sábado, 2 de março de 2024

Lei da Igualdade Salarial tem falhas e pode afetar reputação das empresas, dizem advogados

Empresas estão considerando entrar na Justiça para não ter que encaminhar os dados que alimentarão os sistemas do governo federal conforme exige a Lei da Igualdade Salarial, segundo advogados ouvidos pela reportagem.

O prazo para entregar o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios chegaria ao final nesta quinta-feira (29), mas foi prorrogado para a próxima sexta-feira (8).

As companhias entendem que a base de dados usada na elaboração dos relatórios exigidos é frágil, o que pode criar uma impressão de que a empresa não adota medidas para promover a igualdade de gênero.

O efeito, ao final, seria o comprometimento de sua imagem pública. Segundo a lei, companhias com mais de cem funcionários devem prestar informações sobre seus quadros para fiscalização da desigualdade de remuneração entre gêneros.

A base de dados considerada para o relatório é a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações). Na avaliação do advogado Caio Taniguchi, sócio na área de Direito Trabalhista e Previdenciário do escritório TozziniFreire, ela é limitada por não mostrar possíveis razões para as diferenças salariais em um mesmo cargo, como tempo de empresa, especializações do funcionário, empenho etc.

A preocupação maior é com o que consideram ser falta de clareza sobre o que será usado pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), responsável por fiscalizar as companhias no âmbito da lei e aplicar as multas, para produzir o relatório final para a sociedade.

A advogada trabalhista Fábia Bertanha, do escritório Lopes Muniz, aponta ainda que os dados também não consideram pontos negociados em acordos coletivos ou normas internas que podem gerar diferenças salariais e não seriam discriminatórias.

Além da falta de detalhamento, Manuela Cristina Fernandes Leite, advogada trabalhista que coordena o Chiode Minicucci Advogados, destaca que a CBO agrupa os cargos em grandes grupos, o que também pode gerar distorções.

"Significa que uma imensa variedade de cargos que, muitas vezes, têm remunerações bastante distintas entre si, estarão agrupadas dentro do mesmo 'universo'", diz.

A classificação de ocupações, segundo Taniguchi, nunca foi usada para fins de fiscalização, apenas para levantamento estatístico.

Junto aos ministérios do Trabalho e Emprego e das Mulheres, os advogados que atendem empresas avançaram pouco na tentativa de tirar dúvidas. Após uma transmissão online feita pelas pastas para tratar do assunto, a percepção foi de mais problemas.

Um deles, segundo Manuela, é a decisão de utilizar informações relativas ao "salário mediano contratual", ao "salário mediano de admissão" e ao "salário médio efetivamente pago".

"Nenhuma dessas definições está na legislação. A questão matemática, entre médias e medianas, já é bastante complexa -pois não são números fáceis de achar para uma empresa", diz a advogada.

As empresas também temem os efeitos da divulgação dos dados de salários e cargos, tanto para a competividade entre companhias quanto para efeito de comparação entre os empregados.

"Na minha leitura, a publicização desses dados aumentará a judicialização dos pedidos de isonomia e equiparação salarial", diz a advogada Gabriela Carvalho, coordenadora trabalhista do escritório PSG Advogados.

Quando o empregado for único em sua função, há ainda o risco de fácil identificação, mesmo que seu nome seja preservado. Reajustes salariais por produtividade e meritocracia também ficariam sob risco. Como o relatório será amplamente divulgado, as empresas poderiam evitar essas promoções para que elas depois não sejam vistas como discriminatórias.

Para a advogada Érika Seddon, sócia da prática de Trabalhista e Sindical do escritório Mattos Filho, a preocupação das empresas com o dano reputacional é legítima. Na avaliação dela, o relatório poderá expor um grau de desigualdade de gênero que realmente existe, mas aparentando ser pior do que é a realidade.

"Não adianta só correr atrás das empresas para que elas adequem suas práticas salariais, enquanto a regulamentação da licença-paternidade ainda está parada no Congresso Nacional, por exemplo", diz a advogada Manuela Cristina Fernandes Leite.

Ações já estão sendo ajuizadas. A Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minhas Gerais) entrou com uma ação civil pública questionado a obrigatoriedade de entrega do relatório sob argumento de que a medida viola diversos direitos, inclusive das mulheres, com o risco de tornar públicos os salários.

"O governo optou pela mediana salarial, mas existem cargos nos quais temos apenas um empregado por função. Assim, ao publicar a tabela, estaríamos divulgando o salário desse empregado, violando a LGPD", diz nota da federação.

À reportagem, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalvez, disse que não pretende multar empresas imediatamente. Segundo ela, o governo quer ver a lei ser cumprida ao menos com igualdade salarial na base.

"Não é um processo assim: 'Ah, não cumpriu, saiu no relatório de transparência, já vai ter multa ou vai estar na primeira página do jornal', não. Não achamos que as empresas são nossas inimigas, o governo não está tratando dessa forma, mas queremos que a legislação seja cumprida. Trabalho igual, salário igual."

A ministra também garantiu o sigilo das informações, inclusive, preservando nome de cargos.

Cida falou sobre a Lei da Igualdade Salarial a uma plateia de sindicalistas mulheres nesta semana, em evento na capital paulista. Ela disse ter se surpreendido haver quem ainda seja contra salário igual para homens e mulheres.

No Congresso, o projeto obteve 37 votos contrários, dez deles eram de mulheres.

Procurado pela reportagem, o MTE não respondeu até a publicação deste texto.

 

Ø  Economista francês defende taxa mínima de 2% sobre riqueza de bilionários

 

O economista francês Gabriel Zucman, diretor do European Tax Observatory, defendeu a taxação dos 3 mil bilionários do mundo em no mínimo 2% de suas fortunas ao ano. O movimento geraria US$ 250 bilhões por ano, segundo o especialista.

Convidado pelo governo brasileiro, Zucman fez uma apresentação aos ministros da Finanças do G20, o grupo das maiores economias do mundo. Pela primeira vez na história, o Brasil trouxe o tema para a discussão no fórum e hoje pela manhã, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez a defesa dessa taxação e encomendou um estudo mais completo para o European Tax Observatory.

As pessoas mais ricas são as que acabam pagando menos impostos, ressaltou o economista francês. Por ser mais difícil mensurar a renda delas, já que boa parte de suas fortunas são participações em empresas, de capital aberto ou fechado, a ideia é fixar um porcentual mínimo sobre suas riquezas – no caso do estudo, de 2%.

Se o G20 conseguiu um consenso para uma taxa mínima para as grandes empresas multinacionais, Zucman acha que é factível trazer a mesma discussão agora para pessoas ricas. Mas é difícil falar em prazos, disse ele.

“É um desenvolvimento histórico”, afirmou o economista a jornalistas na tarde de hoje, após discutir o tema com os ministros. “É utópico pensar que vamos chegar a um consenso total. Mas não precisamos de um consenso global.” Como esses US$ 250 bilhões serão distribuídos para a sociedade é uma outra discussão, ponderou.

As reações no G20 sobre o tema têm sido receptivas, segundo o economista. Ele mencionou a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, que disse que o presidente Joe Biden tem proposta similar para os bilionários americanos. O ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, também declarou endossar a ideia.

“Muitos países expressaram que são a favor da noção de tributar os super-ricos”, afirmou Zucman aos jornalistas. Perguntado sobre os riscos de evasão fiscal pelos bilionários, o economista disse que ela se tornou mais difícil, devido a fatores como o maior compartilhamento de informações dos governos.

Conforme Zucman, a taxa sobre a riqueza de bilionários é algo a ser discutido amplamente nos fóruns internacionais. Essa discussão, segundo ele, está apenas começando.

De início, a proposta dele é uma taxa mínima de 2% sobre uma parcela do patrimônio de bilionários. “É uma taxa muito baixa, mas que faria uma diferença significativa em relação à taxa efetiva cobrada hoje sobre a riqueza … Claro, devemos ser mais ambiciosos. Acho que todos devem concordar que não é aceitável que bilionários tenham taxas efetivas mais baixas do que o resto da população.”

Na avaliação de Zucman, a progressividade tributária – ou seja, os mais ricos pagam mais impostos – contribuiria para a confiança das pessoas nas instituições democráticas, uma vez que nas democracias modernas as pessoas com maior capacidade financeira pagam taxas de impostos mais baixas. “Isso não é sustentável e gera apenas desconfiança nas instituições”, frisou.

O economista francês pontuou que sua proposta não resolve todos os problemas do mundo, mas enfrentaria a questão da regressividade do sistema tributário atual, começando pela taxação dos bilionários, que, observou, pagam hoje muito menos impostos do que o resto da sociedade.

 

Fonte: FolhaPress/IstoÉ

 

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