Dono de fazenda onde Nega Pataxó foi morta
recebeu multa por incendiar APP na Bahia
Fotógrafo nas horas vagas,
fazendeiro e bolsonarista. Esse é o perfil de Américo Araújo de Almeida,
proprietário da Fazenda Inhuma, onde foi assassinada a pajé e líder indígena
Maria Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, no dia 21 de
janeiro. Próximo do Movimento Invasão Zero, milícia rural responsável pelo
ataque, Américo possui histórico de infrações ambientais, além de proximidade
familiar com o atirador, José Eugênio Fernandes Amoedo, de 19 anos.
Preso em flagrante,
Eugênio é filho da advogada bolsonarista Diana Fainstein Fernandes Amoedo.
Américo foi casado até 2021 com a professora Simone Andrade Teixeira, sobrinha
de Gicélia Fainstein — nas redes sociais, a filha de Américo chama ela de
“tia”. Gicélia é casada com um tio de Diana, a mãe do atirador, que foi tema de
reportagem do De Olho nos Ruralistas: “Advogada e latifundiária, mãe de
assassino de Pataxó defendeu pastora no 8 de janeiro“.
A Fazenda Inhuma,
local do crime, não está registrada junto ao Cadastro Ambiental Rural (CAR),
tampouco nas bases fundiárias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra). A ausência de cadastro junto ao poder público impede o
proprietário de realizar qualquer tipo de transação envolvendo a fazenda, como
financiamentos bancários e transferência imobiliária.
Apesar do vazio
cadastral, Américo deu uma entrevista em vídeo ao Blog do Edyy afirmando ser o
proprietário da fazenda e dando a sua versão do caso. Segundo ele, os indígenas
estavam armados com “rifles, pistolas e revólveres, exatamente o que está no boletim
de ocorrência”. Os Pataxó negam ter iniciado o conflito e relatam terem sofrido
torturas e espancamentos, com a conivência da Polícia Militar da Bahia (PMBA),
que permitiu a ação dos pistoleiros.
FAZENDEIRO INCENDIOU
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
Além da Fazenda
Inhuma, Américo cadastrou junto ao Incra duas propriedades em seu nome.
Localizadas no município de Barra do Choça (BA) — a 30 quilômetros de Vitória
da Conquista —, as fazendas Toca da Onça e Manaus somam 660,31 hectares. Além
da pecuária, Américo cultiva café na região.
Em 2003, o fazendeiro
foi autuado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) por destruir, sem autorização, 6 hectares de “floresta
considerada de preservação permanente” com uso de fogo. Mais de vinte anos depois,
as multas ainda não foram pagas e somam R$ 18 mil. Com correção monetária, o
valor corresponde a R$ 39,7 mil.
A Área de Preservação
Permanente (APP) em questão é a do Rio dos Canudos, que atravessa as duas
fazendas de Américo em Barra do Choça. Segundo dados do Programa de
Monitoramento do Desmatamento por Satélite do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Prodes/Inpe), o desmatamento nas fazendas de Américo em Barra do
Choça vem ocorrendo há pelo menos duas décadas, com focos recentes
identificados em 2022. Ao todo, foram desmatados 327,38 hectares — metade da
área total — concentrados especialmente no entorno da APP.
Confira no mapa abaixo
a mancha de desmatamento nas Fazendas Toca da Onça e Manaus:
FAZENDA VIZINHA SERVIU
DE PONTO DE APOIO PARA ATAQUE CONTRA OS PATAXÓ
Américo Almeida não se
encontrava na Fazenda Inhuma durante a retomada da área pelos indígenas Pataxó
Hã-Hã-Hãe, ocorrida em um sábado, dia 20 de janeiro. No domingo, o pecuarista
estava aquartelado na propriedade vizinha, a Fazenda Floresta, ao lado dos
membros do Movimento Invasão Zero, milícia rural que organizou o ataque.
Segundo afirmou em
entrevista, Américo “ficou sabendo” no dia seguinte que seus funcionários foram
rendidos por cerca de quinze homens encapuzados. Encontravam-se estendidos no
chão os corpos baleados dos irmãos Nailton e Nega Pataxó. Cacique da Terra Indígena
Caramuru/Paraguaçu, Nailton sobreviveu ao ataque. Não há registro de que
membros do Invasão Zero ou funcionários da fazenda de Américo tenham sido
feridos por arma de fogo.
A Fazenda Floresta
está registrada em nome de Maria Iza Pinto de Amorim Leite, pesquisadora na
área da pedagogia e membro de uma tradicional família da região de Vitória da
Conquista. A propriedade faz parte de um conglomerado de fazendas registradas
em nome de irmãos de Maria Iza: Eduardo e Crescêncio Pinto de Amorim Leite,
este último militante bolsonarista e entusiasta das concentrações golpistas em
portas de quartéis, realizadas entre 2021 e 2022.
Crescêncio segue
apenas sete perfis em sua página no Instagram. Um deles é o do deputado federal
Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS), um dos principais incentivadores do
Movimento Invasão Zero, que reivindicou o ataque aos indígenas da Fazenda
Inhuma. O gaúcho é presidente da Frente Parlamentar Invasão Zero, criada em
outubro de 2023, após o fracasso da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), liderada por Zucco e por
Ricardo Salles (PL-SP).
Entre os presentes no
ato de lançamento da frente, estavam o ex-presidente Jair Bolsonaro e a líder
do Invasão Zero, Renilda Maria de Souza, a Dida.
VÍDEO DETALHA CONEXÕES
ENTRE INVASÃO ZERO, UDR, TFP E BOLSONARO
Criado em abril de
2023, o Movimento Invasão Zero atua como uma milícia rural formada por
fazendeiros com o objetivo de coibir indígenas e movimentos do campo. Em um dos
primeiros vídeos postados no perfil do Instagram, de abril de 2023, uma mulher
filma uma carreata formada, principalmente, por caminhonetes. Ela diz: “Gente,
a união faz a força. Os sem terra invadiram a Fazenda Ouro Verde aqui no
município de Santa Luzia, na Bahia, os produtores se juntaram e estão
carregando os sem terra”. Santa Luzia fica a cerca de 50 quilômetros de Pau
Brasil, onde os fazendeiros fizeram a investida contra os Pataxó.
Apadrinhado pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro, o Invasão Zero se conecta a uma rede de
institutos e organizações da extrema direita. Em setembro de 2023, a presidente
do movimento, a advogada baiana Dida Souza, marcou presença no 1º Congresso do
Instituto Harpia Brasil, uma organização inspirada pelo grupo Tradição, Família
e Propriedade (TFP) e presidido pelo deputado bolsonarista Vítor Hugo (PL-GO).
Bolsonaro é o presidente de honra do instituto.
Dois meses depois do
primeiro congresso, em novembro, o instituto era lançado na Bahia, sob a
liderança de Dida Souza. Além da direita bolsonarista, o Harpia Brasil se
conecta à União Democrática Ruralista (UDR), fundada por Ronaldo Caiado, atual
governador de Goiás e um dos palestrantes convidados pela organização para o
congresso.
Fonte: De Olho nos
Ruralistas
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