Ex-embaixador do Brasil que poderia ter
evitado EUA de invadir Iraque relembra pressão que o demitiu
Em entrevista à
Sputnik Brasil, o ex-embaixador brasileiro José Maurício Bustani, destituído do
cargo de diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ)
em 2002 por pressão americana, revelou como a atuação dos EUA culminou em sua
demissão, já que ele defendia a não invasão do Iraque, iniciada em 20 de março
de 2003.
Após exatos 21 anos da
guerra, nesta quarta-feira (20), Bustani relata como o 11 de Setembro foi
instrumentalizado para justificar agendas políticas americanas de guerra.
O ex-embaixador estava
no comando da OPAQ desde 1997 e foi reeleito de forma unânime para um segundo
mandato em 2000.
Segundo ele, a
narrativa foi fabricada pelos EUA para justificar a invasão ao Iraque, alegando
a presença de armas de destruição em massa. "Saddam Hussein estava
totalmente desarmado", afirma.
Em janeiro de 2002, o
então presidente americano, George W. Bush, referiu-se ao Irã, ao Iraque e à
Coreia do Norte como um "eixo do mal" e acusou o regime de Saddam de
conspirar para desenvolver armas químicas e nucleares.
"Essa
classificação, cunhada pelo então presidente dos EUA, influenciou diretamente a
política externa e as ações militares da nação americana. A invasão do Iraque
foi, portanto, vista como uma resposta a essa percepção de ameaça."
• Ameaça nuclear
O ex-embaixador falou
com os jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, e
descreveu a irritação estadunidense quando o Iraque e a Líbia decidiram aderir
ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), contrariando o complexo militar-industrial
americano, que possui amplo financiamento privado e, àquela altura, já
considerava uma futura invasão dos EUA ao Iraque.
Ele havia atuado para
convencer países árabes a aderir à convenção, destacando os benefícios
econômicos e de segurança que a adesão proporcionaria. No entanto, Bustani
ressalta que, a partir daí, enfrentou uma grande oposição dos EUA, que tinham
como objetivo final a mudança de regime no Iraque e já construíam uma narrativa
para usar o suposto desenvolvimento de armas de destruição em massa pelo
governo de Saddam Hussein como justificativa.
Segundo ele, a OPAQ
tinha apurado que as armas químicas do Iraque haviam sido destruídas após a
Guerra do Golfo e que não havia capacidade para retomar os estoques. Foi aí que
a campanha para a sua demissão teve início.
"O Iraque tinha
armas químicas antes, e elas foram destruídas pelo pai de Bush [George H. W.
Bush] na Primeira Guerra. O Iraque tinha armas químicas que foram desenvolvidas
graças à tecnologia fornecida pelos americanos e pelos franceses."
De acordo com o
diplomata brasileiro, antes mesmo da invasão do Iraque, o próprio serviço de
inteligência do Reino Unido já tinha admitido que o país não possuía as tais
armas de destruição em massa.
"E, de repente,
você vê o Reino Unido com o [então premiê Tony] Blair se juntar com o Bush para
fazer essa guerra absurda. Obviamente eu fiquei meio perplexo. Por que como é
que o próprio serviço de inteligência que sempre me informou agora faz com que
o primeiro-ministro do Reino Unido apoie, e não só apoie, mas estimule o Bush a
fazer a guerra no Iraque?", questiona.
• Ascensão e queda
Apesar de elogios
iniciais do então secretário de Estado, Colin Powell, sobre seu trabalho, sua
posição começou a ser minada ainda nos primeiros meses do governo de George W.
Bush, relata, com críticas do governo americano à sua gestão. "A posição dos
americanos começou a mudar."
Ele destacou como a
ascensão do governo Bush trouxe consigo uma nova mentalidade na política
externa americana, centrada na guerra contra o terror e que, naquele momento,
já tinha escolhido o Irã, o Iraque e a Coreia do Norte como seus grandes
inimigos.
"Eles tinham que
encontrar um inimigo responsável por aquilo", afirmou, mencionando a
rápida mudança de foco em direção ao Iraque, mesmo sem ligação com os ataques
do 11 de Setembro.
Ele, que chefiou o
Departamento de Organismos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores
durante os governos Itamar Franco (então PMDB) e Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), viu-se alvo de uma intensa pressão dos EUA para endossar a narrativa
das armas de destruição em massa no Iraque, uma justificativa que possuía
"falta de evidências substanciais" e "informações
contraditórias".
Os EUA eram os maiores
contribuintes do orçamento da OPAQ e, mediante suas ações para evitar o
conflito, ameaçaram retirar seu apoio financeiro à entidade.
Em abril de 2002, a
pedido de Washington, uma votação especial foi realizada e teve 48 países a
favor de seu afastamento, com 7 contra e 43 abstenções.
"A minha grande
decepção naquele momento foi a falta de apoio do país que me indicou, que foi o
Brasil", lamentou. "Não me deu apoio, combinou com os americanos de
me derrubarem. E eu tinha que negar isso, porque todos os países tinham percebido
isso."
Segundo Bustani, a
origem do ataque do 11 de Setembro deve ser compreendida através de uma lente
histórica, remontando às relações conturbadas entre os EUA e os países
muçulmanos do Oriente Médio. O ex-embaixador argumenta que a frustração e o
ressentimento resultantes dessas políticas foram combustíveis para a ascensão
de grupos contrários ao Ocidente.
"Se você pensar
por que aconteceu o Bin Laden, você tem que voltar para trás para perceber o
que criou a necessidade de um grupo terrorista de origem muçulmana",
exemplifica.
O diplomata destaca
que a imposição da visão de mundo americana, a tentativa de impor um modelo
único e a falta de aceitação da diversidade cultural contribuem para alimentar
o sentimento antiocidental.
• Nova ordem mundial
Bustani também abordou
a necessidade de uma reforma internacional, destacando o papel do BRICS como um
contrapeso ao poder ocidental. Ele entende que é preciso uma nova ordem mundial
baseada em negociações e diálogo, em oposição à imposição unilateral de valores
e interesses.
"Eu acho que a
ordem mundial deve ser modificada. Ela tem que ser negociada em novas
bases."
Ele enfatiza a
necessidade urgente de diálogo e cooperação global para prevenir futuros
conflitos. Além disso, que é preciso evitar perpetuar inimigos imaginários,
como o comunismo, em detrimento do progresso e da estabilidade internacional.
"Os Estados
Unidos destroem, mas não constroem", afirma Bustani, comparando com a
abordagem chinesa, que busca estabilidade e desenvolvimento por meio de
cooperação e investimentos.
Bustani também
expressou preocupação com o estado atual do Brasil, destacando a
"influência negativa da ignorância e da desinformação" na sociedade.
Ele lamenta a falta de
coragem da imprensa em desafiar narrativas dominantes e alerta contra a
polarização e o obscurantismo — exemplificados, segundo ele, pela nomeação
controversa de líderes desqualificados para cargos importantes.
Por fim, ele sugere a
criação de um conselho de segurança ampliado e o estabelecimento de vetos
compartilhados como medidas para promover uma governança global mais inclusiva
e eficiente, e afirma que vê um futuro em que a diversidade cultural e política
seja respeitada, permitindo convivência pacífica e próspera entre as nações.
EUA fingem 'proteção' às Filipinas, mas
'buscam liberdade para seus navios de guerra', diz China
Em meio às
progressivas e intensas tensões entre China e Filipinas no mar do Sul da China,
Pequim disse que Washington deve se abster de "provocar problemas" e
mostrar sua verdadeira intenção ao defender Manila.
Na terça-feira (19), o
secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, ressaltou o
"compromisso férreo" de Washington em ajudar a defender as Filipinas
no caso de um ataque armado contra suas forças, depois que os confrontos entre
as guardas costeiras chinesa e filipina se agravaram recentemente.
"Apoiamos as
Filipinas e mantemos nossos firmes compromissos de defesa, inclusive no âmbito
do Tratado de Defesa Mútua", disse Blinken em entrevista coletiva com o
presidente Ferdinand Marcos Jr., segundo a AP News.
A Embaixada da China
em Manila disse em um comunicado nesta quarta-feira (20) que as atividades
chinesas no mar do Sul da China eram "legítimas e legais",
acrescentando que as observações de Blinken "ignoram os fatos, acusam
infundadamente a China".
Pequim também disse
que o secretário norte-americano voltou a "ameaçar a China com as chamadas
obrigações do Tratado de Defesa Mútua EUA-Filipinas", às quais o governo
chinês se opôs firmemente.
"Os EUA continuam
a dizer que querem assegurar a liberdade de navegação no mar do Sul da China,
mas na verdade querem garantir a liberdade de navegação dos navios de guerra
dos EUA. O fato de os navios de guerra e aviões norte-americanos terem viajado
milhares de quilômetros até a porta da China para ostentar seu poder e provocar
problemas é uma atividade totalmente hegemônica", afirmou a embaixada
chinesa, segundo a Reuters.
As Filipinas e os
Estados Unidos estão vinculados por um Tratado de Defesa Mútua de 1951, pelo
qual devem apoiar-se mutuamente em caso de ataque. O presidente filipino
Ferdinand Marcos Jr. pressionou a Casa Branca no ano passado para deixar clara
a extensão desse compromisso de segurança.
Fonte: Sputnik Brasil
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