revogando a Lei 10.820/24 à Assembleia Legislativa. A votação está prevista para ocorrer no dia 18 de fevereiro.
Lideranças
indígenas afirmaram que a ocupação na Seduc deve permanecer até a extinção da
lei ser publicada no Diário Oficial do Estado (DOE).
O termo de compromisso
foi assinado pelo governador, pela vice-governadora Hana Ghassan e pelo
presidente da Assembleia Legislativa, deputado Chicão (MDB).
Já o Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Estado do Pará (SINTEPP)
se comprometeu a suspender a greve e garantir
ano letivo.
¨ Justiça diz que vídeo de Helder Barbalho sobre protesto
indígena tem informações falsas e ordena retirada
A Justiça Federal determinou
que o vídeo publicado no dia 31 de janeiro na rede social do governador Helder
Barbalho (MDB-PA) sobre uma manifestação dos povos indígenas que ocupam a sede da
Secretaria de Estado de Educação (Seduc) de Belém seja removido
da plataforma.
Ainda cabe recurso.
Em nota, a Secretaria de Comunicação (Secom) informou que o governo do estado
não foi notificado da decisão da Justiça Federal.
No vídeo, Barbalho
afirma que as demandas do movimento indígena foram 100% atendidas e discutidas
pelo governo e a ocupação deles na Seduc está causando danos ao local, além de
os funcionários públicos estarem impedidos de exercer seu serviço.
📚 Lideranças indígenas estão
acampados há mais de 20 dias no local, enquanto pedem pela revogação da Lei
10.820/24, que determinava como deveria funcionar o Ensino Modular Indígena.
A Justiça afirmou
que o Estado do Pará, representado pelo Governador, prejudicou a imagem do
movimento indígena perante a sociedade. A decisão de derrubar a publicação, que
tem mais de 500 mil visualizações, ocorreu na sexta-feira (17).
Até a publicação
desta reportagem, o vídeo segue publicado na rede social do governador.
A empresa Meta,
dona do Instagram e Facebook, também recebeu a determinação para a remoção do
vídeo. O g1 entrou em contato com a empresa para entender o motivo de
o vídeo ainda não ter saído do ar, mas não teve retorno até o momento.
A Justiça assegurou
ainda o direito de resposta aos indígenas, que terão a oportunidade de
produzir um vídeo que será publicado nas redes sociais do governador.
<><> Discurso
do governador continha informações falsas
Segundo o órgão, a
suspensão ocorreu após acatarem os argumentos da Defensoria Pública da União
(DPU) e do Ministério Público Federal (MPF), que alegaram que o discurso
do governador continha informações falsas sobre a mobilização dos povos e
comunidades tradicionais.
"É falsa a
afirmação de que as demandas apresentadas pelo movimento foram discutidas e
integralmente atendidas, e também não são verdadeiras as afirmações de que o
movimento de ocupação causou danos ao prédio da Seduc", disse a juíza
federal Maria Carolina Valente do Carmo.
Segundo a juíza, há
documentos que comprovam que a Seduc havia planejado implementar educação à
distância em ao menos uma comunidade indígena, e que a revogação da lei ocorreu
sem consulta prévia aos povos afetados, para obter o consentimento de tais
povos.
Para os indígenas,
a lei extinguiu tanto o Some, quanto a extensão dele, o Sistema de Organização
Modular de Ensino Indígena (Somei).
<><> Termo
de compromisso
Na dia 5 de
janeiro, o governador Helder Barbalho (MDB) assinou um
termo se comprometendo a revogar a Lei 10.820/24, que havia alterado a
educação pública estadual, incluindo a educação escolar indígena.
Ele se comprometeu
a enviar projeto de lei à Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa),
previsto para ser votado no dia 18 de fevereiro.
O acordo ocorreu
após reunião com indígena no Palácio dos Despachos com a assinatura do
documento pelo governador, pela vice-governadora Hana Ghassan, e pelo
presidente da Alepa, deputado Chicão (MDB).
·
O
que Helder diz no vídeo e o que apontou a Justiça
O governador disse,
no vídeo do dia 31, que o protesto seria "fruto de desinformação" e
"fake news", que "jamais existiu e jamais existirá"
qualquer intenção de substituir o ensino presencial por aulas remotas e que
"100% das reivindicações indígenas foram atendidas". A publicação
alcançou mais de 500 mil visualizações.
A DPU e o MPF
apontaram que é falsa a afirmação do governador, no vídeo, de que os indígenas
causaram danos ao prédio e que servidores da Seduc estariam integralmente
impedidos de exercer suas atividades. Na decisão, a Justiça cita que o governador usa de
desinformação para "imprimir imagem negativa" sobre a população
indígena.
Ainda segundo a
Justiça, há documentos que comprovam que a Seduc havia planejado implementar
educação a distância em ao menos uma comunidade indígena e que a revogação da
lei nº 7.806 - a antiga lei do sistema de educação - ocorreu sem consulta
prévia aos povos tradicionais.
A Secretaria de
Estado de Comunicação (Secom) informou que, até domingo (9), o Governo do
Estado ainda não havia sido notificado da decisão.
·
Qual
foi o compromisso assumido por Helder Barbalho e quando deve entrar em prática
A cláusula 1 do
termo de compromisso de Helder, assinado no dia 5 de fevereiro, afirma que
"o Poder Executivo encaminhará à Alepa projeto de lei visando revogar a
Lei nº 10.820, de 19 de dezembro de 2024". O documento foi enviado no dia
5 de fevereiro e está previsto para ser votado na Alepa no dia 18.
O documento também
cita que será criado grupo de trabalho com representantes do governo, do
sindicato dos professores e dos povos tradicionais para discutir o estatuto do
magistério e plano de cargos, carreiras e salário dos profissionais da
educação.
O governo também se
comprometeu que não haverá penalidades aos servidores da educação paralisados;
que as faltas por greve ou paralisação serão abonadas e que haverá recomposição
das aulas.
·
O
que diz o MEC sobre a possibilidade de educação online para povos indígenas
Em nota técnica
enviada ao MPF em 21 de janeiro, o MEC afirmou que "não há amparo legal
para oferta de educação escolar indígena, quilombolas, campo, ribeirinhos e
comunidades tradicionais a distância".
A nota apontou ainda
que "o Ministério da Educação já se colocou à disposição da Seduc para
contribuir nas mediações do conflito".
A Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão
(Secadi) disse que também permanece à disposição e reafirmou a possibilidade de
atuação conjunta na implementação dos Territórios Etnoeducacionais (TEEs) -
política do governo brasileiro que organiza a educação escolar indígena.
Segundo documento,
a Secadi encaminhou à Seduc um ofício questionando sobre eventual oferta de
educação escolar indígena por meio de interatividade.
O g1 solicitou nota do
Ministério da Educação (MEC) e aguarda resposta até a publicação da reportagem.
·
O
que diz a Meta
A empresa Meta,
dona do Instagram e Facebook, também recebeu a determinação para a remoção do
vídeo. O g1 entrou
em contato com a empresa para entender o motivo de o vídeo ainda não ter saído do ar, mas não obteve retorno.
Além da exclusão de
vídeo publicado por Helder, a Justiça também havia assegurado direito de resposta
aos indígenas, que terão a oportunidade de produzir um vídeo que será publicado nas redes sociais do
governador. O vídeo em questão ainda não foi postado. O prazo
dado é de pelo menos 36 horas.
A não retirada do
vídeo do ar terá multas de R$ 10 mil por dia, limitadas a R$ 500 mil para o
Estado e para o governador.
Fonte: g1
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