Sociobioeconomia para valer: qual deve ser
a cara da nova economia da Amazônia
Vivenciamos um período
em que a crise climática bate recordes, com o desmatamento e a degradação da
Amazônia sendo, de longe, as principais contribuições do Brasil para o problema
- 8 dos 10 municípios que mais emitem gases de efeito estufa estão na região.
Nesse contexto, estimular uma economia de baixo carbono que mantenha a floresta
em pé, que promova o bem-viver dos povos que nela vivem e que tenha como centro
a inovação e a tecnologia se torna um caminho fundamental para enfrentar esse
cenário.
O potencial é imenso.
Ainda neste ano, o Brasil pretende lançar o Plano Nacional de Sociobioeconomia,
instrumento que busca alavancar políticas de promoção da bioeconomia, como
parte importante da matriz para o desenvolvimento sustentável do país. Em mapeamento
realizado em 2022 pela Fundação Cert, foram identificadas mais de 80
instituições na Amazônia que desenvolvem cerca de 2 mil linhas de pesquisa
associadas a produtos e tecnologias com possibilidade de gerar valor a partir
da biodiversidade. Já o relatório Nova Economia da Amazônia, de 2023, produzido
pelo WRI Brasil e The New Climate Economy, estimou que o PIB em um cenário de
bioeconomia na Amazônia Legal atingiria R$ 38,5 bilhões em 2050, empregando
cerca de 950 mil pessoas.
Mas para que a
sociobioeconomia prospere e ganhe escala é preciso uma nova geração de negócios
e arranjos que de fato dialoguem com a floresta e seus povos. É necessário
apostar de vez na chamada Bioeconomia, que prioriza a sustentabilidade em
relação ao crescimento econômico puro e simples, promovendo a biodiversidade e
serviços ecossistêmicos, conservando e valorizando os povos que mantem a
floresta de pé.
Importar os modelos de
negócios de sucesso pensados para realidades urbanas não é algo adequado à
realidade da floresta e seus povos.
É preciso ouvir quem
promove este tipo de economia integrada à natureza há milhares de anos, como os
povos indígenas e populações tradicionais, e compreender seus modelos
econômicos, que não visam o lucro imediato e a acumulação, mas sim o bem-viver
entre humanos e não humanos, se enxergando como parte da natureza.
• Mas afinal qual é a cara dessa nova
geração de negócios?
É preciso haver
relações comerciais diferenciadas entre as empresas e os povos da floresta, com
valor compartilhado, relações éticas e precificação justa. A sociobioeconomia
precisa ser pautada em fontes diversas de geração de renda, com a integração de
produtos e serviços socioambientais, incluindo créditos de carbono, Pagamento
por Serviços Ambientais (PSA) e ecoturismo, além de diversidade de cadeias
produtivas, superando a concentração em poucos produtos, como cacau, açaí e
castanha. Existe um espaço imenso para a diversificação e descoberta de novos
produtos e ingredientes com potencial de mercado e geração de impactos
socioambiental.
É preciso também
investir em tecnologia na floresta, a fim de superar os desafios das cadeias de
produção, agregando valor e qualidade aos produtos. Em seu relatório, o WRI
Brasil mostra que a região da Amazônia é deficitária em relação ao resto do
país e ao exterior, exportando bens primários e adquirindo produtos e serviços
de maior valor agregado. Em 2015, o déficit ficou em R$ 114 bilhões. Com a
internalização de etapas de cadeias produtivas, como o investimento em usinas
de processamento e ativos florestais, por exemplo, seria possível agregar valor
aos produtos e com isso gerar mais emprego e renda tanto para as populações
extrativistas quanto para trabalhadores envolvidos nas etapas seguintes em
cidades amazônicas.
• O que ainda falta para que isso aconteça
de fato?
Que empreendedores
mergulhem na realidade da Amazônia, compreendendo a situação de cidades do
interior onde os desafios batem na porta. Que investidores assumam mais riscos,
inclusive o de desenvolver e usar novas réguas de avaliação de negócios para
seus investimentos, considerando o impacto socioambiental gerado e não apenas o
retorno final.
Que o poder público
invista em assistência técnica e incentivos para negócios socioambientais,
inclusive com redução ou isenção fiscal para cadeias de produtos da floresta.
Que avance na instalação de indústrias “verdes” na região, menos poluentes e
com tecnologias de ponta.
Já existem diversos
modelos de negócios de sociobioeconomia sendo testados e implementados no
Brasil. Para que esses negócios floresçam e sejam parte efetiva da solução para
a crise climática, investidores, empreendedores, centros de tecnologia e
pesquisa, ONGs, governos e consumidores precisam se unir e compreender que,
conforme definição de Ricardo Abramovay, a bioeconomia não é apenas um ramo da
economia com agregação de tecnologias e serviços, mas sim um valor ético, que
deve estar na base de toda e qualquer decisão econômica.
*Patrícia Cota Gomes,
Diretora Executiva Adjunta do Imaflora, e Marcelo Salazar, Fundador e co-CEO da
Mazô Maná Forest Food e membro da rede Origens Brasil®
Sete passos para acabar com a grilagem na
Amazônia. Por Gustavo Nascimento
A grilagem na Amazônia
é um dos maiores desafios enfrentados pelo Brasil. Um problema histórico que
parece não ter fim. Ela compromete a integridade ambiental e econômica, ameaça
os direitos das populações tradicionais, contribui diretamente para o
desmatamento e o aquecimento global. Pesquisas ainda apontam que ela atrapalha
frontalmente o desenvolvimento, além de estar atrelada ao aumento exponencial
da criminalidade na região. Mas, afinal, como combatê-la efetivamente?
O Projeto Amazoniar
desenvolveu uma cartilha para pôr fim a esta economia da escassez. Para trilhar
este caminho, será fundamental uma abordagem coordenada entre os setores
público, privado e a sociedade civil. Os 7 passos fundamentais para acabar com
a grilagem são:
1 - Cancelar e
prevenir registros irregulares de imóveis rurais
O Cadastro Ambiental
Rural (CAR), ferramenta essencial para a regularização ambiental no Brasil vem
sendo indevidamente usado por grileiros, como aponta um estudo do projeto
Amazônia 2030, que indica que existem mais de 100 mil imóveis rurais
registrados no sistema nacional que estão sobrepostos à área de florestas
públicas não destinadas na Amazônia. Estamos falando de uma área quase do
tamanho do Uruguai sob risco iminente de grilagem.
Para isso, é
necessário identificar e cancelar os registros irregulares. Os governos
estaduais e municipais devem fazer uma varredura em suas bases de dados para
identificar as ilegalidades e impedir que terras públicas sejam usurpadas.
Impedir novos registros em áreas sobrepostas às florestas públicas também passa
pela integração do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) com uma
base cartográfica abrangente.
2 - Destinar florestas
públicas para conservação ou uso sustentável
Atualmente, a Amazônia
brasileira tem 56,5 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas,
uma área equivalente ao tamanho da Espanha, sob pressão e o risco iminente de
serem invadidas e destruídas. Os governos estaduais e federal devem retomar
rapidamente os processos de destinação dessas terras públicas, priorizando sua
conservação ou uso sustentável. Estudos desenvolvidos pelo IPAM (Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia) vêm sugerindo critérios de priorização de
destinação para essas florestas, considerando-se suas vocações socioambientais
e econômicas.
3 - Fortalecer
fiscalização e punição aos grileiros
Em grande medida, o
aumento nos índices de desmatamento ilegal na Amazônia nos últimos anos está
atrelado à fragilização dos órgãos de comando e controle ambiental da região.
Por isso, reforçar a fiscalização e punir os envolvidos em grilagem e desmatamento
ilegal é crucial para dissuadir atividades criminosas.
O Brasil é um dos
pioneiros no fortalecimento da legislação e de políticas públicas que
incentivam a proteção do bioma e já mostrou que o combate ao desmatamento
aliado ao crescimento econômico é possível. A eficácia no comando e controle
deu resultados com o PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da
Amazônia). Entre 2004, quando foi implementado, e 2012, o Brasil conseguiu
reduzir em 84% o desmatamento na Amazônia, enquanto manteve o crescimento do
PIB e produtividade do agronegócio.
4 - Promover
cooperação com o Poder Judiciário e Ministérios Públicos
O apoio de institutos
de pesquisa e organizações da sociedade civil tem sido fundamental para ações
do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos no controle de danos
socioambientais no país. O trabalho do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), com
apoio desses grupos produziu um relatório que revela a dimensão da grilagem e
do desmatamento ilegal em 33 terras indígenas na Amazônia. Este documento foi
encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para servir de fonte de dados
orientadora de ações da instituição.
5 - Criar uma
força-tarefa nos Estados amazônicos
A criação de uma
força-tarefa especializada no Consórcio Interestadual de Desenvolvimento
Sustentável da Amazônia Legal pode impulsionar esforços coordenados para
combater a grilagem.
A ideia já se encontra
no planejamento estratégico do consórcio, que expressa que pretende avançar na
construção de uma governança territorial e ambiental coletiva e capaz de
promover o ordenamento territorial na Amazônia. Para isso, será necessária uma melhor
gestão ambiental para a segurança jurídica-fundiária na região e fomentar o
compartilhamento de informações territoriais e ambientais entre os órgãos
oficiais dos Estados.
6 - Melhorar
mecanismos de rastreabilidade
É imprescindível
implementar mecanismos de rastreabilidade para identificar a ligação de
produtos oriundos do desmatamento e terras griladas. Além de ser uma demanda do
mercado internacional, a medida também irá auxiliar nas ações de combate aos
roubos e invasões de terras na região. Assim, seria possível eliminar o
incentivo à grilagem por parte de mercados e investidores e eliminar o crime
das etapas de produção de mercadorias como commodities agrícolas e pecuárias -
como soja, milho e carne, por exemplo.
Estudos comprovam que
o Brasil pode continuar a suprir a demanda global de alimentos e commodities
sem desmatar. Para isso, diversas organizações vêm mapeando boas práticas e
investigando formas para aumentar a produtividade agropecuária dentro das áreas
que já foram desmatadas por e para essas atividades. Dados do MapBiomas mostram
que a pecuária bovina de baixa produtividade ocupa 73% das áreas já desmatadas
na Amazônia, o que representa 63 milhões de hectares.
7 - Apoiar iniciativas
populares
Uma série de
organizações não governamentais e da sociedade civil engajadas na justiça
climática têm promovido iniciativas coletivas em prol da conservação da
Amazônia, incluindo o combate à grilagem. Um exemplo é o Projeto de Lei de
Iniciativa Popular (PLIP) Amazônia de Pé, que além de buscar a destinação das
florestas públicas propõe a tipificação da grilagem como crime de danos
climáticos, defendendo uma punição mais rigorosa para os grileiros, bem como o
enfrentamento da crise climática e a proteção das comunidades tradicionais.
Qualquer cidadão brasileiro pode contribuir assinando o PLIP pessoalmente em
postos de coleta. No site da iniciativa, é possível encontrar os endereços de
todos os postos disponíveis ou sugerir a instalação de novos pontos de coleta
em sua cidade.
Outra iniciativa é a
campanha "Seja Legal com a Amazônia", formada pela união de múltiplas
instituições, que visa apoiar o governo brasileiro no cumprimento da meta do
fim do desmatamento até 2030 e na destinação de áreas de Florestas Públicas Não
Destinadas (FPND). O projeto conta com o IPAM, Ministério Público Federal
(MPF), Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente
(Abrampa), Universidade Federal do Pará (UFPA), com apoio da Fundação Gordon
and Betty Moore.
Fonte: Um só Planeta
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