Ivânia Vieira: A agonia das águas da Amazônia - reflexões e
iniciativas
Nossos olhos viram os
rios secarem na Amazônia. O fundo dos rios ficou a amostra como terra torrada,
partida em centenas de pedaços. Botos, peixes e outras espécies morreram, não
sabemos quantos se foram e não tivemos chance de aprender mais sobre eles. Nossos
corpos sofreram, milhares de pessoas ficaram isolados, com fome de água, de
comida e de moradia. Isso foi ontem, em 2023.
A agonia da Amazônia
no ano passado gerou lições. Estas foram ou estão sendo aprendidas em 2024?
Quais iniciativas estão realmente sendo realizadas para mudar condutas da
sociedade, das políticas de governo combinadas com as de grupos empresariais e
de pesquisadores? Qual é o tamanho da disposição do Governo do Amazonas para
enfrentar os efeitos das mudanças climáticas e se aproximar do cumprimento de
uma das metas Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a de número 6 -
“até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo à água para consumo humano,
segura e acessível para todas e todos”.
O Igarapé do Gigante,
na Zona Oeste de Manaus, pede socorro, um pedido aos humanos para que
compreendam, antes que seja tarde, a importância de mantê-lo viso, para além do
verniz do projeto mosaico e das demais investidas destruidoras. Quer alianças
pela vida e não como arremedo que libera para a morte. Não é o único, todos os
igarapés da capital amazonense estão moribundos, alguns destruídos pela
contaminação de dejetos domésticos e industriais.
Romaria das Águas
É pelos igarapés, os
rios, as bacias e as vidas que neles e em seu redor habitam, e pelas vítimas
humanas que o Fórum das Águas de Manaus fará, nesta sexta-feira (22 de março),
a Romaria das Águas, quando grupos de defensores das águas e da Natureza seguirão
em barcos até o encontro dos rios Negro com o Solimões. A romaria faz parte de
uma série de atividades do Dia Mundial da Água, criado em 1992, pela ONU e,
desde 1993 é comemorado com atos em diversos países nesta data.
Ativistas, artistas,
religiosos, representantes de coletivos indígenas, do povo preto, da juventude,
das mulheres, de professores, sindicalistas e de instituições da área ambiental
devem se integrar à romaria que reafirma o compromisso de avançar no processo
de conscientização, mobilização e participação das comunidades de fé e de toda
a sociedade no sentido de contemplar, a partir do caldoso rio Amazonas a vida
humana e o planeta dentro da mística do cuidado e da fraternidade.
A Romaria das Águas é
também uma denúncia de que as empresas não podem fazer o que querem ignorando a
legislação. “A economia não pode ter essa autonomia em relação à política e à
ética, mas deve estar voltada realmente para o bem coletivo. Não há duas crises
separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única complexa crise
socioambiental”, diz documento do Fórum das Águas refletindo a encíclica
Laudato Si' - Louvado Sejas – de autoria do Papa Francisco ao tratar do
“cuidado da casa comum".
No Brasil, o tema
adotado pelo governo federal para o Dia Mundial da Água é “A Água nos Une, o
Clima nos Move”. O tempo corre, a voracidade da destruição avança. A escassez
de água se torna endêmica, alerta a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). São 2 bilhões de pessoas em todo o
mundo sem acesso à água em condições de consumo. Um dos resultados da mudança
climática, aponta documento da Unesco, é o aumento da escassez sazonal de água
em regiões onde atualmente o recurso é abundante – como África Central, Ásia
Oriental e partes da América do Sul; em regiões onde já há baixa
disponibilidade de água – como o Oriente Médio e o Sahel, na África, a situação
deve ser agravada. “Em média, 10% da população mundial vive em países com
estresse hídrico alto ou crítico”, indica a agência.
De acordo com a
Unesco, países de renda baixa, média e alta apresentam sinais de riscos
relacionados à qualidade da água. “A má qualidade da água ambiente em países de
baixa renda frequentemente está relacionada a baixos níveis de tratamento de
águas residuais, enquanto em países de renda alta os efluentes da agricultura
são um problema mais sério”.
“Os perigos do
aquecimento global não são palpáveis, imediatos ou visíveis no decorrer da vida
cotidiana, por mais assustador que se afigurem, muita gente continua sentada,
sem fazer nada de completo ao seu respeito. {...} esperar que eles se tornem
visíveis e agudos para só então tomarmos medidas sérias, por definição, será
tarde demais”. Assim, construir canais de comunicação entre os diferentes
atores ligados a questão hídrica de forma que as informações geradas por
estudos como o desenvolvido aqui sejam de fato relevantes ao processo de adaptação
e que sejam transmitidas de forma clara e no tempo adequado para a tomada de
decisão.
Por fim, é importante
lembrar que o desenvolvimento dessas estratégias de adaptação tem que ser
amparado por políticas públicas inovadoras, capazes de criar as circunstâncias
necessárias ao enfrentamento das consequências da mudança climática, numa perspectiva
de longo prazo e numa abordagem baseada na construção de sistemas de
aprendizagem para ação em situações de complexidade e incerteza. Este conjunto
de informações produzidos no estudo Impacto da Mudança Climática nos Recursos
Hídricos do Brasil – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), além
de orientar os tomadores de decisão e formuladores das políticas públicas,
permitirá também contribuir na construção desse sistema. Nossos olhos veem o
dia seguinte em Manaus cheio de ameaças sendo realizadas.
Cerrado é o bioma mais beneficiado por
iniciativa milionária lançada na COP
Uma aliança lançada na
Conferência do Clima (COP) de 2021 já destinou US$ 240 milhões (R$ 1,18 bilhão)
para projetos que aliam o aumento da produtividade rural à preservação
ambiental no Brasil. A Inovação Financeira para a Amazônia, Cerrado e Chaco
(IFACC, da sigla em inglês) é liderada pela Tropical Forest Alliance (TFA), The
Nature Conservancy (TNC) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), e já conta com 16 signatários, entre eles o banco Santander e a
gigante dos agrotóxicos Syngenta.
“Vemos um papel
importante não só do setor financeiro, de colocar dinheiro na mesa, mas também
de empresas que dependem da soja e do gado do Brasil no sentido de contribuírem
[para a iniciativa]”, diz Danielle Carreira, diretora de engajamento com o setor
financeiro da TFA. Ela explica que o principal objetivo da iniciativa é incluir
o produtor na agenda da sustentabilidade, sem que ele tenha que abrir mão de
continuar crescendo. “Queremos trazer a voz do produtor para a conversa.”
Dos onze projetos
apoiados pela iniciativa, sete estão no Cerrado, que recebeu quase a totalidade
dos recursos: US$ 234,5 milhões (R$ 1,16 bilhão), ou 98% do total. O dinheiro
está sendo aplicado em projetos de recuperação de pastagens degradadas, incentivo
à preservação de vegetação nativa e aumento da produtividade em áreas já
desmatadas.
O protagonismo do
bioma não é à toa. O Cerrado é a maior e mais biodiversa savana tropical do
mundo, ao mesmo tempo em que responde por 60% da produção agrícola do Brasil.
Ao contrário da Amazônia, onde o desmatamento caiu em 2023, no Cerrado a curva
seguiu ascendente com a supressão de mais de 11.000 km² (1,1 milhão de
hectares), segundo dados do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
A maior parte do desmatamento se concentra no Matopiba, região entre os estados
do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia que se tornou a nova fronteira agrícola
do país.
“O Brasil é uma
potência, e vai crescer, e os fazendeiros querem aumentar sua renda. Então a
questão é como podemos fornecer financiamento e apoio para eles aumentarem a
produção sem desmatamento”, diz Greg Fishbein, diretor de finanças agrícolas na
TNC. “A produção de soja e de gado no Brasil não vai parar. Então precisamos
ajudar na transição”, acrescenta Carreira.
Entre os projetos
apoiados no Cerrado, estão o Reverte, que já destinou US$ 116,9 milhões (R$ 579
milhões) para agricultores de Mato Grosso, Goiás e Maranhão expandirem sua
produção de soja sobre áreas de pasto degradado, reduzindo a pressão sobre a
vegetação nativa. Segundo o relatório da IFACC, o programa já levou ao
aproveitamento de 82.941 hectares de pastagens degradadas e a meta é atingir 1
milhão de hectares nos próximos anos.
“Muito se fala na
necessidade de usar melhor as áreas de pastagem degradadas, então ver um
programa dessa magnitude totalmente dedicado a isso é muito empolgante. É um
dos modelos críticos de produção que precisamos expandir”, diz Fishbein.
As pastagens ocupam
29% do Cerrado – cerca de 57 milhões de hectares – e um estudo publicado em
2021 mostrou que a maior parte dessa área tem condições de ser recuperada.
Já o projeto Commodity
Responsável (Responsible Commodity Facility) já destinou US$ 47,2 milhões (R$
233,8 milhões) a produtores rurais do Cerrado que se comprometeram a proteger a
vegetação nativa para além do exigido por lei. O objetivo é garantir a proteção
de 11.300 hectares, área que deve aumentar em dez vezes até 2025. “Esse é um
grande exemplo de como dar um valor econômico para a preservação”, afirma
Carreira.
O IFACC também
financia quatro projetos na Amazônia, além de uma iniciativa que cobre tanto a
Amazônia quanto o Cerrado. Na floresta tropical, os projetos são voltados para
a bioeconomia, especialmente para o desenvolvimento de sistemas agroflorestais
em parceria com comunidades locais.
O objetivo da coalizão
é atingir US$ 1 bilhão (quase R$ 5 bilhões) em investimentos até 2025 e
expandir sua atuação para o Chaco, um grande bioma de floresta seca que ocupa
uma área entre o norte da Argentina, o Paraguai, a Bolívia e o Brasil.
Fonte: IHU/Mongabay
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