terça-feira, 26 de março de 2024

Águas: Assim as privatizações vão para o ralo…

Na semana passada, em face da crise vivida pela empresa, Sarah Olney, parlamentar do Partido Liberal Democrata inglês, propôs que o Parlamento britânico discuta a alternativa de reestatizar a Thames Water, a maior empresa privada de saneamento básico da Grã-Bretanha que atende 16 milhões de clientes em Londres e no sudeste de Inglaterra.

A empresa vem fazendo lobby junto ao governo e aos reguladores para aumentar as suas contas em 40% até 2030, para adiar investimentos e para ter reduzidas suas multas por infrações que cometeu. Ao mesmo tempo pede autorização para continuar pagando dividendos aos seus acionistas. A empresa busca evitar uma intervenção do governo, na qual sua direção seria assumida por administradores especiais nomeados pelo judiciário, informou o Financial Times.

Em dezembro passado, a controladora da Thames Water, Kemble Water Holdings, foi notificada pelos seus auditores que poderia sofrer um colapso do caixa até abril se os acionistas não injetassem mais fundos na empresa. Sinalizando a gravidade da situação, na última semana um grupo de credores da controladora da Thames Water buscou apoio de consultores antes do vencimento de uma dívida de £ 190 milhões ao final de abril.

•        Thames Water fora do esforço contra a poluição por esgotos

Em 10 de março último, a Thames Water anunciou que não vai participar de plano de combate ao controle da extravasão de esgoto. A Thames se recusa a participar de um plano de investimento de 180 milhões de libras (R$ 1,14 bilhão) envolvendo vários prestadores privados para acelerar os esforços de redução da poluição das águas superficiais inglesas.

O governo afirmou que a quantia seria gasta por seis empresas nos próximos 12 meses para evitar mais de 8 mil extravasões de esgoto bruto, enquanto as empresas de água tentam resolver seu lamentável histórico no combate a estas extravasões.

A Thames Water, que tem uma dívida de 14 bilhões de libras (R$ 88,2 bilhões!), não participará da iniciativa, mas afirma que planeja investir 18,7 bilhões de libras (R$ 117,8 bilhões) entre 2025 e 2030. No entanto, na atual conjuntura não consegue acelerar o seu investimento, apesar do pedido do governo.

Os problemas de desempenho da Thames Water não se restringem à poluição por esgotos. Em fevereiro passado, a empresa divulgou que prevê mais perdas por vazamentos nos próximos dois anos do que o projetado originalmente.

A opinião pública está cada vez mais indignada com a insuficiência do investimento na infraestrutura dos serviços. Isso, no caso da Thames Water, é mais difícil de aceitar, tendo em vista o montante dos dividendos que pagou aos seus acionistas que atingiu um total de 7,2 bilhões de libras (R$ 45,3 bilhões) de 1990 a 2023. (ver gráfico a seguir publicado pelo Guardian), valor que corresponde a mais de 50% da dívida da empresa.

•        Enganando os usuários

Em 11 de março, a Thames Water foi acusada de “enganar” os usuários dos seus serviços clientes depois de informar que apenas alguns centavos de cada libra gasta em suas contas são pagos aos seus credores.

A Thames estava escondendo o verdadeiro custo de sua enorme dívida de £ 14 bilhões: uma análise do Guardian descobriu que a empresa gastou em média quase 28% de suas receitas anuais no serviço de suas dívidas entre 2018 e 2023.

O fato é que a Thames Water está indo pelo ralo e a chance de ocorrer uma renacionalização temporária ou definitiva da prestação dos serviços é cada vez mais concreta. Mas a pergunta que não quer calar é: quem vai ficar com o mico? Ou melhor, os contribuintes vão pagar as contas do desastre desta privatização?

 

       Como Copenhague se tornou uma "cidade-esponja" contra cheias

 

Capital da Dinamarca está entre as cidades no mundo que previnem enchentes tornando espaços públicos lugares de lazer, de biodiversidade e, ao mesmo tempo, áreas de absorção de águas pluviais.Embora seja uma das rotatórias mais movimentadas do leste de Copenhague, o ar em Sankt Kjelds Plads não é pesado, não tem o cheiro e a textura dos gases de escape. E, em vez do rugido dos motores, a paisagem sonora é caracterizada pelo som melodioso produzido por pássaros.

A rotatória, que é cercada por arbustos e árvores, faz parte de um experimento em grande escala para transformar os espaços públicos da capital dinamarquesa. A ideia é tornar Copenhague mais “habitável”, criando locais para os cidadãos se encontrarem e um habitat para a biodiversidade, ao mesmo tempo em que cria engrenagens em uma máquina de controle de enchentes.

Essa transformação foi desencadeada pelos eventos de 2 de julho de 2011, quando Copenhague foi atingida pelo que foi apelidado de “a chuva do milênio”.

O aguaceiro maciço causou inundação de ruas e casas. E, sem ter para onde escoar, a água permaneceu por dias. Ratos mortos foram vistos flutuando pela cidade, e uma pesquisa posterior revelou que durante os trabalhos de limpeza um quarto dos trabalhadores do saneamento foi infectado com doenças como a leptospirose. Um deles até morreu.

Nos sete anos seguintes, esse tipo de tempestade começou a se tornar cada vez mais comum, com quatro eventos de “chuvas do século” registrados nesse período. Isso custou à cidade pelo menos 800 milhões de euros (R$ 4,3 bilhões) em prejuízos, deixando claro para os formuladores de políticas públicas que era hora de repensar a capital dinamarquesa.

•        Design urbano inspirado na esponja

Nos últimos séculos, o foco do desenvolvimento urbano em lugares como Copenhague foi a criação de “cidades-máquina” que pudessem ser construídas rapidamente e fossem eficientes para habitação, indústria e economia. Mas muitos desses centros urbanos acabaram interferindo no ciclo da água, especialmente aqueles que modificaram leitos de rios ou foram construídos sobre planícies aluviais.

Com o concreto e o asfalto cobrindo áreas antes destinadas à grama e ao solo, a água das chuvas mais fortes ficou sem ter para onde ir. Com muita frequência, isso resulta em enchentes, e cidades do mundo todo estão explorando maneiras de reverter esse tipo de desenvolvimento urbano. E elas fazem isso se transformando em “esponjas” urbanas.

Em outras palavras, essas cidades estão criando espaços e infraestrutura para absorver, reter e liberar a água de forma a permitir que ela flua de volta para seu ciclo.

A China está na liderança, com mais de 60 de suas cidades sendo reformadas e agora incorporando estruturas como biovaletas e jardins de chuva para reter a água. Jan Rasmussen, chefe do “Cloudburst Master Plan” (plano diretor para tempestades) de Copenhague, também viu potencial para a Dinamarca.

“Nossos políticos decidiram que há realmente uma necessidade de escoar a água da cidade muito rapidamente”, disse Rasmussen. “Eles perguntaram se poderíamos fazer isso de forma inteligente, se poderíamos expandir o sistema de esgoto. Poderíamos lidar com as chuvas na superfície?”

•        Absorvendo a água da chuva

Tendo estudado projetos de cidades-esponja em todo o mundo, a equipe de Rasmussen pensou na remodelação de cerca de 250 espaços públicos de forma a ajudar na retenção ou redirecionamento de águas pluviais, incluindo parques, parques infantis e a rotatória Sankt Kjelds Plads. A ideia é usar a capacidade natural de retenção das árvores, dos arbustos e do solo e deixar a água pluvial fluir para locais onde não seja destrutiva.

Uma dúzia de lagos que margeiam a rotatória foi então projetada de forma a reter o excesso de água da chuva no caso de uma tempestade. Assim como outros lagos semelhantes espalhados pela cidade e aberturas largas nas laterais de ruas baixas, eles servem para canalizar a água da enchente para uma rede de túneis que está sendo instalada 20 metros abaixo da superfície.

Durante uma chuva “normal”, as águas pluviais são direcionadas para o porto por meio desse sistema de drenagem. No entanto, quando há um excesso, como em um cenário de tempestade, uma estação de bombeamento no porto entrará em ação, forçando para o mar a água acumulada nos túneis, criando assim espaço para mais água da chuva e evitando que as ruas sejam inundadas. Essa estação está sendo construída atualmente e estará pronta em 2026.

“Ainda haverá água nas ruas. Quero dizer, elas não ficarão completamente secas. Mas passaremos de um metro [de água de enchente] para no máximo 20 centímetros”, disse Jes Clauson-Kaas, engenheiro da Hofor, o departamento de gerenciamento de água responsável pela construção do túnel.

•        Benefícios de longo prazo

Parte do desafio é conseguir a adesão dos moradores locais. E isso nem sempre é fácil quando se trata de fechar parquinhos infantis ou os parques da cidade por longos períodos para transformá-los em zonas de inundação, ou financiar os planos de adaptação através de uma taxa extra nas contas de água.

Mas Clouson-Kaas diz que equipar para o futuro uma cidade propensa a inundações faz sentido do ponto de vista financeiro. “Perdemos cerca de 1 bilhão com esse único evento [em 2011], mas esperamos que haja vários eventos nos próximos 100 anos. Dizem que a perda potencial pode ser de pelo menos 4 ou 5 bilhões de euros. Portanto, se investirmos 2 bilhões de euros, ainda assim valerá a pena”, disse ele.

Copenhague está em posição – financeira e política – de investir nessa infraestrutura agora, em vez de lidar com possíveis danos no futuro. A cidade se tornou um lugar na qual as outras cidades buscam um exemplo para aprender sobre os benefícios de se criar uma esponja urbana.

 

Fonte: Por Marcos Helano Montenegro, em Outras Palavras/Deutsche Welle

 

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