Denise Assis: A noite dos generais
O que até agora era
tido como suspeita foi confirmado por uma fonte muito considerada do meio
militar, que garantiu e detalhou a presença da senhora Maria Aparecida, esposa
do general Eduardo Villas Boas, entre os acampados em frente ao quartel, na
noite de 8 de janeiro.
Sim, D. Cida, como é
chamada pelos seus mais próximos, esteve na Praça dos Três Poderes, juntamente
com a filha, conhecida como Titi. Ambas correram o risco de serem levadas para
o presídio da Papuda, a bordo de um dos ônibus à disposição da Polícia Militar
do Distrito Federal, naquela noite, destinados a recolher os depredadores dos
prédios públicos.
A confirmação
justifica, também, a providência tomada pelo comandante do Exército, o general
Júlio César Arruda, de enfileirar blindados na entrada do quartel. Sua atitude
foi combinada com o general Gustavo Henrique Dutra, chefe do Comando Militar do
Planalto, e teve como objetivo ganhar tempo na negociação que passaria a
ocorrer a partir daquele momento.
Enquanto Arruda se
apressou em posicionar os blindados, impedindo a entrada da PM, incumbida de
cumprir a ordem de prisão dada pelo interventor, Ricardo Capelli, aos
terroristas, o general Dutra ligou para o general Gonçalves Dias. Precisava
falar urgente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que àquela altura já
retornara de sua viagem a Araraquara (SP), onde foi surpreendido pela intentona
terrorista.
Dutra soube que no
diálogo áspero que teve com o ministro Flávio Dino, o general Arruda foi
incisivo – para não dizer grosseiro -, mas não expôs o real motivo pelo qual
ele não permitiria a entrada no acampamento, naquela noite. Ao reportar o
impasse para o comandante Gustavo Dutra, o comandante do Planalto atropelou
Arruda e ligou para falar diretamente com Lula. A ligação tinha o objetivo de
abrir o jogo. Ser claro. Não havia como liberar as prisões, sob pena de expor o
general Eduardo Villas Boas, um dos quadros mais considerados pelos militares,
prendendo a filha e a esposa daquele a quem todos chamam, segundo a fonte, de
“o líder”.
Aterrorizado com a
ideia da desmoralização de Villas Boas, o que mancharia ainda mais a imagem das
Forças Armadas, e do “líder”, Dutra se encorajou e conseguiu que o general
Gonçalves Dias passasse o telefone para Lula. Dutra expôs então, para o
presidente, o porquê da atitude de Arruda e o risco de sublevação, caso D. Cida
fosse colocada em um dos ônibus, juntamente com a filha, rumo ao presídio.
Diante do quadro, não restou a Lula nada mais a não ser render-se aos fatos. Os
acampados tiveram a noite toda para deixar o acampamento.
Foi assim que – embora
o número de presos na noite de 8 de janeiro fosse de 243 -, muitos escaparam da
prisão. No dia seguinte mais 1152 pessoas foram detidas e, ao longo do ano de
2023, a partir de operações de busca e apreensão, mais 35.
A situação ficou
atravessada na garganta de Lula e se agravou quando Arruda se negou a voltar
atrás na indicação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante-de-ordem de Jair
Bolsonaro, para o Comando de Operações Terrestres ali, ao lado, em Goiás. O
mesmo que havia sido colocado à disposição do golpe, tendo no comando o general
Estevam Theophilo, de acordo com as investigações da Polícia Federal.
Restou ao ministro
José Mucio a missão de avisar ao general que ele estava fora do Comando do
Exército e devidamente colocado na reserva, no dia 21 de janeiro de 2023, um
sábado. A troca foi publicada em edição extra do "Diário Oficial da União".
"Evidentemente
que depois desses últimos episódios, a questão dos acampamentos e a questão do
dia 8 de janeiro, as relações, principalmente no Comando do Exército, sofreram
uma fratura no nível de confiança e nós achávamos que nós precisávamos estancar
isso logo de início até pra que nós pudéssemos superar esse episódio",
disse o ministro, ao lado do novo comandante, Tomás Paiva, em declaração à
imprensa no início da noite daquele sábado.
Quanto ao general
Dutra, passou a exercer o cargo de 5º Subchefe do Estado-Maior do Exército. A
troca de cargo lhe foi anunciada no dia 16 de fevereiro, por meio de um
comunicado divulgado para toda a tropa.
O “líder”, Villas
Boas, que entrou para a história muito menos por seu papel de liderança na
tropa, mas principalmente pelo envio de um Twitter, agora classificado pelo
ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar mendes, de “faca no pescoço”, em
entrevista ao jornalista Mario Vitor. No post, o general veladamente ameaçava
com uma intervenção militar, caso o STF não votasse pela negação de um habeas
corpus que livraria Luiz Inácio Lula da Silva da prisão. O desfecho, todos
conhecem. O Supremo votou contra e Lula foi preso no dia 7 de abril de 2018.
• Mauro Cid corre o risco de ser um “morto
ficto”
O tenente-coronel,
Mauro Cid, o ex-ajudante-de-ordem, chegou a ser preso, mas diante do acordo de
uma delação premiada, ganhou o direito de cumprir medidas cautelares em prisão
domiciliar e aguarda o seu destino, que deve desembocar em indiciamento.
Enquanto isto, não
acontece, já teve a promoção ao cargo de coronel suspensa e, caso seja
condenado, caberia um julgamento também no Supremo Tribunal Militar. Já chegou
até ele, contudo, a garantia de que o STM não moverá uma palha contra os
militares que estão sendo ouvidos e restarem indiciados. O atual presidente do
STM, Francisco Joseli Camelo – prestes a se aposentar -, já disse que os casos
estão com a Justiça Comum e assim permanecerão.
Mauro Cid, porém,
corre o risco de ser julgado pelo STM, caso venha a receber uma pena maior que
dois anos. Nesta situação ele perderia a patente e seu soldo passaria a ser
recebido pela esposa, Gabriela Cid, pois ele seria colocado na condição de
“morto ficto”. Trata-se de uma figura, nas regras militares, que corresponde a
“morto vivo”. Um subterfúgio que garante aos seus familiares, o sustento. O
meio militar entende que a família não pode ser punida pelos erros do oficial.
Outra perda que Cid
sofrerá será a do PRN – terá de deixar o Prédio Residencial Nacional. Terá de
se mudar, com a sua família, do condomínio destinado aos oficiais militares
onde mora e é vizinho, por exemplo, do general Villas Boas e D. Cida.
Os oficiais, quando
passados para a reserva perdem esse benefício. No caso do general Villas Boas,
segundo a fonte, “por questão de humanidade, ele está muito doente -, e até
mesmo em respeito à liderança que ele é -, foi-lhe facultado o direito de permanecer
no PRN”, revela. Para dar a dimensão da importância do general, ele faz uma
revelação bombástica.
“Ele é muito
respeitado. O que se sabe é que naquele episódio da demissão dos três
comandantes, por Bolsonaro (Forças Armadas: Edson Pujol (Exército), Ilques
Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermudez (Aeronáutica), ele chegou a
dizer entre amigos, que se estivesse bem de saúde tiraria Bolsonaro do cargo e
assumiria o poder. E seria apoiado, se o fizesse”, garante a fonte.
No momento, Villas
Boas está recolhido. As notícias sobre os integrantes de sua turma não são boas
do seu ponto de vista. Na turma que está no comando, reina o alívio, embora no
meio acadêmico os cientistas políticos já fazem análises de que é apressada a
tentativa do Alto Comando de considerar heróis os que desfilam pelas páginas e
telas da mídia: o ex-comandante da Aeronáutica, Carlos Batista Júnior e o do
general e ex-comandante do Exército, Marco Freire Gomes.
Em entrevista ao
portal RFI, o professor Diogo Cunha, do Departamento de Ciência Política da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), defende que se tenha cautela. Em sua
opinião, tudo isso manchou a imagem da corporação e, ainda que as revelações
agora prestadas em longas horas de depoimento sejam de fato verdadeiras, parece
haver também um esforço em recuperar o dano e afastar a caserna do
bolsonarismo.
“No famoso tweet do
Vilas Boas, você via que eram as Forças Armadas entrando de cabeça na política
partidária, aparentemente com o projeto de poder, com o seu candidato, que era
Jair Bolsonaro. Deu errado, pelo menos a manutenção dele no poder no segundo
mandato. Então agora o esforço vai ser se distanciar disso. E me parece que
eles não vão hesitar em deixar o Bolsonaro no meio do caminho.” A conferir.
Artigo 142: Ives Gandra desconstrói álibi
de Bolsonaro e aliados para tentativa de golpe
Citado pelo
ex-comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, como autor da
interpretação do Artigo 142 da Constituição que deu álibi para Jair Bolsonaro
(PL) arquitetar um golpe de Estado, o jurista Ives Gandra Martins desconstruiu
a tese usada para pressionar militares da cúpula das Forças Armadas.
Na oitiva, Freire
Gomes afirmou que nas reuniões que teve com o ex-presidente "eram expostas
as interpretações do jurista Ives Gandra Martins de utilização das Forças
Armadas como Poder Moderador, com base no art. 142 da Constituição
Federal".
Ao expor nessas
reuniões que "não havia possibilidade de utilização do referido art. 142
da CF para emprego das Forças Armadas", Freire Gomes diz que "passou
a receber ataques à sua honra e à de sua família".
Gandra também foi
citado no diálogo do coronel reformado Laercio Vergílio com Ailton Barros,
capitão expulso do Exército.
Ao esclarecer a troca
de mensagens à PF, o coronel "esclarece que a chamada operação especial
seria uma fase posterior e que tudo deveria ser realizado dentro da lei e da
ordem embasado juridicamente com base na Constituição Federal, principalmente com
os argumentos apresentados pelo jurista Ives Gandra Martins".
Em entrevista à Folha
de S.Paulo, publicada na edição deste sábado (16) Gandra Martins disse que a
interpretação usada por Bolsonaro e aliados é de 1997 e que não prega qualquer
"ruptura institucional".
"Minha
interpretação é que, se um dia houver um conflito entre Poderes e um Poder
pedir às Forças Armadas, nesse caso poderia, para aquele ponto concreto,
específico, exclusivo, jamais para desconstituir Poderes, decidir. E eu dizia
que era hipótese que nunca aconteceria", explicou o jurista, que atuou
como professor emérito da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército por
mais de 30 anos.
"A minha
interpretação está claríssima, onde eu sempre disse que não poderia
desconstituir Poderes. Claramente jamais numa Constituição democrática se
admitiria a ruptura institucional", emendou, colocando um ponto final no
álibi bolsonarista para o golpe.
• Ruptura institucional
Em seu depoimento, o
ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos Almeida Baptista Junior,
disse à PF que havia alertado Bolsonaro de que não houve fraude nas eleições,
segundo relatório feito pelos próprios militares.
Em seguida, o
ex-comandante da Aeronáutica disse ainda que deixou claro ao ex-presidente que
não apoiaria, em qualquer hipótese, uma "ruptura institucional",
termo usado pelos golpistas baseado na interpretação torta de Gandra Martins.
Em outra reunião dos
comandantes das Forças com o então Presidente da República, o depoente deixou
evidente a Jair Bolsonaro que não haveria qualquer hipótese do então presidente
permanecer no poder após o término do seu mandato. Que deixou claro ao então
presidente Jair Bolsonaro que não aceitaria qualquer tentativa de ruptura
institucional para mantê-lo no poder", afirmou.
A declaração foi
confirmada por Freire Gomes em oitiva à PF dias após o depoimento do colega da
FAB.
"Que confirma que
o conteúdo da minuta de decreto apresentada foi exposto ao declarante nas
referidas reuniões. Que ressalta que deixou evidenciado a Bolsonaro e ao
ministro da Defesa [general Paulo Sérgio Nogueira] que o Exército não aceitaria
qualquer ato de ruptura institucional", disse o general.
À PF, Baptista Júnior
também relatou a reação de Bolsonaro diante da posição dos dois comandantes,
contrários ao golpe. "O ex-presidente ficava assustado", disse.
Investigação sobre golpe avança, antecipa
disputa por legado de Bolsonaro e faz PL tentar refazer pontes com o STF
O nítido avanço das
investigações sobre a tentativa de golpe no dia 8 de janeiro de 2022, em
especial na última sexta-feira (15), com a divulgação dos depoimentos dos
ex-comandantes da Marinha e do Exército, causou a uma espécie de reação em
cadeia na política, no Judiciário e no PL.
No Judiciário, mesmo
os mais céticos atestam que a situação jurídica de Bolsonaro é débil, que os
fatos são graves e que será muito difícil evitar uma denúncia da
Procuradoria-Geral da República. A única dúvida que ainda permanece é quando.
Qual será o timing?
Essa certeza de que,
juridicamente, a situação não passará em branco teve como consequência um
aumento dos contatos entre integrantes da cúpula do PL e integrantes do
Supremo. É uma tentativa refazer as pontes que Bolsonaro implodiu durante seu
mandato.
Valdemar da Costa
Neto, por exemplo, foi recebido por um ministro da corte. Ele usou a conversa
para tecer comentários a respeito da investigação e para se queixar da
proibição de falar com Bolsonaro -- já que ambos são investigados no caso.
O impacto prático da
conversa é zero. "Não há o que fazer" relatou o ministro a aliados.
Mas mostra que o PL tenta, de alguma forma, voltar a ter algum diálogo com o
STF.
A proibição de falar
com Bolsonaro preocupa Valdemar porque o ano é de eleição e ele quer usar o
ex-presidente para fazer prefeitos Brasil afora. "Bolsonaro é melhor cabo
eleitoral do que candidato", repetem cardeais do centrão.
Já para Bolsonaro, o
road show dá oportunidade para oferecer aos seus militantes mais fieis um
discurso que amenize as cores da já explícita tentativa de golpe. O
ex-presidente, que antes dizia jamais ter visto a minuta do golpe, agora diz
que, sim, debateu temas relacionados a ela --e que ele não vê crime nisso.
A minuta, segundo as
investigações e os ex-comandantes das armas, previa fechar a Justiça Eleitoral,
prender Alexandre de Moraes, instalar um estado de exceção no país com o uso
das Forças Armadas.
Fonte: Brasil
247/Fórum/g1
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