Salvador: Poder Público terá que encontrar
saída para evitar 'modelos de revitalização falidos', no Centro Histórico
O Centro Histórico de
Salvador resiste ao passar dos séculos e enfrenta a necessidade de se
reinventar a cada década. No imaginário popular, refletido na literatura, no
cinema e nas canções, este espaço ocupa um lugar especial nas memórias dos
baianos como um local que já viveu tempos “dourados”. Mas, existe uma
perspectiva para o futuro? A resposta para esta pergunta está nesta quarta e
última reportagem da série "Da Decadência Urbana às Noites de Luxo no
Centro de Salvador".
O local que atrai
turistas do mundo tem áreas degradadas que durante os anos vêm passando por
revitalizações com investimentos do poder municipal, estadual e federal. No
primeiro semestre deste ano, por exemplo, os imóveis do Centro Histórico de
Salvador tiveram suas fachadas recuperadas. A Companhia de Desenvolvimento
Urbano do Estado (Conder) realizou a pintura da parte da frente de 10 imóveis
que estão sendo recuperados.
Outra medida que busca
a ocupação cultural do lugar é a implementação de novos equipamentos com o
investimento do Município, como a Cidade da Música, o Arquivo Público e a Casa
das Histórias, a Casa do Carnaval e a reabertura do Museu Nacional da Cultura
Afro-Brasileira (Muncab).
A antropóloga e
historiadora, Neivalda Freitas, destaca que as requalificações precisam
assistir não somente à infraestrutura. Ela explica que muitos países adotaram
um modelo de revitalização de centro histórico que falhou no mundo todo,
transformando áreas da cidade em cenários.
“Eles têm um modelo de
revitalização de centro histórico falido no mundo todo. Muitos países tentaram
esse modelo de transformar áreas da cidade em cenários. Na primeira tentativa,
eles queriam transformar o Pelourinho em um cenário, as casas por fora, todas
arrumadinhas, bonitinhas e pintadinhas e o comércio atuando ali. Só que isso
não é o que mantém. Quem vai manter a casa? Quem vai dar vida ao bairro? Quem é
que vai fazer com que as pessoas circulem ali? Não é o turista”, comentou a
professora titular da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
Ainda de acordo com a
antropóloga, as revitalizações e as transformações do município soteropolitano
devem estar previstas de forma geral no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
(PDDU), ferramenta basilar para diagnóstico urbano na perspectiva social,
econômica, política e administrativa. Em Salvador, esse planejamento foi
sancionado em julho de 2016 e previa uma atualização com oito anos, ou seja,
neste ano de 2024.
De acordo com a
arquiteta Juliana Franca Paes, presidente da Associação de Mulheres da
Engenharia, Agronomia e das Geociências da Bahia (Ameag) e que integrou a
equipe responsável pela construção do PDDU soteropolitano, o maior desafio na
realização do estudo no que se refere ao Centro Histórico foi a relação entre a
preservação cultural e a funcionalidade.
De acordo com a
arquiteta, o PDDU é uma das principais leis que possibilita a organização do
crescimento e do funcionamento municipal, depois da Lei Orgânica do Município,
porque “ele é quem conduz e orienta como a cidade vai se organizar
territorialmente e como pretende organizar as políticas públicas, a partir do
que o plano disciplina, enquanto estratégia e diretriz”.
Com base nesse
planejamento, é possível desenvolver macro ações para manter o centro histórico
vibrante e dinâmico. Especialistas, inclusive, afirmam que os habitantes da
área, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan), devem representar diversas classes sociais. A diversidade, segundo
eles, é essencial para a conservação e o reconhecimento cultural do local. Essa
visão é corroborada pelo vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo
(CAU), Ernesto Carvalho.
“Inicialmente, o
deslocamento da faixa socioeconômica mais vulnerável para outros locais mais
afastados pode gerar um aumento no custo de vida nesses lugares [no Centro
Histórico], pois acontece a valorização imobiliária e com isso uma perda de
identidade local prévia”, afirma Carvalho.
A identidade local
destacada por Carvalho se traduz nas andanças nas ruas, quando se encontra um
morador que sabe quase tudo do Pelô, pelo menos é o que Antônio Souza,
conhecido como “Cabelo” no Centro Histórico de Salvador, contou à reportagem.
O morador e
comerciante, em poucos minutos, compartilhou lembranças da família e quando o
“museu a céu aberto” tinha um comércio movimentado com armarinhos e sapateiros,
além de quando o meio de transporte das cargas era, principalmente, os cavalos
e as carroças.
“Sou neto de uma
itaparicana e português. Meu pai serviu na Marinha do Brasil e viveu aqui
durante os anos de vida. Aqui é meu lugar”, relembra o homem com entusiasmo.
Próximo à casa de “Cabelo”, as fachadas coloridas e bem preservadas fazem parte
do patrimônio material do centro histórico. Ao todo, são 176 imóveis dessa
categoria, dos quais 71 pertencem ao Estado e 105 à União.
Além dessas áreas, que
abriga casarões antigos, há diversas igrejas, como a Paróquia localizada em
Santo Antônio Além do Carmo, que possui mais de quatro séculos. Para o padre
Jailson dos Santos, pároco da igreja localizada no Carmo, as reformas e reparações
nos templos são necessárias, pois também contam uma perspectiva da história.
“Essa Igreja de Santo
Antônio está precisando de reforma, está em ruínas, não só ela, mas temos
igrejas históricas tão importantes como a Igreja dos 15 Mistérios. Dentro dessa
igreja foi onde se planejou a Revolta dos Malês. E é uma igreja que está abandonada,
em ruínas. Então, nós estamos lutando também com os poderes públicos para
revitalizar as igrejas que são um verdadeiro memorial da história de Salvador”,
afirma o padre.
O BNEWS entrou em
contato com o Iphan e com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da
Bahia (Ipac), mas não obteve retorno sobre os projetos a longo prazo para o
centro. Nos sites oficiais das instituições, há fotografias de reparações
estruturais em diferentes pontos do Centro Antigo. No entanto, o sociólogo Léo
Passos avalia que as requalificações precisam contemplar a população local.
“Eu penso que todos
esses projetos que tanto a Prefeitura quanto o Governo têm feito, eles têm que
ser muito cuidadosos no sentido de buscar um equilíbrio. Óbvio que uma cidade
turística como Salvador, com essa vocação cultural, ela vai ter que, de fato,
explorar esse turismo de luxo, mas não podemos esquecer que quem dá vida à
cidade é a população local. Então, todo projeto de revitalização tem que
ponderar muito bem esses empreendimentos imobiliários, como também a população
local ser incluída de alguma forma”, avalia Léo Passos, sociólogo.
Enquanto Salvador se
empenha em revitalizar seu Centro Histórico, o equilíbrio entre o
desenvolvimento econômico e a preservação da identidade histórica e social
segue como um desafio crucial. O futuro da região exige não apenas melhorias
estruturais, mas também políticas públicas que assegurem inclusão social e
diversidade. A chave será harmonizar crescimento econômico com a preservação da
história e das tradições que tornam o centro único.
Fonte: BNews
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