Por que amigos prolongam nossas vidas
Se você tiver prestado
atenção às noções mais recentes sobre bem-estar e longevidade, terá notado o
aumento do foco na situação dos nossos relacionamentos.
Os pesquisadores dizem
que as pessoas com redes de relacionamento bem desenvolvidas tendem a ser muito
mais saudáveis do que aquelas que se sentem isoladas.
A relação entre as
nossas interações com as outras pessoas e a nossa longevidade é tão forte que a
Organização Mundial da Saúde (OMS) criou recentemente uma nova Comissão sobre
Conexões Sociais, consideradas uma "prioridade de saúde global".
Talvez você tenha um
certo ceticismo sobre estas afirmações e os misteriosos mecanismos que
supostamente relacionam nosso bem-estar físico à solidez dos nossos
relacionamentos. Mas a nossa compreensão do modelo de saúde
"biopsicossocial" vem crescendo há décadas.
Enquanto pesquisava a
ciência por trás dessas conclusões para o meu livro The Laws of Connection
("As leis da conexão", em tradução livre), descobri que nossas
amizades podem exercer influência sobre tudo – desde a resistência do nosso
sistema imunológico até a possibilidade de morrermos de doenças cardíacas.
As pesquisas trazem
conclusões claras. Se quisermos viver uma vida longa e saudável, devemos
começar a priorizar as pessoas à nossa volta.
As raízes científicas
desta descoberta remontam ao início dos anos 1960.
Foi quando o médico
Lester Breslow (1915-2012), do Departamento de Saúde Pública do Estado da
Califórnia, nos Estados Unidos, definiu um projeto ambicioso para identificar
os hábitos e comportamentos que geram maior longevidade.
Para isso, ele
recrutou cerca de 7 mil participantes do condado de Alameda, na Califórnia. E,
com questionários abrangentes, o médico elaborou um quadro extraordinariamente
detalhado dos seus estilos de vida e acompanhou seu bem-estar nos anos que se
seguiram.
Depois de uma década,
a equipe de Breslow havia identificado vários dos ingredientes que, como
sabemos hoje, são essenciais para a boa saúde: não fumar; beber com moderação;
dormir sete a oito horas por noite; fazer exercícios; evitar guloseimas; manter
peso adequado; e tomar café da manhã.
Na época, essas
descobertas foram tão surpreendentes que, quando seus colegas apresentaram os
resultados, Breslow achou que eles estivessem fazendo algum tipo de
brincadeira.
Dificilmente você irá
precisar de mim para explicar essas orientações com mais detalhes. O conjunto
de sete hábitos saudáveis conhecido como "Alameda 7", atualmente, é a
base da maioria das orientações de saúde pública.
Mas as pesquisas
continuaram. E, em 1979, dois colegas de Breslow – Lisa Berkman e S. Leonard
Syme – descobriram um oitavo fator que influencia a longevidade das pessoas: as
conexões sociais.
Em média, as pessoas
com maior número de laços sociais apresentaram cerca de metade da probabilidade
de morrer em relação às pessoas com redes sociais menores. E este resultado
permanecia inalterado, mesmo considerando fatores como situação socioeconômica
e a saúde das pessoas no início da pesquisa, consumo de cigarros, prática de
exercícios e alimentação.
Analisando com mais
profundidade, ficou claro que todos os tipos de relacionamentos são
importantes, mas alguns são mais significativos do que outros.
O senso de conexão com
o cônjuge e amigos próximos oferece maior proteção, mas os próprios conhecidos
casuais da igreja ou de um clube de boliche também ajudam a afastar a
indesejável visita da morte.
A completa ousadia
desta afirmação pode explicar por que ela foi inicialmente desprezada pelas
orientações de saúde pública.
Os cientistas estavam
acostumados a observar o corpo como uma espécie de máquina, praticamente
separada do nosso estado mental e do ambiente social. Mas, desde então,
extensas pesquisas confirmaram que a conexão e a solidão influenciam nossa
suscetibilidade a muitas doenças.
• O cerne da questão
O apoio social pode,
por exemplo, estimular nosso sistema imunológico e nos proteger contra
infecções.
Nos anos 1990, o
professor de psicologia Sheldon Cohen, da Universidade Carnegie Mellon, nos
Estados Unidos, pediu a 276 participantes de um estudo que fornecessem detalhes
completos sobre suas relações sociais.
Eles foram examinados
para determinar a existência de possíveis infecções, colocados em quarentena e
pediu-se que eles inalassem gotículas de água infectadas com rinovírus,
responsável por muitas gripes e resfriados.
Nos cinco dias
seguintes, muitos participantes desenvolveram sintomas, mas a incidência foi
significativamente menor entre as pessoas com conexões sociais amplas e
diversificadas.
E, de fato, as pessoas
com menores níveis de conexão social apresentaram risco três a quatro vezes
maior de desenvolver resfriado do que as que contavam com redes mais ricas de
familiares, amigos, colegas e conhecidos.
Qualquer bom cientista
deve sempre considerar se outros fatores de confusão podem explicar os
resultados. É razoável considerar, por exemplo, que as pessoas isoladas podem
ser menos ativas e saudáveis, se passarem menos tempo ao ar livre, com seus
amigos e familiares.
Mas Berkman e Syme
também concluíram que a correlação permaneceu mesmo depois que os pesquisadores
descontaram todos estes fatores. E as dimensões do efeito excedem em muito os
benefícios de tomar suplementos vitamínicos, outra medida que pode reforçar nosso
sistema imunológico.
O estímulo social à
saúde se estende ao nosso risco de condições crônicas, que transformam a nossa
vida, como o diabetes tipo 2.
O diabetes surge
quando o pâncreas deixa de produzir insulina em quantidade suficiente e as
células do corpo não reagem à insulina que flui através do corpo. Estas duas
condições impedem a decomposição do açúcar do sangue em células de energia.
Fatores como a
obesidade podem contribuir para o diabetes, mas, aparentemente, a qualidade dos
relacionamentos também tem influência.
Uma pesquisa que
envolveu 4 mil participantes do Estudo Longitudinal Inglês sobre o
Envelhecimento concluiu que avaliações mais altas na Escala de Solidão UCLA (um
questionário empregado pelos cientistas para medir as conexões sociais das
pessoas) previram o início do diabetes tipo 2 ao longo da década seguinte.
Existem até mesmo
sinais de que pessoas com fortes relações sociais apresentam menor risco de
desenvolver Alzheimer e outras formas de demência.
Mas a evidência mais
forte se refere às doenças cardiovasculares. Estudos em massa rastrearam a
saúde de dezenas de milhares de pessoas ao longo de muitos anos e destacaram
esta relação repetidas vezes.
O efeito pode ser
observado tanto nos estágios iniciais – com pessoas com poucas relações sociais
sendo mais propensas a desenvolver hipertensão – quanto nos quadros mais
graves, com a solidão aumentando em cerca de 30% o risco de ataques cardíacos,
angina ou AVC.
Para ter uma ideia da
importância geral do estímulo social à saúde, a psicóloga Julianne
Holt-Lunstad, da Universidade Brigham Young em Provo, no Estado americano de
Utah, compilou as conclusões de 148 estudos. Juntos, eles analisaram 300 mil
participantes, observando os benefícios da integração social e os riscos da
desconexão.
Ela então comparou os
efeitos da solidão com os riscos de diversos outros fatores de estilo de vida,
como fumar, beber álcool, fazer exercícios e atividade física, índice de massa
corporal (que mede a obesidade), poluição do ar e a ingestão de medicamentos
para controlar a pressão arterial.
Os resultados foram
publicados em 2010. Eles são surpreendentes.
Holt-Lunstad concluiu
que o tamanho e a qualidade das relações sociais apresentam relação igual ou
maior do que quase todos os outros fatores determinantes da mortalidade. Quanto
mais as pessoas se sentem apoiadas pelas pessoas à sua volta, melhor é a sua
saúde e menor a sua probabilidade de morrer.
De forma geral, as
conexões sociais ou sua ausência desempenham papel muito maior na saúde das
pessoas do que o consumo de álcool, exercícios, índice de massa corporal e a
poluição do ar. Os únicos efeitos que chegaram perto foram os do cigarro.
• Causa ou correlação?
Esta pesquisa
enfrentou críticas.
Para conseguir uma
prova inquestionável da relação causal entre um fator de estilo de vida e a
longevidade em geral, seria preciso realizar um experimento controlado, no qual
você aloca pessoas aleatoriamente a diferentes condições.
É desta forma que os
novos medicamentos são testados – algumas pessoas tomam o remédio, outras tomam
o placebo e alguém registra os diferentes resultados.
Neste caso, seria
preciso alocar algumas pessoas a uma condição solitária, negando a elas que
tivessem amizades, enquanto outras recebem uma rede social pronta, repleta de
pessoas adoráveis.
Claramente, este
procedimento é eticamente duvidoso e praticamente impossível de ser realizado,
o que levou algumas pessoas a questionar se os efeitos aparentes das conexões
sociais são reais e significativos.
Elas sugerem que os
cientistas podem ter perdido algum fator de confusão que oferece a ilusão de
relação entre as nossas vidas sociais e a nossa saúde e longevidade, apesar de
todos os esforços.
Mas este argumento não
é tão irrefutável quanto parece, como defendeu recentemente Holt-Lunstad, em
uma análise da pesquisa.
Afinal, nós não
podemos realizar experimentos randomizados em seres humanos para comprovar os
riscos da redução do tempo de vida causados pelo fumo – a ética do processo
seria ainda mais questionável. Mas poucos cientistas hoje em dia negariam a
relação causal entre o fumo e a redução da longevidade.
Isso ocorre porque os
cientistas detêm outra forma de demonstrar a relação causal entre o estilo de
vida e uma doença. São os chamados critérios de Bradford Hill.
Holt-Lunstad destaca
que, em estudos de longo prazo como a pesquisa Alameda, por exemplo, os
cientistas podem procurar a "temporalidade", ou seja, tentar saber se
as escolhas de estilo de vida de alguém precedem o desenvolvimento da doença.
Neste caso, a
sequência é muito clara. As pessoas relataram sua solidão muito antes de
desenvolverem seus problemas de saúde.
Os cientistas podem
também procurar "relação de reação à dosagem", ou seja, se a maior
exposição ao fator de estilo de vida proposto resulta em maior risco.
E, também aqui, existe
um padrão evidente: as pessoas totalmente isoladas são mais propensas a sofrer
problemas de saúde mais sérios do que alguém que fica sozinho ocasionalmente –
que, por sua vez, sofre mais doenças do que alguém que tem um círculo social
vibrante.
É possível também
verificar se as conclusões são consistentes em diferentes populações, usando
diversos tipos de medição.
Se os efeitos
houvessem sido identificados apenas em uma pequena amostra, ou se eles
aparecessem apenas quando consideramos um único questionário de solidão, você
teria razão de ser cético. Mas não é o caso.
O estímulo social à
saúde também já foi documentado em todo o mundo, segundo Holt-Lunstad,
utilizando diversos métodos de quantificação das conexões sociais das pessoas.
Quer você procure
sentimentos subjetivos ou considere fatos objetivos, como o estado civil ou o
número exato de vezes em que uma dada pessoa encontra conhecidos todos os
meses, o padrão permanece o mesmo.
Podemos até observar
efeitos paralelos em espécies sociais muito diferentes, como os golfinhos,
babuínos-do-cabo e macacos Rhesus. Quanto mais integrado for o indivíduo ao seu
grupo social, maior é a sua longevidade.
• A segurança em números
Para compreender como
e por quê a solidez das nossas conexões sociais pode influenciar até certo
ponto a nossa saúde, precisamos analisar a nossa evolução.
Quando os primeiros
seres humanos se adaptaram para viver em grupos maiores, tudo dependia dos seus
relacionamentos, desde o abastecimento de comida até a proteção contra os
predadores. Perder os companheiros deixaria os humanos em risco de doenças,
lesões e de morrer de fome.
Por isso, o cérebro e
o corpo humano podem ter evoluído para interpretar o isolamento social como uma
ameaça séria. Esta pode ser a razão por que sentimos tanta angústia quando
estamos sozinhos e desconectados.
Da mesma forma que a
dor física nos alerta a buscar segurança e cuidar das nossas feridas, a dor
social pode ter evoluído para nos convencer a evitar parceiros hostis e
restabelecer nossas relações positivas.
Sentimentos de
rejeição ou isolamento também despertam uma série de reações fisiológicas.
No nosso passado
evolutivo, elas se destinavam a proteger os primeiros seres humanos contra os
riscos imediatos representados pelo isolamento, como os ataques de predadores
ou inimigos. O cérebro aciona a liberação de norepinefrina e cortisol, os
hormônios que mantêm a mente alerta contra ameaças e preparam o corpo para
agressões.
Paralelamente, o
sistema imunológico começa a aumentar a produção de moléculas inflamatórias,
para defender o corpo contra os patógenos. Para os primeiros seres humanos,
isso teria reduzido o risco de infecções, se eles eventualmente fossem feridos
por um ataque.
A sensação de
isolamento e estresse social também pode aumentar a produção de fibrinogênio,
que promove a coagulação do sangue e ajuda na cura das feridas. Esta reação
teria aumentado a possibilidade de sobrevivência imediata dos nossos
ancestrais, mas poderia causar danos de longo prazo.
Quando o corpo fica
constantemente preparado para hostilidade e agressões, ele aumenta a tensão
sobre o sistema cardiovascular. Paralelamente, as inflamações crônicas podem
evitar a infecção das feridas, mas a reação imunológica decorrente é menos
adequada para reagir aos vírus, o que aumentaria a possibilidade de contrair
doenças respiratórias, por exemplo.
As inflamações
crônicas também causam o desgaste de outras células, o que pode aumentar o
risco de diabetes, Alzheimer e doenças cardíacas. E os níveis elevados do fator
de coagulação fibrinogênio podem causar trombose, que pode gerar ataque
cardíaco ou AVC.
Se passarmos décadas
em solidão e isolamento, estas mudanças podem aumentar drasticamente o risco de
doenças e morte precoce. Mas, quando as pessoas contam com conexões e apoio
social, seus corpos irão suprimir processos como as inflamações. E, como resultado,
elas terão um padrão de saúde muito melhor, que as torna menos suscetíveis a
doenças.
Por ter sofrido de
timidez, eu costumava considerar estas conclusões um tanto desconcertantes.
Como podemos colher os benefícios da conexão profunda se não formos
naturalmente sociáveis e extrovertidos?
Mas, desde que me
aprofundei nas evidências, descobri que nossas habilidades sociais são como os
nossos músculos – quanto mais usamos, mais fortes elas ficam. E mesmo os
declaradamente introvertidos podem aprender a ser mais sociáveis, se quiserem.
Da mesma forma que
planejamos um programa de exercícios para aumentar nossa atividade física,
todos nós podemos encontrar maneiras de integrar interações sociais mais
significativas às nossas vidas, alimentando velhos laços e construindo novos.
Somos programados para
nos conectarmos. Basta apenas fornecer a nós mesmos as oportunidades adequadas.
Fonte: BBC Future
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