Lei da Igualdade Salarial tem falhas e pode
afetar reputação das empresas, dizem advogados
Empresas estão
considerando entrar na Justiça para não ter que encaminhar os dados que
alimentarão os sistemas do governo federal conforme exige a Lei da Igualdade
Salarial, segundo advogados ouvidos pela reportagem.
O prazo para entregar
o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios chegaria ao
final nesta quinta-feira (29), mas foi prorrogado para a próxima sexta-feira
(8).
As companhias entendem
que a base de dados usada na elaboração dos relatórios exigidos é frágil, o que
pode criar uma impressão de que a empresa não adota medidas para promover a
igualdade de gênero.
O efeito, ao final,
seria o comprometimento de sua imagem pública. Segundo a lei, companhias com
mais de cem funcionários devem prestar informações sobre seus quadros para
fiscalização da desigualdade de remuneração entre gêneros.
A base de dados
considerada para o relatório é a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações).
Na avaliação do advogado Caio Taniguchi, sócio na área de Direito Trabalhista e
Previdenciário do escritório TozziniFreire, ela é limitada por não mostrar
possíveis razões para as diferenças salariais em um mesmo cargo, como tempo de
empresa, especializações do funcionário, empenho etc.
A preocupação maior é
com o que consideram ser falta de clareza sobre o que será usado pelo MTE
(Ministério do Trabalho e Emprego), responsável por fiscalizar as companhias no
âmbito da lei e aplicar as multas, para produzir o relatório final para a sociedade.
A advogada trabalhista
Fábia Bertanha, do escritório Lopes Muniz, aponta ainda que os dados também não
consideram pontos negociados em acordos coletivos ou normas internas que podem
gerar diferenças salariais e não seriam discriminatórias.
Além da falta de
detalhamento, Manuela Cristina Fernandes Leite, advogada trabalhista que
coordena o Chiode Minicucci Advogados, destaca que a CBO agrupa os cargos em
grandes grupos, o que também pode gerar distorções.
"Significa que
uma imensa variedade de cargos que, muitas vezes, têm remunerações bastante
distintas entre si, estarão agrupadas dentro do mesmo 'universo'", diz.
A classificação de
ocupações, segundo Taniguchi, nunca foi usada para fins de fiscalização, apenas
para levantamento estatístico.
Junto aos ministérios
do Trabalho e Emprego e das Mulheres, os advogados que atendem empresas
avançaram pouco na tentativa de tirar dúvidas. Após uma transmissão online
feita pelas pastas para tratar do assunto, a percepção foi de mais problemas.
Um deles, segundo
Manuela, é a decisão de utilizar informações relativas ao "salário mediano
contratual", ao "salário mediano de admissão" e ao "salário
médio efetivamente pago".
"Nenhuma dessas
definições está na legislação. A questão matemática, entre médias e medianas,
já é bastante complexa -pois não são números fáceis de achar para uma
empresa", diz a advogada.
As empresas também
temem os efeitos da divulgação dos dados de salários e cargos, tanto para a
competividade entre companhias quanto para efeito de comparação entre os
empregados.
"Na minha
leitura, a publicização desses dados aumentará a judicialização dos pedidos de
isonomia e equiparação salarial", diz a advogada Gabriela Carvalho,
coordenadora trabalhista do escritório PSG Advogados.
Quando o empregado for
único em sua função, há ainda o risco de fácil identificação, mesmo que seu
nome seja preservado. Reajustes salariais por produtividade e meritocracia
também ficariam sob risco. Como o relatório será amplamente divulgado, as
empresas poderiam evitar essas promoções para que elas depois não sejam vistas
como discriminatórias.
Para a advogada Érika
Seddon, sócia da prática de Trabalhista e Sindical do escritório Mattos Filho,
a preocupação das empresas com o dano reputacional é legítima. Na avaliação
dela, o relatório poderá expor um grau de desigualdade de gênero que realmente
existe, mas aparentando ser pior do que é a realidade.
"Não adianta só
correr atrás das empresas para que elas adequem suas práticas salariais,
enquanto a regulamentação da licença-paternidade ainda está parada no Congresso
Nacional, por exemplo", diz a advogada Manuela Cristina Fernandes Leite.
Ações já estão sendo
ajuizadas. A Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minhas Gerais) entrou
com uma ação civil pública questionado a obrigatoriedade de entrega do
relatório sob argumento de que a medida viola diversos direitos, inclusive das
mulheres, com o risco de tornar públicos os salários.
"O governo optou
pela mediana salarial, mas existem cargos nos quais temos apenas um empregado
por função. Assim, ao publicar a tabela, estaríamos divulgando o salário desse
empregado, violando a LGPD", diz nota da federação.
À reportagem, a
ministra das Mulheres, Cida Gonçalvez, disse que não pretende multar empresas
imediatamente. Segundo ela, o governo quer ver a lei ser cumprida ao menos com
igualdade salarial na base.
"Não é um
processo assim: 'Ah, não cumpriu, saiu no relatório de transparência, já vai
ter multa ou vai estar na primeira página do jornal', não. Não achamos que as
empresas são nossas inimigas, o governo não está tratando dessa forma, mas
queremos que a legislação seja cumprida. Trabalho igual, salário igual."
A ministra também
garantiu o sigilo das informações, inclusive, preservando nome de cargos.
Cida falou sobre a Lei
da Igualdade Salarial a uma plateia de sindicalistas mulheres nesta semana, em
evento na capital paulista. Ela disse ter se surpreendido haver quem ainda seja
contra salário igual para homens e mulheres.
No Congresso, o
projeto obteve 37 votos contrários, dez deles eram de mulheres.
Procurado pela
reportagem, o MTE não respondeu até a publicação deste texto.
Ø
Economista francês defende taxa mínima de
2% sobre riqueza de bilionários
O economista francês
Gabriel Zucman, diretor do European Tax Observatory, defendeu a taxação dos 3
mil bilionários do mundo em no mínimo 2% de suas fortunas ao ano. O movimento
geraria US$ 250 bilhões por ano, segundo o especialista.
Convidado pelo governo
brasileiro, Zucman fez uma apresentação aos ministros da Finanças do G20, o
grupo das maiores economias do mundo. Pela primeira vez na história, o Brasil
trouxe o tema para a discussão no fórum e hoje pela manhã, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, fez a defesa dessa taxação e encomendou um estudo mais
completo para o European Tax Observatory.
As pessoas mais ricas
são as que acabam pagando menos impostos, ressaltou o economista francês. Por
ser mais difícil mensurar a renda delas, já que boa parte de suas fortunas são
participações em empresas, de capital aberto ou fechado, a ideia é fixar um
porcentual mínimo sobre suas riquezas – no caso do estudo, de 2%.
Se o G20 conseguiu um
consenso para uma taxa mínima para as grandes empresas multinacionais, Zucman
acha que é factível trazer a mesma discussão agora para pessoas ricas. Mas é
difícil falar em prazos, disse ele.
“É um desenvolvimento
histórico”, afirmou o economista a jornalistas na tarde de hoje, após discutir
o tema com os ministros. “É utópico pensar que vamos chegar a um consenso
total. Mas não precisamos de um consenso global.” Como esses US$ 250 bilhões serão
distribuídos para a sociedade é uma outra discussão, ponderou.
As reações no G20
sobre o tema têm sido receptivas, segundo o economista. Ele mencionou a
secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, que disse que o
presidente Joe Biden tem proposta similar para os bilionários americanos. O
ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, também declarou endossar a
ideia.
“Muitos países
expressaram que são a favor da noção de tributar os super-ricos”, afirmou
Zucman aos jornalistas. Perguntado sobre os riscos de evasão fiscal pelos
bilionários, o economista disse que ela se tornou mais difícil, devido a
fatores como o maior compartilhamento de informações dos governos.
Conforme Zucman, a
taxa sobre a riqueza de bilionários é algo a ser discutido amplamente nos
fóruns internacionais. Essa discussão, segundo ele, está apenas começando.
De início, a proposta
dele é uma taxa mínima de 2% sobre uma parcela do patrimônio de bilionários. “É
uma taxa muito baixa, mas que faria uma diferença significativa em relação à
taxa efetiva cobrada hoje sobre a riqueza … Claro, devemos ser mais ambiciosos.
Acho que todos devem concordar que não é aceitável que bilionários tenham taxas
efetivas mais baixas do que o resto da população.”
Na avaliação de
Zucman, a progressividade tributária – ou seja, os mais ricos pagam mais
impostos – contribuiria para a confiança das pessoas nas instituições
democráticas, uma vez que nas democracias modernas as pessoas com maior
capacidade financeira pagam taxas de impostos mais baixas. “Isso não é
sustentável e gera apenas desconfiança nas instituições”, frisou.
O economista francês
pontuou que sua proposta não resolve todos os problemas do mundo, mas
enfrentaria a questão da regressividade do sistema tributário atual, começando
pela taxação dos bilionários, que, observou, pagam hoje muito menos impostos do
que o resto da sociedade.
Fonte:
FolhaPress/IstoÉ
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