quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Brasil vê proclamação de González na Venezuela como erro que pode ampliar radicalização

Na segunda-feira (5), Edmundo González, opositor de Nicolás Maduro, proclamou-se o novo presidente eleito da Venezuela. De acordo com a coluna de Jamil Chade no UOL, o governo Lula enxergou a ação como uma "estratégia negociadora equivocada".

A autoproclamação de González tem caráter simbólico, uma vez que, segundo a legislação venezuelana, quem tem poder legal de proclamar um novo presidente é o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), autoridade eleitoral da nação.

Na visão do governo brasileiro, o gesto tem o potencial de ampliar a radicalização das posições entre os diferentes grupos dentro do país vizinho, escreve o colunista, acrescentando que o gesto gerou um "desânimo" e "preocupação" por parte de negociadores.

Desde a semana passada, Brasil, México e Colômbia tentam abrir canais de diálogo entre oposição e governo de Nicolás Maduro, na esperança de encontrar uma saída política para a crise, e as declarações dos últimos dias por parte da liderança da oposição indicavam que existia espaço para uma negociação.

Mas a percepção, neste momento, é de que os diferentes interlocutores ainda estão sem posicionamento para o debate e querem chegar à mesa com uma atitude de força, diz a mídia.

Nesta semana, Brasília deve voltar a conversar com mexicanos e colombianos, na esperança de estabelecer um mecanismo para iniciar o processo de diálogo. Segundo a coluna, o objetivo inicial é o de buscar interlocutores que estejam dispostos a abrir mão de posições extremistas, de ambos os lados.

No entanto, com a proclamação de González e María Corina Machado ontem (5), existe grande dificuldade em colocar, em uma só mesa, dois lados que se declararam vitoriosos. Especialmente porque o Brasil, diz a mídia, apostava em González para evitar o radicalismo de Corina Machado.

Brasília tenta costurar apoios externos ao processo, na esperança de que não se repita o cenário de Juan Guaidó, o presidente autoproclamado e que levou europeus e norte-americanos a reconhecê-lo. Meses depois, a União Europeia reverteu sua atitude.

A proclamação da vitória por parte da oposição ainda abala a estratégia do Brasil pela abertura de canais de diálogo. Os mediadores acreditavam que o processo não deve incluir Maria Corina Machado por todo um contexto anteriormente desenvolvido.

A constatação dos três países é de que, neste momento, afirma o colunista, seria necessário que o processo tenha como interlocutor o ator político que de fato era o concorrente na eleição, no caso Edmundo González, diz a coluna.

Mas, agora, a proclamação através de uma carta pode fechar esses canais e tirar sua capacidade de ser aceito como interlocutor pelo governo Maduro, o que complexifica a estratégia brasileira.

 

•        Lula é uma metamorfose ambulante, mas exagerou no caso da Venezuela. Por Elio Gaspari

Alguma coisa aconteceu no coração do governo. No dia 17 de julho, o presidente venezuelano Nicolás Maduro disse que o resultado da eleição de domingo passado poderia levar a um “banho de sangue” com “uma guerra civil fratricida”. Ele batalhava por um terceiro mandato.

No dia 22, durante uma entrevista a agências internacionais de notícias, Lula declarou-se “assustado” com a fala do colega: “Eu já falei para o Maduro duas vezes, e o Maduro sabe, que a única chance da Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral que seja respeitado por todo o mundo”.

Recebeu um imediato contravapor de Maduro que, sem citá-lo, recomendou-lhe tomar chá de camomila. No dia 28, veio a eleição e foi o que se viu.

MAIS BOBAGENS

Na terça-feira (30), Lula assustou quem o ouvia ao dizer que “não tem nada de grave, nada de anormal” e recorreu a um precedente nacional: “Sempre que tem um resultado apertado as pessoas têm dúvidas. Aqui no Brasil você viu o que aconteceu. Mesmo quando o Aécio (Neves) perdeu para a Dilma e entrou com recurso para anular a eleição”.

Paralelo absurdo. Em 2014, ninguém mais contestou a lisura da reeleição de Dilma Rousseff. Ela não fechou as fronteiras terrestres, nem barrou a entrada de observadores internacionais. Anos depois, o próprio Aécio revelou que entrou com a ação “só para encher o saco”.

Mesmo para uma pessoa que se declara “uma metamorfose ambulante”, Lula foi de uma ponta a outra na questão, como se estivesse tratando de algo sem importância.

MORTES E PRISÕES

Desde domingo passado já morreram dezenas de pessoas na Venezuela e mais de mil foram encarceradas. O Centro Carter, instituição criada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter, vinha acompanhando a campanha, declarou que “a eleição presidencial da Venezuela de 2024 não se adequou a parâmetros e padrões internacionais de integridade eleitoral e não pode ser considerada democrática”.

(A presença do Centro Carter tinha sido apresentada pelo embaixador Celso Amorim como indicação da lisura de Maduro).

É visível que desde domingo o governo de Lula se equilibra como uma Rebeca Andrade na prova das barras assimétricas. Não houve nada de grave, mas Brasília teve que garantir a segurança da embaixada da Argentina em Caracas.

REUNIÃO COM GLEISI

As repórteres Marianna Holanda e Catia Seabra lançaram luz sobre a metamorfose. Na noite de segunda-feira (29), antes da fala de Lula, a executiva nacional do PT reconheceu a vitória de Maduro. Horas antes, Gleisi Hoffmann e Cleide Andrade, presidente e tesoureira do PT, estiveram com Lula no Palácio da Alvorada.

Esta não foi a primeira vez que Lula e a máquina do PT tomaram caminhos diferentes. Quando a crise lhe dá tempo, Lula apara as arestas e prevalece. A encrenca venezuelana foi muito rápida. Nesse caso, o ronco bolivariano de uma parte do PT prevaleceu.

Assim como na reeleição de Maduro, há outras áreas de atrito entre o governo de Lula 3.0 e correntes do PT. A crise venezuelana um dia poderá sair da agenda nacional, mas a gestão da economia, com seus reflexos políticos, continuará viva.

TUDO ERRADO

Apoiar Maduro é uma coisa, minar a gestão da economia é outra. Bem outra é sabotar uma política de contenção dos gastos públicos ou flertar com uma polícia que possa chamar de sua.

Na sua fala de terça-feira (30), Lula disse: “Vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal”. Noves fora a anormalidade da eleição venezuelana, fica a impressão de que o problema estava na imprensa, essa malvada.

Para um país que ralou quatro anos de Bolsonaro, Lula é um campeão na sua relação com os jornalistas. Mesmo assim, ele mostrou que ainda tem a alma envenenada com a espécie.

DISSIDENTES

O líder de seu governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (AP-PT), disse o seguinte: “Uma eleição em que os resultados não são passíveis de certificação e onde observadores internacionais foram vetados é uma eleição sem idoneidade”.

E Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, também falou: “Na minha opinião pessoal, eu não falo pelo governo, não se configura como uma democracia. Muito pelo contrário. O Brasil está muito correto quando diz que quer ver o resultado eleitoral, os mapas, todas as comprovações de que de fato houve ali uma decisão soberana do povo venezuelano”.

 

•        Lula atrai a onda de críticas por um Maluco, quer dizer, Maduro, sem luz no fim do túnel. Por Eliane Catanhêde

Nenhuma estratégia está funcionando, não há luz no fim do túnel tenebroso da Venezuela, e Nicolás Maduro, isolado e alucinado, é como uma bomba-relógio de um massacre da oposição. Assim como sanções, condenações e pressões internacionais, inclusive notas inócuas da ONU, não deram em nada nas guerras da Rússia e de Israel, Putin e Netanyahu fazem o que bem entendem, também não terão efeito no caos venezuelano.

Insanos não têm limite e quanto mais encapsulados, mais livres para destruir. Do outro lado, do que adianta “manter o diálogo”?

SEM SUCESSO

Argentina, Peru e cinco outros países bateram de frente com Maduro nos primeiros momentos, mas com isso só conseguiram a expulsão de seus diplomatas em Caracas, deixando ao relento seus nacionais, seus interesses no País e os opositores de Maduro que haviam abrigado.

Agora, EUA, Uruguai e novamente Argentina reconhecem a (óbvia) vitória de González, assim como ocorreu com a de Juan Guaidó em 2021. Ok. E daí? São ações sem consequência, para atrair aplausos internos.

E o Brasil? Depois da sucessão de erros graves do presidente Lula, o Brasil aliou-se a México e Colômbia para manter “o diálogo” com a ditadura venezuelana e o sonho de chamar Maduro à razão. É legítimo, mas uma estratégia tão inútil como as demais, apenas mais desgastante. Já no dia seguinte, Maduro invadiu os escritórios da oposição. Há diálogo possível?

TARDE DEMAIS…

O impasse é geral e, no Brasil, Lula atrai um tsunami de críticas internas por um Maluco, quer dizer, Maduro, que desdenha do esforço e não quer soluções, quer guerra.

Emburrado, Lula agora se recusar a atender telefonemas. Tarde demais. Brasil mediou o Acordo de Barbados, pelo qual os EUA retirariam as sanções em troca de “eleições transparentes” na Venezuela.

Maduro assinou e fez todo mundo de bobo. Opositores presos, impedidos de concorrer e, depois, a declaração de “vitória” sem atas e provas. Um acinte.

Exigir as atas de votação foi prudente no início, mas Maduro não irá mostrar atas que confirmam sua derrota e não se pode esperar nada da Justiça, servil à “democracia” de Maduro.

CARDÁPIO DE OPÇÕES

A crise é gigantesca, com as estratégias todas dando com os burros n’água – ameaçar, bater de frente ou, ao contrário, “manter o diálogo”.

Chanceleres de Brasil, Colômbia e México ficaram de apresentar um “cardápio de opções” nesta segunda-feira, depois das manifestações de oposição e chavismo no sábado, com o Exército nas ruas, em que tudo poderia acontecer.

Mas o que esse cardápio pode incluir? Ninguém, e nenhum país, sabe o que fazer. Os opositores, de uma coragem impressionante, estão entregues à própria sorte, ou a um Maduro enlouquecido. Trancados numa arena, com a fera pronta para um mar de sangue.

 

•        Procurador-geral da Venezuela anuncia investigação criminal contra Edmundo González

Após a autoproclamação de Edmundo González como presidente, feita nesta segunda-feira (5), a Justiça venezuelana respondeu.

O procurador-geral da Venezuela, Tarek Saab, anunciou uma investigação criminal contra os líderes da oposição María Corina Machado e Edmundo González.

Saab detalhou que a investigação vai apurar eventual ação de "incitar policiais e oficiais militares a desobedecerem a lei".

Mais cedo, o grupo de oposição divulgou um comunicado no qual afirma ter provas irrefutáveis de sua vitória, que, segundo eles, foi reconhecida por todo o planeta.

Golpe 'ciberfascista'

O presidente reeleito Nicolás Maduro denunciou no domingo (4) que a Venezuela enfrenta um golpe ciberfascista que busca dividir a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB). Desde a divulgação do resultado eleitoral, quando Maduro venceu o opositor Edmundo González Urrutia, o país enfrenta dificuldades.

"Eu falo de um golpe cibernético, neste caso um golpe de Estado ciberfascista criminoso. […] para eles é vital ferir de dentro as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas, tentar dividi-las, desmoralizá-las, desmobilizá-las, porque elas ainda acreditam que os militares venezuelanos estão subordinados às ordens da oligarquia de sangue azul ou do império norte-americano", expressou Maduro durante discurso em um evento militar.

O mandatário detalhou que o ataque é realizado em diversas redes sociais.

"A campanha de assédio cibernético acontece nas contas do WhatsApp, através de chamadas e mensagens […]. Nada de novo que não tenhamos visto em outros filmes, nada de novo que não tenha feito [Juan] Guaidó, quando tentaram invadir o país a partir da Colômbia", comentou.

Sobre isso, Maduro assegurou que as Forças Armadas estão coesas, unidas e em "combate pela paz, pela democracia e pela Constituição". Da mesma forma, parabenizou a Guarda Nacional Bolivariana por garantir a ordem e a segurança após os protestos em torno das eleições presidenciais de 28 de julho.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgou na sexta-feira (2) um segundo boletim com 96,87% das atas apuradas, no qual confirmou a vitória de Maduro com 51,95% dos votos, em comparação com González, que teria obtido 43,18%.

De acordo com o órgão, as eleições tiveram participação de 12.386.669 eleitores, equivalente a 59,97% do eleitorado.

Já a Plataforma Unitária Democrática (PUD, centro), sob a qual González se apresentou, rejeitou os resultados e anunciou o ex-diplomata como "presidente eleito".

Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai se recusaram desde o início a reconhecer a reeleição de Maduro, o que levou Caracas a retirar imediatamente o corpo diplomático desses países e a expulsar as missões presentes na Venezuela.

No início da última semana, o governo do Peru reconheceu González como "presidente eleito" da Venezuela, o que levou Caracas a romper relações diplomáticas com Lima. Panamá, por sua vez, suspendeu as relações com a Venezuela.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Estadão/O Globo

 

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