Guilherme Mazieiro: Como Lula 'isentão'
abandonou a pauta da esquerda
Não se debruçar sobre
a Ditadura Militar porque é “coisa do passado”, apoiar o fim das saidinhas de
presos, fugir da discussão sobre aborto e liberação de drogas fazem parte do
novo figurino de Lula (PT). Mais do que abrir mão de temas caros para sua base
e que inflamam seus opositores, o presidente optou por barrar essas discussões.
As mulheres que o digam, em 2023, perderam representatividade nos ministérios
para quadros do centrão.
É ano eleitoral, e
Lula prefere falar grosso e sem papas na língua quando o assunto é Venezuela,
Hamas e Rússia. Assim que o petista tem alimentado o coração dos esquerdistas,
mesmo que isso custe rusgas e tensões diplomáticas ao país.
A base governista que
já tinha votado pelo fim da saidinha, nesta semana corroborou a proposta de
emenda à Constituição (PEC) que amplia as isenções para igrejas. Teve mais. A
ministra da Saúde, Nísia Trindade, recuou e suspendeu uma nota técnica que trata
sobre aborto. O documento nada mais fazia do que reforçar o que está previsto
em lei, sem criar nenhuma novidade ou estímulo ao aborto. Mas a rápida
repercussão na oposição e em lideranças religiosas foi suficiente para
melindrar o governo, que invalidou o documento.
Em entrevista ao
jornalista Kennedy Alencar, na RedeTV!, o presidente disse que não quer tratar
da Ditadura Militar - período funesto da história que começou há exatos 60
anos, em 1964, e se estendeu por 21 anos.
“Eu fico pensando que,
nesse tempo que teve o golpe militar, eu passava muita fome com a minha mãe e o
irmão. Não quero ficar lembrando disso, não”, disse Lula, que inclusive, foi
preso na ditadura pelas greves sindicais.
Um presidente não pode
negar ao país uma discussão histórica porque isso relembra os sofrimentos
pessoais que viveu. Postura diferente teve a ex-presidente Dilma Rousseff (PT),
também presa na ditadura - e pior, torturada - , que criou a Comissão Nacional
da Verdade, em 2011. Em 2012, durante a instalação do órgão, Lula esteve
presente e pode ouvir Dilma dizer que: "A ignorância sobre a história não
pacifica, pelo contrário, mantém latente mágoas e rancores".
O posicionamento de
Lula destoa de ministros como Silvio Almeida, dos Direitos Humanos e Cidadania.
Almeida planeja ações para que o país “não se esqueça” dos anos de chumbo e
aguarda que o Planalto autorize a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos
Políticos da Ditadura.
Os militares, aliás,
merecem destaque à parte. Na entrevista à RedeTV!, elogiou o ministro da
Defesa, José Múcio. O mesmo ministro que relativizou a tentativa de golpe
contra o país e o governo. Foi Múcio quem disse, em entrevista ao O Globo mês
passado, que o que viu em 8/1 foi uma manifestação de “senhoras, crianças,
rapazes, moças... Como se fosse um grande piquenique, um arrastão em direção à
Praça dos Três Poderes. Foi um movimento de vândalos, financiados por
empresários irresponsáveis”.
A fala está situada em
um universo paralelo, muito distante da realidade que todos vimos e das
informações contidas nas investigações da Polícia Federal. Aliás, Múcio mesmo
pouco fez para punir militares. Ele e Lula abdicaram da responsabilidade,
passada à PF e ao STF.
É verdade que
Bolsonaro, quando presidente, não emplacou toda sua cartilha reacionária. A
força política que o parlamento adquiriu nos últimos anos dificulta a aprovação
de pautas que não sejam consensuadas entre as grandes bancadas. Mas Bolsonaro
agiu onde pôde para inflamar a base: no Ministério da Educação, Direitos
Humanos e liberou armas. Deu certo, como vimos na grande mobilização de
domingo, 25.
No Congresso, pautas
ideológicas avançam se casadas com um “algo mais”, como benefícios setoriais. O
marco temporal, patrocinado pela bancada ruralista e partidos de centro, é um
exemplo. O projeto foi uma derrota para o governo Lula, que vetou o tema e empurrou
a decisão para o STF.
A agenda legislativa
de Lula foca na economia, programas sociais e pauta verde, sustentável. A
disputa cultural foi abandonada e ganhou força nas discussões da
extrema-direita.
Trago uma análise
feita pelo ex-ministro José Dirceu, em janeiro. Condenado no Mensalão e na Lava
Jato e fora do jogo político, o petista é saudado na esquerda por sua
habilidade de análise e percepção das forças que influem na sociedade.
“Nesses anos, houve
uma mudança social e cultural enorme. Por causa do fundamentalismo religioso,
por causa da ocupação dos territórios por força dos partidos de direita. E nós
recuamos. Vimos agora no primeiro de maio (de 2023). Não houve uma mobilização
nacional”, disse ao programa petista POD13 Bahia.
Lula, parece apostar
que a melhora da economia resolverá a maior parte dos problemas e será
suficiente. Não custa lembrar que os primeiros atos da queda de Dilma (e da
esquerda) começaram em 2013, quando o país registrava o maior PIB per capita de
sua história.
• Lula “não mudou nada” da linha econômica
de Bolsonaro, diz Ciro Gomes
O ex-presidenciável
Ciro Gomes (PDT) comparou a gestão da política econômica do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) com a do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ao CNN Entrevistas,
Ciro disse que Lula “não mudou nada” em relação a Bolsonaro e que a linha
econômica do governo segue a mesma.
Não mudou nada. É
chocante o que eu estou dizendo. Desde os dados graves da economia, superávit
primário, meta de inflação, câmbio flutuante. Justo ou não, correto ou não,
qual a diferença no manejo do modelo econômico que o Lula pratica e o
Bolsonaro? - Ciro Gomes.
Para Ciro, a elite do
país entrou em uma polarização em esquerda e direita que, na prática, não
representou mudanças efetivas na economia nacional.
O ex-governador e
ex-ministro afirmou ainda que o ministro da Previdência, Carlos Lupi,
presidente nacional do PDT, tem sido desautorizado por Lula sobre a redução dos
juros do crédito consignado.
E ressaltou que
desistiu da vida pública por causa da “prostração da sociedade civil
brasileira”. Ele ressaltou que não pretende mais se candidatar a cargo nenhum.
Eu não desisti, eu fui
desistido. Eu estou lutando por outras obras. Só não quero submeter as minhas
ideias a um processo eleitoral viciado. Eu não pretendo mais ser candidato a
nada. Vamos ver se eu consigo. - Ciro Gomes.
Na entrevista, Ciro
disse que, apesar da proximidade entre Lula e Bolsonaro na política econômica,
o governo petista se diferencia por ter uma “civilidade no tratamento do valor
da democracia”.
“Você ter alguém do
campo da democracia, sabe com quem você pode dialogar, sem ter o risco amanhã
de levar um tiro. Só que isso é uma âncora que amarra a gente ao passado. O meu
compromisso é com o futuro”, afirmou.
Procuradas pela CNN, a
assessoria de imprensa da Presidência da República não respondeu às críticas de
Ciro e a de Jair Bolsonaro disse que não quer comentar.
Questionado pela CNN,
Ciro disse que estaria disposto a dialogar com Lula caso fosse chamado para uma
conversa. No Palácio do Planalto, assessores do governo dizem que Lula não
desistiu de retomar uma relação com Ciro.
“Olha, você imagina se
eu não estou disposto. Eu converso até com Satanás se o assunto for a obra de
Deus”, afirmou.
Por causa do apoio a
Lula, Ciro deixou de falar com o irmão, o senador Cid Gomes (PSB-CE). Os dois
não retomaram o diálogo desde as eleições de 2022.
Na entrevista, Ciro
disse ainda que Lula tem “falado bobagens”, como a comparação do ataque de
Israel à Faixa de Gaza com a perseguição de judeus na Segunda Guerra Mundial.
O Lula é aquilo que eu
chamo de arrogância ignorante. É uma ignorância arrogante. - Ciro Gomes.
Quando questionado
sobre qual conselho daria ao presidente, Ciro disse que ele tem de deixar de
querer ser um “popstar estrangeiro”.
“O Lula tem essa
virtude. Ele é muito trabalhador. O Bolsonaro era um preguiçoso. Tem muita
gente que também não sabe o tamanho da preguiça. Melhora a sua equipe. É uma
equipe ‘indizível’. Gente deslumbrada”, afirmou.
• Precatórios
Ciro também falou
sobre a liberação de R$ 93 bilhões pelo governo Lula para pagar precatórios.
“Eles [o governo]
venderam os precatórios para bancos, para poucos bancos, dois bancos, que
compraram esses precatórios com deságio de até 50%”. Para Ciro, “isso é uma
falcatrua maior que a do mensalão e do petrolão juntos”.
Procurado pela CNN
sobre a acusação de Ciro sobre o pagamento dos precatórios, o governo não se
manifestou.
Ø
Luis Felipe Miguel: “é absolutamente
necessário lembrar do golpe e da ditadura”
É difícil combinar o
Lula que fez a denúncia tão corajosa do genocídio do povo palestino e o Lula
que parece ter pânico de melindrar os generais de seu próprio país.
Sua declaração sobre o
golpe de 1964 – de que se trata algo que pertence exclusivamente ao passado e
sobre o qual não vale mais a pena falar – é absolutamente irresponsável com a
tarefa, que ele tem, de restaurar as condições para a retomada democrática no
Brasil.
Lula disse que está
mais preocupado com a tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023 do que com o
golpe bem-sucedido de março e abril de 1964. Parece, por sua fala, que não há
nenhuma relação entre um e outro.
Parece que a falta de
enfrentamento das consequências da ditadura e, em particular, a falta de
punição para todos os responsáveis pelos crimes nela cometidos não estão entre
os fatores principais da debilidade da democracia no Brasil. Parece que aqueles
que estavam dispostos a golpear novamente a Constituição e perpetuar Bolsonaro
no poder não se inspiravam na ditadura que vivemos entre 1964 e 1985.
Lula diz que os
generais de hoje não são os generais que deram o golpe em 1964. Diz que eles
não eram nem nascidos então, o que é um certo exagero, mas tudo bem, eram crianças.
Não passavam de oficiais de baixa patente ao final da ditadura.
Mas o que ele faz
questão de não dizer é que, embora os generais sejam outros, a mentalidade
militar é a mesma.
Décadas se passaram
desde o retorno dos civis ao poder, décadas da vigência de uma constituição
formalmente democrática, mas nada se fez para adaptar a corporação militar seja
à convivência na democracia, seja ao primado do poder civil.
Os chefes militares
brasileiros de hoje não participaram do golpe. Mas são incapazes de fazer a
autocrítica institucional. Continuam cultuando torturadores e julgando que sua
intervenção ilegítima no jogo político é justificável por um motivo ou por outro.
Muitos deles não
quiseram embarcar na aventura que o bolsonarismo lhes propôs (nem por isso
combateram ativamente a conspiração golpista). Na verdade, tendo ou não
simpatizado com o plano arquitetado por Bolsonaro, por Braga Neto e por Heleno,
nenhum deles abre mão de continuar controlando os recursos de poder que lhes
garantem a possibilidade de manter o sistema político brasileiro sob permanente
chantagem fardada.
Não é só ideologia, a
vontade de manter o Brasil livre da “ameaça comunista”, seja lá o que isso for.
É o que lhes garante benesses imorais – impunidade para seus crimes, vantagens
financeiras extravagantes, oportunidades para corrupção, mordomias, a absoluta
falta de qualquer exigência de mínima competência profissional.
A desmoralização
profunda das Forças Armadas, por seu envolvimento nas lambanças bolsonaristas,
abre a chance de agir – punir golpistas e corruptos, mexer na formação,
reafirmar valores básicos (como o que diz que militares não se metem em
política), reforçar o poder civil. Infelizmente, viciado em apaziguar,
capitular e recuar, o governo desperdiça a oportunidade.
Ao contrário do que
disse o presidente, é absolutamente necessário lembrar do golpe e da ditadura.
Seria necessário mesmo que fossem passado, pois temos que aprender com a
história.
Mas nem passado são.
Fonte: Terra/CNN
Brasil/Racismo Ambiental
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