sábado, 23 de março de 2024

Sociobioeconomia para valer: qual deve ser a cara da nova economia da Amazônia

Vivenciamos um período em que a crise climática bate recordes, com o desmatamento e a degradação da Amazônia sendo, de longe, as principais contribuições do Brasil para o problema - 8 dos 10 municípios que mais emitem gases de efeito estufa estão na região. Nesse contexto, estimular uma economia de baixo carbono que mantenha a floresta em pé, que promova o bem-viver dos povos que nela vivem e que tenha como centro a inovação e a tecnologia se torna um caminho fundamental para enfrentar esse cenário.

O potencial é imenso. Ainda neste ano, o Brasil pretende lançar o Plano Nacional de Sociobioeconomia, instrumento que busca alavancar políticas de promoção da bioeconomia, como parte importante da matriz para o desenvolvimento sustentável do país. Em mapeamento realizado em 2022 pela Fundação Cert, foram identificadas mais de 80 instituições na Amazônia que desenvolvem cerca de 2 mil linhas de pesquisa associadas a produtos e tecnologias com possibilidade de gerar valor a partir da biodiversidade. Já o relatório Nova Economia da Amazônia, de 2023, produzido pelo WRI Brasil e The New Climate Economy, estimou que o PIB em um cenário de bioeconomia na Amazônia Legal atingiria R$ 38,5 bilhões em 2050, empregando cerca de 950 mil pessoas.

Mas para que a sociobioeconomia prospere e ganhe escala é preciso uma nova geração de negócios e arranjos que de fato dialoguem com a floresta e seus povos. É necessário apostar de vez na chamada Bioeconomia, que prioriza a sustentabilidade em relação ao crescimento econômico puro e simples, promovendo a biodiversidade e serviços ecossistêmicos, conservando e valorizando os povos que mantem a floresta de pé.

Importar os modelos de negócios de sucesso pensados para realidades urbanas não é algo adequado à realidade da floresta e seus povos.

É preciso ouvir quem promove este tipo de economia integrada à natureza há milhares de anos, como os povos indígenas e populações tradicionais, e compreender seus modelos econômicos, que não visam o lucro imediato e a acumulação, mas sim o bem-viver entre humanos e não humanos, se enxergando como parte da natureza.

•        Mas afinal qual é a cara dessa nova geração de negócios?

É preciso haver relações comerciais diferenciadas entre as empresas e os povos da floresta, com valor compartilhado, relações éticas e precificação justa. A sociobioeconomia precisa ser pautada em fontes diversas de geração de renda, com a integração de produtos e serviços socioambientais, incluindo créditos de carbono, Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e ecoturismo, além de diversidade de cadeias produtivas, superando a concentração em poucos produtos, como cacau, açaí e castanha. Existe um espaço imenso para a diversificação e descoberta de novos produtos e ingredientes com potencial de mercado e geração de impactos socioambiental.

É preciso também investir em tecnologia na floresta, a fim de superar os desafios das cadeias de produção, agregando valor e qualidade aos produtos. Em seu relatório, o WRI Brasil mostra que a região da Amazônia é deficitária em relação ao resto do país e ao exterior, exportando bens primários e adquirindo produtos e serviços de maior valor agregado. Em 2015, o déficit ficou em R$ 114 bilhões. Com a internalização de etapas de cadeias produtivas, como o investimento em usinas de processamento e ativos florestais, por exemplo, seria possível agregar valor aos produtos e com isso gerar mais emprego e renda tanto para as populações extrativistas quanto para trabalhadores envolvidos nas etapas seguintes em cidades amazônicas.

•        O que ainda falta para que isso aconteça de fato?

Que empreendedores mergulhem na realidade da Amazônia, compreendendo a situação de cidades do interior onde os desafios batem na porta. Que investidores assumam mais riscos, inclusive o de desenvolver e usar novas réguas de avaliação de negócios para seus investimentos, considerando o impacto socioambiental gerado e não apenas o retorno final.

Que o poder público invista em assistência técnica e incentivos para negócios socioambientais, inclusive com redução ou isenção fiscal para cadeias de produtos da floresta. Que avance na instalação de indústrias “verdes” na região, menos poluentes e com tecnologias de ponta.

Já existem diversos modelos de negócios de sociobioeconomia sendo testados e implementados no Brasil. Para que esses negócios floresçam e sejam parte efetiva da solução para a crise climática, investidores, empreendedores, centros de tecnologia e pesquisa, ONGs, governos e consumidores precisam se unir e compreender que, conforme definição de Ricardo Abramovay, a bioeconomia não é apenas um ramo da economia com agregação de tecnologias e serviços, mas sim um valor ético, que deve estar na base de toda e qualquer decisão econômica.

*Patrícia Cota Gomes, Diretora Executiva Adjunta do Imaflora, e Marcelo Salazar, Fundador e co-CEO da Mazô Maná Forest Food e membro da rede Origens Brasil®

 

       Sete passos para acabar com a grilagem na Amazônia. Por Gustavo Nascimento

 

A grilagem na Amazônia é um dos maiores desafios enfrentados pelo Brasil. Um problema histórico que parece não ter fim. Ela compromete a integridade ambiental e econômica, ameaça os direitos das populações tradicionais, contribui diretamente para o desmatamento e o aquecimento global. Pesquisas ainda apontam que ela atrapalha frontalmente o desenvolvimento, além de estar atrelada ao aumento exponencial da criminalidade na região. Mas, afinal, como combatê-la efetivamente?

O Projeto Amazoniar desenvolveu uma cartilha para pôr fim a esta economia da escassez. Para trilhar este caminho, será fundamental uma abordagem coordenada entre os setores público, privado e a sociedade civil. Os 7 passos fundamentais para acabar com a grilagem são:

1 - Cancelar e prevenir registros irregulares de imóveis rurais

O Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta essencial para a regularização ambiental no Brasil vem sendo indevidamente usado por grileiros, como aponta um estudo do projeto Amazônia 2030, que indica que existem mais de 100 mil imóveis rurais registrados no sistema nacional que estão sobrepostos à área de florestas públicas não destinadas na Amazônia. Estamos falando de uma área quase do tamanho do Uruguai sob risco iminente de grilagem.

Para isso, é necessário identificar e cancelar os registros irregulares. Os governos estaduais e municipais devem fazer uma varredura em suas bases de dados para identificar as ilegalidades e impedir que terras públicas sejam usurpadas. Impedir novos registros em áreas sobrepostas às florestas públicas também passa pela integração do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) com uma base cartográfica abrangente.

2 - Destinar florestas públicas para conservação ou uso sustentável

Atualmente, a Amazônia brasileira tem 56,5 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas, uma área equivalente ao tamanho da Espanha, sob pressão e o risco iminente de serem invadidas e destruídas. Os governos estaduais e federal devem retomar rapidamente os processos de destinação dessas terras públicas, priorizando sua conservação ou uso sustentável. Estudos desenvolvidos pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) vêm sugerindo critérios de priorização de destinação para essas florestas, considerando-se suas vocações socioambientais e econômicas.

3 - Fortalecer fiscalização e punição aos grileiros

Em grande medida, o aumento nos índices de desmatamento ilegal na Amazônia nos últimos anos está atrelado à fragilização dos órgãos de comando e controle ambiental da região. Por isso, reforçar a fiscalização e punir os envolvidos em grilagem e desmatamento ilegal é crucial para dissuadir atividades criminosas.

O Brasil é um dos pioneiros no fortalecimento da legislação e de políticas públicas que incentivam a proteção do bioma e já mostrou que o combate ao desmatamento aliado ao crescimento econômico é possível. A eficácia no comando e controle deu resultados com o PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia). Entre 2004, quando foi implementado, e 2012, o Brasil conseguiu reduzir em 84% o desmatamento na Amazônia, enquanto manteve o crescimento do PIB e produtividade do agronegócio.

4 - Promover cooperação com o Poder Judiciário e Ministérios Públicos

O apoio de institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil tem sido fundamental para ações do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos no controle de danos socioambientais no país. O trabalho do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), com apoio desses grupos produziu um relatório que revela a dimensão da grilagem e do desmatamento ilegal em 33 terras indígenas na Amazônia. Este documento foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para servir de fonte de dados orientadora de ações da instituição.

5 - Criar uma força-tarefa nos Estados amazônicos

A criação de uma força-tarefa especializada no Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal pode impulsionar esforços coordenados para combater a grilagem.

A ideia já se encontra no planejamento estratégico do consórcio, que expressa que pretende avançar na construção de uma governança territorial e ambiental coletiva e capaz de promover o ordenamento territorial na Amazônia. Para isso, será necessária uma melhor gestão ambiental para a segurança jurídica-fundiária na região e fomentar o compartilhamento de informações territoriais e ambientais entre os órgãos oficiais dos Estados.

6 - Melhorar mecanismos de rastreabilidade

É imprescindível implementar mecanismos de rastreabilidade para identificar a ligação de produtos oriundos do desmatamento e terras griladas. Além de ser uma demanda do mercado internacional, a medida também irá auxiliar nas ações de combate aos roubos e invasões de terras na região. Assim, seria possível eliminar o incentivo à grilagem por parte de mercados e investidores e eliminar o crime das etapas de produção de mercadorias como commodities agrícolas e pecuárias - como soja, milho e carne, por exemplo.

Estudos comprovam que o Brasil pode continuar a suprir a demanda global de alimentos e commodities sem desmatar. Para isso, diversas organizações vêm mapeando boas práticas e investigando formas para aumentar a produtividade agropecuária dentro das áreas que já foram desmatadas por e para essas atividades. Dados do MapBiomas mostram que a pecuária bovina de baixa produtividade ocupa 73% das áreas já desmatadas na Amazônia, o que representa 63 milhões de hectares.

7 - Apoiar iniciativas populares

Uma série de organizações não governamentais e da sociedade civil engajadas na justiça climática têm promovido iniciativas coletivas em prol da conservação da Amazônia, incluindo o combate à grilagem. Um exemplo é o Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) Amazônia de Pé, que além de buscar a destinação das florestas públicas propõe a tipificação da grilagem como crime de danos climáticos, defendendo uma punição mais rigorosa para os grileiros, bem como o enfrentamento da crise climática e a proteção das comunidades tradicionais. Qualquer cidadão brasileiro pode contribuir assinando o PLIP pessoalmente em postos de coleta. No site da iniciativa, é possível encontrar os endereços de todos os postos disponíveis ou sugerir a instalação de novos pontos de coleta em sua cidade.

Outra iniciativa é a campanha "Seja Legal com a Amazônia", formada pela união de múltiplas instituições, que visa apoiar o governo brasileiro no cumprimento da meta do fim do desmatamento até 2030 e na destinação de áreas de Florestas Públicas Não Destinadas (FPND). O projeto conta com o IPAM, Ministério Público Federal (MPF), Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), Universidade Federal do Pará (UFPA), com apoio da Fundação Gordon and Betty Moore.

 

Fonte: Um só Planeta

 

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