Como as orquídeas inspiraram Darwin — e dão sinais de alerta sobre degradação ambiental
Todos os anos, o Kew
Gardens — o Jardim Botânico de Londres, no Reino Unido — realiza um festival de
orquídeas com um tema específico.
Na edição de 2024, os
curadores do evento decidiram homenagear Madagascar. Os artistas usaram mais de
5 mil orquídeas e outros materiais orgânicos para criar esculturas, arcos e
arranjos que ilustram a fauna e a flora desta ilha africana.
Ao lado de outros
veículos de imprensa, a BBC News Brasil teve acesso à estufa onde as peças
foram montadas antes da abertura da exposição para o público.
Na ocasião, cientistas
responsáveis por cuidar e estudar essas plantas também compartilharam os fatos
científicos mais curiosos sobre as orquídeas.
Uma dessas flores, por
exemplo, serviu de inspiração (e provação) ao famoso naturalista inglês Charles
Darwin.
Outra espécie desta
mesma família fornece um dos condimentos mais apreciados da gastronomia: a
baunilha.
E as orquídeas também
podem ser os principais indicadores da saúde e do equilíbrio de um determinado
ambiente.
Confira os detalhes
sobre esses e outros fatos científicos curiosos sobre essas plantas ao longo
desta reportagem.
• Um grupo vasto e diverso
Ao lado das
margaridas, as orquídeas integram uma das mais vastas famílias de plantas
conhecidas pela ciência.
De acordo com
estimativas divulgadas pelo Kew Gardens, já foram descritas mais de 25 mil
espécies diferentes de orquídeas.
Elas crescem em todos
os continentes, com exceção da Antártida.
A variedade delas
também chama a atenção. As menores orquídeas do mundo, como a Platystele
jungermannioides, têm apenas 3 milímetros de altura.
Já a maior (Vanilla
planifolia) possui ramos que chegam até os 20 metros de extensão.
Já a orquídea-tigre,
ou Grammatophyllum speciosum, possui hastes de flores com até 2 metros.
O agrônomo brasileiro
Marcelo Sellaro, que trabalha no herbário do Kew Gardens, explicou que, apesar
de cerca de 70% das espécies de orquídeas crescerem em árvores, elas não são
consideradas parasitas.
Isso porque elas usam
os troncos e galhos apenas como suporte e não extraem nenhuma seiva da árvore.
Por essa razão, são descritas como plantas epífitas.
Outro fato curioso
sobre as orquídeas mencionado por Sellaro tem a ver com a relação dessas
plantas com os animais que fazem a polinização.
Cerca de 60% das
espécies desta família "enganam" pequenos insetos, que são atraídos
para as flores — embora os animais não encontrem ali nenhum tipo de recompensa,
como o néctar.
Mesmo assim, ao
interagirem com a flor da orquídea, os bichinhos saem das pétalas carregando o
pólen, que é espalhado pelo ambiente e permite a reprodução dessas plantas.
• Inspiração para Darwin
Um capítulo digno de
nota na relação entre seres humanos e orquídeas envolve Darwin, o criador da
Teoria da Evolução.
Em 1862, ele recebeu
uma amostra da Angraecum sesquipedale, uma espécie de Madagascar que é
conhecida popularmente como "orquídea-estrela" ou "orquídea de
Darwin" — pelos motivos que você entenderá a seguir.
Essa flor de
tonalidade branca e amarela possui uma característica marcante: na parte
inferior, ela tem um tubo bem alongado, como é possível observar na imagem
abaixo.
Ao analisar a espécie,
Darwin especulou que deveria existir no habitat da planta algum inseto com uma
probóscide (um tipo de língua) tão comprida a ponto de chegar até o fim do tubo
e sugar o néctar que se acumula ali.
E isso, por sua vez,
garantiria o espalhamento do pólen da Angraecum sesquipedale.
Mas havia um problema:
na época em que Darwin fez essa presunção, nenhum animal com essas
características havia sido observado em Madagascar.
Alguns especialistas
chegaram a ridicularizar a hipótese do naturalista inglês.
No início do século
20, porém, a especulação sobre o "inseto linguarudo" virou realidade:
exploradores identificaram a mariposa-falcão, que de fato possui as
características descritas por Darwin.
Ela recebeu o nome
científico de Xanthopan morganii praedicta — que em latim significa algo como
"a mariposa prevista", em alusão aos escritos de Darwin.
Um artigo publicado no
site do Jardim Botânico de Nova York, nos EUA, lembra que o criador da Teoria
da Evolução era um ávido pesquisador de orquídeas e chegou a escrever livros
específicos sobre elas.
E a Angraecum
sesquipedale acabou se tornando um exemplo perfeito de coevolução, que ocorre
quando duas espécies — neste caso, orquídea e mariposa — interferem mutuamente
nas habilidades de crescimento e adaptação.
• Um raro condimento
Outro fato científico
curioso relacionado às orquídeas é o fato de a baunilha ser extraída de uma
planta que pertence a essa família.
A Vanilla planifolia
tem um formato alongado e cresce de forma parecida a uma videira.
Ela é uma espécie
típica do México, da América Central e da porção norte da América do Sul, mais
especificamente a Colômbia.
A baunilha é extraída
das vagens que nascem a partir da floração da planta. Esses frutos são secos e
curados — o Kew Gardens pontua que os astecas foram os primeiros a usá-los como
condimento, em preparações que também levavam o cacau.
Hoje em dia, as
alterações do habitat tornaram a Vanilla planifolia uma espécie ameaçada de
extinção — e boa parte do cultivo dela para consumo se concentra em locais onde
essa orquídea foi introduzida por seres humanos, como regiões da África e da
Ásia.
Ainda segundo o Kew, a
baunilha é o segundo condimento mais caro do mundo, atrás apenas do açafrão.
O valor elevado se
deve ao trabalho para o cultivo da espécie. Para ter ideia, fora dos locais de
origem essa planta precisa ser polinizada à mão.
• O 'canário da mina'
Em entrevista à BBC
News Brasil, a horticulturista botânica Solène Dequiret descreve as orquídeas
como os "canários da mina" da conservação ambiental.
Esse termo faz alusão
à prática de mineradores do século 19, que costumavam levar canários para as
minas de carvão.
O animal era usado
como um sinalizador de alerta — se ele morresse, havia fortes indícios da
existência de gases tóxicos ou da falta de oxigênio naquele ambiente, e os
trabalhadores saíam correndo da mina, antes de terem o mesmo fim do pobre
passarinho.
Voltando às orquídeas,
Dequiret destaca que elas são muito sensíveis — e também sinalizam um perigo
premente.
"Elas são as
primeiras espécies a desaparecer [quando um ambiente começa a ser
degradado]", resume a especialista, que é a supervisora do Conservatório
Príncipe de Gales do Kew Gardens, onde o festival das orquídeas foi montado.
"Ou seja, elas
são um bom indicador da saúde do ambiente em que vivem."
O Kew Gardens estima
que cerca de 50% das espécies de orquídeas do mundo estão sob risco de extinção
por causa da destruição do habitat delas e das mudanças climáticas.
Fonte: BBC News Brasil
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