terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Educação indígena: entenda a disputa entre o governo do Pará e manifestantes

Indígenas dizem que mudança na lei abre brecha para redução do ensino presencial em aldeias. Governo nega, e se comprometeu a voltar atrás. Manifestantes ocupam Secretaria da Educação há quase um mês, e Justiça mandou o governador apagar vídeo com informações falsas.

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O Governo do Pará e indígenas de várias etnias travam uma disputa em relação ao modelo de aulas. De um lado, os indígenas ocuparam o prédio da Secretaria de Educação (Seduc), em Belém, contra uma lei que abre brecha para redução do ensino presencial em aldeias e pedindo a revogação. Do outro, o governo iniciou processo para implementar teleaulas mudando a legislação estadual, mas recuou.

Enquanto afirmava costurar acordos com lideranças indígenas, o governador Helder Barbalho (MDB) publicou um vídeo nas redes sociais dizendo que “as demandas apresentadas foram atendidas” e que os manifestantes estariam impedindo que os servidores acessem para trabalhar e danificando a estrutura da secretaria. A Justiça determinou que o vídeo fosse apagado por considerar falsas essas afirmações.

A ocupação de quase um mês na Seduc vem recebendo apoio de artistas como Anitta, Alok e a atriz Dira Paes pedindo a revogação da medida. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, esteve no estado para tentar costurar um acordo com o governo no fim de janeiro, mas não houve sucesso.

Enquanto isso, a Seduc continua ocupada. Os manifestantes aguardam uma votação na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), após o governador assinar termo de compromisso para revogar a Lei nº 10.820.

·        O que diz a lei e o que ela muda para a educação indígena

Aprovada em dezembro de 2024, a Lei 10.820/24 unificou 68 artigos do sistema de leis aplicáveis ao ensino público estadual.

Para fazer a unificação, várias leis estaduais da educação foram revogadas, como a lei nº 7.806, de 29 de abril de 2014.

A lei nº 7.806, conhecida como Sistema Modular de Ensino (Some), trazia regras sobre o funcionamento das aulas em áreas distantes dos centros urbanos, como as aldeias indígenas.

Segundo os indígenas, a Lei 10.820/24, ao revogar a Lei nº 7.806, extinguiu tanto o Some, quanto a extensão dele, o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei) — responsável por levar ensino médio presencial às comunidades indígenas.

Já de acordo com o governo do Pará, a Lei 10.820/24 garante, no artigo 46, a continuidade do sistema Some. Ainda segundo o governo, “áreas que já contam com o Some continuam sendo atendidas”.

A Lei 10.820/24 não menciona o ensino indígena. A ausência, para os indígenas que ocupam o prédio da Seduc, traz insegurança jurídica ao não mencionar o funcionamento do Somei.

Para os manifestantes, a nova lei do magistério do Pará abre uma brecha para a extinção gradativa do ensino modular presencial indígena.

Por isso, os indígenas ocuparam a secretaria desde 14 de janeiro e professores entraram em greve assim que o ano letivo estava previsto para iniciar. Eles pedem, além da revogação da Lei 10.820, a exoneração do secretário de Educação, Rossiele Soares.

·        Quais são as alegações dos povos indígenas e como está o protesto

Apesar de o governador afirmar, no vídeo do dia 31, que 100% das demandas dos indígenas tinham sido atendidas, foi somente na última quarta-feira (5) que o pedido de revogação obteve uma sinalização positiva do Estado.

Um termo foi assinado pelo governador Helder se comprometendo a enviar projeto de lei revogando a Lei 10.820/24 à Assembleia Legislativa. A votação está prevista para ocorrer no dia 18 de fevereiro.

Lideranças indígenas afirmaram que a ocupação na Seduc deve permanecer até a extinção da lei ser publicada no Diário Oficial do Estado (DOE).

O termo de compromisso foi assinado pelo governador, pela vice-governadora Hana Ghassan e pelo presidente da Assembleia Legislativa, deputado Chicão (MDB).

Já o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Estado do Pará (SINTEPP) se comprometeu a suspender a greve e garantir ano letivo.

¨      Justiça diz que vídeo de Helder Barbalho sobre protesto indígena tem informações falsas e ordena retirada

A Justiça Federal determinou que o vídeo publicado no dia 31 de janeiro na rede social do governador Helder Barbalho (MDB-PA) sobre uma manifestação dos povos indígenas que ocupam a sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) de Belém seja removido da plataforma.

Ainda cabe recurso. Em nota, a Secretaria de Comunicação (Secom) informou que o governo do estado não foi notificado da decisão da Justiça Federal.

No vídeo, Barbalho afirma que as demandas do movimento indígena foram 100% atendidas e discutidas pelo governo e a ocupação deles na Seduc está causando danos ao local, além de os funcionários públicos estarem impedidos de exercer seu serviço.

📚 Lideranças indígenas estão acampados há mais de 20 dias no local, enquanto pedem pela revogação da Lei 10.820/24, que determinava como deveria funcionar o Ensino Modular Indígena.

A Justiça afirmou que o Estado do Pará, representado pelo Governador, prejudicou a imagem do movimento indígena perante a sociedade. A decisão de derrubar a publicação, que tem mais de 500 mil visualizações, ocorreu na sexta-feira (17).

Até a publicação desta reportagem, o vídeo segue publicado na rede social do governador.

A empresa Meta, dona do Instagram e Facebook, também recebeu a determinação para a remoção do vídeo. O g1 entrou em contato com a empresa para entender o motivo de o vídeo ainda não ter saído do ar, mas não teve retorno até o momento.

A Justiça assegurou ainda o direito de resposta aos indígenas, que terão a oportunidade de produzir um vídeo que será publicado nas redes sociais do governador.

<><> Discurso do governador continha informações falsas

Segundo o órgão, a suspensão ocorreu após acatarem os argumentos da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF), que alegaram que o discurso do governador continha informações falsas sobre a mobilização dos povos e comunidades tradicionais.

"É falsa a afirmação de que as demandas apresentadas pelo movimento foram discutidas e integralmente atendidas, e também não são verdadeiras as afirmações de que o movimento de ocupação causou danos ao prédio da Seduc", disse a juíza federal Maria Carolina Valente do Carmo.

Segundo a juíza, há documentos que comprovam que a Seduc havia planejado implementar educação à distância em ao menos uma comunidade indígena, e que a revogação da lei ocorreu sem consulta prévia aos povos afetados, para obter o consentimento de tais povos.

Para os indígenas, a lei extinguiu tanto o Some, quanto a extensão dele, o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei).

<><> Termo de compromisso

Na dia 5 de janeiro, o governador Helder Barbalho (MDB) assinou um termo se comprometendo a revogar a Lei 10.820/24, que havia alterado a educação pública estadual, incluindo a educação escolar indígena.

Ele se comprometeu a enviar projeto de lei à Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), previsto para ser votado no dia 18 de fevereiro.

O acordo ocorreu após reunião com indígena no Palácio dos Despachos com a assinatura do documento pelo governador, pela vice-governadora Hana Ghassan, e pelo presidente da Alepa, deputado Chicão (MDB).

·        O que Helder diz no vídeo e o que apontou a Justiça

O governador disse, no vídeo do dia 31, que o protesto seria "fruto de desinformação" e "fake news", que "jamais existiu e jamais existirá" qualquer intenção de substituir o ensino presencial por aulas remotas e que "100% das reivindicações indígenas foram atendidas". A publicação alcançou mais de 500 mil visualizações.

A DPU e o MPF apontaram que é falsa a afirmação do governador, no vídeo, de que os indígenas causaram danos ao prédio e que servidores da Seduc estariam integralmente impedidos de exercer suas atividades. Na decisão, a Justiça cita que o governador usa de desinformação para "imprimir imagem negativa" sobre a população indígena.

Ainda segundo a Justiça, há documentos que comprovam que a Seduc havia planejado implementar educação a distância em ao menos uma comunidade indígena e que a revogação da lei nº 7.806 - a antiga lei do sistema de educação - ocorreu sem consulta prévia aos povos tradicionais.

A Secretaria de Estado de Comunicação (Secom) informou que, até domingo (9), o Governo do Estado ainda não havia sido notificado da decisão.

·        Qual foi o compromisso assumido por Helder Barbalho e quando deve entrar em prática

A cláusula 1 do termo de compromisso de Helder, assinado no dia 5 de fevereiro, afirma que "o Poder Executivo encaminhará à Alepa projeto de lei visando revogar a Lei nº 10.820, de 19 de dezembro de 2024". O documento foi enviado no dia 5 de fevereiro e está previsto para ser votado na Alepa no dia 18.

O documento também cita que será criado grupo de trabalho com representantes do governo, do sindicato dos professores e dos povos tradicionais para discutir o estatuto do magistério e plano de cargos, carreiras e salário dos profissionais da educação.

O governo também se comprometeu que não haverá penalidades aos servidores da educação paralisados; que as faltas por greve ou paralisação serão abonadas e que haverá recomposição das aulas.

·        O que diz o MEC sobre a possibilidade de educação online para povos indígenas

Em nota técnica enviada ao MPF em 21 de janeiro, o MEC afirmou que "não há amparo legal para oferta de educação escolar indígena, quilombolas, campo, ribeirinhos e comunidades tradicionais a distância".

A nota apontou ainda que "o Ministério da Educação já se colocou à disposição da Seduc para contribuir nas mediações do conflito".

A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) disse que também permanece à disposição e reafirmou a possibilidade de atuação conjunta na implementação dos Territórios Etnoeducacionais (TEEs) - política do governo brasileiro que organiza a educação escolar indígena.

Segundo documento, a Secadi encaminhou à Seduc um ofício questionando sobre eventual oferta de educação escolar indígena por meio de interatividade.

g1 solicitou nota do Ministério da Educação (MEC) e aguarda resposta até a publicação da reportagem.

·        O que diz a Meta

A empresa Meta, dona do Instagram e Facebook, também recebeu a determinação para a remoção do vídeo. O g1 entrou em contato com a empresa para entender o motivo de o vídeo ainda não ter saído do ar, mas não obteve retorno.

Além da exclusão de vídeo publicado por Helder, a Justiça também havia assegurado direito de resposta aos indígenas, que terão a oportunidade de produzir um vídeo que será publicado nas redes sociais do governador. O vídeo em questão ainda não foi postado. O prazo dado é de pelo menos 36 horas.

A não retirada do vídeo do ar terá multas de R$ 10 mil por dia, limitadas a R$ 500 mil para o Estado e para o governador.

 

Fonte: g1

 

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