Poder, dinheiro e medo: como Maduro mantém
apoio de militares na Venezuela
“Leais sempre,
traidores nunca”, gritou um grupo de quase 20 militares da alta patente ao
redor do ministro da Defesa da Venezuela, o general Vladimir
Padrino López, após um breve discurso na terça-feira (30/7).
Um dia depois que o
Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou a recondução do presidente Nicolás Maduro ao
cargo por mais seis anos, López fez um discurso
para rechaçar os questionamentos do resultado da eleição e os protestos da
oposição nas ruas, reafirmar a vitória do líder venezuelano e reforçar
“absoluta lealdade” ao sucessor de Hugo Chávez, padrinho político de Maduro.
“Estamos diante de um
golpe de estado elaborado pelos fascistas da extrema direita e apoiado pelo
imperialismo norte-americano”, afirmou o general.
Sua mensagem faz ecoar
o que o próprio presidente Nicolás Maduro havia afirmado na segunda-feira
(29/7): “Estão tentando impor na Venezuela um golpe de Estado novamente de
caráter fascista e contra revolucionário”.
Passadas mais de 96
horas do encerramento da eleição, que ocorreu no domingo (28/7), as atas com os registros dos votos ainda não foram apresentadas. O site do CNE segue fora do ar, e o governo diz que
investigará um suposto “ataque hacker” ao sistema eleitoral.
Neste contexto, em que
os holofotes internacionais se voltam para o país sul-americano com dúvidas
sobre a lisura do processo eleitoral e contestação do resultado apresentado, a
mensagem de López marca a posição dos militares, leais ao regime — que dá a Maduro
um importante respaldo em um momento em que sua reeleição e seu governo são
duramente questionados no país e no exterior.
Especialistas ouvidos
pela BBC News Brasil apontam, basicamente, três pilares que sustentam essa
fidelidade dos militares ao governo: poder, ocupando cargos importantes e uma
política robusta de ascensão dentro dos quartéis; dinheiro, controlando setores
importantes do país, como de petróleo e minério; e medo, já que são alvos de
rechaço e sanções em caso de oposição ao regime.
·
O papel dos militares
no Chavismo
Os militares ganharam
mais força e poder ainda durante o governo de Hugo Chávez, entre 1999 e 2013.
Já no primeiro ano de
governo, Chávez promulgou uma Constituição que garantia, dentre outras coisas,
o direito ao voto e à disputa de cargos eletivos aos militares.
“Naquele momento, eles
passaram a ter força política ativa, com intervenção direta, controlando
postos-chave do Estado, além de empresas de setores importantes como o minério
e o petróleo”, explica Rafael Villa, professor venezuelano de Ciências Políticas
e Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
Adriana Marques,
professora de Relações Internacionais e coordenadora do Laboratório de Estudos
de Segurança e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
ressalta que “toda a trajetória dos militares na Venezuela está muito vinculada
ao chavismo”.
No entanto, em 2002, a
tentativa de golpe sofrida por Chávez mostrou que era preciso dar mais poder às
Forças Armadas, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil.
A tentativa de
destituição, que durou dois dias, partiu também de uma ala militar, descontente
com o autoritarismo exercido pelo presidente.
“Chávez conseguiu
sobreviver porque, de um lado, fez uma depuração nas Forças Armadas, e, por
outro, incorporou os militares em funções políticas e sociais, diz Villa.
“As principais
estatais foram para as mãos dos militares, como, por exemplo, a [petrolífera]
PDVSA, que está sob controle militar desde 2004. É uma forma de cooptação muito
eficiente.”
Quando Maduro assumiu
a Presidência, logo após a morte de Chávez, em 2013, ele deu continuidade a essa política de parceria com os
militares.
Nomeou generais em
cargos de confiança e manteve um sistema de promoção dentro das Forças Armadas
como forma de garantir o apoio dentre líderes militares.
“A Venezuela tem hoje
a maior quantidade de generais do mundo”, diz Villa.
De acordo com o
especialista, são cerca de 1,3 mil generais, dentro de um contingente entre 95
mil a 150 mil oficiais, segundo o ministério da Defesa do país.
“Para se ter uma
ideia, nos Estados Unidos, é algo como 800 generais. No Brasil, são cerca de
650. Isso mostra o uso da ascensão como forma de barganha.”
O reconhecimento
também os levou a ocupar o alto escalão do governo. Um levantamento feito pela
BBC News Brasil mostra que cerca de um terço dos 34 ministros de
Maduro hoje são militares.
Eles ocupam cargos
estratégicos, como o Ministério do Petróleo e o Despacho da Presidência, além
da Defesa.
O general López é
ministro de Maduro há uma década. Mas sua fidelidade ao regime vem de antes.
Ainda coronel,
permaneceu fiel a Chávez na tentativa de golpe em 2002. Depois disso, tornou-se
chefe da Defesa e, depois, comandante das Forças Armadas até ser nomeado
ministro por Maduro, em 2014.
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Militares sob Maduro
“Maduro é a face
visível de um regime que é essencialmente militar, mas fala-se pouco dos
militares no sentido de que eles não são cobrados [pela população]”, diz Oliver
Stuenkel, analista político e professor de relações internacionais na Fundação
Getúlio Vargas (FGV), que já viveu na Venezuela.
“De certa forma,
Maduro é o para-raios de um regime militar. E, ao mesmo tempo, os militares
estão faturando muito.”
Javier Corrales,
cientista político especialista em América Latina e Caribe da Universidade de
Amherst, nos Estados Unidos, acrescenta que, geralmente, os militares acabam
sendo poupados da atuação em repressões a manifestações populares.
“E isso faz com que as
Forças Armadas não sintam que têm tanto sangue nas mãos”, diz Corrales, autor
de Autocracy Rising: How Venezuela Transitioned to
Authoritarianism (Autocracia em ascensão: Como a Venezuela fez a
transição para o autoritarismo, em tradução livre) e co-autor de Un
dragón en el Trópico (Um dragão no Trópico), que destrincha o
populismo de Chávez e analisa toda a história contemporânea da Venezuela.
A convocação das
Forças Armadas para conter as manifestações nas ruas neste momento seria,
portanto, uma exceção.
O cientista político
aponta também para a existência de um serviço robusto de vigilância dentro dos
quartéis que sustenta a lealdade dos militares.
“As forças coercitivas
durante todo esse tempo aderiram ao regime porque há muitas organizações e
também — é importante dizer — muitas forças cubanas inseridas nelas e que
descobrem qualquer problema que pode estar acontecendo lá dentro”, diz
Corrales.
“Por isso, há um medo
[por parte dos militares] de que se descubram os complôs lá dentro, porque há
uma inteligência interna muito grande.”
Corrales explica que
Chávez e o ex-presidente cubano Fidel Castro fizeram um acordo para monitorar
chavistas e não chavistas e detectar possíveis pontos de dissidência.
“A Venezuela é a nova
União Soviética de Cuba, no sentido de ser sua principal fonte de petróleo e
outros subsídios”, explica o especialista.
Esse acordo de
monitoramento é feito então, de acordo com Corrales, para que Cuba não perca
sua principal fonte de petróleo.
Esse serviço de
inteligência nas Forças Armadas atua para que, ao menos aparentemente, a
corporação mantenha-se fiel a Maduro. Isso porque os que não são, acabam
presos.
Foi o que aconteceu no
início deste ano, quando dez militares e policiais foram condenados a 30 anos
de prisão por “conspiração, terrorismo e associação para cometer um crime”,
segundo informou na época a advogada do grupo, María Alejandra Poleo.
De acordo com a ONG
Foro Penal, metade dos 305 presos políticos hoje no país são militares.
·
Há chance de ruptura?
Devido ao crescente
poder político e econômico exercido pelos militares hoje na Venezuela, os
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmaram ser muito difícil uma
ruptura com o regime de Maduro.
“O único cenário
possível de imaginar [uma ruptura] seria se tivessem milhões e milhões de
venezuelanos mobilizados nas ruas, e os militares escolherem não confrontar
esses cidadãos”, diz Stuenkel.
“Mas, ainda assim, já
tivemos situações como essa no passado, e os militares ficaram do lado do
regime.”
Para o analista, até
mesmo as armas diplomáticas parecem ter se esgotado.
“A comunidade
internacional não pode fazer mais do que já fez. A Venezuela já sofre sanções,
e os Estados Unidos não querem ampliá-las, porque isso pode elevar o preço da
gasolina e, logo, interferir na inflação”, explica Stuenkel.
Já Brasil e Colômbia,
países que até agora eram vistos como peças importantes em um possível xadrez
conciliatório, têm pouca influência de fato, na avaliação do especialista.
“É bom o Brasil e a
Colômbia se manifestarem [sobre o resultado da eleição], mas se você olhar para
a relação comercial desses países com a Venezuela, fica evidente que eles não
possuem uma influência enorme”, diz Stuenkel.
“Além disso, o Brasil
não usa a ameaça de sanções, então, na prática, as nações mais influentes hoje
são os Estados Unidos, China, Rússia, Cuba e depois vem Brasil e Colômbia”,
explica ele.
Além disso, a
Venezuela depende pouco do Brasil, porque já que é um grande exportador de
petróleo "que perfeitamente consegue viver sem uma relação funcional com o
Brasil”.
Rafael Ioris,
professor de história e política latino-americana na Universidade de Denver,
nos Estados Unidos, diz que uma ruptura é improvável, porque os militares
"estão encastelados no aparelho do Estado".
"Precisaria haver
uma ameaça muito forte [de forças internacionais] para que rompessem”, diz
Ioris.
Um cenário hipotético,
de acordo com Ioris, seria um rompimento por parte da Rússia, que tem na
Venezuela a sua principal porta de entrada para o armamento russo na América
Latina.
Ou com a China, que
comprou grande parte da dívida venezuelana, razões pelas quais ambos os países
saíram em apoio ao resultado proclamado por Maduro na terça-feira (30/7).
“Mas ainda assim,
precisaria de um grau muito alto de mobilização nas ruas, e mesmo assim não
garantiria um rompimento do regime.”
·
Saída pela oposição
Além de não reconhecer
o resultado, a líder da oposição, María Corina Machado, incitou os militares a
apoiarem o movimento de rechaço.
"É dever das
Forças Armadas fazer respeitar a soberania popular. Isso é o que esperamos. Não
vamos aceitar a chantagem de que a defesa da verdade é a violência."
A esse cabo de guerra
político soma-se o ingrediente popular das manifestações nas ruas.
Venezuelanos
contrários ao regime de Maduro que seguem vivendo no país — quase 8 milhões já
foram embora — protestam em diferentes pontos do país.
O procurador-geral da
Venezuela, Tarek William Saab, afirmou que ao menos 749 pessoas já haviam sido
presas.
Pelo menos 12 pessoas
morreram nas manifestações, segundo um comunicado conjunto de organizações de
direitos humanos.
Segundo o general
López, um sargento morreu e dezenas de militares estão feridos.
Em um contra-ataque,
Maduro convocou seus apoiadores a irem ao Palácio Miraflores, manifestarem-se a
seu favor.
E, contrariando a
expectativa de María Corina, anunciou o uso das forças armadas e de policiais
para conter a oposição nas ruas, escalando, ainda mais, a tensão, o que levou
Edmundo González a pedir que os militares não reprimam o "povo".
"Senhores das
forças armadas: não há razão alguma para reprimir o povo de Venezuela, não há
razão alguma para tanta perseguição", disse ele diante de apoiadores em
Caracas na terça-feira.
nesta quarta-feira
Rafael Villa afirma
que um caminho mais viável seria a oposição tentar dialogar com as Forças Armadas.
“Um processo de
transição política na Venezuela hoje tem que levar em conta os militares, e a
oposição tem feito isso de maneira muito errônea, chamando para respeitar os
resultados, por exemplo”, afirma.
Ele menciona a cena em
que María Corina Machado tentou cumprimentar militares ao chegar em seu local
de votação no domingo (28/7) e foi ignorada.
“Isso é muito
simbólico e mostra a grande desconfiança que os militares ainda têm pela
oposição”, afirma Villa.
“E, claro, reflete
também os temores de perder os privilégios que eles têm”.
Corrales também
ressalta que há militares muito leais a Maduro e que desprezam a oposição.
“Mas isso é típico,
ainda mais na Venezuela, onde houve uma ideologização e a corrupção dos
militares”, diz Corrales.
O apoio ao regime, no
entanto, não é monolítico. “Desde 2002, a cúpula militar tem sofrido um
processo de expurgo constante onde só sobrevivem aqueles que são capazes de
manter-se fiéis ao regime”, afirma Villa.
¨ Discurso de “linha-dura” do chavismo assusta países da AL
As ameaças feitas pelo
líder chavista Diosdado Cabello a integrantes da oposição, em discurso feito na
terça-feira (30) em plena Assembleia Nacional da Venezuela, tem influenciado na
decisão de países latino-americanos de romper definitivamente com o regime de
Nicolás Maduro e reconhecer Edmundo González Urrutia como vitorioso nas
eleições presidenciais, segundo diplomatas de países vizinhos ouvidos em
caráter reservado pela CNN.
Conhecido como o
“número 2” do chavismo e representante da “linha-dura” do regime, Diosdado Cabello afirmou que o governo dará a “lição das lições” para a
oposição e que “acabou a clemência criminal” no país.
“Vamos fodê-los”,
disse Cabello, que é vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela
(PSUV). Para um embaixador latino-americano baseado em Brasília, é
especialmente grave o fato de esse discurso ter sido proferido na tribuna do
Poder Legislativo.
Segundo esse
diplomata, a percepção de que opositores estão sob ameaças crescentes pelo
regime Maduro colabora para o reconhecimento de González Urrutia como vitorioso na Venezuela.
Cabello conclamou uma
“união cívico-militar-policial” contra a oposição. Ele citou Maria Corina
Machado, Henrique Capriles (candidato presidencial derrotado em 2013 contra
Maduro) e Henry Ramos Allup (dirigente do partido Ação Democrática) como
“ratos” que andam se escondendo do povo.
“Vamos dar-lhes a
lição das lições. E oxalá surja, a partir daqui, uma verdadeira oposição no
país”, afirmou Cabello.
De acordo com o líder
chavista, acabaram-se os tempos de “perdão” porque, a cada “perdão” dado pelo
governo para crimes atribuídos a opositores, surgiram novas “conspirações”.
“Acabou-se a clemência
criminal. Serão acusados ante as autoridades competentes pelos mais altos
delitos. E não haverá benefícios para nenhum deles. E nenhuma delas”,
acrescentou Cabello, em referência indireta a Maria Corina Machado.
¨ Venezuela acusa Estados Unidos de liderarem tentativa de golpe
de Estado
O ministro das
Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, disse nesta sexta-feira (2)
que os Estados Unidos estão à frente de uma tentativa de “golpe de Estado”
contra o país sul-americano, em meio a uma disputa sobre os resultados da eleição presidencial de domingo (28).
Na quinta-feira (1°),
os EUA reconheceram o candidato da oposição, Edmundo González, como o vencedor da eleição presidencial da
Venezuela, rejeitando a proclamação de vitória de Nicolás Maduro.
Yvan Gil, afirmou em
um comunicado que trata-se de uma “manobra perversa” que, em sua opinião, gera
uma narrativa falsa e provoca violência nas ruas.
A CNN faz
esforços para obter reações do governo dos EUA a estas declarações.
Na quinta-feira (1°),
o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, disse
que Edmundo González obteve o maior número de votos na eleição presidencial de
domingo (28) na Venezuela.
“Dadas as evidências
esmagadoras, está claro para os Estados Unidos e, mais importante, para o povo
venezuelano que Edmundo González Urrutia obteve o maior número de votos nas
eleições presidenciais de 28 de julho na Venezuela.”, afirmou Blinken em um
documento do Departamento de Estado dos EUA.
Fonte: BBC News Mundo/CNN
Brasil
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