Governo Lula avançou pouco nas demarcações
e violência contra indígenas continua, relata secretário do Cimi à ONU
Nesta quinta-feira
(21), o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Luis
Ventura Fernández, expôs preocupação com cenário atual dos direitos indígenas
no Brasil ao Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas
(ONU). A fala foi feita durante o Debate Geral sobre a situação dos países
integrantes da ONU, atividade que integra a programação da 55ª sessão ordinária
do CDH. A sessão ocorre em Genebra, na Suíça, entre 26 de fevereiro e 5 de
abril.
“Depois do primeiro
ano do novo governo no Brasil, afirmamos que ainda existem sérias dificuldades
para avançar na garantia dos direitos dos povos indígenas. O novo governo está
muito longe das expectativas criadas e do cumprimento de suas obrigações”, relatou
o secretário executivo do Cimi, em fala realizada à distância.
“A invasão
de territórios indígenas continua e as medidas de proteção adotadas pelo novo
governo se demonstraram insuficientes ou inexistentes”
·
Violência continua
“A violência contra as
comunidades indígenas permanece”, destacou Ventura, chamando atenção para a
atuação de grupos armados que foram articulados por fazendeiros para atacar
comunidades indígenas – com a anuência e a participação de forças de segurança
estatais.
O secretário do Cimi
destacou casos ocorridos recentemente nos estados do Mato Grosso do Sul, onde
indígenas Guarani e Kaiowá do tekoha Pyelito Kue e jornalistas foram brutalmente agredidos por uma milícia rural no final de 2023, e na Bahia, onde a liderança Maria
Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe, foi assassinada em janeiro deste ano, durante ataque protagonizado pelo Movimento Invasão Zero.
“A invasão de
territórios indígenas continua e as medidas de proteção adotadas pelo novo
governo se demonstraram insuficientes ou inexistentes”, prosseguiu Ventura,
citando o caso do povo Karipuna de Rondônia, “onde uma comunidade de cerca de 60 pessoas
continua enfrentando ameaças de invasores em um território que já está
homologado”.
“O
Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, que impõe o marco temporal e
inviabiliza as demarcações de terras indígenas. Esta lei contradiz a Suprema
Corte brasileira e a própria Constituição, assim como recomendações de
mecanismos e instrumentos da ONU”
·
Marco temporal
“O governo avançou
muito pouco na demarcação de terras durante seu primeiro ano. Em dezembro, o
Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, que impõe o marco temporal e
inviabiliza as demarcações de terras indígenas. Esta lei contradiz a Suprema
Corte brasileira e a própria Constituição, assim como recomendações de
mecanismos e instrumentos da ONU”, informou Ventura.
Em dezembro, o
Congresso Nacional derrubou a maioria dos vetos do presidente Lula e promulgou a Lei 14.701/2023. A medida
contraria, inclusive, o recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF)
que sepultou a tese do “marco temporal”, considerada inconstitucional. Desde
então, a lei está em vigor, colocando em risco diversas comunidades e territórios indígenas. Os povos cobram que a Suprema Corte declare a lei
inconstitucional.
Em diversos relatórios
e manifestações públicas, especialistas e comissões da própria ONU já
manifestaram preocupação com as restrições aos direitos indígenas ocasionadas
pela aplicação da tese do chamado marco temporal, que limita a demarcação de
terras indígenas apenas àquelas que estivessem sob a posse dos povos no dia 5
de outubro de 1988.
Em sua Revisão dos
Direitos Civis e Políticos do Brasil, em julho de 2023, o Comitê de
Direitos Humanos da ONU manifestou preocupação com a “falta de implementação efetiva do processo de
demarcação de terras, levando a um aumento de conflitos de terra, invasão
ilegal, exploração de recursos, ataques e assassinatos de povos indígenas”.
Na ocasião, o Comitê
recomendou ao Estado brasileiro que buscasse “defender o direito dos povos
indígenas a suas terras e territórios tradicionalmente ocupados, entre outras
coisas, revisando sua legislação e pondo fim à aplicação e institucionalização
da tese do marco temporal”.
Em junho, o relator
especial da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí
Tzay, pediu que o STF rejeitasse a aplicação da tese do marco temporal, “contrária aos
padrões internacionais”, para “evitar a perpetuação de mais injustiças” contra
os povos originários do Brasil.
·
55ª sessão ordinária do CDH
“Pedimos ao Conselho
de Direitos Humanos que mantenha a atenção sobre o que está acontecendo no
Brasil e continue solicitando ao Estado brasileiro que cumpra suas obrigações
internacionais”, concluiu Luis Ventura.
Na semana passada, o
jovem xamã Guarani Kaiowá Germano Lima, do tekoha Guira Kambi’y, em Douradina
(MS), e a missionária Marline Dassoler, do Cimi, também participaram de atividades do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A
55ª sessão do Conselho segue até o dia 5 de abril, e mais manifestações de
representantes indígenas e do Cimi estão previstas.
<<<<
Confira, abaixo, a íntegra da fala do secretário executivo do Cimi:
Estimados senhores,
Depois do primeiro ano
do novo governo no Brasil, afirmamos que ainda existem sérias dificuldades para
avançar na garantia dos direitos dos povos indígenas. O novo governo está muito
longe das expectativas criadas e do cumprimento de suas obrigações.
A violência contra as
comunidades indígenas permanece. Grupos armados são convocados abertamente em
redes sociais para atacar comunidades, com participação de grandes
proprietários de terra e de membros das forças de segurança do Estado em
lugares como Bahia ou Mato Grosso do Sul.
O governo avançou
muito pouco na demarcação de terras durante seu primeiro ano. Em dezembro, o
Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, que impõe o marco temporal e
inviabiliza as demarcações de terras indígenas. Esta lei contradiz a Suprema
Corte brasileira e a própria Constituição, assim como recomendações de
mecanismos e instrumentos da ONU.
A invasão de
territórios indígenas continua e as medidas de proteção adotadas pelo novo
governo se demonstraram insuficientes ou inexistentes, como no caso da Terra
Indígena (TI) Karipuna, no estado de Rondônia, onde uma comunidade de cerca de
60 pessoas continua enfrentando ameaças de invasores em um território que já
está homologado.
Pedimos ao Conselho de
Direitos Humanos que mantenha a atenção sobre o que está acontecendo no Brasil
e continue solicitando ao Estado brasileiro que cumpra suas obrigações
internacionais.
Muito obrigado.
# Luis Ventura
Fernández, secretário executivo do Cimi
Ø
MEIO AMBIENTE: Petrobras é uma das 5 piores
petroleiras do mundo no cumprimento de metas climáticas
Sempre que possível, o
comando da Petrobras gosta de falar em “transição energética”. E geralmente na
mesma frase associam esse processo a “aumentar a produção de petróleo”. Afinal,
também sempre que pode o presidente da estatal, Jean Paul Prates, reforça que a
petroleira vai produzir combustíveis fósseis “até a última gota”. E que a
empresa fará uma transição “com responsabilidade”.
O que essa
“responsabilidade” significa é uma incógnita. Mas o que está claro é que a
Petrobras é uma das cinco petroleiras do planeta que menos se comprometem com
metas climáticas e com a limitação do aumento da temperatura global em 1,5°C
sobre os níveis pré-industriais, como combinado no Acordo de Paris.
A conclusão é
do relatório Paris Maligned
II, lançado na 4ª feira (20/3) pelo Carbon Tracker, think tank que
monitora como os mercados financeiros e os investimentos podem afetar as
mudanças climáticas. O estudo comparou as 25 maiores empresas de petróleo e gás
fóssil do mundo listadas em bolsas de valores, informam DW e UOL.
O estudo considera
cinco fatores: Opções de Investimento; Sanções de Projetos Recentes; Planos de
Produção; Metas de Emissão; e Remuneração Executiva. As companhias foram
classificadas em uma escala de A-H, sendo “A” potencialmente alinhada com os
objetivos do Acordo de Paris, e “H”, a mais distante, levando a um aumento de
temperatura de 2,4°C – ou mais, destaca a epbr.
Justiça seja feita: a
estatal brasileira não é a pior no ranking. O título ficou com a
estadunidense ConocoPhillips, que cravou “H”. Vale lembrar que a Conoco é a responsável pelo Willow, projeto de exploração de combustíveis fósseis no Alasca
autorizado pelo governo de Joe Biden há um ano.
A Petrobras ficou com
“G” na análise. Foi a mesma avaliação obtida pelas estadunidenses ExxonMobil e
Pioneer – a primeira fechou a compra da
segunda em outubro de 2023 – e a saudita Saudi Aramco.
A petroleira que ficou
“melhor na foto” do Paris Maligned II foi a britânica bp. Mas, ainda assim,
obteve uma nota “D” na avaliação. Entre as empresas avaliadas pela Carbon
Tracker, a bp é a única que, a princípio, pretende reduzir sua produção de
combustíveis fósseis até 2030 – embora um grupo de investidores esteja
pressionando a companhia para enfraquecer suas metas
climáticas.
Seis petroleiras
atingiram “E”: Repsol, Equinor, Eni, Shell, TotalEnergies e Chesapeake. As
outras 13 avaliadas ficaram no patamar “F”.
“Empresas de todo o
mundo estão declarando publicamente que apoiam as metas do Acordo de Paris e
afirmam ser parte da solução para acelerar a transição energética.
Infelizmente, porém, vemos que nenhuma delas está atualmente alinhada com os
objetivos do Acordo de Paris”, disse Maeve O’Connor, analista de petróleo e gás
do Carbon Tracker e autora do relatório.
Em outras palavras,
falam muito e não fazem nada. A observação de Maeve é bastante familiar quando
se olha para o comando da Petrobras. E certamente de muitas (ou todas as)
petroleiras do planeta. Não à toa CEOs da indústria de combustíveis fósseis reunidos em Houston, na CERA Week, disseram ser “fantasia”
eliminar petróleo e gás fóssil.
<< Em tempo 1:
Na sanha de produzir
petróleo “até a última gota”, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates,
voltou a falar da “importância” de explorar combustíveis fósseis na “margem
equatorial” – leia-se foz do Amazonas. O que Prates não contou é que o IBAMA
multou a estatal em R$ 625,5 mil por infração ambiental na tentativa de
explorar petróleo num bloco próximo ao FZA-M-59, na bacia da foz do Amazonas,
para o qual a petroleira espera licença do órgão ambiental, conta Vinicius
Sassine na Folha. A infração envolve desrespeito a uma
condição prevista na licença de operação, que tratava de produção e descarte de
fluidos de perfuração e cascalho, conforme apontam documentos do IBAMA. A
autuação é uma das mais de 3.000 lavradas em razão de infrações cometidas pela
estatal nos últimos 10 anos. Os débitos somam R$ 985,6 milhões, dos quais apenas R$ 49,9 milhões – 5% – foram pagos.
<< Em tempo 2:
Outro que ama juntar
“transição energética” com “para isso, vamos produzir mais petróleo” é o
ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Também na CERAWeek 2024, o
ministro disse que o Brasil tem grande potencial para ampliar sua produção de
petróleo, mesmo no contexto de transição energética global, informa o Estadão. Segundo o ministro,
isso demonstra que “a transição energética precisa ser equilibrada, tem que ser
olhada pela ótica do respeito, da prioridade energética e em especial às
necessidades energéticas do planeta”. Será que é a tal da “responsabilidade” – com
os acionistas, não com o clima – sobre a qual Jean Paul Prates tanto fala?
Ø
“Fundos verdes” do BNDES financiaram R$ 1,8
bilhão para empresas multadas pelo IBAMA
De um lado, a
legislação ambiental dá uma base ampla à fiscalização para punir empresas que
não cumprem as regras. Nesse ínterim, as companhias abusam de recursos
administrativos e processos judiciais para protelar o pagamento de multas pelo
maior tempo possível, preferencialmente até a prescrição. E do outro, essas
mesmas empresas vão aos cofres públicos buscar dinheiro destinado a projetos
“sustentáveis”. Que, por falta de mecanismos de controle que conversem com os
órgãos ambientais, concedem empréstimos a juros camaradas e prazo idem.
De forma simplificada,
essa é a lógica por trás de um levantamento feito por Rafael Oliveira na Agência Pública com
base em dados do BNDES. A apuração revela que o “banco nacional do
desenvolvimento sustentável” – como se autointitula a instituição financeira em
seu site – emprestou mais de R$ 1,8 bilhão oriundo de instrumentos financeiros
sustentáveis para empresas que somam R$ 590 milhões em multas aplicadas pelo
IBAMA. A lista de beneficiadas com esses empréstimos “sustentáveis” que foram
multadas inclui gigantes envolvidas em escândalos ambientais, como a Vale e a
Braskem. E também Anglo American, Mineração Rio do Norte, Pedra Agroindustrial,
O Boticário e Suzano.
Ao todo, o BNDES
liberou R$ 5,6 bilhões em financiamentos verdes, dos quais R$ 1,8 bilhão se
destinaram a empresas multadas pelo IBAMA. O total de infrações emitidas a
essas companhias pelo órgão ambiental é de R$ 590,9 milhões. Mas apenas R$ 46,6
milhões desse valor, correspondente a 7,6% do total, foram pagos.
Os quase R$ 2 bilhões
destinados pelo banco por meio de instrumentos sustentáveis a empresas multadas
representam cerca de um terço do total despendido entre 2006 e novembro de 2023
com o Fundo Clima e com os
instrumentos financeiros “Meio Ambiente” e “Meio Ambiente – Incentivada A”. Do
valor total contratado, as empresas multadas desembolsaram R$ 976 milhões até a
publicação da reportagem. O levantamento não considerou as multas canceladas,
prescritas, suspensas sem depósito judicial, ou que foram baixadas por conta de
recursos deferidos.
As regras do BNDES
impedem apoio a quem cometeu crimes contra o meio ambiente. Na página
“Atividades, empreendimentos e itens não apoiáveis pelo BNDES”, a instituição
afirma não fornecer “apoio financeiro a clientes condenados, seja na esfera
administrativa ou judicial, por atos que envolvam: […] crime contra o meio
ambiente”. Afirma ainda que, “no caso de ter havido uma condenação pelos atos
acima, a contratação ficará impedida até a comprovação da regularização da
situação pelo cliente”. Dentre as multas analisadas pela Pública, a maior parte
ainda está em fase de contestação e análise de recursos, sem condenação
definitiva.
Para Luciane Moessa,
diretora executiva e técnica da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis
(SIS), a despeito dos autos de infração ainda serem passíveis de reversão, os
dados são “preocupantes” e as operações de crédito dessa natureza “deveriam estar
vinculadas a compromissos de regularização ambiental”.
“A gente está falando
de produtos verdes, que buscam gerar impacto ambiental positivo. É muito
importante ter indicadores objetivos e ter monitoramento para garantir que isso
vai ser gerado. Isso implica que uma empresa com irregularidades ambientais jamais
vai receber crédito com essas características? Não. Mas, se os recursos são
limitados em uma linha de crédito verde, o agente financeiro deveria premiar
empresas com melhor performance ambiental”, destacou.
Fonte: Cimi/ClimaInfo
Nenhum comentário:
Postar um comentário