Brasil vê proclamação de González na
Venezuela como erro que pode ampliar radicalização
Na segunda-feira (5),
Edmundo González, opositor de Nicolás Maduro, proclamou-se o novo presidente
eleito da Venezuela. De acordo com a coluna de Jamil Chade no UOL, o governo
Lula enxergou a ação como uma "estratégia negociadora equivocada".
A autoproclamação de
González tem caráter simbólico, uma vez que, segundo a legislação venezuelana,
quem tem poder legal de proclamar um novo presidente é o Conselho Nacional
Eleitoral (CNE), autoridade eleitoral da nação.
Na visão do governo
brasileiro, o gesto tem o potencial de ampliar a radicalização das posições
entre os diferentes grupos dentro do país vizinho, escreve o colunista,
acrescentando que o gesto gerou um "desânimo" e
"preocupação" por parte de negociadores.
Desde a semana
passada, Brasil, México e Colômbia tentam abrir canais de diálogo entre
oposição e governo de Nicolás Maduro, na esperança de encontrar uma saída
política para a crise, e as declarações dos últimos dias por parte da liderança
da oposição indicavam que existia espaço para uma negociação.
Mas a percepção, neste
momento, é de que os diferentes interlocutores ainda estão sem posicionamento
para o debate e querem chegar à mesa com uma atitude de força, diz a mídia.
Nesta semana, Brasília
deve voltar a conversar com mexicanos e colombianos, na esperança de
estabelecer um mecanismo para iniciar o processo de diálogo. Segundo a coluna,
o objetivo inicial é o de buscar interlocutores que estejam dispostos a abrir
mão de posições extremistas, de ambos os lados.
No entanto, com a
proclamação de González e María Corina Machado ontem (5), existe grande
dificuldade em colocar, em uma só mesa, dois lados que se declararam
vitoriosos. Especialmente porque o Brasil, diz a mídia, apostava em González
para evitar o radicalismo de Corina Machado.
Brasília tenta
costurar apoios externos ao processo, na esperança de que não se repita o
cenário de Juan Guaidó, o presidente autoproclamado e que levou europeus e
norte-americanos a reconhecê-lo. Meses depois, a União Europeia reverteu sua
atitude.
A proclamação da
vitória por parte da oposição ainda abala a estratégia do Brasil pela abertura
de canais de diálogo. Os mediadores acreditavam que o processo não deve incluir
Maria Corina Machado por todo um contexto anteriormente desenvolvido.
A constatação dos três
países é de que, neste momento, afirma o colunista, seria necessário que o
processo tenha como interlocutor o ator político que de fato era o concorrente
na eleição, no caso Edmundo González, diz a coluna.
Mas, agora, a
proclamação através de uma carta pode fechar esses canais e tirar sua
capacidade de ser aceito como interlocutor pelo governo Maduro, o que
complexifica a estratégia brasileira.
• Lula é uma metamorfose ambulante, mas
exagerou no caso da Venezuela. Por Elio Gaspari
Alguma coisa aconteceu
no coração do governo. No dia 17 de julho, o presidente venezuelano Nicolás
Maduro disse que o resultado da eleição de domingo passado poderia levar a um
“banho de sangue” com “uma guerra civil fratricida”. Ele batalhava por um terceiro
mandato.
No dia 22, durante uma
entrevista a agências internacionais de notícias, Lula declarou-se “assustado”
com a fala do colega: “Eu já falei para o Maduro duas vezes, e o Maduro sabe,
que a única chance da Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral
que seja respeitado por todo o mundo”.
Recebeu um imediato
contravapor de Maduro que, sem citá-lo, recomendou-lhe tomar chá de camomila.
No dia 28, veio a eleição e foi o que se viu.
MAIS BOBAGENS
Na terça-feira (30),
Lula assustou quem o ouvia ao dizer que “não tem nada de grave, nada de
anormal” e recorreu a um precedente nacional: “Sempre que tem um resultado
apertado as pessoas têm dúvidas. Aqui no Brasil você viu o que aconteceu. Mesmo
quando o Aécio (Neves) perdeu para a Dilma e entrou com recurso para anular a
eleição”.
Paralelo absurdo. Em
2014, ninguém mais contestou a lisura da reeleição de Dilma Rousseff. Ela não
fechou as fronteiras terrestres, nem barrou a entrada de observadores
internacionais. Anos depois, o próprio Aécio revelou que entrou com a ação “só
para encher o saco”.
Mesmo para uma pessoa
que se declara “uma metamorfose ambulante”, Lula foi de uma ponta a outra na
questão, como se estivesse tratando de algo sem importância.
MORTES E PRISÕES
Desde domingo passado
já morreram dezenas de pessoas na Venezuela e mais de mil foram encarceradas. O
Centro Carter, instituição criada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter,
vinha acompanhando a campanha, declarou que “a eleição presidencial da
Venezuela de 2024 não se adequou a parâmetros e padrões internacionais de
integridade eleitoral e não pode ser considerada democrática”.
(A presença do Centro
Carter tinha sido apresentada pelo embaixador Celso Amorim como indicação da
lisura de Maduro).
É visível que desde
domingo o governo de Lula se equilibra como uma Rebeca Andrade na prova das
barras assimétricas. Não houve nada de grave, mas Brasília teve que garantir a
segurança da embaixada da Argentina em Caracas.
REUNIÃO COM GLEISI
As repórteres Marianna
Holanda e Catia Seabra lançaram luz sobre a metamorfose. Na noite de
segunda-feira (29), antes da fala de Lula, a executiva nacional do PT
reconheceu a vitória de Maduro. Horas antes, Gleisi Hoffmann e Cleide Andrade,
presidente e tesoureira do PT, estiveram com Lula no Palácio da Alvorada.
Esta não foi a
primeira vez que Lula e a máquina do PT tomaram caminhos diferentes. Quando a
crise lhe dá tempo, Lula apara as arestas e prevalece. A encrenca venezuelana
foi muito rápida. Nesse caso, o ronco bolivariano de uma parte do PT
prevaleceu.
Assim como na
reeleição de Maduro, há outras áreas de atrito entre o governo de Lula 3.0 e
correntes do PT. A crise venezuelana um dia poderá sair da agenda nacional, mas
a gestão da economia, com seus reflexos políticos, continuará viva.
TUDO ERRADO
Apoiar Maduro é uma
coisa, minar a gestão da economia é outra. Bem outra é sabotar uma política de
contenção dos gastos públicos ou flertar com uma polícia que possa chamar de
sua.
Na sua fala de
terça-feira (30), Lula disse: “Vejo a imprensa brasileira tratando como se
fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal”. Noves fora a
anormalidade da eleição venezuelana, fica a impressão de que o problema estava
na imprensa, essa malvada.
Para um país que ralou
quatro anos de Bolsonaro, Lula é um campeão na sua relação com os jornalistas.
Mesmo assim, ele mostrou que ainda tem a alma envenenada com a espécie.
DISSIDENTES
O líder de seu governo
no Congresso, Randolfe Rodrigues (AP-PT), disse o seguinte: “Uma eleição em que
os resultados não são passíveis de certificação e onde observadores
internacionais foram vetados é uma eleição sem idoneidade”.
E Marina Silva,
ministra do Meio Ambiente, também falou: “Na minha opinião pessoal, eu não falo
pelo governo, não se configura como uma democracia. Muito pelo contrário. O
Brasil está muito correto quando diz que quer ver o resultado eleitoral, os
mapas, todas as comprovações de que de fato houve ali uma decisão soberana do
povo venezuelano”.
• Lula atrai a onda de críticas por um
Maluco, quer dizer, Maduro, sem luz no fim do túnel. Por Eliane Catanhêde
Nenhuma estratégia
está funcionando, não há luz no fim do túnel tenebroso da Venezuela, e Nicolás
Maduro, isolado e alucinado, é como uma bomba-relógio de um massacre da
oposição. Assim como sanções, condenações e pressões internacionais, inclusive
notas inócuas da ONU, não deram em nada nas guerras da Rússia e de Israel,
Putin e Netanyahu fazem o que bem entendem, também não terão efeito no caos
venezuelano.
Insanos não têm limite
e quanto mais encapsulados, mais livres para destruir. Do outro lado, do que
adianta “manter o diálogo”?
SEM SUCESSO
Argentina, Peru e
cinco outros países bateram de frente com Maduro nos primeiros momentos, mas
com isso só conseguiram a expulsão de seus diplomatas em Caracas, deixando ao
relento seus nacionais, seus interesses no País e os opositores de Maduro que
haviam abrigado.
Agora, EUA, Uruguai e
novamente Argentina reconhecem a (óbvia) vitória de González, assim como
ocorreu com a de Juan Guaidó em 2021. Ok. E daí? São ações sem consequência,
para atrair aplausos internos.
E o Brasil? Depois da
sucessão de erros graves do presidente Lula, o Brasil aliou-se a México e
Colômbia para manter “o diálogo” com a ditadura venezuelana e o sonho de chamar
Maduro à razão. É legítimo, mas uma estratégia tão inútil como as demais, apenas
mais desgastante. Já no dia seguinte, Maduro invadiu os escritórios da
oposição. Há diálogo possível?
TARDE DEMAIS…
O impasse é geral e,
no Brasil, Lula atrai um tsunami de críticas internas por um Maluco, quer
dizer, Maduro, que desdenha do esforço e não quer soluções, quer guerra.
Emburrado, Lula agora
se recusar a atender telefonemas. Tarde demais. Brasil mediou o Acordo de
Barbados, pelo qual os EUA retirariam as sanções em troca de “eleições
transparentes” na Venezuela.
Maduro assinou e fez
todo mundo de bobo. Opositores presos, impedidos de concorrer e, depois, a
declaração de “vitória” sem atas e provas. Um acinte.
Exigir as atas de
votação foi prudente no início, mas Maduro não irá mostrar atas que confirmam
sua derrota e não se pode esperar nada da Justiça, servil à “democracia” de
Maduro.
CARDÁPIO DE OPÇÕES
A crise é gigantesca,
com as estratégias todas dando com os burros n’água – ameaçar, bater de frente
ou, ao contrário, “manter o diálogo”.
Chanceleres de Brasil,
Colômbia e México ficaram de apresentar um “cardápio de opções” nesta
segunda-feira, depois das manifestações de oposição e chavismo no sábado, com o
Exército nas ruas, em que tudo poderia acontecer.
Mas o que esse
cardápio pode incluir? Ninguém, e nenhum país, sabe o que fazer. Os opositores,
de uma coragem impressionante, estão entregues à própria sorte, ou a um Maduro
enlouquecido. Trancados numa arena, com a fera pronta para um mar de sangue.
• Procurador-geral da Venezuela anuncia
investigação criminal contra Edmundo González
Após a autoproclamação
de Edmundo González como presidente, feita nesta segunda-feira (5), a Justiça
venezuelana respondeu.
O procurador-geral da
Venezuela, Tarek Saab, anunciou uma investigação criminal contra os líderes da
oposição María Corina Machado e Edmundo González.
Saab detalhou que a
investigação vai apurar eventual ação de "incitar policiais e oficiais
militares a desobedecerem a lei".
Mais cedo, o grupo de
oposição divulgou um comunicado no qual afirma ter provas irrefutáveis de sua
vitória, que, segundo eles, foi reconhecida por todo o planeta.
Golpe 'ciberfascista'
O presidente reeleito
Nicolás Maduro denunciou no domingo (4) que a Venezuela enfrenta um golpe
ciberfascista que busca dividir a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB).
Desde a divulgação do resultado eleitoral, quando Maduro venceu o opositor
Edmundo González Urrutia, o país enfrenta dificuldades.
"Eu falo de um
golpe cibernético, neste caso um golpe de Estado ciberfascista criminoso. […]
para eles é vital ferir de dentro as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas,
tentar dividi-las, desmoralizá-las, desmobilizá-las, porque elas ainda
acreditam que os militares venezuelanos estão subordinados às ordens da
oligarquia de sangue azul ou do império norte-americano", expressou Maduro
durante discurso em um evento militar.
O mandatário detalhou
que o ataque é realizado em diversas redes sociais.
"A campanha de
assédio cibernético acontece nas contas do WhatsApp, através de chamadas e
mensagens […]. Nada de novo que não tenhamos visto em outros filmes, nada de
novo que não tenha feito [Juan] Guaidó, quando tentaram invadir o país a partir
da Colômbia", comentou.
Sobre isso, Maduro
assegurou que as Forças Armadas estão coesas, unidas e em "combate pela
paz, pela democracia e pela Constituição". Da mesma forma, parabenizou a
Guarda Nacional Bolivariana por garantir a ordem e a segurança após os
protestos em torno das eleições presidenciais de 28 de julho.
O Conselho Nacional
Eleitoral (CNE) divulgou na sexta-feira (2) um segundo boletim com 96,87% das
atas apuradas, no qual confirmou a vitória de Maduro com 51,95% dos votos, em
comparação com González, que teria obtido 43,18%.
De acordo com o órgão,
as eleições tiveram participação de 12.386.669 eleitores, equivalente a 59,97%
do eleitorado.
Já a Plataforma
Unitária Democrática (PUD, centro), sob a qual González se apresentou, rejeitou
os resultados e anunciou o ex-diplomata como "presidente eleito".
Argentina, Chile,
Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai se recusaram desde o
início a reconhecer a reeleição de Maduro, o que levou Caracas a retirar
imediatamente o corpo diplomático desses países e a expulsar as missões
presentes na Venezuela.
No início da última
semana, o governo do Peru reconheceu González como "presidente
eleito" da Venezuela, o que levou Caracas a romper relações diplomáticas
com Lima. Panamá, por sua vez, suspendeu as relações com a Venezuela.
Fonte: Sputnik
Brasil/Estadão/O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário