Denise Assis: Militares vivem a hora do
salve-se quem puder
“Com apoio popular e a
delação de Cid em reavaliação, o risco de prisão de Bolsonaro fica mais
distante”, diz um aliado do ex-presidente. A declaração deixa no ar a suspeita
de que houve algum tipo de “armação” nos vazamentos dos áudios que foram
exibidos pela Revista Veja, na semana passada. E de que eles foram úteis para
alguém. Há até mesmo quem aposte, em seu entorno, que a delação do
ex-ajudante-de-ordem possa ser anulada juridicamente, levando a que perca força
política.
O quadro acima dá bem
a dimensão do que pode estar por trás desses episódios que acabaram por levar o
tenente-coronel, Mauro Cid, de volta ao Batalhão da Polícia do Exército, em
Brasília, novamente na condição de preso.
Há até mesmo, entre os
apoiadores de Bolsonaro, quem aposte até que os vazamentos de Mauro Cid
afastaram o risco de sua prisão nos próximos meses, após o tenente-coronel ter
dito que foi “obrigado” a delatar o ex-presidente.
As declarações o
colocaram mal com a Polícia Federal e tiraram o ministro Alexandre de Moraes do
sério. Sem contar que ninguém entendeu como Mauro Cid ignorou o risco de trazer
de volta ao processo movido sobre a falsificação do cartão de vacinas de sua
família, e do ex-presidente e sua filha, a sua mulher, Gabriela Cid. Deixá-la
fora era um dos benefícios que obteria, em caso de uma delação bem-sucedida.
Outro ponto, seria salvar a honra do pai, o general Mauro Cid, ex-integrante do
Alto Comando do Exército Brasileiro, fotografado em plena tentativa de venda de
joias do patrimônio da União.
Desde que deixou a
prisão, para onde foi levado em 3 de maio de 2023 e saiu em 9 de setembro do
mesmo ano, o ex-ajudante-de-ordem cumpria medidas cautelares e estava em prisão
domiciliar, proibido de ter contato com outros investigados. Ao receber voz de
prisão, nesta tarde, na PF, onde foi prestar esclarecimentos sobre os áudios
recebidos pela Veja, Mauro Cid desmaiou. A reação leva a questionamentos sobre
que tipo de treinamento andam tendo esses militares do EB.
Para um estudioso do
meio militar, o que está em curso é uma “guerra psicológica adversa”. Em sua
opinião, dela fazem parte uma “operação abafa” e uma outra para limitar o
número de envolvidos militares que terão de comparecer diante de um juiz civil,
mesmo que seja do Supremo (STF), para colocar suas explicações e possivelmente
serem condenados. Não há nada nesse momento, segundo esse estudioso, que possa
salvar os generais Walter Braga Netto, Paulo Sérgio de Oliveira e o almirante
Almir Garnier.
A situação do general
Augusto Heleno é ainda um pouco incerta. “Há uma preocupação de não se trazer
muitas coisas em relação ao Heleno, devido ao fato de ele ser identificado como
um sobrevivente de 1964, com muito prestígio nas Forças Armadas, dando a parecer
que seria uma vingança contra 1964, quando ele já era um golpista, em 1977,
quando se colocou contra o processo de abertura”, analisa.
Um outro grupo que
está na ribalta é um grupo absolutamente indefensável, como o general Estevam
Theophilo - que estava no comando do Comando de Operações Terrestres (Coter). O
general Júlio Arruda, que estava no Comando do Exército e protegeu os acampamentos
patrióticos no dia 8 de janeiro e, mais do que isso, desdobrou blindados para
proteger golpistas. Ele não aceitou a transmissão de cargo no momento certo e
ainda ameaçou claramente o ministro Flávio Dino, na noite de 8 de janeiro.
Também está sendo
salvo nessa “operação abafa”, o general Dutra, (Gustavo Henrique Dutra), que
era o general comandante militar do Planalto e nada fez para evitar a
destruição dos palácios da República. E, claro, o coronel Fernandes da Hora
que, dizem, está num cargo na Espanha, e era o comandante da Guarda
Presidencial, o Batalhão Duque de Caxias, com pelo menos seiscentos a
setecentos homens disponíveis para proteger o palácio e não o protegeu.
De acordo com esse
especialista, “o grupo que está sendo salvo, é que causa estranhamento.
Trata-se de um terceiro grupo, ou um terceiro grupo de indivíduos, composto
pelo general Marco Gomes Freire, o Brigadeiro Batista Júnior e mais alguns, que
o tempo todo sabiam do golpe, mas que tentaram deter por dentro, segundo eles,
o golpe. E que também estariam sendo salvos”.
Nesse contexto, fica
clara a solidão do primeiro grupo: Paulo Sérgio, Walter Braga Netto e o Cid,
que entram nesse primeiro grupo, e o Almir Garnier. “Nesse sentido, a gente
deve destacar o ar de espanto do advogado do Mauro Cid - Cezar Bitencourt -,
dele ser indiciado, pois ele teria colaborado o tempo todo”, destaca. “É muito
claro que ele achava que depois disso tudo, o Cid não seria levado perante um
juiz. No fundo, a decisão se o Cid deve ser condenado e qual a pena, pelos
diversos crimes que ele cometeu, é de um juiz, e não da Polícia. O delegado fez
a coisa certa, em indiciá-lo. Agora o juiz é que resolve à luz da aparente, até
então, colaboração do Cid”, observa.
Na opinião do
especialista, agora, com o indiciamento de Bolsonaro e do seu grupo, “eles
partiram para uma ofensiva. E esta ofensiva é desacreditar o processo, o
andamento processual, o juiz da causa e a própria delação. Isso claramente não
é uma operação especial. Isso é uma operação de guerra psicológica e adversa.
Não pode ser chamada de operação especial como está sendo chamada por alguns,
mas sim, de guerra psicológica e adversa”.
Ele destaca que a
técnica é ministrada aos militares, naquele mesmo batalhão cujo comandante
(Guilherme Marques de Almeida), desmaiou ao ser abordado pela PF, para depor.
“Então, na verdade,
esses movimentos estão encadeados e se ligam entre eles, num processo de
redução do dano, que quer dizer: Braga Netto, o próprio Cid e Almir Garnier.
Talvez Augusto Heleno, que está sendo esquecido nesse processo. Isso implicaria
que esse núcleo dos processáveis poderia ser levado até aquilo que nós
chamaríamos de declaração de indignidade do oficialato, perdendo a patente,
embora não perdendo o soldo, já que podem ser declarados “mortos fictos”, em
favor da família. Esse é o grande grupo.
Uma situação especial,
destaca, “é a do general Cid, a do pai do tenente-coronel, Mauro Cid. No
sentido de que esse forneceu prova fotográfica do seu trabalho de
interceptação. E, entretanto, não aparece no indiciamento. Está naquele grupo
que deve ser salvo, formado pelo general Arruda, pelo general Dutra, pelo
Fernandes da Hora e pelo próprio Cid. Lembrando que no Caso do general Cid,
houve a tomada do telefone dele e se esperava que houvesse a transcrição do
conteúdo do telefone dele, já que ele falou com todo o Alto Comando, e ele
mobilizou todos para evitar a prisão do filho.
“Praticamente ninguém
está mais falando do general Cid, embora ele tenha tido o telefone tomado e
tenha apresentado prova contra ele mesmo, quando se fotografou como
interceptador de peças roubadas do patrimônio público”.
E, é importante notar,
adverte, “que essa operação de abafo, salvando Arruda, salvando Dutra, salvando
Fernandes da Hora, salvando o general Cid, salvando o general Theophilo, e
talvez até Augusto Heleno, ela é fundamental porque é a resposta que os militares
dão para a questão: o que fazer com o general Braga Netto e com o general Paulo
Sérgio?”. É que na visão deles, esses não são mais militares. Quando eles
aceitaram cargos políticos, eles passaram a ser políticos. Inclusive filiados a
partido político, como no caso do PL.
Nesse sentido, não
haveria mal nas ações desse reduzido número, porque na verdade a gente estaria
condenando políticos e não militares. “E isso é totalmente diferente se
apanhasse o Arruda, o Dutra, o Fernandes da Hora o general Cid e o general
Theophilo. Porque aí, é praticamente - tirando os dois coronéis: Mauro Cid e
Fernandes da Hora -, um terço do Alto Comando, que não tinha cargo político”.
Aí vai direto no coração da instituição Forças Armadas.
Ø
O próximo a desmaiar pode ser um general.
Por Moisés Mendes
Os brasileiros merecem
os presentes que o sistema de Justiça vem oferecendo ao país às vésperas de
mais um 31 de março. O resgate da democracia passa também pelo fortalecimento
da autoestima.
E o próximo presente,
depois da prisão dos mandantes da morte de Marielle, poderia ser o pacote
completo dos mandantes que mandavam nos mandantes presos.
Precisamos chegar aos
mandantes dos mandantes e suas motivações. Que o sistema de Justiça ofereça aos
brasileiros, mas agora sem tanta demora, os nomes dos que levaram os irmãos
Chiquinho e Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa ao planejamento da morte
de Marielle.
É o que os clássicos
da literatura, os antigos livros policiais de bolso e até as séries da Netflix
e as novelas da Globo ensinam. Um mandante que manda executar tem atrás dele um
mandante ou vários outros mandantes mais poderosos e encobertos.
As estruturas que
conseguiram manter segredos em torno do assassinato da vereadora até agora são
mais do que parte de uma facção criminosa. São parte das estruturas políticas
que os sustentam.
Marcelo Freixo sabe
disso, como sabem todos os que conhecem o funcionamento das milícias e
similares. Não existe crime organizado no Rio sem suporte de estruturas
políticas e institucionais poderosas.
O Rio é a escola onde funcionam
essas organizações, com interesses específicos em várias áreas, mas sempre sob
sustentação da política e de seus tentáculos no Estado, desde a polícia até o
Judiciário e o governo.
A espera pela
identificação dos mandantes que mandavam nos mandantes presos pode reproduzir e
prolongar a angústia que persistiu até aqui, seis anos depois do crime. Mas
agora o Brasil vai querer saber.
Pelas conexões que
começam a ser expostas, poderemos ter, daqui a pouco, mais um desmaio de
fascista, desta vez talvez até de um general. Para que também nessa área dos
desmaiadores exista alguma hierarquia. Chega de coronéis desmaiando.
O caso Marielle
amplifica o sentimento de que o Brasil é uma fábrica de bandidos que se
transformam em delegados, promotores, procuradores, militares, juízes de baixas
e altas cortes, deputados, senadores e até presidente da República.
Fonte: Brasil 247
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