Biopirataria: em releitura do colonialismo,
Ocidente patenteia recursos genéticos naturais do Brasil
Em reportagem especial
da Sputnik Brasil, analistas comparam a biopirataria à pilhagem colonialista,
na qual se explora o conhecimento de comunidades indígenas e tradicionais sobre
recursos genéticos naturais que depois são patenteados e apropriados por multinacionais
estrangeiras.
A biopirataria é o
nome que se dá à prática de explorar os recursos genéticos naturais da flora e
da fauna de um país, se apropriando do conhecimento de povos indígenas e
comunidades tradicionais para fins econômicos ou de pesquisa. A prática, por
vezes, é apontada como biocolonialismo, ou seja, uma releitura do colonialismo
calcada na exploração da biodiversidade.
Essa exploração é
majoritariamente perpetrada por países do Norte Global, e afeta em especial
países em desenvolvimento, como o Brasil, impactando sobretudo as populações
indígenas.
A questão da
biopirataria ganhou destaque nos últimos anos impulsionada pelas revelações de
um estudo publicado por pesquisadores do Instituto Nacional da Mata Atlântica
(INMA), que apontou que 92% das patentes que envolvem pesquisas e
desenvolvimento de novos produtos feitos a partir da fauna e da flora da Mata
Atlântica são registradas no exterior; sendo apenas 8% registradas no Brasil.
Uma das autoras do
estudo é Celise Villa dos Santos, pesquisadora do INMA. À Sputnik Brasil ela
afirma que a pesquisa sobre patentes tinha como objetivo compreender melhor
quais são os recursos da biodiversidade que são explorados economicamente e
como é feita essa exploração.
"Porque o que a
gente tinha até então eram estudos bastante isolados sobre algumas espécies de
uso econômico mais relevantes ou espécies mais tradicionais. Esse estudo que
nós fizemos foi um primeiro onde a gente fez um levantamento partindo de consultar
quais eram os usos de todas as espécies da flora da Mata Atlântica",
afirma a pesquisadora.
Ela conta que a
exploração da biodiversidade ocorre em um campo de disputa de poder entre quem
tem recursos para explorar e quem não tem, ou simplesmente não quer explorar a
biodiversidade, como pode ser o caso dos povos indígenas. E essa disputa tem
como resultado o agravamento da desigualdade.
"Se a
biopirataria decorre de uma apropriação indevida de um recurso natural ou de um
conhecimento tradicional e ela ocorre numa relação de poder desigual, ela
agrava a desigualdade, não só entre países, mas internamente no país
também", explica Celise.
De acordo com a
pesquisadora, o principal impacto da biopirataria hoje é a remoção da
biodiversidade, que afeta populações indígenas.
"A partir do
momento que se remove a biodiversidade, se termina o modo de viver e a cultura
desses povos. Eu acho que esse seria o maior impacto."
Em maio, a Organização
das Nações Unidas (ONU) aprovou o Tratado sobre Propriedade Intelectual,
Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados. O tratado é
considerado histórico e determina que requerentes de patentes, cujas invenções
se baseiem em recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais associados
precisam divulgar o país de origem, a fonte original destes recursos e quais
povos indígenas ou comunidades locais forneceram o conhecimento tradicional
utilizado nas pesquisas.
Questionada se o
tratado é suficiente para conter a biopirataria, Celise afirma que ele resolve
a questão das patentes, mas explica que "as patentes refletem um pequeno
percentual dos produtos que são desenvolvidos ou comercializados".
"Porque a patente
depende de uma estratégia corporativa. No caso de uma patente, por exemplo,
depositada [requerida] por uma instituição de ensino e pesquisa, ela envolve
custos. Então, a instituição provavelmente não vai fazer o depósito de todas as
patentes, de todas as possíveis invenções que são propostas pelos
pesquisadores, mas daquelas que a instituição acredita que podem ter um maior
retorno econômico."
Pelas patentes
representarem apenas um pequeno percentual de tudo que é produzido e
comercializado, ela acrescenta que, mesmo com o tratado, haverá uma gama de
produtos que provavelmente continuarão a ser comercializados, e até produzidos
em outros países e importados pelo Brasil, que utilizam esses recursos
genéticos e continuarão sem nenhum tipo de monitoramento.
"Então, no meu
entendimento, esse tratado resolve uma parte do problema. E para resolver a
outra parte do problema, talvez [deva] ter algum controle sobre produtos
baseados em recursos biológicos, ou conhecimentos tradicionais, algum tipo de
registro desses produtos", afirma.
Celise diz que o
Brasil hoje conta com o Sistema de Gestão do Patrimônio Genético (SISGEM), onde
se declara o acesso ao patrimônio genético, tanto para pesquisa como para fins
comerciais. Porém, ela afirma que a maioria das informações do SISGEM não são divulgadas
nem são públicas.
"Então, esse
registro, essa informação, ela fica restrita ao governo e ao SISGEM [...]. Com
essa informação restrita, dificulta, por exemplo, a criação de ações
governamentais que monitorem quais são os produtos que estão sendo vendidos,
que estão sendo comercializados, que tipo de conhecimento que está associado a
esses produtos."
Questionada sobre por
que as patentes registradas no Brasil têm um percentual tão baixo, de 8%,
segundo o estudo, Celise afirma que o "incentivo para a ciência
brasileira, para os institutos de pesquisa, as universidades brasileiras
depositarem patentes é relativamente recente".
"Ele [incentivo]
ocorreu principalmente a partir dos anos 2000, com a Lei 10.973, que cria os
núcleos de informação tecnológica nas instituições de ensino e pesquisa
brasileiros. Então, a partir dos anos 2000, a gente vai observar no Brasil um
incremento muito grande, tanto em pesquisa científica relacionada a diversos
assuntos, mas a gente observa isso também em pesquisas relacionadas a espécies
da biodiversidade, e também um aumento no número de patentes envolvendo
espécies da biodiversidade. Isso é decorrente de uma política pública."
Ela acrescenta que a
ciência brasileira pode se apropriar desse conhecimento que está sendo
desenvolvido no exterior "e evoluir cientificamente, desenvolver outras
coisas a partir desse conhecimento já construído, consolidado, registrado nas
patentes".
Líder do Povo Huni
Kui, o cacique Ninawá Huni Kui afirma que o primeiro impacto que a biopirataria
traz às populações indígenas é "a perda do reconhecimento da sabedoria
ancestral, que há milhares de anos os povos indígenas vêm preservando", acompanhada
da desvalorização dos detentores do conhecimento.
"Porque quando
uma companhia tem acesso a esses patrimônios genéticos que estão associados aos
conhecimentos tradicionais, se colocam as logomarcas das companhias, deixando
de reconhecer esses conhecimentos ancestrais", afirma em entrevista à Sputnik
Brasil.
Ele afirma que o
segundo impacto é a perda de acesso a esses recursos, que uma vez sob o domínio
de multinacionais não podem mais ser usufruídos como antes e precisam ser
comprados.
"Como está
patenteado com uma logomarca, dificilmente esses conhecedores, detentores dos
conhecimentos, vão ter acesso livre novamente sobre esses conhecimentos."
Ninawá acrescenta que
esse modelo de colonização que vem por meio da biopirataria também impacta no
sentido de estreitar o uso dos territórios pelas comunidades indígenas e
tradicionais.
"Hoje nós temos
grandes companhias que estão interessadas nesses conhecimentos genéticos, que
têm discutido, inclusive impactado, na não demarcação de mais terras indígenas.
Porque existe recurso genético que essas companhias querem ter acesso, e onde
tem terras indígenas, tem toda uma legislação federal [que protege o
território] [...] Isso impacta porque essas companhias têm interesse no uso dos
recursos genéticos desses territórios, que nós não consideramos como recursos
naturais, são seres sagrados, que estão associados à nossa vida, aos nossos
conhecimentos tradicionais, principalmente à espiritualidade."
À reportagem ele
afirma que essa pressão exploratória parte principalmente de empresas dos
setores de cosméticos, petróleo e mineração.
"São, na verdade,
uma grande rede [essas empresas]. É uma sociedade econômica de grande escala,
está tudo ligado a essas companhias. Tudo isso no sentido de buscar esse
apoderamento dessas áreas que para nós são sagradas."
O cacique Ninawá foi
um dos principais defensores da aprovação do Tratado da ONU sobre Propriedade
Intelectual, Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados, e foi
uma das lideranças indígenas presentes na conferência que aprovou o acordo. Porém,
ele avalia que o tratado foi uma conquista de muitas lutas, mas que ainda não é
suficiente.
"Foi apenas uma
resistência que nós tivemos lá, defendendo esses textos. Porque, como o mundo
inteiro sabe, a biopirataria no Brasil avançou de forma muito rápida, como, por
exemplo, nós começamos aqui com a borracha, que foi patenteada pela Malásia,
não teve consultas, [...] levaram a borracha, depois levaram o cupuaçu, agora
estão levando o açaí, estão levando o kambô, que são medicinas tradicionais,
estão levando a ayahuasca."
Ninawá sublinha que
todo o conhecimento em torno das propriedades desses recursos provém de
sabedorias ancestrais, mas "as multinacionais se apoderam disso, esquecem
[anulam] os detentores desse conhecimento, e colocam apenas como patrimônio
nacional". Segundo ele, embora o reconhecimento do local de onde vem o
recurso genético natural e do povo associado ao conhecimento em torno dele seja
um passo importante, não é o bastante.
"Os detentores
desses conhecimentos precisam participar diretamente, não só em repasse dos
conhecimentos, [...] se há um interesse das multinacionais, os povos também têm
que participar de forma diretamente, não por terceiros, não por meio só do Ministério
do Meio Ambiente, não só pelas universidades, mas têm que também participar
diretamente na repartição dos benefícios", afirma o cacique.
Ele acrescenta que sem
essa inclusão, uma vez pesquisado esse patrimônio genético, as populações
indígenas se tornam apenas o produto de uma pesquisa.
"E depois só o
Ministério do Meio Ambiente, as universidades, o governo que são as pessoas que
discutem a questão da repartição do benefício, dos lucros [gerados] após essa
pesquisa."
Ninawá avalia que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "enquanto pessoa, enquanto parte de
sua equipe, tem interesse em discutir a inovação da economia sustentável"
e fortalecer as comunidades indígenas, mas diz achar "um pouco improvável
que isso venha a acontecer".
"Primeiro que nós
já estamos no meio do mandato do presidente Lula. Uma boa parte do governo
anterior ainda permanece dentro do governo. No Congresso nós temos ainda mais
de 50%, quase 70%, da base do governo anterior. Ou seja, são parlamentares que
estão no Senado, na Câmara dos Deputados, que são contra o meio ambiente,
contra povos indígenas, contra essas questões climáticas, e que estão lá para
defender outros interesses, que não são esses interesses da economia
sustentável. Estão lá para o agronegócio."
·
Biocolonialismo associado à apropriação
pelo Norte Global
Também ouvido pela
agência, o professor Raimundo Pereira Pontes Filho, doutor em sociedade e
cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e autor do
livro "Logospirataria na Amazônia", publicado em 2017, afirma que a
biopirataria é um degrau para uma exploração mais ampla, que é a
logospirataria, um processo que além da pilhagem do conhecimento envolve também
o trabalho análogo à escravidão.
"Além dessa
apropriação de conhecimentos e elementos de saberes dos conhecimentos
associados à biodiversidade, há também a exploração irregular do trabalho
humano para efeito de exploração de recursos naturais e também dos
conhecimentos tradicionais associados ao uso da biodiversidade."
Ele acrescenta que ao
longo do tempo esse processo levou à desestruturação e devoramento "de
culturas e de sociedades nativas, que foram praticamente desintegradas".
"Essa exploração
desordenada e irracional [de recursos e conhecimentos] ao longo de tanto tempo
também representou um processo com forte impacto tanto nas sociedades nativas
como nos conhecimentos tradicionais associados através das patentes, do processo
de apropriação irregular por via de formação de patentes com base naquilo que é
extraído da região."
Pontes Filho afirma
que todo esse processo representa, de certo modo, "aquilo que alguns
autores também chamam de colonialidade, que se impõe ainda hoje sobre a
Amazônia".
Segundo ele, além de
criar formas de punir criminalmente a logospirataria, uma das formas de
combater essa prática seria a criação de um observatório da logospirataria na
Amazônia "para que assim pudéssemos ter um acompanhamento contínuo desses
processos".
"Também há a
possibilidade de se produzir um inventário antropológico dos conhecimentos
tradicionais associados ao uso da biodiversidade, com o levantamento de grupos
e sociedades que produziram e que ainda produzem saberes que são associados aos
recursos biológicos, recursos naturais."
A pilhagem perpetrada
pela biopirataria traz um viés colonialista de submissão de determinados países
a outros, como explica à reportagem Marcos Vinício Chein Feres, pesquisador da
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Ele é autor do estudo
"Biodiversidade, conhecimento tradicional e direito de patente: o estudo
de caso da Phyllomedusa bicolor", no qual analisa a apropriação de
recursos genéticos naturais e conhecimento associados do Sul pelo Norte Global,
tendo como foco o caso da rã kambô (Phyllomedusa bicolor).
A rã excreta uma
secreção com propriedades analgésicas e antibióticas, conhecida e utilizada por
mais de 15 povos indígenas da Amazônia e alvo de cobiça estrangeira.
Feres afirma que a
biopirataria afeta países em desenvolvimento, como o Brasil, enquanto beneficia
países do Norte Global.
"Tem um interesse
agora que não é mais aquele interesse pelo ouro, pelos minérios, que ainda
continua, obviamente, mas numa outra perspectiva. Agora é a questão das
riquezas da biodiversidade. Você tira daqui [os recursos genéticos], se
apropria e leva para o Norte Global", afirma o pesquisador.
Feres diz que os
países desenvolvidos tiram proveito do fato de terem um alto investimento em
tecnologia, que possibilita transformar recursos genéticos naturais
principalmente em cosméticos e medicamentos.
"É a lógica mesmo
do país que tem a tecnologia em detrimento do país que tem toda essa mega
biodiversidade."
Nesse contexto, ele
destaca que a biopirataria desrespeita a identidade cultural de povos indígenas
que têm uma relação mais própria e sustentável de interagir com os recursos
genéticos naturais, produzindo ciência de uma maneira que não é considerada ciência
por aqueles que exploram. Ademais, a prática marginaliza o detentor do
conhecimento, nesse caso, as populações indígenas, tirando dele o direito ao
reconhecimento e ao lucro gerado pelos recursos genéticos naturais apropriados.
"É colocar ele
[indígena] na marginalidade, dizer que o que eles fazem não é ciência, mas eu
me aproprio desse conhecimento, transformo em ciência convencional, [...] dou
uma roupagem mais científica, com as regras científicas que a gente conhece, e
desconsidero que aquele conhecimento dele também possa ser ciência tão melhor,
às vezes, do que a que a gente conhece e, de alguma forma, eu passo a
transformar aquilo em poder econômico. Com isso, além de eu tirar deles a
questão da identidade, eu tiro as condições de possibilidades econômicas."
Feres afirma que não
vê uma solução de curto prazo para resolver a questão, mas destaca que a saída
não seria mais patentes registradas no Brasil, mas sim uma revisão da lei de
propriedade industrial.
"Ela [a lei] é um
grande instrumento de poder econômico. Esse poder econômico é utilizado
justamente para continuar oprimindo. Então eu não sei se eu desejo que os
brasileiros, que os nativos, se valham dessa lei de propriedade industrial para
simplesmente garantir a posse ou a propriedade. Ainda mais se você pensa nos
povos originários; eles não têm relação de propriedade com a terra, com a
natureza, eles têm uma relação de integração [...] nós vamos resolver esse
problema nos apropriando, usando as mesmas armas do Norte Global?",
questiona o pesquisador.
Feres aponta ainda a
questão do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
(TRIPS, na sigla em inglês). O tratado foi assinado em 1995, dois anos após a
assinatura da Convenção da Diversidade Biológica, tratado da ONU relacionado ao
meio ambiente, que traça diretrizes para o uso sustentável da biodiversidade e
a repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos
recursos genéticos.
"O TRIPS vem com
uma força enorme para o processo de patenteamento, a partir de uma pressão dos
países do Norte Global. As grandes empresas do Norte Global foram as grandes
influenciadoras para que o TRIPS acontecesse."
Ele acrescenta que
essa questão vem para a ordem nacional em 1996, com a promulgação da Lei 9.279,
e posteriormente com a Lei 13123, de 2015, que "trata de todo esse
caldeirão de direitos, mas que foi discutida muito pouco com os povos
tradicionais".
"Em um estudo que
eu faço específico sobre essa lei, eu mostro como que o desejo, os anseios, dos
representantes dos povos tradicionais, que envolvem comunidades quilombolas, os
indígenas, os ribeirinhos, todos eles foram, de alguma forma, colocados em
segundo plano nessa discussão, e o que determinou a aprovação final da lei
foram basicamente as sugestões da indústria."
Ele afirma que isso
mostra que a questão da biopirataria não será resolvida até que haja uma
mudança na mentalidade "não só da sociedade como um todo, mas também de
quem trata da legislação".
"Porque se você
dá mais força para uma lei de propriedade industrial do que para o marco legal
da biodiversidade, você dá um recado para a sociedade de que o que é mais
importante é registrar uma patente, não interessa a forma como você vai obter
esse conhecimento."
·
Como o Brasil combate a biopirataria?
A reportagem procurou
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para saber como é feito o
monitoramento para combater a biopirataria.
Isaac Medeiros,
analista ambiental e agente ambiental federal do Ibama e atualmente coordenador
de fiscalização da biodiversidade, primeiro explica que a biopirataria difere
do tráfico de fauna e flora nativas do Brasil, justamente por conta da sua
finalidade.
Medeiros afirma que o
Ibama atua em portos, aeroportos e outros recintos de alfandegados, como os
correios, empresas de remessa expressa, ou seja, em locais por onde circulam
pessoas e mercadorias em um trânsito internacional.
"Nem todo
material que sai do país sai com essa finalidade de biopirataria. A
biopirataria vai ser aqueles casos em que a pessoa não atendeu a legislação
nacional em relação à proteção do patrimônio genético nacional e do
conhecimento tradicional associado."
Ele destaca que o
Brasil tem uma legislação nacional que dispõe sobre o acesso ao patrimônio
genético e trata da conservação e do uso sustentável da biodiversidade, que é a
Lei 13.123, de 2015, e também o decreto 8.772, de 2016, que regulamenta os
requisitos necessários para que uma carga possa sair do país de maneira legal e
assim não ser considerada biopirataria e sim um intercâmbio científico
saudável.
Pela legislação atual,
para que uma pessoa saia do Brasil de maneira legal portando amostras do
patrimônio genético, é necessário fazer um cadastro prévio no SISGEM,
informando o transporte, o tipo de carga e apresentando um termo de
transferência, que é uma espécie de contrato com a empresa estrangeira que vai
receber o material, no qual ela se compromete a atender a legislação do Brasil
sobre biodiversidade, a não se apropriar do patrimônio genético e, caso venha a
desenvolver um produto e explorar economicamente, ela se compromete a repartir
os benefícios com o Brasil.
Atualmente, o Ibama
não possui nenhum projeto firmado com o Ministério do Meio Ambiente ou
comunidades indígenas para o combate à biopirataria, mas realiza fiscalizações
junto a comunidades indígenas e tradicionais para averiguar se as instituições
que utilizam o conhecimento tradicional dessas comunidades estão atendendo a
legislação brasileira em relação ao consentimento prévio informado dessas
comunidades para a exploração dos recursos e se estão repartindo os benefícios
conforme prevê a legislação.
O Ibama também oferece
a seus agentes o Curso de Fiscalização e Proteção dos Recursos Genéticos e
Conhecimento Tradicional Associado, criado para capacitar agentes na proteção
do patrimônio genético nacional e do conhecimento dos povos tradicionais.
As medidas, no
entanto, são relativamente recentes, bem como a criação do curso, lançado em
2022. Nesse contexto, os mecanismos de combate à biopirataria do Brasil, embora
sejam do interesse do governo federal, conforme apontou anteriormente o cacique
Ninawá Huni Kui, ainda são iniciais e, por isso, insuficientes para combater a
prática.
A Sputnik Brasil
procurou Joenia Wapichana, que atualmente preside a Fundação Nacional dos Povos
Indígenas (Funai), mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. A
Sputnik Brasil também procurou os ministérios dos Povos Indígenas e do Meio
Ambiente, que também não retornaram até a publicação da reportagem.
Fonte: Sputnik Brasil
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