sábado, 23 de março de 2024

Governo Lula avançou pouco nas demarcações e violência contra indígenas continua, relata secretário do Cimi à ONU

Nesta quinta-feira (21), o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Luis Ventura Fernández, expôs preocupação com cenário atual dos direitos indígenas no Brasil ao Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU). A fala foi feita durante o Debate Geral sobre a situação dos países integrantes da ONU, atividade que integra a programação da 55ª sessão ordinária do CDH. A sessão ocorre em Genebra, na Suíça, entre 26 de fevereiro e 5 de abril.

“Depois do primeiro ano do novo governo no Brasil, afirmamos que ainda existem sérias dificuldades para avançar na garantia dos direitos dos povos indígenas. O novo governo está muito longe das expectativas criadas e do cumprimento de suas obrigações”, relatou o secretário executivo do Cimi, em fala realizada à distância.

“A invasão de territórios indígenas continua e as medidas de proteção adotadas pelo novo governo se demonstraram insuficientes ou inexistentes”

·        Violência continua

“A violência contra as comunidades indígenas permanece”, destacou Ventura, chamando atenção para a atuação de grupos armados que foram articulados por fazendeiros para atacar comunidades indígenas – com a anuência e a participação de forças de segurança estatais.

O secretário do Cimi destacou casos ocorridos recentemente nos estados do Mato Grosso do Sul, onde indígenas Guarani e Kaiowá do tekoha Pyelito Kue e jornalistas foram brutalmente agredidos por uma milícia rural no final de 2023, e na Bahia, onde a liderança Maria Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe, foi assassinada em janeiro deste ano, durante ataque protagonizado pelo Movimento Invasão Zero.

“A invasão de territórios indígenas continua e as medidas de proteção adotadas pelo novo governo se demonstraram insuficientes ou inexistentes”, prosseguiu Ventura, citando o caso do povo Karipuna de Rondônia, “onde uma comunidade de cerca de 60 pessoas continua enfrentando ameaças de invasores em um território que já está homologado”.

“O Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, que impõe o marco temporal e inviabiliza as demarcações de terras indígenas. Esta lei contradiz a Suprema Corte brasileira e a própria Constituição, assim como recomendações de mecanismos e instrumentos da ONU”

·        Marco temporal

“O governo avançou muito pouco na demarcação de terras durante seu primeiro ano. Em dezembro, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, que impõe o marco temporal e inviabiliza as demarcações de terras indígenas. Esta lei contradiz a Suprema Corte brasileira e a própria Constituição, assim como recomendações de mecanismos e instrumentos da ONU”, informou Ventura.

Em dezembro, o Congresso Nacional derrubou a maioria dos vetos do presidente Lula e promulgou a Lei 14.701/2023. A medida contraria, inclusive, o recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que sepultou a tese do “marco temporal”, considerada inconstitucional. Desde então, a lei está em vigor, colocando em risco diversas comunidades e territórios indígenas. Os povos cobram que a Suprema Corte declare a lei inconstitucional.

Em diversos relatórios e manifestações públicas, especialistas e comissões da própria ONU já manifestaram preocupação com as restrições aos direitos indígenas ocasionadas pela aplicação da tese do chamado marco temporal, que limita a demarcação de terras indígenas apenas àquelas que estivessem sob a posse dos povos no dia 5 de outubro de 1988.

Em sua Revisão dos Direitos Civis e Políticos do Brasil, em julho de 2023, o Comitê de Direitos Humanos da ONU manifestou preocupação com a “falta de implementação efetiva do processo de demarcação de terras, levando a um aumento de conflitos de terra, invasão ilegal, exploração de recursos, ataques e assassinatos de povos indígenas”.

Na ocasião, o Comitê recomendou ao Estado brasileiro que buscasse “defender o direito dos povos indígenas a suas terras e territórios tradicionalmente ocupados, entre outras coisas, revisando sua legislação e pondo fim à aplicação e institucionalização da tese do marco temporal”.

Em junho, o relator especial da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, pediu que o STF rejeitasse a aplicação da tese do marco temporal, “contrária aos padrões internacionais”, para “evitar a perpetuação de mais injustiças” contra os povos originários do Brasil.

·        55ª sessão ordinária do CDH

“Pedimos ao Conselho de Direitos Humanos que mantenha a atenção sobre o que está acontecendo no Brasil e continue solicitando ao Estado brasileiro que cumpra suas obrigações internacionais”, concluiu Luis Ventura.

Na semana passada, o jovem xamã Guarani Kaiowá Germano Lima, do tekoha Guira Kambi’y, em Douradina (MS), e a missionária Marline Dassoler, do Cimi, também participaram de atividades do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A 55ª sessão do Conselho segue até o dia 5 de abril, e mais manifestações de representantes indígenas e do Cimi estão previstas.

<<<< Confira, abaixo, a íntegra da fala do secretário executivo do Cimi:

Estimados senhores,

Depois do primeiro ano do novo governo no Brasil, afirmamos que ainda existem sérias dificuldades para avançar na garantia dos direitos dos povos indígenas. O novo governo está muito longe das expectativas criadas e do cumprimento de suas obrigações.

A violência contra as comunidades indígenas permanece. Grupos armados são convocados abertamente em redes sociais para atacar comunidades, com participação de grandes proprietários de terra e de membros das forças de segurança do Estado em lugares como Bahia ou Mato Grosso do Sul.

O governo avançou muito pouco na demarcação de terras durante seu primeiro ano. Em dezembro, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, que impõe o marco temporal e inviabiliza as demarcações de terras indígenas. Esta lei contradiz a Suprema Corte brasileira e a própria Constituição, assim como recomendações de mecanismos e instrumentos da ONU.

A invasão de territórios indígenas continua e as medidas de proteção adotadas pelo novo governo se demonstraram insuficientes ou inexistentes, como no caso da Terra Indígena (TI) Karipuna, no estado de Rondônia, onde uma comunidade de cerca de 60 pessoas continua enfrentando ameaças de invasores em um território que já está homologado.

Pedimos ao Conselho de Direitos Humanos que mantenha a atenção sobre o que está acontecendo no Brasil e continue solicitando ao Estado brasileiro que cumpra suas obrigações internacionais.

Muito obrigado.

# Luis Ventura Fernández, secretário executivo do Cimi

 

Ø  MEIO AMBIENTE: Petrobras é uma das 5 piores petroleiras do mundo no cumprimento de metas climáticas

 

Sempre que possível, o comando da Petrobras gosta de falar em “transição energética”. E geralmente na mesma frase associam esse processo a “aumentar a produção de petróleo”. Afinal, também sempre que pode o presidente da estatal, Jean Paul Prates, reforça que a petroleira vai produzir combustíveis fósseis “até a última gota”. E que a empresa fará uma transição “com responsabilidade”.

O que essa “responsabilidade” significa é uma incógnita. Mas o que está claro é que a Petrobras é uma das cinco petroleiras do planeta que menos se comprometem com metas climáticas e com a limitação do aumento da temperatura global em 1,5°C sobre os níveis pré-industriais, como combinado no Acordo de Paris.

A conclusão é do  relatório Paris Maligned II, lançado na 4ª feira (20/3) pelo Carbon Tracker, think tank que monitora como os mercados financeiros e os investimentos podem afetar as mudanças climáticas. O estudo comparou as 25 maiores empresas de petróleo e gás fóssil do mundo listadas em bolsas de valores, informam DW e UOL.

O estudo considera cinco fatores: Opções de Investimento; Sanções de Projetos Recentes; Planos de Produção; Metas de Emissão; e Remuneração Executiva. As companhias foram classificadas em uma escala de A-H, sendo “A” potencialmente alinhada com os objetivos do Acordo de Paris, e “H”, a mais distante, levando a um aumento de temperatura de 2,4°C – ou mais, destaca a epbr.

Justiça seja feita: a estatal brasileira não é a pior no ranking. O título ficou com a estadunidense ConocoPhillips, que cravou “H”. Vale lembrar que a Conoco é a responsável pelo Willow, projeto de exploração de combustíveis fósseis no Alasca autorizado pelo governo de Joe Biden há um ano.

A Petrobras ficou com “G” na análise. Foi a mesma avaliação obtida pelas estadunidenses ExxonMobil e Pioneer – a primeira fechou a compra da segunda em outubro de 2023 – e a saudita Saudi Aramco.

A petroleira que ficou “melhor na foto” do Paris Maligned II foi a britânica bp. Mas, ainda assim, obteve uma nota “D” na avaliação. Entre as empresas avaliadas pela Carbon Tracker, a bp é a única que, a princípio, pretende reduzir sua produção de combustíveis fósseis até 2030 – embora um grupo de investidores esteja pressionando a companhia para enfraquecer suas metas climáticas.

Seis petroleiras atingiram “E”: Repsol, Equinor, Eni, Shell, TotalEnergies e Chesapeake. As outras 13 avaliadas ficaram no patamar “F”.

“Empresas de todo o mundo estão declarando publicamente que apoiam as metas do Acordo de Paris e afirmam ser parte da solução para acelerar a transição energética. Infelizmente, porém, vemos que nenhuma delas está atualmente alinhada com os objetivos do Acordo de Paris”, disse Maeve O’Connor, analista de petróleo e gás do Carbon Tracker e autora do relatório.

Em outras palavras, falam muito e não fazem nada. A observação de Maeve é bastante familiar quando se olha para o comando da Petrobras. E certamente de muitas (ou todas as) petroleiras do planeta. Não à toa CEOs da indústria de combustíveis fósseis reunidos em Houston, na CERA Week, disseram ser “fantasia” eliminar petróleo e gás fóssil.

<< Em tempo 1:

Na sanha de produzir petróleo “até a última gota”, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, voltou a falar da “importância” de explorar combustíveis fósseis na “margem equatorial” – leia-se foz do Amazonas. O que Prates não contou é que o IBAMA multou a estatal em R$ 625,5 mil por infração ambiental na tentativa de explorar petróleo num bloco próximo ao FZA-M-59, na bacia da foz do Amazonas, para o qual a petroleira espera licença do órgão ambiental, conta Vinicius Sassine na Folha. A infração envolve desrespeito a uma condição prevista na licença de operação, que tratava de produção e descarte de fluidos de perfuração e cascalho, conforme apontam documentos do IBAMA. A autuação é uma das mais de 3.000 lavradas em razão de infrações cometidas pela estatal nos últimos 10 anos. Os débitos somam R$ 985,6 milhões, dos quais apenas R$ 49,9 milhões – 5% – foram pagos.

<< Em tempo 2:

Outro que ama juntar “transição energética” com “para isso, vamos produzir mais petróleo” é o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Também na CERAWeek 2024, o ministro disse que o Brasil tem grande potencial para ampliar sua produção de petróleo, mesmo no contexto de transição energética global, informa o Estadão. Segundo o ministro, isso demonstra que “a transição energética precisa ser equilibrada, tem que ser olhada pela ótica do respeito, da prioridade energética e em especial às necessidades energéticas do planeta”. Será que é a tal da “responsabilidade” – com os acionistas, não com o clima – sobre a qual Jean Paul Prates tanto fala?

 

Ø  “Fundos verdes” do BNDES financiaram R$ 1,8 bilhão para empresas multadas pelo IBAMA

 

De um lado, a legislação ambiental dá uma base ampla à fiscalização para punir empresas que não cumprem as regras. Nesse ínterim, as companhias abusam de recursos administrativos e processos judiciais para protelar o pagamento de multas pelo maior tempo possível, preferencialmente até a prescrição. E do outro, essas mesmas empresas vão aos cofres públicos buscar dinheiro destinado a projetos “sustentáveis”. Que, por falta de mecanismos de controle que conversem com os órgãos ambientais, concedem empréstimos a juros camaradas e prazo idem.

De forma simplificada, essa é a lógica por trás de um levantamento feito por Rafael Oliveira na Agência Pública com base em dados do BNDES. A apuração revela que o “banco nacional do desenvolvimento sustentável” – como se autointitula a instituição financeira em seu site – emprestou mais de R$ 1,8 bilhão oriundo de instrumentos financeiros sustentáveis para empresas que somam R$ 590 milhões em multas aplicadas pelo IBAMA. A lista de beneficiadas com esses empréstimos “sustentáveis” que foram multadas inclui gigantes envolvidas em escândalos ambientais, como a Vale e a Braskem. E também Anglo American, Mineração Rio do Norte, Pedra Agroindustrial, O Boticário e Suzano.

Ao todo, o BNDES liberou R$ 5,6 bilhões em financiamentos verdes, dos quais R$ 1,8 bilhão se destinaram a empresas multadas pelo IBAMA. O total de infrações emitidas a essas companhias pelo órgão ambiental é de R$ 590,9 milhões. Mas apenas R$ 46,6 milhões desse valor, correspondente a 7,6% do total, foram pagos.

Os quase R$ 2 bilhões destinados pelo banco por meio de instrumentos sustentáveis a empresas multadas representam cerca de um terço do total despendido entre 2006 e novembro de 2023 com o Fundo Clima e com os instrumentos financeiros “Meio Ambiente” e “Meio Ambiente – Incentivada A”. Do valor total contratado, as empresas multadas desembolsaram R$ 976 milhões até a publicação da reportagem. O levantamento não considerou as multas canceladas, prescritas, suspensas sem depósito judicial, ou que foram baixadas por conta de recursos deferidos.

As regras do BNDES impedem apoio a quem cometeu crimes contra o meio ambiente. Na página “Atividades, empreendimentos e itens não apoiáveis pelo BNDES”, a instituição afirma não fornecer “apoio financeiro a clientes condenados, seja na esfera administrativa ou judicial, por atos que envolvam: […] crime contra o meio ambiente”. Afirma ainda que, “no caso de ter havido uma condenação pelos atos acima, a contratação ficará impedida até a comprovação da regularização da situação pelo cliente”. Dentre as multas analisadas pela Pública, a maior parte ainda está em fase de contestação e análise de recursos, sem condenação definitiva.

Para Luciane Moessa, diretora executiva e técnica da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), a despeito dos autos de infração ainda serem passíveis de reversão, os dados são “preocupantes” e as operações de crédito dessa natureza “deveriam estar vinculadas a compromissos de regularização ambiental”.

“A gente está falando de produtos verdes, que buscam gerar impacto ambiental positivo. É muito importante ter indicadores objetivos e ter monitoramento para garantir que isso vai ser gerado. Isso implica que uma empresa com irregularidades ambientais jamais vai receber crédito com essas características? Não. Mas, se os recursos são limitados em uma linha de crédito verde, o agente financeiro deveria premiar empresas com melhor performance ambiental”, destacou.

 

Fonte: Cimi/ClimaInfo

 

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